A aprendizagem estratégica e a geração playstation: o que está em jogo?



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Transcrição:

A aprendizagem estratégica e a geração playstation: o que está em jogo? Susana de Almeida* Resumo: Assumindo a importância do conhecimento estratégico para as aprendizagens e suportando a designação da actual geração de alunos que frequenta as escolas a geração playstation, com todas as suas características muito particulares e marcadamente diferentes das gerações anteriores pela referência a diversos autores, apresentamos algumas reflexões da investigação acerca do uso de capacidades estratégicas destes alunos em tarefas recreativas. Procuramos ainda reflectir sobre a sua transferência ou oportunidade de transferência para as tarefas escolares e de que modo será possível contribuir, como educadores e professores, para o desenvolvimento de uma aprendizagem escolar estratégica, através do desenvolvimento de capacidades auto - -regulatórias, fazendo apelo às suas competências adquiridas externamente, paralelamente ao contexto escolar, e usando a tecnologia, da qual a geração actual de alunos não pode dissociar-se. 187 Palavras-chave: Aprendizagem estratégica; auto-regulação; playstation; tecnologia. Abstract: After justifying the present name given to the students that nowadays attend schools the playstation generation through several references, we present some reflexions brought by the investigation on the use of strategic abilities of these students in recreational contexts. It s also our purpose to reflect on the transfer or transfer possibility from a recreational task strategy to an academic task. We reflect on the way we, as teachers, could help students to develop strategic learning and self-regulation skills, appealing to their skills that have been acquired in other contexts than school and using technology. Keywords: Strategic Learning; expert knowledge; self-regulation; playstation; technology Actualmente tudo se vive a um ritmo alucinante, marcado pelo compasso apressado da inovação tecnológica. Estamos cercados de imensos estímulos, como os computadores, a multiplicidade de canais televisivos, os leitores e telefones portáteis, os jogos de vídeo e a Internet o que tem influenciado as vivências de todos (Corno, 1994; * ESE de Paula Frassinetti

188 Zimmerman, 2002; Carr, 2005), marcando definitiva e irremediavelmente as gerações mais novas. De que modo podem e devem posicionar-se os responsáveis educativos perante a realidade actual? Geração playstation (Kearny & Skelton, 2003; Tod, 2002), geração delivery, geração digital estas são algumas das expressões utilizadas para nos referirmos à actual geração de jovens. Lógicos, musicais, espaciais, cinestésicos estas são definitivamente algumas das características dos aprendentes de hoje. Como aprendem estes jovens? Como promover a eficácia das aprendizagens e desenvolver competências de transferência e partilha de conhecimentos? Como potenciar os seus conhecimentos informais adquiridos em ambientes recreativos, validando-os em conhecimentos formais e escolares? Será possível uma saudável e eficaz transferência e optimização deste tipo de conhecimentos? Uma das características da geração playstation é a sua linguagem muito própria e uma forma muito própria de conhecer e interpretar o mundo, tornando quaisquer padrões de homogeneidade, por exemplo, na educação, praticamente impossíveis de manter e até mesmo, actualmente, inexistentes. Vivemos uma realidade que muitos dos educadores e professores parece pouco conhecer ou conhece de forma muito vaga: messenger, i-pod, e-mail, chat, IM, podcasts, wikis, blogs, sms, mms estas são algumas das muitas expressões que se relacionam com a realidade quotidiana da geração de alunos que frequenta as salas de aula. Crescer-se hoje na sociedade digital significa radicais diferenças na forma como se processa a informação, como se socializa, interage e se aprende (Prensky, 2001). A tecnologia não é algo a que os jovens se tenham de habituar, por isso, naturalmente a esperam presente em todos os domínios da sua vida. A escola não fugirá à regra. Prensky (2001) cunhou o termo nativos digitais, para designar a actual geração de alunos que «pensam e processam a informação de uma forma fundamentalmente diferente dos seus predecessores.» Estes nativos digitais são «falantes nativos» de uma linguagem digital comum aos jogos de vídeo, aos computadores, à Internet, aos telemóveis, às comunidades virtuais, aos blogs. Todas as gerações mais velhas são designadas pelo mesmo autor de imigrantes digitais, que, num esforço contínuo, têm de manter-se actualizados e tentar acompanhar a inovação. Estes imigrantes digitais mantêm, segundo Prensky (2001), um sotaque muito próprio, identificativo da sua ligação a um passado não digital. Constitui disso exemplo as impressões dos mails e de fotografias, as confirmações via telefone da recepção dos mails, a necessidade da presença física de uma pessoa para lhe mostrar um documento digital, ou a necessidade da impressão de um documento com o propósito de o ler para revisão final.

A questão reside no facto de os actuais educadores e professores pertencerem já ao grupo dos imigrantes digitais, resvalando muitas vezes para uma linguagem pré-digital, que inclui determinados comportamentos, atitudes e formas de actuação, porventura inalcançável à compreensão por parte dos nativos digitais. Assim, de que forma aprenderão estes alunos? Segundo Prensky (2001) os nativos digitais estão habituados à rápida recepção de informação. Preferem o grafismo antes do texto, o acesso livre e aleatório à informação e trabalham bem em rede e quando existe a promessa de uma recompensa, desde que imediata. A preferência pela componente do jogo e pelos ambientes recreativos é também uma característica destes aprendentes. Pela incapacidade demonstrada e sentida por alguns imigrantes digitais em operacionalizar para si aprendizagens que considerem válidas neste tipo de contextos, surge a percepção que os nativos digitais também não o conseguem fazer. Os educadores, imigrantes digitais, insistem, muitas vezes, em procedimentos para as aprendizagens que, para si, foram válidos, mas que parecem não o ser mais. Estaremos perante um fosso, que urge estreitar: a linguagem utilizada, a metodologia e as concepções perante a própria aprendizagem. Sem querer considerar a questão um problema, quais então as melhores abordagens a este desafio? Numa altura em que aprender pode ser tanta coisa, cabe aos educadores proporcionar aos alunos um cada vez maior desenvolvimento das suas capacidades auto-regulatórias, que lhes permitam quer ao longo do seu percurso escolar, quer de toda a sua experiência formativa ao longo da vida, saber aprender. O desenvolvimento de estratégias de aprendizagem, de gestão do tempo, de definição de objectivos, de auto-avaliação, de crenças de auto-eficácia e de interesse intrínseco tem-se mostrado basilar na promoção de sujeitos mais auto-regulados capazes de terem sucesso em contexto escolar e na vida (Zimmerman, 2002). Para Lopes da Silva, Veiga Simão & Sá (2004, p. 64) a «aprendizagem estratégica ajuda a desenvolver nos estudantes os processos metacognitivos, motivacionais, volitivos e comportamentais que estimulam e proporcionam a criação de ocasiões para o exercício da auto-regulação na definição de objectivos educacionais». Segundo as mesmas autoras, poderemos dizer que um determinado aluno detém um conhecimento conceptual, processual e atitudinal estratégico se sabe em que condições, de que modo e com que finalidade o activa. Os processos auto-regulatórios como componente de uma aprendizagem estratégica que promove a reflexão são ensináveis e são considerados como responsáveis pelo aumento da motivação e níveis de desempenho dos alunos (Zimmerman, 2002). 189

190 Daqui salientamos o papel crucial a desempenhar pelo professor na criação de oportunidades aos alunos, bem como o seu papel de mediador de aprendizagens auto - -reguladas e de avaliador das capacidades dos alunos como trampolim para as novas aprendizagens e desenvolvimento de capacidades adaptadas ao contexto escolar. Lopes da Silva, Veiga Simão & Sá (2004) advogam a necessidade da existência de professores que ajudem os alunos num percurso de construção gradual de autonomia, de capacidade estratégica e de níveis de motivação na aprendizagem A comunidade científica tem mostrado que os actuais alunos mostram pôr em prática competências cognitivas importantes quando jogam jogos de vídeo, por exemplo, que revelam ser muito úteis no alcance dos objectivos desses mesmos jogos. Um desafio será tentar fazer uso dessas competências que os alunos desenvolvem em contexto informal e recreativo, fora do contexto escolar, para dentro da sala de aula. Luke (1999), numa abordagem muito interessante dos contextos da infância ao longo dos tempos, salienta não ser legítimo ignorar a literacia e as experiências recreativas precoces das crianças moldadas pela tecnologia. Na verdade, os ambientes virtuais exigem tomadas de decisão complexas e proporcionam experiências de planeamento de acção e tomada de responsabilidade por determinadas decisões, o que se revela de crucial importância para as aprendizagens escolares. Os ambientes virtuais exigem do indivíduo, ainda segundo o mesmo autor, uma grande capacidade de abstracção, de modo a avaliar uma diversidade de escolhas possíveis antes de um simples clique. Henderson (2005) também corrobora a ideia de que os jogos de vídeo apresentam um valor cognitivo considerável. Num estudo centrado na teoria de processamento de informação e no enquadramento de processos de mediação, Henderson investigou as estratégias e as competências cognitivas de cinco adolescentes ao longo de dois anos enquanto jogavam um jogo de vídeo de aventura. A sua investigação permitiu identificar capacidades e estratégias cognitivas aquando do desempenho no jogo como a antecipação e a avaliação; a justificação; a confirmação; a metacognição; a exploração; a tentativa-erro; a dedução e a indução; a relação e a comparação, entre outros. Henderson (2005) conclui que este tipo de experiência recreativa pode ser considerada uma experiência educativa, ainda que informal, pelo peso cognitivo do jogo, sublinhando, no entanto, a necessidade de replicação em outros grupos. Alerta ainda para a necessidade de fazer com que os professores admitam o valor cognitivo dos jogos e desenvolvam formas de transferência dessas capacidades e estratégias para o contexto escolar. Carr (2005) também refere a aquisição de competências interpretativas por parte de jogadores recreativos assíduos e Facer (2005) advoga que muitos dos jogos têm uma componente forte de complexidade o que implica a gestão de múltiplas variáveis, salientando ainda a questão da resolução de problemas.

A investigação parece, assim, ser unânime em considerar que o desenvolvimento de excelência recreativa em jogos de vídeo requer uma prática auto-direccionada considerável, o que se revela de crucial importância e ao qual os responsáveis educativos não poderão ficar alheios. A transferência directa destas competências estratégias aplicadas a uma tarefa recreativa, como por exemplo, um jogo de playstation, para uma tarefa escolar parece, no entanto, ainda não estar totalmente esclarecida pela investigação. As estratégias e os processos poderão, por vezes, diferir grandemente nestes dois contextos, mas não será possível que um indivíduo que tenha usado processos auto-regulatórios para atingir sucesso recreativo desempenhe uma tarefa escolar mais rapidamente e com melhores resultados, especialmente se a informação relacionada com a tarefa estiver disponível? A investigação parece estar no caminho de nos trazer contribuições concretas para dar resposta a esta questão, salientando, no entanto, que a promoção das competências de autonomia, estratégia e motivação não poderá ignorar as competências do aluno prévias e paralelas ao contexto escolar. Veiga Simão (2005) vem apelar à formação de professores conscientes da globalidade dos alunos, que não minimizem as suas experiências anteriores, cada vez mais precoces e mais ricas e que não ignorem o seu contexto actual e o futuro tecnológico que se lhes reserva e o seu cunho de nativos digitais. A comunidade educativa precisará, cada vez mais, de conseguir potenciar e canalizar todas as capacidades desenvolvidas em contexto recreativo e social dos alunos para o desenvolvimento de capacidades de aprendizagem estratégica e auto-regulada, que os conduza num caminho diferenciado e não indiferente. Fazer apelo aos seus conhecimentos prévios informais e à sua realidade digital será contribuir para aumentar os seus níveis de auto-eficácia e motivação, como é referido por Bransford, Brown & Cocking (1999) e, consequentemente, optimizar aprendizagens. O uso da tecnologia e do jogo em contexto de sala de aula pode, pelo seu cada vez maior grau de interactividade, possibilitar a criação de ambientes que potenciem a aprendizagem pela descoberta, a obtenção de feedback imediato e individualizado e o consequente refinamento do conhecimento (Bransford, Brown & Cocking, 1999). Estes ambientes de aprendizagem podem caracterizar-se pela semelhança com ambientes recreativos, o que, segundo o mesmo autor, pode aumentar as possibilidades de transferência. Bransford, Brown & Cocking (1999) considera que a tecnologia pode atribuir aos currículos escolares uma vertente mais interessante pela possibilidade de exploração de problemas, fornecendo aos alunos e aos professores mais oportunidades de feedback, reflexão e revisão. 191

192 A tecnologia usada com fins educativos deve, assim, estar cada vez mais presente nas escolas, pela inevitabilidade de um futuro que já não se vislumbra sem ela. Os responsáveis educativos precisam de conhecer de forma séria os nativos digitais que preenchem as salas de aula, repletos de experiências precoces e maioritariamente recreativas, às quais é necessário conferir-lhes validade e retirar-lhes potencial de apropriação pedagógica. A criação de ambientes de aprendizagem poderosos (Miranda, 1998) passará por uma cada vez maior permeabilidade às rápidas inovações tecnológicas, que convivem com todos e marcam o ritmo de vida. Esta realidade parece cada vez mais desajustada com a realidade de quadro de giz que ainda é recorrente nas escolas portuguesas. Mas, como vimos, as aspirações e as realidades individuais dos alunos reflectem um acompanhamento das inovações tecnológicas, pelo que não será legitimo ignorar essa questão.

Referências bibliográficas Bransford, J. D., Brown, A. L., & Cocking, R. R. (1999). How people learn. Brain, experience, and school. Washington: National Academy Press. [Consultado em 05/02/2007, em http://books.nap.edu/html]. Carr, D. (2005). Research into computer games and learning: a brief overview. Interact, 31, 22-23. [Consultado em 31/01/2007, em www.ltss.bris.as.uk/interact]. Corno, L. (1994). Student volition and education: outcomes, influences, and practices. In D. H. Schunk & B. J. Zimmerman (Eds.), Self-regulation of Learning and Performance. Issues and Educational Applications (pp. 229-251). New Jersey: Lawrence Erlbaum. Facer K. (2005). Computer games: the most powerful learning technology of our age?. Interact, 31, 18-19. [Consultado em 31/01/2007, em www.ltss.bris.as.uk/ interact]. Henderson, L. (2005). Video games: a significant cognitive artefact of contemporary youth culture. [Consultado em 31/01/2007, em www.digra.org]. Lopes da Silva, A., Veiga Simão, A. M., & Sá, I. (2004). A auto-regulação da aprendizagem: estudos teóricos e empíricos. Intermeio: revista do Mestrado em Educação, 19, 59-74. Luke, C. (1999). What next? Toddler netizens, playstation thumb, techno-literacies. Contemporary Issues in Early Childhood, 1(1), 95-100. [Consultado em 31/01/2007, em www.wwwords.co.uk/pdf]. Miranda, G. L. (1998). A aprendizagem feita pelo ensino: a questão básica da escola. In Actas do I colóquio Nacional «A Ciência Biológica nos Sistemas de Formação» (pp.129-146). Faro: Universidade do Algarve. Prensky, M. (2001). Digital natives, digital immigrants. On the Horizon, 9(5). [Consultado em 31/01/2007, em http://www.marcprensky.com]. Tod, L. (2002). Creating the best teacher for the playsation generation. [Consultado em 31/01/2007, em www.atea.schools.net.au]. Veiga Simão, A. M. (2005). Reforçar o valor regulador, formativo e formador da avaliação das aprendizagens. Revista de Estudos Curriculares, 2, 265-289. Zimmerman, B. J. (2002). Becoming a self-regulated learner: an overview. Theory Into Practice, 41(2), 64-70. [Consultado em 11/01/2007, em Findarticles.com]. 193