A Navegação de Cabotagem Brasileira e os Impactos da Lei 12.619 João Guilherme Araujo Janeiro de 2013



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Transcrição:

Uma questão de vocação natural e competitividade Melhorar a movimentação e distribuição de bens e mercadorias no país é condição primordial para um mercado que se pretenda competitivo. Não basta ao país ser rico em recursos naturais e matérias primas, perseguir menores custos de energia, aumentar sua capacidade industrial e desenvolver melhores processos produtivos. Há de haver um esforço direcionado aos enormes desafios na oferta de mão de obra qualificada, e a destravar o nó da ausência de adequada infraestrutura de transportes e os entraves de distribuição física de nossos produtos. Esse ponto é central na busca de maior competitividade do mercado brasileiro e nos parece que o país está finalmente acordado para o fato. Nesse sentido, a matriz de transporte de cargas brasileira apresenta grandes possibilidades de aperfeiçoamento e melhor balanceamento entre seus diferentes modais. Especialmente, se tomarmos em consideração a histórica concentração rodoviária brasileira, as dimensões geográficas e as vocações naturais de um país continental, com extensa costa navegável. Reforçamos, desde já, que não se trata de uma disputa entre modais, mas, pelo contrário, gostaríamos de apresentar a oportunidade concreta de complementariedade e colaboração multimodal. A beleza da logística está nas suas variadas possibilidades de soluções e no adequado uso da melhor combinação de modais de transporte disponível. O Brasil nos parece começar a evoluir do jogo de disputar os pedaços da pizza, para a rota vencedora que reside em aumentar a pizza para todos. Abaixo, ilustramos uma fotografia de nossa matriz de transporte de cargas, com algumas comparações internacionais: Matriz de Transporte de Cargas 1

As comparações internacionais nos permitem entender que a navegação de cabotagem é uma opção que sofre grande influência de operações conjugadas com carga feeder, bem como, dependem da distribuição demográfica e econômica de determinado país ou região. Assim, um país com elevado grau de interiorização e mercado doméstico forte, apresenta baixa participação da cabotagem, como os Estados Unidos, onde as cargas de longas distâncias inland são movimentadas majoritariamente por ferrovias. Por outro lado, países com alto grau de concentração costeira e/ou com alta participação de comércio exterior possuem uma expressiva participação da cabotagem. Trazendo para a realidade nacional, podemos dizer que ainda precisamos abrir o Brasil e aumentar nosso comércio exterior, o que permitirá aumentar, cada vez mais, o efeito da carga feeder. Por outro lado, estamos falando de um país costeiro, com aproximadamente 80% da sua população em um raio de até 200 km do litoral. Nesse cenário, nos parece seguro afirmar que há importantes espaços de balanceamento de cargas do modal rodoviário para os modais ferroviário e aquaviário. Principalmente em relação à cabotagem, cujo potencial de crescimento é mais imediato do que o da navegação de interior. Obviamente, como já registrado, estamos falando de migração e colaboração entre os modais. Afinal, não se consegue coletar uma mercadoria na origem e nem entregar no seu destino final sem a participação de um modal flexível, como o rodoviário, para cobrir as pontas de last mile. Em outras palavras, nem o navio, nem o trem, nem o avião e nem o duto conseguem unir o produtor até o consumidor final diretamente. A virtude estará em conseguirmos integrar cada um desses modais e fazer com que eles ocupem a sua parcela de transporte mais competitiva, para alcançarmos o atendimento ótimo da cadeia de suprimentos nacional. Isso, sim, é planejamento logístico e desenvolvimento de multimodalidade. Panorama da navegação de cabotagem brasileira, suas virtudes e seus desafios A navegação de cabotagem no Brasil pode ser dividida entre os grandes volumes e fluxos dedicados dos transportes de granéis líquidos e sólidos e os fluxos e volumes de cargas gerais, soltas ou em contêineres. No primeiro bloco, temos os grandes frotistas ou ativos dedicados, os quais movimentam granéis líquidos, como óleos combustíveis e vegetais, e granéis sólidos, como bauxita e grãos. Nesses casos, estamos usualmente falando de grandes volumes, menor complexidade e intensa dedicação de ativos (tanto navios quanto terminais portuários). No segundo bloco, falamos das cargas gerais, que se baseiam em produtos siderúrgicos, cargas de projetos e cargas em contêiner, com especial atenção ao crescimento que esse último tipo de fluxo vem apresentando nos últimos anos. Embora esse segundo bloco tenha uma representatividade de participação volumétrica ainda pequena, é nele que o mercado apresenta as melhores oportunidades e crescimento sendo, portanto, foco do nosso artigo. 2

A frota total de cabotagem brasileira apresenta 156 embarcações, com idade média de 17,4 anos e pertencentes a 31 empresas. Os maiores operadores são a Petrobras/Transpetro, com 42 embarcações, a Norsul e a Elcano. Juntas, essas três empresas operam por volta de 70% da TPB tonelagem de porte bruto da frota brasileira, notadamente nos granéis líquidos e sólidos. Logo em seguida, e chamando atenção pelo crescimento de participação, aparecem as companhias de navegação focadas nas cargas gerais, especialmente em contêineres. Nesse grupo, podemos destacar as quarta e quinta maiores empresas de navegação de cabotagem brasileiras, Aliança Navegação e Logística (9% da TPB) e LogIn Logística (4,5% da TPB), respectivamente. É importante destacar que a indústria naval brasileira vem recuperando seu fôlego, e essas empresas estão investindo em renovação e expansão de capacidade de transporte de cabotagem, através de programas como EBN (Empresa Brasileira de Navegação) e PROMEF (Programa de Modernização e Expansão da Frota, da Transpetro). Frota Atual e Projeção de Frota de Navegação de Cabotagem no Brasil Fonte: ANTAQ Embora o número de embarcações tenha aumentado, a TPB sofreu uma redução no período mais recente. Isso é resultado da diminuição dos navios petroleiros e graneleiros e do incremento e renovação dos navios porta contêineres. Essa é mais uma evidência do destacado crescimento da cabotagem de contêiner no Brasil e motivo pelo qual esse artigo vai se concentrar apenas nesse tipo de carga de agora em diante. No que diz respeito às virtudes da navegação de cabotagem de contêineres, os principais destaques são: competitividade de custo de transporte, consolidação do contêiner como facilitador no transporte de cargas, meio de transporte ambientalmente mais eficiente, baixo 3

número de avarias e sinistros, segurança patrimonial, além de contribuir na redução dos fluxos rodoviários de longa distância e na redução dos números de acidentes nas desgastadas estradas brasileiras. Além das virtudes apresentadas acima, há ainda um momento favorável para esse modal, impulsionado por uma frota internacional de porta contêineres cada vez maior em dimensão e profundidade. Estes vêm levando à restrição da quantidade de disponibilidade de escalas nacionais para navios de longo curso, aumentando consideravelmente a participação de carga feeder. É uma tendência mundial que os armadores busquem navios de longo curso cada vez maiores, derrubando os custos unitários do transporte. Entretanto, serão necessários portos de calado profundo e grandes terminais portuários, os quais terão participação cada vez maior dos fluxos de transbordo. Um segundo e também importante fator impulsionador do modal é o desenvolvimento econômico mais rápido do Norte e Nordeste brasileiros, fazendo com que haja maior oportunidade de balanceamento dos fluxos north e southbound. De maneira geral, podemos dividir a carga de cabotagem conteinerizada em três anéis de serviço: carga Mercosul, carga nacional e carga feeder. A carga nacional vem sendo beneficiada pelo desenvolvimento mais rápido do Nordeste e pelo melhor balanceamento dos fluxos de subida e descida; a carga feeder vem aumentando de participação pelos motivos já explorados acima; e a carga Mercosul é a que tem tido menor impulso, mas, pelo menos, se trata de carga em moeda forte, o que diminui a exposição de risco dos armadores de cabotagem, que possuem componente importante de custos em moeda forte (combustível e ativos). Principais Portos para Cabotagem de Contêineres Fonte: ANTAQ 4

Com relação aos principais desafios da cabotagem de contêiner no Brasil, podemos dividir os fatores em dois grupos distintos. O primeiro diz respeito às desvantagens intrínsecas ao tipo de modal de carga. Essas desvantagens estão relacionadas ao maior tempo de viagem, à concentração de volumes por embarque e a um consequente aumento de estoques. Esses são fatores característicos do modal e devem ser considerados quando do desenho de solução ótima para a logística do cliente embarcador. O segundo grupo de fatores desafiadores para a cabotagem de contêineres diz respeito a fatores estruturais, regulatórios e extrínsecos ao tipo de modal. A má notícia é que esse grupo apresenta um número ainda significativo de fatores. A ótima notícia é que a maior parte deles é equacionável e só depende de boa dose de planejamento e boa vontade federal, visão de longo prazo do setor privado e estímulos aos investimentos em infraestrutura. Esse conjunto de fatores nos parece estar começando a tomar forma e velocidade. Começamos esse grupo pela questão da escassez crítica de mão de obra e baixa oferta de escolas de formação de oficiais. Esse é um problema sério e que exige atuação imediata do Governo para uma solução sustentável no longo prazo, bem como, potencialmente algumas flexibilidades regulatórias temporais, dada a carência de tripulação nacional e a grande concorrência atualmente vivida com o setor de Oil & Gas e a exploração de petróleo off shore. Aliás, essa questão de concorrência com a exploração de petróleo off shore é válida tanto para tripulantes quanto para a própria indústria de construção naval. Aqui surge um segundo ponto de desafio, pois as empresas de cabotagem estão procurando renovação e expansão de frota e se deparam com escassez de capacidade instalada e baixa competitividade da indústria nacional. Recentemente, tivemos a entrega de navio novo e produzido no Brasil para a LogIn e temos outros em construção para essa mesma empresa. Por outro lado, a Aliança está trazendo embarcação da China para renovação de sua frota, pela dificuldade em encontrar capacidade nacional. Entretanto, a empresa já declarou que pretende comprar navios nacionais, e nós torcemos para que, pelo menos, parte dos próximos navios planejados (são mais três no curto prazo) possam ser fabricados por aqui. Finalizando o tema de disponibilidade de frota, uma questão que parece estar evoluindo na direção certa é a liberação de utilização do AFRMM para investimento na renovação e expansão da frota. O processo de liberação dos créditos de AFRMM parece estar se tornando mais célere e isso é um tremendo fator de impulso para o setor. Uma terceira dificuldade do modal é a questão do custo de combustível. O Bunker representa o principal fator de custo no transporte de cabotagem e existe um pleito para equalização de tratamento desse custo com o setor de longo curso, dado que há isenção de aplicação de impostos para estímulo e atração dos navios internacionais. O mesmo não é oferecido aos navios nacionais (exceção de Suape, onde parece já haver esse incentivo também para navio de cabotagem). A sugestão desse incentivo poderia ser taxada como algum tipo de proteção 5

ou desequilíbrio concorrencial, mas, dado que ele existe para o longo curso e o diesel do rodoviário é também protegido pelo Governo, nos parece um pleito legítimo para o setor. Outro desafio do setor diz respeito aos terminais portuários, seus investimentos, sua produtividade e seus serviços. A despeito do enorme avanço dos terminais portuários dos últimos anos, assim como dos novos sinais dados pelo plano federal de incentivos aos investimentos no setor, é muito importante destacar que uma navegação de cabotagem competitiva passa por terminais portuários produtivos, céleres no tratamento da carga, bem como por portos com grande quantidade e facilidade de acesso. Se, para uma viagem de longo curso, os tempos de liberação do contêiner vazio, da ponta rodoviária até o ponto de coleta da carga, da ova do contêiner, da ponta rodoviária para apresentação do contêiner no terminal, da liberação e, finalmente, do carregamento do contêiner no navio já são importantes, imaginem o impacto dessa mesma operação em uma viagem marítima mais curta, como na cabotagem. Em outras palavras, as operações in land possuem grande relevância no contexto total do serviço de cabotagem porta a porta. Além disso, os terminais portuários possuem seus próprios desafios de melhoria de movimentação e produtividade, por estarem, usualmente, instalados em portos com dificuldade de acesso. Afinal, como qualquer bom empresário, no limite, os portos acabam priorizando as cargas que podem gerar mais receitas e serviços, para eles, notadamente, as de longo curso. Para finalizar os pontos de desafio do modal, não podemos deixar de mencionar as questões burocráticas e regulatórias. O tratamento burocrático dado às cargas de cabotagem é muito semelhante ao tratamento de uma carga de mercado internacional, impedindo uma maior fluidez e a competitividade do modal. Além disso, a questão de estímulo à multimodalidade (figura do OTM Operador de transporte multimodal) e a simplicidade documental também nos parecem enormes zonas de oportunidade, com a vantagem de estarmos falando de assuntos que podem ser resolvidos com baixa intensidade de capital e em prazos muito menores, a depender de uma boa dose de vontade política e de integração entre os diversos agentes públicos envolvidos nesses processos. A Lei do motorista (12.619) e seus impactos na navegação de cabotagem A lei 12.619 entrou em vigor em 17 de junho de 2012 e dispõe sobre o exercício da profissão de motoristas profissionais de veículos automotores, regulamentando a remuneração e a jornada de trabalho desse profissional. Em que pese tratar-se de um marco importante para um setor de transporte com elevada jornada de trabalho e enorme número de acidentes e mortes no trânsito, a lei nos parece muito boa em seus princípios, mas peca por apresentar parâmetros mais rígidos que os países desenvolvidos (com baixo índice de acidentes) e por tratar de maneira diferenciada a jornada de trabalho do celetista e do autônomo, indo em direção contrária ao trabalho formal e assalariado. 6

Remuneração com Base na Lei 12.619, considerando motorista CLT Jornada de Trabalho com Base na Lei 12.619 Fonte: Estudo ILOS 2012 Em princípio, a aplicação da nova lei pode ser entendida como um estímulo aos demais modais de transporte, especialmente aqueles mais competitivos para maiores distâncias. De fato, haverá um impacto inflacionário e também no tempo de viagem do modal rodoviário para rotas longas, onde a concorrência com o modal de cabotagem é maior atualmente. Esse é, sim, um fator de ajuste para o modal rodoviário brasileiro, o qual operava de maneira exploratória a figura do motorista autônomo. O ponto de atenção é que a nova lei veio de tal forma rígida e exigente que seus impactos aparecem de forma discreta, e não contínua, e poderão impactar também a competitividade do próprio setor de cabotagem, nos serviços em 7

que as pontas rodoviárias exigirem um tempo de carga e descarga mais representativo. O Diretor de Capacitação do ILOS - Instituto de Logística e Supply Chain, Maurício Lima, fez recentemente um estudo e chegou a alguns impactos médios e de referência que demonstram melhor esses fenômenos. Impacto Médio no Custo e Serviço do Modal Rodoviário, considerando motorista CLT Fonte: Estudo ILOS 2012 A partir desse estudo, nota-se que o impacto de aumento de custos e tempo de viagem (diminuição no serviço) é definitivamente muito representativo para rotas a partir de 1.500km. Isso, sem dúvida, pode ser encarado como um fator impulsionador para modais como o ferroviário e a cabotagem. Por outro lado, note que os impactos não são lineares, mas, sim, discretos. Aqui reside um risco de impacto nos fluxos de cabotagem porta a porta que apresentem pontas rodoviárias pouco produtivas, um pouco mais longas ou com problemas de filas de espera para carga ou descarga. Nesses casos, há uma faixa perigosa de impacto muito relevante e que pode aparecer em fluxos do tipo manufaturados embarcados em Manaus para entrega direta nos Centros de Distribuição dos grandes varejistas e magazines do Sudeste do Brasil. Quão maior a intensidade de interiorização da ponta rodoviária ou os tempos de carga e descarga, maiores os riscos de parte ou da totalidade dos impactos dessa nova legislação serem sentidos também no serviço porta a porta da cabotagem de contêineres. O mercado de armadores de cabotagem brasileiro e nossas conclusões finais O mercado brasileiro de armadores de cabotagem para carga em contêiner apresenta atualmente quatro diferentes players: Aliança Navegação e Logística, LogIn Logística, Mercosul Line e Maestra Logística. Isso significa que, além de um mercado em crescimento, a cabotagem em contêineres é também, hoje, um mercado com diferentes ofertas de serviço e preço. Embora haja um bom potencial de crescimento, o mercado de cabotagem nos parece ainda 8

longe de consolidação e com a presença de players com características e origens de negócio bastante diferentes. Nesse conjunto, temos empresas de capital aberto, empresas associadas a grandes operadores internacionais e empresas mais novas e em fase de expansão. Esse quadro acaba derivando em uma frota pouco uniforme em termos de idade e capacidade de carga, o que pode dificultar a execução de acordos operacionais ou operações conjuntas, as quais poderiam ajudar a rentabilizar ou melhorar a execução de alguns serviços específicos. De outro lado, essa característica de competição traz criatividade, movimento e busca contínua por melhorias para a cabotagem. Temos percebido um investimento revigorado na frota de embarcações, nas tecnologias de informação, nas operações de ponta terrestre e nos investimentos de customer service e terminais satélites de apoio em terra. As empresas de navegação de cabotagem de contêiner são, na verdade, operadores de logística multimodal buscando, de forma contínua, o seu desenvolvimento, para melhor servir clientes embarcadores que pretendam apropriar-se das vantagens do modal de cabotagem, sem perder a prestação de serviço logística simplificada e contratada diretamente de um único prestador de serviço porta a porta. Outro efeito positivo dessa competição diz respeito ao aumento na quantidade e assertividade das escalas de portos e oferta total do modal, permitindo que novos embarcadores testem a solução, assim como os atuais clientes possam expandir seus volumes ou participações com esse modal de carga. No ano passado, o ILOS realizou uma pesquisa nacional com 100 dos nossos maiores embarcadores. Os fatores que esses grandes embarcadores listaram como mais importantes para a decisão de usar a cabotagem foram: - Confiabilidade, Segurança e Frequência, por parte do modal e, - Custos Competitivos e Flexibilidade de Carga de Última Hora, por parte dos armadores. Não conseguimos avaliar precisamente em que intensidade, mas todos os fatores e o efeito coletivo dos fatos acima nos permitem afirmar que o modal está seguindo nos passos que o mercado está demandando. Ainda é necessário superar várias amarras, é verdade, mas esse movimento nos permite que a projeção de crescimento para esse tipo de serviço no Brasil apresente uma taxa de crescimento anual significativamente alta, como pode ser visto na última figura deste artigo. Essas previsões são suportadas por análises e cruzamentos de dados secundários, por cenários de investimento e desregulamentação e por uma análise fria sobre a atual capacidade instalada em termos de frota de navegação de cabotagem. Notamos que, embora exijam os movimentos de renovação que estão em curso, a capacidade instalada e os índices de ocupação dessa frota permitem um aumento na capacidade de transporte nacional imediato, fato bastante desejado no atual cenário de nossa matriz de transportes de carga. 9

Potencial de Cabotagem de Contêiner no Brasil Fonte: ANTAQ 2011, Estudo ILOS 2012 10