CONSIDERAÇÕES SOBRE A VIABILIDADE TÉCNICA E SOCIAL DA CAPTAÇÃO E ARMAZENAMENTO DA ÁGUA DA CHUVA EM CISTERNAS RURAIS NA REGIÃO SEMI-ÁRIDA BRASILEIRA.
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- Pedro Fagundes Pereira
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1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A VIABILIDADE TÉCNICA E SOCIAL DA CAPTAÇÃO E ARMAZENAMENTO DA ÁGUA DA CHUVA EM CISTERNAS RURAIS NA REGIÃO SEMI-ÁRIDA BRASILEIRA. Felipe Tenório Jalfim. Coordenador do Programa de Apoio à Agricultura Familiar da Diaconia. Rua Marques Amorim 599 Ilha do Leite. Recife Pernambuco, Brasil. CEP: RESUMO Apesar dos benefícios visíveis e concretos na qualidade de vida das famílias que vêm adotando a captação e armazenamento de água de chuva que escorre do telhado em cisterna para abastecimento humano, a verdade é que o papel e a importância dessa medida de convivência com o semi-árido (S.A) ainda são pouco compreendidos pela maioria de nossos técnicos, governantes, nos seus diferentes níveis (federal, estadual e municipal) e, também, por boa parte das famílias do meio rural do semi-árido. Uma boa forma de esclarecer esse público sobre a viabilidade técnica e social desta proposta pode ser feita através da utilização de um cálculo prático do funcionamento desses sistemas, nas condições mais comuns do nosso semi-árido (S.A), como o seguinte: Pode-se dizer que a maioria dos telhados no S.A tem uma superfície superior a 70m 2. O consumo humano de água (beber e cozinhar) é de 6 litros per capita. Assim, para um ano muito crítico, com uma precipitação de 200mm, tendose uma área de captação de 70 m 2, subtraindo as perdas normais da captação (25%), um sistema comum pode acumular litros de água de chuva. A demanda média de uma família de 5 pessoas seria em média de litros. Logo, conclui-se que no meio rural do S.A, há uma viabilidade técnica efetiva de atendimento da demanda de água para consumo humano a partir da captação de água de chuva em cisterna. Na pior das hipóteses, os sistemas garantiriam a água de beber em situações extremas de seca, abaixo de 200 mm. Nos casos das residências com telhados pequenos, abaixo de 40 m 2, pode-se adotar uma tecnologia que consiste numa área de captação de 100 m 2 construída a partir de solo compactado e cimento acoplada a uma cisterna de placa semi-submersa. No entanto, o sucesso da cisterna enquanto
2 obra física depende, com raras exceções, diretamente da apropriação do papel da cisterna na unidade familiar e de um processo de implantação no qual se propicie uma ação participativa com valorização do conhecimento local e uma reflexão sobre a convivência com o semi-árido. Palavras-chave: Semi- árido, captação, chuva, cisternas. Durante os últimos 20 anos, milhares de famílias de agricultoras e agricultores, apoiadas por organizações da sociedade civil e setores governamentais, especialmente ligados à pesquisa, têm adotado sistemas de captação de água de chuva que escorre dos telhados e armazenamento em cisterna. Essa proposta tem se firmado como uma solução de baixo custo, grande eficácia e generalizável a todo o semi-árido brasileiro para o problema da demanda difusa de água para o consumo humano (beber e cozinhar). Esse fato motivou o conjunto de organizações da sociedade civil organizadas na Articulação do Semi-Árido ASA a uma ampla mobilização social na elaboração e luta por um programa que possibilite um processo educativo de implantação de um milhão de cisternas para as famílias do semi-árido brasileiro. No entanto, apesar dos benefícios visíveis e concretos na qualidade de vida das famílias que vêm adotando essa tecnologia, a verdade é que o papel e a importância da captação de água de chuva em cisterna para abastecimento humano ainda são pouco compreendidos pela maioria de nossos técnicos, governantes, nos seus diferentes níveis (federal, estadual e municipal) e, também, por boa parte das famílias do meio rural do semiárido. As causas desse pouco entendimento sobre a viabilidade dessa proposta são relativamente semelhantes. Em relação aos técnicos e governantes, parte da descrença nessa tecnologia se origina na própria formação de seus conhecimentos sobre o semi-árido, a qual se deu no bojo da política do combate a seca, baseada na centralização dos recursos hídricos, principalmente através da construção de grandes obras hídricas e um leque clássico reduzido de obras de médio porte disseminadas como a únicas formas viáveis para o abastecimento de água. Parte da população rural, por sua vez, também foi influenciada diretamente por esse modelo, à medida que era praticamente a única forma de apoio governamental existente para a questão da melhoria da infra-estrutura hídrica. Consequentemente, as soluções locais, desenvolvidas pelas próprias famílias sempre foram vistas como medidas paliativas e atrasadas, sendo tratadas, com raras exceções, de forma marginalizada pelo crédito, pesquisa e extensão rural, como o exemplo da própria cisterna rural e da barragem subterrânea. Essa influência externa negativa certamente dificultou a disseminação e credibilidade de propostas alternativas ao modelo dominante. A cisterna foi ainda mais prejudicada pelo
3 fato de que alguns tipos difundidos por projetos governamentais, como aqueles feitos de lona plástica e de alvenaria com um refinamento técnico inacessível aos pedreiros rurais, falharam com o passar do tempo, devido a diversos fatores, e provocaram uma dupla frustração nas famílias: a perda da água e dos investimentos na construção da obra. Para se mudar esse contexto e dar a visibilidade que a captação de água de chuva e armazenamento em cisterna merecem, não basta a tentativa de demonstrar a viabilidade dessa proposta apenas pelo efeito visual e dos relatos de experiências bem-sucedidas vivenciadas por famílias residentes em comunidades rurais do semi-árido. Além disso, entre outras medidas, é preciso um grande esforço no campo da formação e informação que propicie um entendimento sobre o potencial e o papel da cisterna na solução do abastecimento de água para o consumo humano no meio rural do semi-árido (água para beber e cozinhar). Nesse sentido, uma forma didática de demonstrar a viabilidade dos sistemas de captação e armazenamento de água da chuva que escorre do telhado pode ser feita a partir de um exercício simples sobre o comportamento desse sistema num ano de seca de acentuada gravidade. Mas, antes de entrar num exemplo prático desse exercício, é importante socializar algumas informações básicas, que na maioria das vezes são desconhecidas, porém são fundamentais para se entender o tema em questão. Para efeito da captação de água de chuva, é importante saber que nosso semi-árido não é tão desfavorável quanto se propaga. Estudos revelam que apenas uma pequena parcela da região tem uma média pluviométrica anual inferior a 400 mm. No semi-árido como um todo essa média sobe para 750 mm por ano. É bem verdade que temos problemas de má distribuição dessa chuva no tempo e no espaço. Mas, de fato, não existe ano sem chuva, os anos mais secos dificilmente são inferiores a 200 mm em algumas localidades isoladas. O nosso déficit hídrico, e de longe o pior fenômeno natural, é devido ao elevado potencial de perda de água por evapotranspiração, que chega a mm ao ano; O tamanho e a qualidade dos telhados das casas do meio rural no semi-árido são apropriados para a captação de água de chuva. Um estudo sobre a área dos telhados das casas, realizado pela Diaconia em 22 comunidades rurais dos sertões do Pajeú-PE e Médio Oeste do Rio Grande do Norte, revela dados que podem ser considerados representativos para essa questão no semi-árido. Nesse estudo, nota-se que a área média dos telhados é de
4 84m 2 e que mais da metade das residências têm 75 m 2 de telhado. No outro extremo, um número reduzido de residências (4%) tem telhados muitos pequenos, abaixo de 40 m 2. Outro estudo de campo da Diaconia revelou que no meio rural do semi-árido o consumo humano de água é de 6 litros per capita/dia (média de 3,5 litros per capita para beber e 2,5 litros para cozinhar). Por meio dessas informações básicas, didaticamente podemos traduzir em números o potencial que temos no nosso semi-árido para captar e armazenar a água da chuva em cisterna. Como exemplo de cálculo, podemos pegar como referência um ano com uma precipitação pluviométrica de 200mm, que pode ser considerado como extremamente crítico para as condições comuns de precipitação num ano de seca e espacial e temporalmente de difícil ocorrência. Em relação à área de telhado para captação podemos trabalhar com 70 m 2, área de telhado de grande ocorrência no semi-árido. Assim, ao multiplicarmos a precipitação pluviométrica (200mm) pela área do telhado (70 m 2 ) e subtrairmos as perdas normais da captação (25%), devido a evaporação, absorção da água pela telha, vento, etc., veremos que um sistema comum numa situação crítica de seca pode captar litros de água de chuva. Para calcular a demanda de água para beber e cozinhar de uma família de tamanho médio de 5 pessoas, basta multiplicar o consumo per capita por dia (6 L) pelo número de pessoas da família (5 L) e pelo número de dias do ano, onde encontraremos o consumo anual médio de litros. A análise dos resultados acima por si só demostra o potencial que ainda estamos desperdiçando. O exemplo prático aqui demonstrado pode ser ajustado à realidade especifica da pluviometria histórica e tamanho médio dos telhados de qualquer município ou microrregião do semi-árido. No entanto, dificilmente se encontrará uma combinação entre área dos telhados e precipitação pluviométrica menor do que a combinação trabalhada no exemplo acima. Mesmo isso acontecendo, na pior das hipóteses os sistemas garantiriam a água de beber durante as piores secas. Nos casos das residências com telhados pequenos, abaixo de 40 m 2, já existe uma alternativa de área de captação que vem sendo adotada com sucesso por famílias do sertão do Pajeú-PE. Esta consiste numa área de captação de 100 m 2 construída a partir de chão batido e cimento que serve para drenar a água da chuva até um sedimentador e daí para a cisterna. A área é devidamente cercada com arame farpado para evitar o acesso de animais. A área de 100
5 m 2 foi dimensionada para garantir o enchimento de uma cisterna de litros num inverno de apenas 200mm. Aliados a esses fatores, temos hoje disseminados no semi-árido brasileiro, pelo menos, 02 modelos de cisternas, que são de baixíssimo custo, altamente seguras no armazenamento de água, de fácil aprendizado pelos pedreiros rurais e adaptáveis para as diferentes situações ambientais do semi-árido. Apesar das informações animadoras, a cisterna não deve ser propagada como a redentora do sertão. Como foi visto neste texto, ela cumpre um papel estratégico na segurança de água para o consumo humano. Seu sucesso não depende somente de sua eficiência como estrutura hídrica, pois está fortemente relacionada a uma estrutura mínima para atender as outras demandas de água, especialmente a doméstica e dos rebanhos. Finalmente, é importante ressaltar que a experiência de anos de trabalho das ONGs apoiando a disseminação de cisternas tem demonstrado que o sucesso da cisterna depende, com raras exceções, diretamente da metodologia adotada no processo de implantação. Ou seja, a apropriação do papel da cisterna na unidade familiar e de uma postura mais cidadã das famílias em relação à água dependem fortemente de um processo de implantação no qual se propicia uma ação participativa de cidadania, uma democratização dos recursos públicos na execução das obras, uma valorização do conhecimento local, uma reflexão e educação sobre a problemática da água e ainda um momento de abrir uma porta para um debate local sobre a questão da convivência com o semi-árido. Portanto, a política de implantação de cisternas no meio rural do semi-árido não pode ser abordada como um processo de implantação de uma obra de engenharia civil, como a construção de uma rodovia ou de um grande açude público, a qual pode simplesmente ser entregue nas mãos de empreiteiras. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ASA. Programa de formação e mobilização social para a convivência com a semi-árido: um milhão de cisternas rurais P1MC. Recife: Articulação no Semi-Árido Brasileiro p. BERNAT, C., COURCIER, R. & SABOURIN, E. A cisterna de placas, técnicas de construção. Recife: SUDENE/DPP, 2 ª edição p.
6 GOULD, J. & NIESSEN PETERSEN, E. Rainwater catchment systems for domestic supply. Desing, construction and implementation. London: Intermediate Techonology Publications p. PACEY, A. & CULLIS, A. Rainwater harvesting, the collection of rainfall and runoff in rural areas. London: Intermediate Techonology Publications p.
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