Nódulos múltiplos e emagrecimento em paciente com SIDA



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Transcrição:

Nódulos múltiplos e emagrecimento em paciente com SIDA Hospital do Servidor Público Estadual-São Paulo Autores: Kenia Schultz-residente de Pneumologia Clarice E Fuzzi-Médica-assistente Maria Raquel Soares-Médica-assistente Ester NAM Coletta- Patologista Carlos AC Pereira-Ex-diretor de serviço Mulher, 61 anos, solteira, natural e procedente de São Paulo, oficial administrativo - aposentada há 10 anos, referia perda de 25Kg no último ano. Fumante de 70 maços-ano, alcoólatra, e ex-usuária de drogas, incluindo injetáveis. Portadora de SIDA, diagnosticada em 2009, tendo iniciado tratamento em dezembro de 2010; portadora de hepatites B e C; Teve sífilis terciária tratada em 2010. Várias internações na psiquiatria por transtorno depressivo e de comportamento. Em uso regular de lopinavir/r, lamivudina, estavudina, paroxetina, clonazepam, omeprazol, sulfato ferroso, ácido fólico e complexo B. Em junho de 2011 procurou o serviço de Infectologia referindo diarréia há 6 meses, tosse produtiva há alguns meses, perda de apetite e perda ponderal. Na ocasião foram realizadas três pesquisas de BAAR no escarro e PPD: 3mm. Na ocasião foram observados nódulos na radiografia de tórax, confirmados por tomografia (figura 1). Os nódulos maiores eram de tamanho médio, alguns tinham broncograma aéreo; nódulos centrolobulares estavam presentes em várias regiões. Não havia aumento ganglionar mediastinal ou hilar. Broncofibroscopia foi normal, e a biópsia transbrônquica revelou apenas processo inflamatório inespecífico. Ao exame encontrava-se em REG, emagrecida, desidratada, acianótica, afebril, apática. ACV: RCR 2T s/s, FC= 70 bpm, PA: 110X80 mmhg; fundo de olho normal. O exame do tórax não revelou ruídos adventíceos. A SaO 2 era de 96% em aa. Abdome escavado, sem visceromegalias. Extremidades sem edema, bem perfundidas Exames complementares: Maio/2011: CD4: 980/mm 3 ; Hb 8,0g% ; Ht 23,9; VCM 107,7; RDW 22,6%; Ret 0,2%; leucócitos 4620/ mm 3 ; 3% bastões; 38% segmentados 50% linfócitos; Plaquetas 244000/ mm 3 ; PCR 0,4 Uréia 43 mg/dl; Cr 1,3 mg/dl; Na 140 meq/l; K 4,3 meq/l, cálcio iônico 1,18 ALT 27 U; AST 23 U ; FA 257 U; GGT 52 U; Bilirrubina total= 0,2 mg/dl Varios parasitológicos e pesquisas de criptosporidium nas fezes negativos. Endoscopia digestiva alta mostrou gastrite enantematosa leve. Colonoscopia: doença diverticular do colon + lesão polipóide de reto (Bx: Pólipo hiperplásico). VDRL=1,8 (reagente) e FTA-ABS=reagente (out/2010) - Tratou com penicilina. A prova de função pulmonar foi normal.

Figura 1. Radiografia de tórax em PA e perfil e TC de tórax revelando múltiplos nódulos de tamanho médio bilaterais, por vezes com broncograma aéreo, e nódulos centrolobulares. Ausência de linfadenomegalia mediastinal Questão 1. Assinale as duas possibilidades mais prováveis no presente caso: A) Pneumocistose B) Criptococose C) Adenocarcinoma pulmonar invasivo D) Tuberculose E) Sarcoidose

Discussão A paciente tinha níveis recentes de CD4 de 980 células/mm3. A importância do conhecimento do número de células CD4 para o diagnóstico diferencial das lesões pulmonares em portadores de HIV é largamente reconhecida. Níveis de CD4 abaixo de 200 células/mm 3 são marcadores de imunossupressão e risco de infecções oportunistas. Com níveis de CD4 acima de 500 células/mm 3, pacientes tem risco de infecções por agentes altamente virulentos, tais como bactérias causadoras de pneumonia e tuberculose. Embora os pacientes continuem a adquirir pneumonias bacterianas recorrentes e tuberculose quando seus níveis de CD4 situamse entre 200 e 499 células/mm 3, processos não infecciosos aumentam em freqüência. Em níveis de CD4 abaixo de 200, pneumocistose e tuberculose disseminada são comuns. A maioria dos casos de pneumocistose ocorre quando as contagens de CD4 situam-se abaixo de 100 células/mm 3 ; o sarcoma de Kaposi também incide nesta faixa. Quando os níveis de CD4 são menores do que 100 células/mm 3, refletindo um sistema imunológico profundamente deprimido, doença por CMV, MAC, e infecções fúngicas se tornam freqüentes. Os níveis de CD4 podem mudar a forma de apresentação das infecções no portador de HIV. É clássico que a tuberculose nos pacientes com níveis de CD4 acima de 200 (o que inclui pacientes tratados com esquema HAART) desenvolvam achados semelhantes aos demais portadores de tuberculose sem HIV, enquanto que valores de CD4 abaixo de 200 se associam com maior freqüência com manifestações radiológicas atípicas, incluindo adenopatia hilar/mediastinal, que será sugestiva se de baixa densidade. A presença de nódulos pulmonares múltiplos não é o padrão mais comumente encontrado em pacientes com SIDA, sendo este achado de relevância no diagnóstico diferencial. Uma série de 60 casos de nódulos pulmonares múltiplos em portadores de HIV (Edinburgh, 2000), mostrou que uma melhor caracterização do padrão estreita as possibilidades diagnósticas. Nódulos maiores que 1 cm são mais encontrados em neoplasias (linfomas e sarcoma de Kaposi), em comparação às doenças infecciosas, o inverso ocorrendo na presença de pequenos nódulos. No presente casos ambos os padrões estavam presentes. A presença de padrão de árvore em brotamento e cavidades foi mais sugestivo de doenças infecciosas, embora estas também tenham se apresentado com nódulos pequenos sem padrão de ramificação. No estudo acima citado, a tuberculose foi a causa em 3 de 21 (13%) casos com nódulos com > 1cm. Nódulos centrolobulares sem padrão de árvore em brotamento estavam presentes em 7/17 (41%) dos casos de tuberculose. Distribuição peribroncovascular dos nódulos é muito sugestivo de SK.

Um padrão miliar pode ser encontrado principalmente em pacientes com tuberculose, mas também em M. avium intracellulare, toxoplasmose, e infecções fúngicas. Séries de casos mostram que no portador do HIV, a causa mais comum de padrão de nódulos pulmonares são as infecções bacterianas. Nestes casos há tipicamente febre e o quadro tem duração de dias, o que não ocorreu no presente paciente. Os nódulos têm distribuição centrolobular e assumem freqüentemente o aspecto de árvore em brotamento. Em usuários de drogas intravenosas, deve-se sempre considerar a possibilidade de embolia séptica, decorrente em geral de endocardite infecciosa com envolvimento da válvula tricúspide. O diagnóstico pode ser confirmado por ecocardiograma e hemoculturas positivas. S aureus é a bactéria mais freqüentemente isolada. Em geral há febre e as lesões são periféricas/subpleurais e evoluem com formação de cavidades. Outras causas de padrão nodular em pacientes com SIDA incluem as infecções por micobactérias, micoses pulmonares (especialmente criptococose e aspergilose), infecção por P jiroveci, sarcoma de Kaposi e linfomas. O diagnóstico de sarcoma de Kaposi é improvável no presente caso. A doença ocorre tipicamente em homossexuais do sexo masculino; embora lesões de pele possam estar ausentes o diagnóstico de envolvimento pulmonar pode ser feito por uma combinação de achados clínicos, laboratoriais e tomográficos, associados aos achados na broncoscopia e biópsia transbrônquica. A TC de tórax em geral revela espessamento peribroncovascular e septal interlobular e nódulos simétricos maldefinidos em uma distribuição peribroncovascular, nodularidade septal, adenopatias mediastinais, e derrame pleural. Em pacientes infectados com HIV tratados com esquema HAART, sarcoidose pode ser uma manifestação relacionada à reconstituição imune. O quadro se desenvolve após a introdução do esquema antiretroviral e coincide com um aumento dos linfócitos CD4. Os achados clínicos e radiológicos são semelhantes aos encontrados na sarcoidose em não portadores de HIV, e incluem: linfadenopatia (~70% dos casos); nódulos grandes são também descritos, bem como áreas de consolidação. No presente caso os nódulos menores tinham distribuição centrolobular, e não perilinfática como esperado na sarcoidose, embora muito raramente isto possa ocorrer na doença. No presente caso não havia linfadenomegalia hilar ou mediastinal. Causas infecciosas diversas podem resultar em nódulos pulmonares múltiplos em portadores de HIV. Nocardia em pacientes com SIDA tipicamente causa nódulos pulmonares múltiplos, os quais escavam em ~80% dos casos. Nódulos escavados e espiculados, associados com reação ou derrame pleural, devem levantar a possibilidade de nocardiose. Criptococose é a infecção fúngica mais comum em pacientes com SIDA. Há usualmente meningite associada e doença disseminada. A

doença pulmonar pode ser silenciosa, mas o achado radiológico mais comum é o de padrão reticulonodular intersticial ou nódulos esparsos, que são identificados em 30% dos casos. Diferentemente dos pacientes imunocomprometidos não portadores de SIDA, infecções por Aspergillus são raras nesta população. Os achados são semelhantes aos observados em não portadores de HIV. A pneumocistose pode se apresentar em forma de nódulos múltiplos, em ambos, hospedeiros comprometidos com e sem HIV. Em alguns casos há evolução para formação de cavidades. De maneira interessante, lesões granulomatosas são frequentemente encontradas nestes casos. A contagem de CD4 pode situar-se acima de 200 células/mm 3, achado observado em pacientes recentemente tratados com HAART. A reação granulomatosa e a formação de nódulos nestes casos têm sido atribuídas à melhora da resposta imunológica. Após a introdução do HAART, houve um declínio evidente nos casos de infecção pelo complexo avium. As manifestações da doença, em geral disseminada, são semelhantes à tuberculose e incluem perda de peso, febre, sintomas respiratórios e manifestações gastrintestinais. A pesquisa de BAAR no escarro não raramente é negativa. O câncer de pulmão é atualmente a neoplasia mais freqüente em portadores de HIV em tratamento com HAART, o risco sendo de 2-4 vezes maior em comparação à população geral. Evidentemente é difícil separar esta maior incidência do efeito do tabaco, já que muitos pacientes, como a do caso atual, são grandes fumantes. O diagnóstico é muitas vezes tardio e a mortalidade é elevada. Chama atenção a elevada incidência de adenocarcinoma. Não há relação com a contagem de linfócitos CD4. Nódulos grandes, com broncograma aéreo, como no presente caso, associados a nódulos centrolobulares, é compatível com adenocarcinoma pulmonar disseminado invasivo (anteriormente denominado carcinoma bronquioloalveolar). Linfoma não Hodgkin (mas também linfoma de Hodgkin) são mais freqüentes em portadores de HIV, mas se associam com níveis baixos de CD4. Pelo exposto, os diagnósticos mais prováveis, são tuberculose e adenocarcinoma invasivo.

Referências 1. Busi Rizzi E, Schininà V, Palmieri F, Girardi E, Bibbolino C. Radiological patterns in HIV-associated pulmonary tuberculosis: comparison between HAART-treated and non- HAART-treated patients. Clin Radiol. 2003;58(6):469-73. 2. Castañer E, Gallardo X, Mata JM, Esteba L. Radiologic approach to the diagnosis of infectious pulmonary diseases in patients infected with the human immunodeficiency virus. Eur J Radiol. 2004;51(2):114-29. 3. Haramati LB, Lee G, Singh A, Molina PL, White CS. Newly diagnosed pulmonary sarcoidosis in HIV-infected patients. Radiology. 2001;218(1):242-6. 4. Jasmer RM, Edinburgh KJ, Thompson A, Gotway MB, Creasman JM, Webb WR, Huang L. Clinical and radiographic predictors of the etiology of pulmonary nodules in HIV-infected patients. Chest. 2000;117(4):1023-30. 5. Joshi M, Markelova N, Palacio D, Schapira RM. A patient with HIV, dyspnea, and multiple pulmonary nodules: pulmonary Kaposi sarcoma. Chest. 2006;130(6):1924-8. 6. Leung AN, Brauner MW, Gamsu G, Mlika-Cabanne N, Ben Romdhane H, Carette MF,Grenier P. Pulmonary tuberculosis: comparison of CT findings in HIV-seropositive and HIV-seronegative patients. Radiology. 1996;198(3):687-91. 7. Picon PD, Caramori ML, Bassanesi SL, Jungblut S, Folgierini M, Porto Nda S, Rizzon CF, Ferreira RL, Freitas TM, Jarczewski CA. Differences in the clinical and radiological presentation of intrathoracic tuberculosis in the presence or absence of HIV infection. J Bras Pneumol. 2007;33(4):429-36. 8. Sabur N, Kelly MM, Gill MJ, Ainslie MD, Pendharkar SR. Granulomatous Pneumocystis jiroveci pneumonia associated with immune reconstituted HIV. Can Respir J. 2011;18(6):e86-8. 9. Winn RA, Stoeckli TC, Wilson ML, Burman W, Schwarz MI, Chan ED. Multiple pulmonary nodules in an HIV-positive man on highly active antiretroviral therapy. Chest. 2002;122(5):1840-3. Encaminhada consulta para o Serviço de Pneumologia que solicitou uma segunda broncofibroscopia que mostrou novamente árvore brônquica de aspecto normal. A

biópsia transbrônquica mostrou processo inflamatório crônico granulomatoso sem necrose. As pesquisas para BAAR e fungos foram negativas. Discutida a introdução de esquema para tuberculose, porém pela possível interação com as medicações para o tratamento do HIV, optou-se por biópsia pulmonar cirúrgica, para diagnóstico definitivo. Os acahados são mostrados na figura 2. Figura 2a.- Granulomas mal formados, do tipo reação a corpo estranho compostos por células multinucleadas, contendo cristais birrefringentes, são identificados nos septos alveolares. Enfisema e descamação intralveolar estão presentes. HE, 100X. Figura 2b- Gigantócitos de tipo corpo estranho, perivasculares contendo no citoplasma partículas birrefringentes em forma de agulha. Macrófagos pigmentados nos espaços alveolares adjacentes caracterizam áreas de bronquiolite respiratória. HE,200X. Figura 2c- Parênquima pulmonar adjacente com antracose (pigmento negro), bronquiolite respiratória (descamação peribronquiolar com pigmento castanho dourado) e enfisema. HE, 100X. Figura 2d- Estruturas observadas no interior dos gigantócitos refringentes à luz polarizada. 200X. Questão 2. Os achados da biópsia pulmonar são diagnósticos de: A) Silicose B) Pulmão do crack C) Talcose pulmonar D) Sarcoidose com inclusões

E) Pneumocistose granulomatosa A biópsia pulmonar cirúrgica revelou granulomas mal formados de tipo corpo estranho com transformação giganto-celular; localizados nos septos alveolares, em regiões perivasculares. Partículas birrefringentes em forma de agulha foram frequentemente observadas no citoplasma dos gigantócitos, presentes com o uso da luz polarizada. No intersticio adjacente nota-se áreas de enfisema e de bronquiolite respiratória. A presença de estruturas refringentes associada com lesão granulomatosa pulmonar pode ocorrer na sarcoidose; mas em virtude dos granulomas observados serem de tipo corpo estranho, não epitelióides e localizados nos septos alveolares, sem características de envolvimento linfático ou peri-linfático, indicam o diagnóstico final de talcose pulmonar. O talco (silicato de magnésio hidratado) é um mineral amplamente utilizado em indústrias de papel, cerâmica, plásticos, borracha, pintura e cosméticos. Produtos diferentes misturados, onde na verdade o talco constitui a menor porção, também são vendidos sob a designação de talco. A heterogeneidade dessas composições leva a diferentes respostas no pulmão, dependendo da quantidade de amianto, de sílica, fibras, silicatos diferentes e talco verdadeiro contidos na mistura. A clínica, radiologia e os achados anatomopatológicos atribuídos à inalação de talco são muitas vezes causados por outros componentes da mistura, especialmente sílica ou amianto. Quatro formas distintas de doença pulmonar causada pelo talco têm sido definidas. Três são associadas com a sua aspiração e diferem na composição da substância inalada. A outra é causada por administração intravenosa (IV) de talco. A primeira forma, a talcosilicose, é causada por talco mineral contendo grande quantidade de sílica e os achados são idênticos aos da silicose. Talcoasbestose é produzida por talco inalado com fibras de amianto. Anormalidades radiológicas e patológicas também são virtualmente idênticas àquelas da asbestose, incluindo calcificações e formação de tumor maligno. A terceira forma, talcose, é causada por inalação de talco puro. A quarta forma, devido à administração IV de talco, é visto em usuários de drogas que injetam na veia medicamentos destinados a uso oral. A inalação de uma grande quantidade de talco pode ocorrer durante a sua extração das minas, separação, moagem, embalagem, carregamento e transporte. Há também relatos de talcose em trabalhadores expostos ao pó de talco em indústrias secundárias, tais como papel, borracha, têxtil, couro, cerâmica, medicamentos, cosméticos, inseticidas e herbicidas após exposição intensa e prolongada. Talcose pode ser causada pela administração IV de talco vista em usuários de drogas. O talco age como um agente de enchimento e lubrificante em comprimidos contendo medicamentos orais. Esse comprimidos contendo talco são esmagados, derretidos, dissolvidos em água, injetados IV e numerosas pequenas partículas de talco se alojam nos vasos

pulmonares, resultando em êmbolos pulmonares microscópicos. Essas partículas migram para o interstício pulmonar, onde causam reação granulomatosa tipo corpo estranho. As drogas orais mais comumentes usadas para esse fim são os derivados da metadona, a pentazocina, o cloridrato de metilfenidato (Ritalina ) e as anfetaminas. Além disso, nesses usuários de drogas, também tem sido relatada talcose relacionada à inalação de cocaína. Uma grande porcentagem de usuários de drogas deselvolvem SIDA.Talcose pulmonar deve ser considerada no diagnóstico diferencial de nódulos e/ou infiltrado pulmonar em pacientes HIV-positivos e viciados em drogas. Revisão de alguns dos estudos com populações maiores mostrou que a doença afeta mais comumente homens entre quarta e sexta décadas de vida, tanto nas formas inalatórias quanto intravenosas, com uma média de idade na quarta década. Uma história detalhada profissional, incluindo exposições ocultas no passado distante, é necessário, e também tempo relativamente curto mas de alta exposição industrial ao talco pode ser um significativo fator na gênese da doença. Gysbrechts e cols descreveram um caso de uma mulher de 62 anos que desenvolveu doença intersticial pulmonar mais de 40 anos depois de uma exposição ocupacional ao talco por 5 anos. Apresentação clínica em pacientes com granulomatose pelo talco pode variar desde doença assintomática à fulminante. Os pacientes sintomáticos geralmente apresentam queixas inespecíficas, incluindo dispnéia progressiva aos esforços, e tosse seca ou produtiva. Além disso, o paciente pode ter suores noturnos, perda de peso e sibilos ocasionais na ausculta pulmonar. Pneumotórax espontâneo recorrente também já foi relatado como uma forma de apresentação da talcose. As complicações tardias incluem insuficiência respiratória crônica, enfisema, hipertensão arterial pulmonar, e cor pulmonale. O exame físico é geralmente normal, embora possa haver crepitações bibasais na presença de fibrose. Os exames laboratoriais são geralmente normais. A função pulmonar pode apresentar tanto distúrbio restritivo como obstrutivo. Eventualmente há obstrução acentuada com hiperinsuflação e aprisionamento de ar. Nessa situação a patologia revela enfisema em adição à inflamação granulomatosa e presença de fibrose circundante às partículas de talco no interstício pulmonar.usuários de drogas intravenosas com talcose podem apresentar dispnéia progressiva e sintomas que se assemelham à doença pulmonar obstrutiva crônica. Febre e dispnéia aguda após as injeções intravenosas já foram relatadas. Pacientes podem desenvolver enfisema envolvendo as bases pulmonares que altera mais gravemente a função pulmonar do que o enfisema em ápices dos fumantes. Diferentes lesões pulmonares em indivíduos expostos a talco podem ocorrer em ambas as formas inalatórios e intravenosa. Trata-se de formação de granulomas, fibrose intersticial e fibrose maciça progressiva. As manifestações radiológicas iniciais consistem de um padrão micronodular difuso com nódulos bem definidos. Este padrão, causada por granulomas, pode ser semelhante ao miliar oservado na tuberculose. Os nódulos podem fundir-se com a

progressão da doença, resultando em grandes opacidades localizadas predominantemente nas regiões peri-hilares, semelhantes àqueles vistos em fibrose maciça progressiva causada pela silicose. Feigin descreveu as diferenças radiológicas entre as quatro formas de talcose: talcosilicose, talcoasbestose, talcose pura, e injeção intravenosa de talco. Talcosilicose é radiograficamente indistinguível da silicose e ocorre quando o teor de sílica livre de poeira em operações de talco de mineração é alta. Na talcoasbestose as alterações são semelhantes àquelas vistas na asbestose, com espessamento pleural bilateral nas partes inferiores dos campos pulmonares. Calcificações pleurais e diafragmática são idênticas às produzidas pelo amianto sozinho. Talcose pura produz doença pulmonar restritiva por inflamação do parênquima, resultando em um padrão reticular de doença intersticial difusa. Pacientes com história de injeção intravenosa de talco mostram micronódulos difusos, massas conglomeradas e enfisema em lobo inferiores. Alguns pacientes podem desenvolver, linfadenopatia, mas esse não é um achado significativo. Na patologia, o talco em ambas as formas inalados ou injetada leva à formação de granulomas. Nos estágios iniciais da doença, observa-se múltiplas granulomas do tipo reação a corpo estranho compostos por células multinucleadas contendo cristais birrefringentes, que são identificados nos septos alveolares e nos espaços aéreos. Na evolução da doença, os nódulos tendem à confluência, produzindo grande focos de consolidação associada à fibrose progressiva, assemelhando-se à fibrose maciça progressiva vista em outro tipos de pneumoconiose (figura 3 retirada de... O Enfisema panacinar, às vezes com formação de bolhas, é muitas vezes evidente. A principal característica histopatológica em pneumoconiose por talco é a aparência marcante de partículas birrefringentes de talco em forma de agulha vistas dentro das células gigantes e nas áreas de fibrose pulmonar, com o uso da luz polarizada (ver figura 2). A diferenciação entre doenças pulmonares causadas por inalação de poeira e embolia pulmonar por corpo estranho é geralmente fácil. Na forma inalatória a deposição de talco predominantemente ocorre em torno dos bronquólos, terminais e respiratórios, e ductos alveolares. Na talcose secundária ao uso de drogas intravenosa, a deposição de partículas de talco tem uma distribuição predominantemente perivascular. Além disso, partículas de talco a partir de administração intravenosa são maiores que as de talco inalado, e podem também ser encontrados também em outros órgãos, principalmente na forma de retinopatia presente em 80% dos casos de

talcose associado a usuários de drogas intravenosas. Se as partículas são maiores do que 10 mµ, eles provavelmente são de origem vascular. A grande maioria das partículas inaladas são menores do que 5 mµ. Para o diagnóstico, portanto, a exposição ocupacional do paciente ou uma história de dependência de drogas é o principal indício. No entanto, a história de exposição à poeira e de abuso de drogas nem sempre são confiáveis. O achado de pequenos nódulos centrolobulares na TCAR, associados com massas heterogêneas conglomeradas contendo áreas amorfas de alta densidade, com ou sem enfisema panlobular nos lobos inferiores, é altamente sugestivo de talcose pulmonar. Embora as aparências radiológicas sejam sugestivas, biópsia transbrônquica ou a céu aberto deve ser realizada. Quando isso não for possível, aspiração com agulha fina de massas pulmonares, juntamente com a história, podem auxiliar o diagnóstico. A investigação de outros órgãos também envolvidos é importante. A figura abaixo evidencia fundoscopia, com cristais brilhantes espalhados na mácula, de uma paciente de 37 anos, com queixa de visão turva (Fayssan e Steven). Há mais de 15 anos, a paciente havia usado, de forma endovenosa, comprimidos dissolvidos de ritalina, possivelmente contaminados com talco. No entanto, o diagnóstico definitivo de talcose pulmonar só é feito pelo exame microscópico com luz polarizada de fragmentos de pulmão. Não existem tratamentos estabelecidos para granulomatose por talco. Os pacientes devem interromper a exposição e qualquer uso de tabaco. Sucesso com esteróides já foi relatado, mas a maioria dos autores acreditam que não há benefícios em usar esteróides e imunossupressores. Infelizmente, maioria dos pacientes sintomáticos evoluem mal, com um declínio progressivo da função pulmonar. Acompanhamento de 6 pacientes por 10 anos mostrou uma progressão irreversível de anormalidades radiológicas.

No quadro abaixo seguem, resumidamente, os pontos chaves para o diagnóstico de talcose pulmonar. História de exposição ocupacional ou dependência de drogas - inalação de talco: extração das minas, separação, moagem, embalagem, carregamento e transporte; indústrias secundárias (borracha, papel, têxtil, couro, cerâmica, farmacêutica, cosmética, fabricantes de inseticida, e herbicida) - administração intravenosa de talco (toxicodependentes) Radiografia de tórax - os principais achados radiográficos são padrão micronodular difuso, grandes opacidades, e enfisema de lobos inferiores TCAR - os achados mais freqüentes são pequenos nódulos centrolobulares, massas conglomeradas heterogêneas, contendo áreas amorfas de alta densidade e enfisema panacinar nos lobos inferiores Fundoscopia - as partículas de talco podem ser vistas nos vasos da retina. Retinopatia por talco está presente em até 80% dos casos de usuários de drogas intravenosas Patologia - a principal característica histopatológica é a aparência marcante de partículas birrefringentes de talco em forma de agulha identificadas com o uso de luz polarizada Referências: 1. Conen D. Schilter L. Bubendorf M.H. Brutsche J.D. Leuppi: Interstitial Lung Disease in an Intravenous Drug User. Respiration, 2003;70(1):101 103.

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