CISTERNA DE PLACAS CALÇADÃO : UMA ALTERNATIVA PARA A CAPTAÇÃO E ARMAZENAMENTO DA ÁGUA DE CHUVA DE ESCOAMENTO NO NÍVEL DO SOLO

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1 CISTERNA DE PLACAS CALÇADÃO : UMA ALTERNATIVA PARA A CAPTAÇÃO E ARMAZENAMENTO DA ÁGUA DE CHUVA DE ESCOAMENTO NO NÍVEL DO SOLO Felipe Tenório Jalfim 1 ; Mário Farias Júnior 1 ; Yazna Retamal Bustamante 1 ; Afonso Cavalcanti Fernandes 1 ; Osvaldo Ribeiro 1 ; Luiz Monteiro Neto 1 ; José Eliezer Neto 1 ; Ivanildo Paiva 1 ; Daniel Menezes Blackburn 1 ; Marcelino de Souza Lima 1 ; José Inácio de Souza Leão Ávila 2. 1 Diaconia - Rua Marques Amorim, Ilha do Leite Recife Pernambuco, Brasil. 2 Prof. Adjunto, Ph.D., Departamento de Engenharia Civil da UFPE. RESUMO - Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa participativa, realizada no período de outubro de 1999 a março de 2003, cujo objetivo principal foi o desenvolvimento de um sistema de captação de água de chuva no nível do solo, compatível com o armazenamento da água em cisterna de placas. Os procedimentos adotados representam uma aplicação de uma tecnologia, já consolidada na construção de cisternas parcialmente enterradas, na construção de cisternas completamente enterradas e, assim, tornar possível receber por gravidade a água da chuva captada no nível do solo. Esta tecnologia consiste, basicamente, numa cisterna de placas com capacidade de 16 m 3, com diâmetro de 4,2 m, acoplada por meio de um cano a um piso (calçada) cimentado, de 110 m 2. Esse sistema apresentou resultados que o credenciam como uma alternativa efetiva para as famílias mais pobres do meio rural do Semi-Árido Brasileiro (SAB), que, normalmente, não dispõem de áreas de telhados adequadas para a captação de água de chuva. Esse resultado se apresenta como uma fonte de contribuição técnica para o aperfeiçoamento da proposta do Programa 1 Milhão de Cisternas, particularmente, no que concerne à capacidade de incluir as famílias mais pobres no programa, de tal forma que essas famílias passam a ter uma alta taxa de segurança hídrica para beber, cozinhar e higiene do corpo (com exceção do banho), mesmo durante as piores secas. Comparando-se com o custo financeiro para a implantação do sistema de captação de água de chuva que escoa do telhado, o modelo de sistema proposto é economicamente viável por representar um custo de 84% a mais do sistema similar de captação de telhado. Palavras-chave: semi-árido, cisternas, segurança hídrica, água de chuva.

2 INTRODUÇÃO A ONU prevê que se não forem adotadas medidas para equilibrar o consumo de água, dentro de 25 anos, serão 3 bilhões de pessoas que não terão água em quantidade suficiente para as necessidades básicas. No SAB, a disponibilidade de água de qualidade para beber e cozinhar sempre foi um drama social nos períodos de seca, afetando a saúde, sobretudo, das mulheres, idosos e crianças. Segundo alerta do UNICEF, a partir de dados do Ministério da Saúde, de cada quatro crianças que morrem na região, uma morre acometida de diarréia contraída pelo consumo de água contaminada. Diante desse quadro, durante os últimos 20 anos, milhares de famílias de agricultores, apoiadas por organizações da sociedade civil e setores governamentais, especialmente ligados à pesquisa, têm adotado sistemas de captação de água de chuva que escorre dos telhados e armazenamento em cisterna. Essa proposta tem se firmado como uma solução de baixo custo, grande eficácia e generalizável a todo o SAB para o problema da demanda de água para o consumo humano (beber e cozinhar). Esse fato motivou o conjunto de organizações da sociedade civil reunidas na Articulação do Semi-Árido ASA a uma ampla mobilização social na elaboração e luta por um programa que possibilite um processo educativo de implantação de um milhão de cisternas para as famílias do SAB. Esse esforço resultou no Programa Um Milhão de Cisternas P1MC, o qual já está em sua fase inicial de operação em 9 Estados e mais de 357 municípios do SAB, tendo, por um lado, as organizações da ASA e comunidades locais como gestores e executores e, por outro, o apoio e financiamento das mais variadas fontes, tais como: os governos federal, estaduais e municipais, Banco Mundial, UNICEF, fundações e organizações sem fins lucrativos ligadas aos setores públicos e privados e agências de cooperação internacional. JUSTIFICATIVA A Diaconia atua na execução do P1MC como Unidade Gestora Microrregional no Sertão do Pajeú-PE e Médio Oeste-RN. Diante de tamanha responsabilidade, a Diaconia resolveu ir a fundo na pesquisa sobre a principal limitação técnica observada na atual proposta do P1MC, ou seja, a falta de uma alternativa para o caso daquelas famílias que não dispõem de área de telhado suficiente para uma boa captação de água de chuva, especialmente nos períodos críticos das

3 grandes secas. Trata-se, portanto, de uma limitação que diz respeito à inclusão das famílias mais pobres no P1MC, pois são estas as detentoras das casas/telhados menores. Essa limitação técnica foi percebida preliminarmente pela Diaconia em 1999, por meio de uma pesquisa sobre a área de telhado em 22 comunidades rurais dos sertões do Pajeú-PE e Médio Oeste-RN. Os resultados comprovaram a viabilidade da captação de água de chuva por meio dos telhados das casas, haja vista que a área média dos telhados era de 84 m 2 e que mais da metade das residências tinham 75 m 2 de telhado. No entanto, verificou-se que 16% das residências tinham áreas de telhados com até 50 m 2, sendo que, dentre estas, 4% tinham áreas de telhado muito pequenas, de até 40 m 2. Tal constatação motivou a Diaconia a buscar um melhor entendimento sobre a relação entre os resultados encontrados nessa pesquisa e o atendimento da demanda familiar de água para beber e cozinhar por meio da captação de água de chuva em telhado e armazenamento em cisterna. O primeiro passo, então, foi a realização de uma pesquisa de campo para se conhecer o gasto per capita diário de água para beber e cozinhar. O resultado encontrado foi que, normalmente, uma pessoa nas condições climáticas da região, necessita de uma média de 6 litros por dia para atender às suas necessidades de ingestão de água (3,5 L) e de cozimento de alimentos (2,5 L). A partir da relação desses dois elementos da realidade a área dos telhados para a captação de água de chuva e a demanda per capita para beber e cozinhar - com dados de precipitação pluviométrica de diversas regiões do semi-árido durante os anos mais críticos das grandes secas, os quais caem para cerca de 200mm a 250mm por ano, é possível fazer cálculos simples de captação e consumo anuais de água de chuva 1, os quais permitem chegar à seguinte conclusão: com uma precipitação típica de um ano de seca severa, ou seja, algo em torno de 230mm, uma área de telhado de até 50 m 2 não é suficiente para garantir a captação de água de chuva necessária para atender à demanda anual de água para beber e cozinhar de uma família média com 5 pessoas. Ao extrapolar, mesmo que de forma grosseira, para toda a área de abrangência do P1MC, os resultados e conclusões vistos anteriormente, é de se esperar, pelo menos, famílias (16% de 1 milhão de cisternas) com áreas de telhado com até 50 m 2. No entanto, é provável que 1 Volume de água captado = 230mm x 50 m 2 = L 25% de perda = L captados; Demanda anual da família para beber e cozinhar = 5 pessoas x 6l x 365 dias = L demandados.

4 esse número seja ainda bem maior, por conta de que a pesquisa foi realizada em duas microrregiões situadas no sertão, onde as casas são bem maiores do que na região do Agreste. Para enfrentar o desafio do desenvolvimento de uma proposta alternativa para os casos de residências com áreas de telhados insuficientes para a captação de água de chuva, foram analisadas 3 possíveis soluções: - Ampliação das casas com área de captação menor do que 50 m 2 ; - Substituição de casas com área de captação de até 50 m 2 por casas com, no mínimo, 60 m 2 ; - Desenvolvimento de um sistema de captação no nível do solo compatível com o armazenamento em cisternas de placas 2. A primeira possibilidade foi descartada, sobretudo pela dificuldade gerencial que se teria para, por exemplo, atender à demanda de puxadas, em casas com as mais variadas características. Além do mais, nada garantiria que o produto final representasse um ganho significativo na ampliação da capacidade de captação de água de chuva. A segunda possibilidade representaria um investimento de difícil justificativa no atual quadro de escassez de recursos para investimento social e, especialmente, em relação à questão da demanda habitacional do país. Ou seja, estar-se-ia contemplando famílias que na verdade já dispõem de casas, ao invés daquelas milhares que ainda não têm onde morar. Finalmente, a terceira possibilidade foi considerada a mais promissora, particularmente por já haver experiência acumulada em diversas partes do mundo sobre a captação de água de chuva no nível do solo, em calçadas cimentadas, para armazenamento em cisterna. Nesse sentido, no Brasil, em 1984, a Embrapa desenvolveu em seu campus experimental, em Petrolina-PE, a cisterna modelo CPATSA com área de captação no próprio solo. Esse modelo não obteve êxito no meio real, ou seja, no seu lançamento em larga escala por meio de um projeto governamental. A partir de entrevistas a ex-usuários desse modelo de cisterna no Sertão do Pajeú- PE, a Diaconia constatou que a causa central do insucesso foram as falhas na estrutura de armazenamento da água captada. Praticamente, todas as cisternas visitadas apresentaram vazamentos nos primeiros 5 anos de funcionamento. A causa mais citada para o vazamento foi o tipo de revestimento da cisterna (feito com uma combinação de argamassa, tela e lona plástica). 2 A cisterna de placas vem sendo adotada pela maioria das organizações no Programa Um Milhão de Cisternas. Este tipo de cisterna se caracteriza pelo seu baixo custo, facilidade e velocidade de construção, segurança, durabilidade e beleza.

5 No entanto, no que concerne à estrutura e eficiência da área de captação, percebeu-se que houve um bom funcionamento dos sistemas visitados. De acordo com GOULD e PETERSEN (1999), na parte central e árida da China, sistemas de captação e armazenamento de água de chuva para abastecimento doméstico, por meio de cisternas e do uso combinado de pátios cimentados e telhados das casas, estão sendo disseminados em larga escala com sucesso pelo governo Chinês. Na África, o uso da captação da água de chuva por meio de pátios cimentados e solos compactados é também uma prática exitosa. Em Botsuana, por exemplo, pátios de barro ou cimentado, tradicionalmente usados para a secagem das colheitas, vêm sendo também utilizados desde os anos setenta como áreas de captação de água de chuva para fins de abastecimento doméstico nas áreas mais remotas daquele país (GOULD, 1991). OBJETIVOS Geral Contribuir para o aperfeiçoamento da proposta do Programa 1 Milhão de Cisternas, particularmente, no que concerne à capacidade de incluir as famílias mais pobres que não dispõem de áreas de telhados adequadas para a captação de água de chuva. Específico. Desenvolver um sistema de captação de água de chuva no nível do solo compatível com o armazenamento da água em cisternas de placas. METODOLOGIA O desenvolvimento da proposta baseou-se num processo participativo de pesquisa, envolvendo pedreiros instrutores em cisterna de placas, famílias agricultoras, técnicos da Diaconia e o Departamento de Engenharia Civil da UFPE. Todo o processo de elaboração da proposta pode ser resumido nos seguintes momentos: - Formulação participativa do modelo de sistema de captação de armazenamento a ser testado. Essa etapa consistiu em reunir o máximo possível de informações sobre o tema e analisá-las à luz da realidade local. Logo após, foi formulada uma primeira proposta, a partir de diversas consultas a pedreiros instrutores do P1MC. - 1 Teste do modelo em propriedades de agricultoras e agricultores experimentadores;

6 Foram realizados testes de construção e funcionamento, inicialmente, em 3 famílias experimentadoras no Sertão do Pajeú, no período de dezembro de 1999 a outubro de Essas famílias acompanharam o comportamento do sistema no que concerne à captação da água de chuva, uso do sistema, qualidade da água e problemas nas estruturas de captação e armazenamento. - Avaliação dos testes de campo e reformulação do modelo proposto. A partir das observações feitas pelas famílias experimentadoras, dos pedreiros que construíram e acompanharam os sistemas de captação e dos próprios técnicos da Diaconia, foram realizados os primeiros ajustes no modelo. - 2 Teste do modelo em propriedades de agricultoras e agricultores experimentadores; Entre dezembro de 2000 e dezembro de 2001 foi ampliado o grupo de famílias experimentadoras com a entrada de mais 12 famílias no Sertão do Pajeú e 6 no Médio Oeste do RN. Nesse momento, já foram introduzidos os primeiros ajustes no modelo do sistema de captação. - Avaliação do sistema e aplicação de ajustes finais na estrutura de armazenamento (cisterna de placas) e de captação (calçadão). Em 2002 e início de 2003, foi realizada uma pesquisa específica para se determinar o coeficiente de escoamento superficial em 4 calçadões. O resultado dessa pesquisa possibilitou a tomada de medidas visando aumentar o escoamento superficial do calçadão. Em relação à cisterna de placas, a reformulação se concentrou na ampliação máxima do diâmetro da cisterna, visando reduzir a necessidade de escavação do buraco. Para isso, foi elaborada uma proposta a partir da forma tradicional usada para aumentar o diâmetro da cisterna de placas. A comprovação da segurança do novo diâmetro foi realizada mediante cálculos de engenharia pelo Departamento de Engenharia da UFPE e testada por meio da construção e uso de duas cisternas. RESULTADOS E DISCUSSÃO O modelo desenvolvido de sistema de captação e armazenamento de água de chuva de escoamento no nível do solo é formado pelos seguintes componentes (Figuras 1 e 2): - Uma cisterna de placas com capacidade de 16 m 3, diâmetro de 4,20 m, enterrada no chão, e vedada por uma tampa metálica com cadeado e um cano sangradouro telado; - Uma área de captação, composta por uma calçada cimentada de 110 m 2, apresentando uma declividade mínima de 3%; um sedimentador; um joelho telado interligado a um cano de

7 100mm que leva a água até a cisterna e um cano de uma polegada para esgotar a água residual do sedimentador; - Um cercado de proteção da área de captação, formado por uma cerca com 11 fiadas de arame. Figura 1. Vista panorâmica do sistema Figura 2. Detalhes do sistema de captação e armazenamento Dentre os diversos aspectos pesquisados para o desenvolvimento do modelo aquidescrito, dois se destacaram como decisivos para se alcançar um modelo de grande aceitação pelo público a que se destina: a sua capacidade de captar a água da chuva, representada pelo coeficiente de escoamento superficial, e a redução da profundidade do buraco exigido para a construção da cisterna de placas. Em relação à capacidade do sistema em captar a água de chuva, o tipo de piso de cimento desenvolvido e testado em diferentes situações de campo apresentou um coeficiente médio de escoamento superficial de 0,60. Ou seja, 60% da chuva que cai sobre o mesmo é armazenada na cisterna. Isso significa que, na dimensão recomendada de 110 m 2, a quantidade de chuva necessária para encher uma cisterna de L fica em torno de 242 mm. Para satisfazer à demanda anual de água para beber e cozinhar de uma família de 5 pessoas ( L), são suficientes apenas 166 mm de chuva. Quanto à profundidade do buraco, é imperativo que, praticamente, toda a parede lateral da cisterna de placas esteja abaixo do nível do piso (calçadão) para que haja a captação, por gravidade, da água da chuva escoada do piso. Na prática, isso implicava na exigência de escavação de 2,40 m de profundidade, o que representava uma mão-de-obra considerável da família, que em situações de solos muitos rasos, inviabilizaria a construção da cisterna. Diante dessa limitação, modificou-se o diâmetro tradicional da cisterna de placas de L,

8 aumentando-o de 3,0 m para 4,2 m, sem comprometer a sua segurança. Essa alteração no diâmetro resultou na redução do buraco de 2,40 m de profundidade para apenas 1,20 m. Tal redução significa a possibilidade da implantação desse sistema em qualquer parte do SAB. CONCLUSÕES O sistema de captação e armazenamento de água de chuva de escoamento no nível do solo, proporcionado por esta pesquisa, apresentou resultados que o credenciam como uma alternativa efetiva para as famílias mais pobres do meio rural do SAB, que, normalmente, não dispõem de áreas de telhados adequadas para a captação e água de chuva. Esse resultado se apresenta como uma fonte de contribuição técnica para o aperfeiçoamento da proposta do Programa 1 Milhão de Cisternas, particularmente, no que concerne à capacidade de incluir as famílias mais pobres no programa, de tal forma que essas famílias podem passar a ter uma alta taxa de segurança hídrica para beber, cozinhar e higiene do corpo (com exceção do banho), mesmo durante as piores secas. Comparando-se com o custo financeiro para a implantação do sistema de captação de água de chuva que escoa do telhado, o modelo de sistema proposto é economicamente viável por representar um custo de 84% a mais do sistema similar de captação de telhado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERNAT, C., COURCIER, R.; SABOURIN, E. A cisterna de placas, técnicas de construção. Recife: 2 a edição, Publicação conjunta da Cooperação Técnica Francesa e da SUDENE p. GOULD J. Rainwater catchment systems for houselhold water supply. Bangkok, Thailand. ENSIC Review N 31, P.O. Box 2754, A.I.T p. SILVA, A.; PORTO, E.; DE LIMA, L.; GOMES, P. Captação e conservação de água de chuva para consumo humano: cisternas rurais; dimensionamento, construção e manejo. Petrolina. EMBRAPA-CPATSA/ SUDENE p. PACEY, A.; CULLIS, A. Rainwater harvesting: the collection of rainfall and runoff in rural areas. London. UK. Intermediate Technology Publications p.

9 ASA. Programa de formação e mobilização social para a convivência com o semi-árido: um milhão de cisternas P1MC. Recife