ÁGUA DA CHUVA PARA CONSUMO HUMANO: MELHORIAS E DESAFIOS. Gilberto Ferreira da Silva Neto 1 & Maura Maria Pezzato 2
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1 ÁGUA DA CHUVA PARA CONSUMO HUMANO: MELHORIAS E DESAFIOS Gilberto Ferreira da Silva Neto 1 & Maura Maria Pezzato 2 Resumo: Ao longo dos anos o semiárido brasileiro vem convivendo com dificuldades no âmbito social, econômico e ambiental, entretanto, algumas mudanças começam a surgir com o aproveitamento do potencial que existe nessa região e que antes era pouco aproveitado, como é o caso da construção de cisternas que captam água de chuva. Assim, este trabalho justifica-se pela visibilidade e relevância das cisternas na vida das famílias, avaliando de forma crítica o processo de educação realizado durante o curso de capacitação em Gerenciamento de Recursos Hídricos. O objetivo desta pesquisa foi relacionar a forma de armazenamento, retirada e tratamento da água da cisterna com os índices de doenças de veiculação hídrica e a importância do processo de educação nos cursos de GRH na formação das pessoas que utilizam a água da chuva como fonte de consumo de água. Este diagnóstico foi feito através de questionários aplicados nas casas das famílias que possuem as cisternas, nas comunidades rurais do município de Serrinha, Bahia. Palavras-chave: água da chuva, consumo humano, doenças, cursos em Gerenciamento de Recursos Hídricos. INTRODUÇÃO O semiárido brasileiro, com chuvas irregulares concentradas em 3 a 4 meses e altas taxas de evapotranspiração, vem buscando alternativas para a convivência com o clima seco. Uma das alternativas são os projetos de captação de água de chuva e armazenamento em cisternas de placas visando o melhor aproveitamento da água nos períodos de chuva e sua utilização nos períodos de seca (Figura 1). Estes projetos ocorrem na zona rural e proporcionam as famílias de baixa renda uma melhoria da qualidade de vida, uma vez que a água é um elemento importante, essencial e de consumo diário para todas as pessoas. Ao mesmo tempo é um desafio, pois o manejo correto das cisternas e o tratamento adequado da água da cisterna são imprescindíveis para que a qualidade desta se mantenha adequada para consumo humano ao longo do tempo. Á água consumida pelas famílias são armazenadas em locais impróprios e consumidas sem tratamento, muitas vezes coletadas em Figura 1. Cisterna de placas de litros em processo de construção e a mesma finalizada 1 Biólogo, Especialista em Ecologia e Intervenções Ambientais, Associação do Semi-Árido da Microrregião de Livramento (ASAMIL), Rua Presidente Vargas, 140, sala 104, (75) , neto.gfs@gmail.com 2 Ecóloga, Doutora em Ciências, Associação do Semi-Árido da Microrregião de Livramento (ASAMIL)
2 barreiros e açudes que são utilizados para diversos fins como dessedentação animal e lavagem de roupas, ou então em poços com água salobra que podem acarretar em doenças. A captação da água de chuva consiste em uma forma milenar de utilização da água pelo homem e sua utilização vem obtendo destaque ao longo dos tempos. É uma prática difundida em países como Alemanha, Japão e Austrália, possibilitando a captação de água com boa qualidade de maneira simples e bastante efetiva em termos de custo-benefício (Jaques et al., 2005). Em áreas rurais a segurança alimentar e nutricional da população é condicionada diretamente pela disponibilidade de água para consumo humano, para a dessedentação de animais e para a produção alimentar. Resultados demonstram que a água da chuva captada com equipamentos seguros de armazenamento apresenta uma qualidade elevada ao ser comparada com outras fontes de abastecimento de água tradicionais (Alburquerque, 2004; Gould & Mcpherson, 1987). As ações educativas juntamente com a disponibilização da tecnologia adequada, respeitando as diversidades de percepções e modos de apropriação da água dos habitantes beneficiados, podem ser a solução do problema de abastecimento de água nas zonas rurais. No nordeste brasileiro existem ações de educação para captação de águas da chuva voltadas para as estratégias de convivência com o semiárido, utilizando equipamentos simples baseados em técnicas populares de armazenamento de água e custo acessível para pequena escala de consumo, com capacidade de produzir resultados imediatos de disponibilidade de água e de melhorias de saúde (Alburquerque, 2004). Dentre as iniciativas de políticas públicas voltadas às questões hídricas no semiárido, destaca-se a iniciativa da sociedade civil mobilizada e organizada em rede, constituída por mais de 800 entidades, denominada Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA). Para isso, a ASA concebeu, desenvolveu e vem gerenciando o Programa de Formação e Mobilização para a Convivência com o Semiárido, com a finalidade de contribuir, através de um processo educativo, para a transformação social, visando à preservação, o acesso, o gerenciamento e a valorização da água como um direito essencial da vida e da cidadania. Baseando-se em seis componentes: mobilização, controle social, capacitação, comunicação, fortalecimento institucional da sociedade civil e a construção de cisternas, este programa vem ampliando a compreensão e a prática da convivência sustentável e solidária com o ecossistema do semiárido (ASA, 2002). O trabalho de educação utilizado durante os cursos de formação e capacitação das famílias em Gerenciamento de Recursos Hídricos (GRH), com carga horária de 16 horas, mostram a importância de levar o conhecimento sobre manejo e tratamento de água para os usuários das cisternas, assim como, revelam ser essencial a continuidade deste processo, uma vez que a educação é uma ferramenta com perspectiva integradora, baseada na conscientização, mudança de comportamento e participação, e por isso necessita de continuidade e monitoramento. As parcerias com os Agentes Comunitários de Saúde são imprescindíveis para a conquista e o avanço da formação educacional para as famílias nos projetos de cisternas, uma vez que o trabalho dos agentes é contínuo, relacionados às boas práticas de saúde e as prevenções de doenças de veiculação hídrica. Este trabalho justifica-se pela visibilidade e relevância das cisternas na vida das famílias do semiárido brasileiro, avaliando de forma crítica o processo de educação realizado durante o curso de capacitação em GRH, com informações sobre segurança hídrica, manejo das cisternas e convivência com o semiárido. O objetivo desta pesquisa foi relacionar a forma de armazenamento, retirada e tratamento da água da cisterna com os índices de doenças de veiculação hídrica e a importância do processo de educação nos cursos de GRH na formação das pessoas que utilizam a água da chuva como fonte de consumo de água. MATERIAL E MÉTODOS Esta pesquisa foi realizada no município de Serrinha/BA, no território do Sisal, localizado na região do semiárido do nordeste brasileiro, com população estimada em habitantes e extensão territorial de 658 km 2 (IBGE, 2010). Localiza-se a uma latitude 11º39 51" S e a uma longitude 39º00 27" O, estando a 379
3 metros altitude. Este território apresenta características de períodos de chuvas irregulares e pluviosidade entre 500 a 800 mm/ano (SEI, 1997). O município de Serrinha, até o ano de 2011, possuía em torno de 1800 cisternas distribuídas em 50 comunidades, tendo como financiadores o Programa um milhão de cisternas (P1MC) parceria ASA e Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS), da Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate a Pobreza do Estado da Bahia (SEDES) e da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR). Duas comunidades, com 25 famílias no total, foram selecionadas, Casa Nova e Tamburi, ambas com cisternas em todas as casas. Em cada família foi realizada um questionário em formulários pré-estabelecidos, com perguntas relacionadas às formas de captação, armazenamento e tratamento da água da chuva, retirada da água e limpeza da cisterna, problemas relacionados à saúde, dentre outros aspectos relevantes no contexto sócio-econômico-ambiental, com a finalidade de avaliar a eficácia do processo de formação realizado para as famílias no curso de GRH. Durante a aplicação dos questionários alguns comentários feitos no recinto, por outras pessoas presentes, foram resgatados. Esses dados foram tabulados em planilha do Excel, onde foi feito uma abordagem analítica destes resultados. Os dados foram coletados também através da observação direta e registro fotográfico. A partir destes resultados foi realizada uma análise critica sobre a importância dos cursos de GRH na formação das famílias, ou seja, como a educação é essencial neste processo e como manter as famílias em contínuo aprendizado. RESULTADOS E DISCUSSÃO De acordo com os resultados, as famílias reconhecem a grande importância dos projetos de cisternas na zona rural do semiárido, que garantem o acesso à água de boa qualidade. Os cursos sobre gerenciamento de recursos hídricos (GRH) tem como ponto forte de discussão a importância do cuidado com o tratamento da água para a saúde da família, assim como, a gestão da água educando as famílias a terem um uso sustentável para beber, cozinhar e fazer a higiene bucal. Nesse contexto, como a maioria dos participantes são mulheres, elas tem desempenhado um papel fundamental como difusoras desses conhecimentos junto à família. E neste âmbito os resultados de alguns questionamentos feitos as famílias com relação aos cuidados na captação, armazenamento, retirada e tratamento da água da cisterna estão apresentados na Figura 2. O primeiro requisito está relacionado à captação da água da chuva - Fazem o desvio da primeira água da chuva? - fator importante, pois nas primeiras chuvas é quando ocorre a limpeza dos telhados e das calhas que captam a água para a cisterna, 92% da famílias responderam que esse processo é realizado sempre. No segundo requisito - Como retiram a água da cisterna? - mais de 3/4 das famílias respondeu que utilizam a bomba, utensílio criado para se retirar a água de dentro da cisterna sem que haja nem um contato com a parte interna da cisterna, o mecanismo é feito através de bombeamento manual, onde um cano sai do fundo da cisterna até a tampa do lado de fora, e através da sucção a água é puxada para a parte exterior. Este resultado, 76% das famílias, é muito significativo, pois evita a contaminação da água com algum objeto externo, os outros 24% das famílias retiram água com o balde e, como na maioria das vezes os baldes ficam no chão podem contaminar a água da cisterna. A partir destes resultados, percebe-se que a formação das famílias durante os cursos de GRH estão sendo positivas e os participantes estão colocando em prática o passo a passo dos cuidados com a água das cisternas, uma vez que todas estas informações são passadas na capacitação das famílias e todas as cisternas são munidas com bomba. O terceiro e quarto requisitos estão relacionados ao tratamento da água após a retirada da cisterna, no terceiro foi indagado Tratam a água após a retirada? e apenas uma família afirmou que não fazia nenhum tratamento com a água que consumiam, já os 96% afirmaram fazer tratamento, um resultado bem animador e mostra que o trabalho feito nos cursos com as famílias vem surtindo efeito. A quarta pergunta Qual o
4 Requisitos básicos para se ter água de qualidade na cisterna Figura 2. Respostas das famílias nos questionários realizados sobre os requisitos básicos para se ter água de qualidade na cisterna. Fonte: Pesquisa de campo, jan/10 tratamento da água? das 24 famílias que utilizam algum tratamento, quase a metade, 48% dos entrevistados colocam cloro para tratar a água, 24% fervem a água, 20% filtram e 8% dizem coar a água retirada da cisterna para consumo. Isso é extremamente relevante uma vez que, não adianta apenas ter um local adequado para armazenar a água, é importante também que todas as etapas recomendadas para se obter água potável sejam seguidas, pois assim as famílias terão garantia de vida saudável. Os resultados encontrados mostram que o processo de formação das famílias são essenciais e importantes para educar e ensinar o manejo adequado da água da cisterna e que estão cumprindo o papel de fortalecer e empoderar as famílias da zona rural do semiárido nordestino. Além destes requisitos, foram questionados também sobre a qualidade da água e a saúde das famílias que foram beneficiadas com as cisternas, 59% relataram a melhoria na qualidade da água, pois, tendo água de qualidade a família passa a ter uma melhor qualidade de vida e a cisterna quando bem gerida garante a qualidade da água ao longo do tempo. Das famílias entrevistadas 41% relataram a melhoria na saúde, pois houve diminuição de doenças de veiculação hídrica uma vez que passaram a ter menos doenças como diarréia, esquistossomose, verminoses, dengue, ameba, giárdia. Assim como, foi constatada uma redução de doenças vinculadas ao transporte da água, anteriormente feito em baldes e galões sobre a cabeça, causando problemas de coluna, dores de cabeça, articulações, entre outros, como relatada por um dos entrevistados: Todos sofriam muito até as crianças traziam galão de água na cabeça, meu filho mesmo vivia se queixando de dor de cabeça e tudo isso para beber água com lama, porque do mês de outubro em diante a gente bebia lama. Pelo exposto, pode-se perceber que a formação das famílias nos cursos de capacitação em GRH é essencial e imprescindível para o sucesso dos projetos de construção de cisternas, pois tem como questões fortes de discussão a relação água e saúde, importância e cuidados com a água da cisterna, os tratamentos
5 adequados para a água de consumo, assim como, o processo de educação para as famílias e a convivência com o semiárido. Ressaltando como parte importante do processo de mobilização e da continuidade educacional do projeto de construção de cisternas está a parceria com os Agentes Comunitários de Saúde, que são pessoas das comunidades que realizam um trabalho sócio-educativo de prevenção às doenças, e também atuam como educadores e multiplicadores das informações sobre o manejo adequado da água da chuva e o bom gerenciamento deste recurso. CONCLUSÕES Os projetos de construção de cisternas estão ganhando espaço nas políticas públicas e seus resultados mostrando a melhoria na vida das famílias da zona rural do semiárido brasileiro. Como melhoria entende-se todo o processo de educação realizado com as famílias, desde a capacitação das famílias em gerenciamento de recursos hídricos, a diminuição de doenças diversas melhorando a saúde dos moradores, assim como, o acesso à água de boa qualidade, direito de todos os cidadãos brasileiros. Vale salientar a importância dos ACS na continuação do processo educativo de sensibilização e reeducação das famílias com o manuseio da água de consumo humano, já que as cisternas surgem como passo inicial de convivência com o semiárido sendo uma tecnologia social apropriada para a região, havendo a necessidade de cuidados contínuos, papel este desempenhado pelos agentes. Desta forma, conclui-se que os cursos em GRH conseguem formar e capacitar as famílias com informações sobre segurança hídrica, manejo das cisternas e convivência com o semiárido. As cisternas tem modificado a realidade no semiárido brasileiro e levado esperança de vidas melhores para as famílias do sertão. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, T. M. A. Seleção Multicriterial de Alternativas para o Gerenciamento de Demanda de Água na Escala de Bairro. Campina Grande: Universidade Federal de Campina Grande, Dissertação de Mestrado em Engenharia Civil. ARTICULAÇÃO NO SEMIÁRIDO BRASILEIRO (ASA). Programa de Formação e Mobilização para a convivência com o Semiárido Brasileiro: Um Milhão de Cisternas Rurais. Cartilha: Recife, GOULD, J.E.; MCPHERSON, H. J. Bacteriological quality of rainwater in roof and ground catchment systems in Botswana. Water International. Vol. 12, nº.3, p , Disponível:< partners/viewrecord.php?request=gs&collection=env&recid= >. Acesso em 12 junho JAQUES, R.C.; RIBEIRO, L. F.; LAPOLLI, F. R. Avaliação da qualidade da água de chuva na cidade de Florianópolis SC. In: 23º Congresso de Engenharia Sanitária e Ambiental, 2005, Campo Grande-MS. Anais de Resumo, Campo Grande: ABES, SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA (SEI). Disponívelem: Acessado em 11 de junho de 2012.
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