A ESCRITA ESPONTÂNEA E UTILITÁRIA NO MUNICÍPIO DE RESENDE RJ



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Transcrição:

A ESCRITA ESPONTÂNEA E UTILITÁRIA NO MUNICÍPIO DE RESENDE RJ 1 INTRODUÇÃO A língua Portuguesa é a língua oficial do Brasil conforme preceitua o Artigo 13 da Constituição Federal, de 1988. Assim sendo, todo o esforço educacional e escolar visa à capacitação dos cidadãos brasileiros para a expressão oral e escrita que lhes possibilite o necessário desempenho nas mais diversas atividades da vida diária. A preocupação com a escolaridade tem sido praticamente sinônimo de alfabetização, não de letramento, ou seja, capacitação do educando para a prática da escrita nas situações reais. (SOARES, 2000). Como bem alerta Marcuschi, ao distinguir tais conceitos: Há, portanto, uma distinção bastante nítida entre a apropriação/distribuição da escrita & leitura (padrões de alfabetização) do ponto de vista formal e institucional e os usos/papéis da escrita & leitura (processos de letramento) enquanto práticas sociais mais amplas. Sabemos muito sobre métodos de alfabetização, mas sabemos pouco sobre a influência e penetração da escrita na sociedade. MARCUSCHI, 2001, p. 20) [Grifos do Autor.] O domínio da língua escrita representa um valor social inegável na nossa sociedade letrada. Nesse aspecto, é necessário conhecer as estratégias do homem comum, que, nas suas atividades diárias, se vale dos conhecimentos lingüísticos aprendidos na escola e fora dela, para resolver seus problemas de comunicação que dependam da escrita. Nessa perspectiva, este estudo procurou documentar as manifestações lingüísticas escritas populares de caráter utilitário ou espontâneo, no município de Resende-RJ. Trata-se de uma pesquisa descritiva da linguagem das ruas, registrada em placas e cartazes manuscritos oferecendo serviços; dizeres em tabuletas e similares; textos diagramados e impressos em folhas volantes, motivados pela necessidade de comunicação pública, vinculada à publicidade e à propaganda destinada a um público indeterminado e ocasional. (PINTO, 1996). Na coleta do corpus aqui analisado trabalharam alunos da Associação Educacional Dom Bosco, pertencentes a sucessivas turmas de 2001 a 2005 do Curso de Letras, e de 2004 e 2005 do Curso Normal Superior. A escrita é uma representação de segunda ordem, pois representa os sons da fala, que já são uma representação. É preciso, pois, considerá-la como um código que abrange, além da ortografia emprego das letras do alfabeto e da acentuação gráfica -, outros sinais gráficos como os de pontuação; a direção da escrita; o espaçamento entre as palavras; a seqüência lógica; a unidade temática; a paragrafação; a concordância nominal e verbal; os elementos coesivos. (SÉRKEZ; MARTINS, 1997) A escrita em situação real de uso deve servir ao propósito da comunicação a que se destina, Contudo, a língua não é apenas texto: é conjuntamente texto e contexto (cultural e de situação) (ELIA, 1987, p. 47) Há que se considerar que o ato lingüístico, isto é, a expressão concreta individual, realiza-se distintamente de pessoa para pessoa, e até uma mesma pessoa se expressa diferentemente dependendo do local, da pessoa a quem se dirige, do assunto a ser tratado e demais circunstâncias da comunicação. Ressalta-se que esta distinção é permeada de uma aparente identidade, pois, se tal não existir também não existirá a comunicação entre os falantes. O reconhecimento de expressões lingüísticas típicas de professor, ou de político, ou de jogador de futebol; os falares regionais: mineiro, ou paulistano, ou carioca comprovam a natureza social da língua como um conjunto de atos lingüísticos comuns..(bechara, 2000). 199

Desse modo, para que a expressão escrita alcance o caráter comunicativo desejado, o texto deve ser produzido de acordo com as normas historicamente determinadas e correntes na comunidade a que o leitor a que se dirige pertence. Mas nem sempre o seu produtor tem o cuidado com a qualidade e a correção gráfica, ou o conhecimento lingüístico necessário para tanto. Mesmo nas mensagens encomendadas a tipógrafos e pintores há pouca censura ortográfica e mesmo gramatical. As condições sócio-históricas do autor revelam-se na sua competência de estabelecer marcas capazes de estabelecer a interação verbal e estabelecer o diálogo intencional bem como a alteridade própria da linguagem.(bakhtin, 1979). 2 A REPRESENTAÇÃO ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA 2.1 Ortografia A ortografia vigente no Brasil é a do Acordo Luso-Brasileiro de 1943, sancionado pelo Decreto-Lei n o. 2.623, de 21 de outubro de 1955, e simplificado pela Lei n o. 5.765, de 18 de dezembro de 1971. Na representação escrita da Língua Portuguesa, o alfabeto consta fundamentalmente das seguintes letras: a, b, c, d, e, f, g, h, i, j, l, m, n, o, p, q, r, s, t, u, v, x, z. Além dessas, há as letras k, w, y, do alfabeto anglo-saxão, que são empregadas em dois casos: na transcrição de nomes próprios estrangeiros e seus derivados portugueses (por exemplo: Chomsky, Darwin, darwinismo) e nas abreviaturas e nos símbolos de uso internacional, por exemplo, km (quilômetro), K (potássio). Além das letras maiúsculas e minúsculas do alfabeto, há sinais auxiliares na representação das palavras, são as notações léxicas, os acentos: agudo, grave e circunflexo; o trema; o apóstrofo; a cedilha; o hífen. Há, também, os sinais de pontuação: ponto final, ponto de interrogação, ponto de exclamação, vírgula, ponto e vírgula, reticências, travessão, parênteses, colchetes, e há, ainda, o espaçamento entre as palavras, espaço no início do parágrafo e as margens superior, inferior e laterais. 2.2 Sistema gráfico A representação escrita convencional da língua realiza-se pela adoção de um sistema gráfico, ou ortografia. No caso das línguas modernas, como a língua portuguesa, o alfabeto latino foi adotado, constituindo a base ortográfica vigente. Observa-se que não é um sistema ideal, já que nem sempre atende à representação dos fonemas. Por exemplo, o sistema fonológico português tem sete fonemas vocálicos orais tônicos /a/, /é/, /ê/, /i/, /ó/, /ô/, /u/ -, para cuja representação há apenas cinco letras vogais a, e, i, o, u. (BECHARA, 2000, p. 53) Fonema é a menor unidade sonora distintiva da palavra, ao passo que a letra é um sinal gráfico, um desenho, um grafema. Não há uma relação perfeita entre letra e fonema, algumas letras representam fonemas diversos, por exemplo, a letra c em: coisa /k/ e cinza /s/, a letra g em garoto /g/ e gelo /j/; a letra x em enxugar /x/, exame /z/, próximo /s/, fixo /k//s/(nesse último caso, a letra representa dois fonemas). Existem ainda fonemas representados por letras diferentes, como o fonema /j/ em jeito, gente; o fonema /s/ que tem nove representações: sucesso, próximo, cidade, sal, feliz, maçã; nascer, exceção, cresça. E há fonemas representados por duas letras simultaneamente, os dígrafos : lh, nh, rr, ss, qu,gu, am,em,im,om,um,an,en,in,on,un, em. velha, banho, ferro, osso, querido, guerra, ambos, tempo, limpo, bomba, um, andar, pente, lindo, onde, fundo. Em português, existe a letra h que não representa fonema algum quando usada no início de algumas palavras : homem, haver, hora, hoje, no topônimo Bahia e no fim de algumas interjeições : ah!, oh!, uh! 200

2.3 Relações entre fonema e letra Entre letra e fonema pode haver correspondência biunívoca, ou não, dependendo da origem da palavra. (SÉRKEZ; Marins, 1996) Na correspondência biunívoca, a letra pode representar um único valor. É o caso de p, b, t, d, v, f, nh, lh, que, em português, cada uma delas representa um único fonema. Quando ocorre troca dessas letras é porque houve dificuldade no reconhecimento do fonema, como em bote em vez de pode. Já as que dependem da origem da palavra podem ser consideradas sob dois pontos de vista: o da previsibilidade e o da arbitrariedade, uma vez que o contexto pode, ou não, determinar o fonema representado. No caso em que a representação é determinada pelo contexto, tem-se o r inicial de sílaba que representa o erre forte, como em rei, rua e em palavras como tenro e honra; porém, intervocálico, o r representa erre fraco, como em parede, hora. O erre forte nessa posição representa-se pela duplicação da letra r ; daí a oposição caro /carro. Esse tipo de correspondência contextualizada ocorre também com a letra l e, ainda, com as letras m e n - antes de vogal ou depois de vogal como se pode constatar em lar / sal; modo / bomba; neto / ente. Quanto à arbitrariedade do uso de uma letra ou de outra para a representação dos fonemas, a origem da palavra é o argumento histórico para a manutenção de nove diferentes padrões de representação do fonema ce (/s/) em português : z, em paz; x, em máximo; c, em céu; ç, em aço; s, em sol; ss, em pássaro; sc, em cresce; sc, em cresça; xc, em excelente. É também arbitrária, de acordo com a origem da palavra o emprego da letra x para representar fonema diversos: /ch/ em lixo; /z/ em exemplo; /s/ em próximo; e /k/ /s/ em nexo. (CUNHA; CINTRA, 1985) A concentração de esforços no domínio da escrita deve, pois, considerar a necessidade de trabalhar com o dicionário constantemente, uma vez que as regras ortográficas não suprem as condições de emprego regular de letras. (BISOL, 1999) 2.4 Espaçamento entre as palavras A existência do espaçamento entre as palavras é outro elemento fundamental para o domínio da língua escrita, uma vez que, na oralidade, não fica clara a distinção entre essas unidades. Existem grupos de palavras, como é o caso de de repente, em cima, por isso, muito empregados oralmente, portanto de domínio popular, mas que, na escrita, constituem problemas de aprendizagem justamente pela necessidade de manutenção do espaçamento entre as palavras que os formam. (BECHARA, 2000; CUNHA; CINTRA, 1985) 2.5 Pontuação É importante perceber que a língua escrita não é constituída apenas por palavras, uma vez que, para conferir timbre, pronúncia e entonação ao texto, são utilizados outros recursos lingüísticos, como a pontuação. É necessário conhecer todos os sinais de pontuação que podem ser empregados no texto, a função de cada um deles, refletir sobre as diferenças de significado do texto provocadas pela pontuação. A mesma seqüência de palavras pode traduzir diferentes idéias: Matar um jacaré não é crime. Matar um jacaré? Não. É crime! O texto impresso exige a apropriação dos conteúdos específicos da língua escrita por parte do usuário, para que ele possa usá-las quando escrever. O domínio dos recursos de pontuação é uma necessidade premente para a expressão adequada das idéias que se pretende expor.(bechara, 2000, CUNHA; CINTRA, 1985)) 201

2.6 A translineação A sílaba é uma unidade sonora, é uma porção de som enunciado num único conjunto, não é uma unidade significativa. A mesma sílaba pode representar unidades distintas de acordo com a sua posição na palavra e com os fonemas nela representados, por exemplo, a sílaba sa em Isabel e em Sabrina. É a posição dessa sílaba no início ou no meio da palavra que determina a sua pronúncia, trata-se, portanto de uma relação arbitrária. É necessário que o usuário da língua perceba essas diferenças entre a fala e a escrita. Outro ponto de conhecimento escrito é o aproveitamento do espaço horizontal linha pois pode ser necessária a translineação da palavra, isto é, sua divisão na passagem de uma para outra linha do texto. Daí a necessidade de se proceder a separação de sílabas visando a este objetivo; uma palavra como POSSIBILIDADE, por exemplo, aceita as seguintes divisões silábicas: pos-ssibilidade; possi-bilidade; possibi-lidade; possibili-dade; possibilida-de. Como é recomendável que não se deixe uma sílaba formada por uma só vogal sozinha no final ou no início de linha, palavras como areia, aí, tia rio e tantas outras terminadas em hiato dispensam o exercício de divisão silábica, pois torna-se irrelevante praticar um exercício sem aplicação real no texto. (CUNHA; CINTRA, 1985; LUFT, 1997) 2.7 Organização do texto Nas situações da vida diária, numa sociedade letrada, o ato de escrever torna-se uma necessidade constante. Ao organizar a mensagem, o produtor do texto deve considerar seus aspectos pragmáticos, ou seja, o contexto, a quem se dirige a mensagem, qual sua finalidade, qual o canal de comunicação de que dispõe, que código vai empregar, como vai divulgar essa mensagem. Isso o conduzirá à decisão de escrever em prosa ou poema, a empregar a linguagem formal ou informal e um vocabulário geral ou específico, a usar letras de forma ou cursiva, maiúsculas ou minúsculas. O aproveitamento do espaço disponível para o texto precisa ser considerado a fim de que a mensagem alcance visualmente o leitor a que se destina. No texto em prosa, o parágrafo é a unidade do discurso, constituído por um ou mais de um período, em que se desenvolve determinada idéia central, ou principal, a que se agregam outras, secundárias, intimamente relacionadas pelo sentido e logicamente decorrentes dela. Indicado materialmente na página impressa ou manuscrita por um ligeiro afastamento da margem esquerda da página, o parágrafo facilita ao escritor a tarefa de isolar e depois ajustar convenientemente as idéias principais de sua composição, permitindo ao leitor acompanharlhes o desenvolvimento nos seus diferentes estágios. (GARCIA, 1985) Observa-se, portanto que todos esses fatores associados à escrita, além de aspectos da estruturação sintática dos enunciados, contribuem decisivamente para o êxito da mensagem. A escrita em situação real de uso deve servir ao propósito da comunicação a que se destina, porque a linguagem é sempre um estar no mundo com os outros, não como um indivíduo particular, mas como parte do todo social, de uma comunidade.(bechara, 2000, p. 28). 3 A ESCRITA DAS RUAS DE RESENDE No levantamento foram documentados 1.543 registros populares escritos em placas, cartazes, anúncios, faixas, muros, vitrinas, panfletos, jornais mediante o recolhimento do material; ou por fotografia; ou pela transcrição fiel do texto encontrado, com a indicação do local e data da sua coleta. Observou-se o predomínio de textos organizados com palavras e expressões nominais; o uso das letras maiúsculas e minúsculas com valor estilístico, por exemplo:; a preferência pela letra em caixa alta; a ausência da acentuação gráfica, ou sua presença 202

desnecessária ou equivocadamente; o emprego despreocupado de abreviatura e abreviações; o emprego de ícones e sinais gráficos e matemáticos em lugar de palavras; a ocorrência de omissão ou troca de letras; e imprecisão nas informações pela omissão de dados, que ficam implícitos e podem ser esclarecidos pelo contexto. Isso pode ser verificado em registros, exemplificados nas Figuras 1, 2 e 3 : PROMOÇÃO PNEUS RECAPADOS E ½ VIDA BALANCEAMENTO TAXI J.G. CONSERTA FOGÃO A GÁZ. CONV. P/ GÁZ DE RUA INSTALO VENT. DE TETO E ELET. DOMEST. TEL. 33604768 Figura 1: Cartaz em madeira Figura 2: Placa em metal Figura 3: Placa em metal no portão na calçada em cavalete na rua de uma residência Na Figura 1, o cartaz de uma borracharia destina-se aos passantes motoristas ou proprietários de veículos. Portanto o vocabulário específico conduz sinteticamente a mensagem estamos fazendo promoção de venda de pneus usados recapados, com meiavida, e oferecemos balanceamento com preço promocional O emprego apenas de letras em caixa-alta contribui para a visibilidade do enunciado; o sinal matemático ½ acrescenta um toque lúdico à mensagem. A figura 2 minimiza a expressão escrita ao empregar uma única palavra e em letras maiúsculas. A cultura de uso de táxis permite que a mensagem completa implícita seja entendida sem dificuldade ofereço os serviços de táxi para quem deles precisar. A ausência do acento não dificulta a leitura, pois é palavra de largo emprego popular. A placa de metal, afixada no portão de uma residência, Figura 3, manifesta a criatividade popular diante da necessidade de oferecimento de serviços a um público indistinto. O uso da letra em caixa-alta facilita a visualização dos passantes, pedestres ou motorizados. A economia no vocabulário, no entanto, exige um esforço maior do leitor, devido ao uso de abreviações não muito claras: entender conv. p/ gáz de rua como faço conversão de instalações para gás encanado, de rua é possível para quem observou a abertura e o esburacamento das ruas pela Companhia Estadual de Gás (CEG) para a instalação do gás encanado, o chamado gás de rua. Também a forma abreviada vent. de teto é compreendida considerando-se o contexto de cidade de clima quente em que os ventiladores em geral são divulgado pelo comércio, e especificamente os ventiladores de teto são apresentados em anúncios publicitários. A manutenção do acento na palavra monossílaba tônica gás revela a preocupação do autor do texto em respeitar as regras de acentuação, no entanto seu esforço foi em vão, pois trocou a letra s na palavra que foi escrita gáz. Essa troca pode ser atribuída à concorrência da variedade arbitrária na representação do /s/ em sílaba tônica final com S ou Z: pás (plural de pá) e paz ; nós (pronome pessoal) e noz (fruto). A omissão de dados que poderiam provocar entendimento equivocado são, em alguns registros, protegidos dessa ambigüidade pelos hábitos e pela cultura. É o caso do cartaz afixado na parede externa de barbearia, com os seguintes dizeres: BARBA R$ 5,00 BIGODE R$ 4,00 CABELO R$ 8,0 MÁQUINA ZERO R$ 7,00 É o costume e a cultura que permitem ao leitor saber que não se trata de venda desses materiais produtos e sim que é o preço do serviço para ter a barba ou o bigode aparado ou o corte de cabelo com tesoura ou com máquina zero. 203

A criatividade se evidencia no comportamento lingüístico em relação às formas pessoais desenvolvidas para a escrita. Também no caso de estrangeirismos, de largo emprego e grande apelo popular, houve registro de uma notável simplificação na forma x-burguer (do inglês cheeseburger, além de falsos estrangeirismos, como disk-entrega. Ao registrar as placas e cartazes relativos aos nomes dos estabelecimentos comerciais evidenciaram-se duas tendências. A primeira consiste no uso do nome de família na denominação de lojas de roupas e de artigos domésticos; a segunda é o emprego de estrangeirismos, especialmente na denominação de lojas de artigos esportivos e de restaurantes. 5 CONCLUSÃO A interpretação dos dados a partir do referencial teórico representou uma tentativa de captar a correspondência lógica entre a representação oficial ensinada na escola e a livremente praticada pelos sujeitos a partir da necessidade social de comunicar-se, para explicar as motivações de tais enunciações na escrita popular. A linguagem é produto histórico e de interação social por meio de enunciações (VYGOTSKY, 1979); é realmente um elo na cadeia dialógica das relações sócio-históricas (BAKHTIN, 1992), além de manifestação de criatividade na representação escrita popular. A escrita em situação real de uso deve servir ao propósito da comunicação a que se destina, porque a linguagem é sempre um estar no mundo com os outros, não como um indivíduo particular, mas como parte do todo social, de uma comunidade (BECHARA, 2000, p. 28) A diversidade de representação escrita de fonemas (por exemplo o /s/), as regras de acentuação, de pontuação, a concordância e a regência constituem desafios ao redator de anúncios. O estudo das manifestações escritas populares demonstra a vitalidade da linguagem utilitária e a forte presença do gênero cartaz na prática da escrita em contextos de trabalho. REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo : Martins Fontes, 1992. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lucerna, 2000. BISOL, Leda. (Org.) Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. 2. ed. rev. aum.. Porto Alegre : EDIPUCRS, 1999. CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 2. ed. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1985. ELIA, Sílvio. Sociolingüística : uma introdução. Niterói: EDUFF, 1987. GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna: aprenda a escrever aprendendo a pensar. 12. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1985. LUFT, Celso Pedro. Grande manual de ortografia globo. 5. ed. São Paulo: Globo, 1997. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2001. PINTO, Edith Pimentel. O português popular escrito. São Paulo: Contexto, 1996. SOARES, Magda Becker. Letrar é mais que alfabetizar. Jornal do Brasil, 26 nov. 2000. Disponível em: < http://intervox.nce.ufrj.br/~edpaes/magda.htm >. Acesso em 20 nov. 2004. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. Lisboa : Antídoto, 1979. 204