HEMATÚRIA Pedro Henrique Olivo Kronfeld Gustavo Franco Carvalhal UNITERMOS HEMATÚRIA, HEMATÚRIA MACROSCÓPICA, HEMATÚRIA MICROSCÓPICA. KEYWORD HEMATURIA, GROSS HEMATURIA, MICROSCOPIC HEMATURIA. SUMÁRIO Hematúria é uma manifestação clínica importante, muitas vezes o primeiro sinal de várias doenças do trato urinário. Portanto, a sua investigação adequada é de suma importância para o diagnóstico e tratamento de várias condições urológicas. SUMMARY Hematuria an important clinical manifestation of many diseases of the urinary tract. Therefore, its evaluation is important to adequately diagnose and treat such clinical conditions. INTRODUÇÃO A hematúria é um sinal clínico importante, muitas vezes o único sinal de doenças subjacentes do trato urinário. Calcula-se que 5-20% dos portadores de hematúria microscópica assintomática apresentem alguma afecção urológica relevante. Destes, 13% possuem alguma neoplasia urológica (1). Dito isso, casos de hematúria, seja identificados pelo paciente ou vistos em exame de urina, deverão ser investigados de maneira adequada a fim de identificar sua causa (Tabela 1).
Tabela 1 - Causas de Hematúria (3,4) Origem <50 anos >50 anos Glomerular Nefropatia IgA Nefropatia IgA Hematúria Familiar Benigna Nefrite Hereditária (Mal de Alport) Nefrite Hereditária (Mal de Alport) GESF Glomeruloesclerose Segmentar focal (GESF) Não-Glomerular Trato Urinário Superio Nefrolitíase Nefrolitíase Pielonefríte Cancer Doença Policística Doença Policística Hipercalciúria, Hiperuricosúria Cancer de Pelve ou Ureter Trauma Necrose de Papila Necrose de Papila Infarto Hidronefrose Hidronefrose Anemia Falciforme Tuberculose Infarto ou Mal-formação Arteriovenosa Tuberculose Trato Urinário Inferior Cistite, prostatite, uretrite Cistite, prostatite, uretrite Tumores/pólipos benignos Tumor de Bexiga Tumor de Bexiga Tumor de Próstata Tumor de Próstata Tumores/pólipos benignos Incerto Exercício Exercício Hematúria Idiopática Anticoagulação Exagerada Anticoagulação Exagerada Conceito Consideramos hematúria o achado de 3 ou mais hemácias por campo de grande aumento em amostra aleatória de urina. Para ser considerada patológica, este achado deverá ser persistente, com ao menos 2 achados positivos em 3 coletas (1). Caso transitória, com demais resultados negativos, deverá ser considerada um achado benigno, tendo sido causada por aumento da atividade física, febre ou coleta de urina mais concentrada (2). Caso, em amostra isolada, seja visto quantidade exagerada de hemácias (ex: 100 hemácias/campo), esta já poderá ser considerada patológica, o mesmo acontecendo quando a hematúria for macroscópica (visível a olho nu). Urina vermelha: quando o paciente queixa-se de urina vermelha, 3 possibilidades deverão vir a nossa mente: 1) hematúria, 2) hemoglobinúria e 3) mioglobinúria. Causas menos frequentes incluem, consumo de antrocianina (presente na beterraba e em frutas vermelhas), envenenamento por mercúrio, rifampicina, cloroquina e fenoftaleína (1,2). Classificação A hematúria pode ser dividida em microscópica e macroscópica (perceptível a olho nu) e quanto a sua origem (glomerular, intersticial e urológica).
Macroscópica X Microscópica De acordo com a quantidade de hémacias eliminadas. A microscópica será perceptivel somente na urinálise (EQU). A macroscópica poderá ser vista pelo próprio paciente, porém, alterações na coloração da urina nem sempre significam hematúria. Apesar de hematúrias muito intensas e duradouras poderem ocasionar anemia, a intensidade da hematúria não reflete com precisão a quantidade de sangue perdida pelo paciente, isso porque 1mL de sangue já é o suficiente para tingir de vermelho 1L de urina. Glomerulares X Não-Glomerulares Podemos dividir as hematúrias em glomerulares/tubulointersticiais e do trato urinário. Um método que nos auxilia nessa diferenciação é a proteinúria que, quando elevada (>100mg/dL ou 2+ no EQU), torna-se representativa de sangramentos altos, associados a lesões glomerulares. Apesar disso, 20% dos casos de hematúria nefrológica (glomerular) não se associam a proteinúria importante (1). Nos casos de hematúria do trato urinário, não devemos esperar aumentos significativos da proteinúria, independente do grau da hematúria. A análise morfológica das hemácias também nos auxilia nessa diferenciação; dismorfismo hemático, indica origem glomerular. Nos caso de hematúria de origem tubulointersticial e de trato urinário esse dismorfismo não é observado (o contorno das células fica preservado). Por ser um exame para o qual muitos laboratórios não possuem equipamento necessário para análise, seu emprego fica restrito. Outro dado que nos auxilia é a presença ou não de cilindros hemáticos, característico da hematúria glomerular. Caso haja presença de coágulos na urina, poderemos afirmar que este sangramento mais provavelmente tenha origem no trato urinário (não glomerular).
História História familiar de hematúria ou EQU anormal Rash, artrite Hemoptise, tendência a sangramentos IVAS ou infecção de pele recente Relacionado ao exercício Sem sinais ou sintomas Nefrite Familiar Surdez Mal de Alport C3, C4, ANA LES Anemia microcítica Sind. De Goodpasture ASLO, C3 GNPE ASLO e C3 normais Biópsia renal + para IgA, IgG, β 1c -globulin Creatinina sérica e proteinúria de 24h Biópsia D. Berger GN Mesangioproliferativa, Mesangiocapilar ou Membranosa Figura 1 - Algortitmo para avaliação de hematúria glomerular. 1 - Hematúria induzida por exercício: tem sido observada em corredores de longa distância (>10km) ao final do exercício, desaparecendo durante o repouso. Pode ter origem renal, em pacientes com doença glomerular de base (ex: Nefropatia IgA) devido a observação de eritrócitos dismórficos da análise urinária de tais pacientes, tendo o exercício exacerbado tal condição. Porém, em muitos casos avaliados por cistoscopia evidenciam-se pontos hemorrágicos na mucosa vesical, indicando uma possível origem urológica (1). - Hematúria de origem vascular: tromboembolismo da artéria renal, fístulas arteriovenosas e trombose da veia renal geram hematúria. O exame físico revelará hipertensão severa, dor intensa em flanco ou fibrilação atrial (1). - Hematúria Urológica: Deveremos considerar 3 possibilidades diagnósticas mais comuns: infecção (pielonefrite, cistite, uretrite ou prostatite), nefrolitíase ou tumores uroepiteliais. A análise da urina é semelhante quando comparada a hematúria não-glomerular (ausência de alterações morfológicas eritrocitárias); poderemos, no entanto, diferenciá-las devido a ausência de proteinúria importante (1).
(A) História História familiar + para coagulopatias ou tendência a sangramentos História familiar + para urolitíase História familiar + para doença renal policística Negro, DM, abuso de analgésicos Anticoagulação Sistêmica TP e KTTP alterados Cálcio urinário e ácido úrico elevados urinárias Pesquisa de anemia falciforme TP e KTTP em níveis terapêuticos TP e KTTP acima dos níveis terapêuticos Hemofilia, Trombocitopenia, PTI, Coagulopatia Intavascular Disseminada Urolitíase Familiar Doença Policística Doenças Císticas da Medula Necrose de Papila ECO de Vias Urinárias Excluir anormalidade urológica Parar Anticoagulação Considerar ECO de Vias Urinárias (B) História/Exame Físico Hematúria relacionada ao exercício IAM recente, FA Desidratação Sopro Anormalidade do Trato Urinário? Eritrócitos dismórficos Eritrócitos circulares urinárias, TC, Arteriograma renal urinárias, TC, Arteriograma renal Arteriograma urinárias, Nefropatia IgA (Doença de Berger) Tumor de Bexiga Trombose/Embolia de Artéria Trombose da Veia Fistula Arteriovenosa Tumor, cálculo... Figura 2 - Algoritmo para avaliação de hematúria não-glomerular com proteinúria (1)
Urografia Excretora Normal Anormal e Citologia Massa Litíase Pelve renal/ureter Normal TU Vesical Hematúria uretral TC ou ECO Avaliar/tratar TC ou ECO Cirurgia Uretrografia retrograda/ Normal Massa renal citologia do trato urinário Não necessita investigação subsequente Avaliar/ operar Normal Defeito de enchimento Cístico / citologia Solido Avaliar/ operar Uretrografia retrograda/ citologia do trato urinário / biópsia Cirurgia TC ou ECO Biópsia/ cirurgia Normal Massa renal Arteriografia Avaliar/ operar Figura 3 - Algoritmo para avaliação de hematúria essencial (hemácias normais, sem cilindros, sem proteinúria) (1). Investigação Nas Tabelas 1-3 há sugestões de algoritmos para a investigação diagnóstica da hematúria, de acordo com sua característica (glomerular, não glomerular associada a proteinúria e urológica). REFERÊNCIAS 1. Gerber GS, Brendler CB. Evaluation of the urologic patient: history, physical examination and urinalysis. In: Walsh PC. editor. et al. Campbell Urology. 10 th ed., Philadelphia: Sauders; 2012. 2. Bendhack DA, Damião R. Guia Prático de Urologia. Rio de Janeiro: SBU; 1999. 3. Cohen RA, Brown RS. Microscopic Hematuria. N Engl J Med. 2003;348:2330-8. 4. Fassett RG, Horgan BA, Mathew TH: Detection of glomerular bleeding by phase-contrast microscopy. Lancet 1982;1:1432.