DESENVOLVENDO PESSOAS ATRAVÉS DO MENTORING ORGANIZACIONAL Paulo Erlich* O Mentoring (Mentoria) vem sendo reconhecido mundialmente como um dos melhores métodos para desenvolvimento do indivíduo em diversas dimensões da vida, inclusive o trabalho e a profissão. Em sua forma básica, trata-se de um processo relacional em que uma pessoa (mentor/mentora), com base em seu conhecimento e experiência, voluntariamente estimula e influencia outra pessoa (mentorado/mentorada) na aquisição de conhecimento e no desenvolvimento emocional ou social. Esse processo comumente ocorre de modo natural, informal. Para entender isso, basta você lembrar os relacionamentos que foram marcantes na sua existência, a ponto de lhe sinalizar os melhores caminhos, potencializá-lo(a) para mudanças e fazer você evoluir para os níveis desejados ou, até mesmo, para os nunca imaginados. Provavelmente, vários desses relacionamentos tenham sido de mentoring. A literatura costuma vincular as origens do mentoring à Odisseia, de Homero (séc.viii a.c.?). A obra narra a saga de Odisseu, rei de Ítaca, que saiu para lutar na Guerra de Troia. Ele indicou o velho amigo, mestre e conselheiro Mentor como guardião de seu filho Telêmaco e da família real. Há, porém, evidências de que Mentor fracassou na missão que Odisseu lhe delegou. Não proveu a Telêmaco os papéis de conselheiro, de guia e, de uma forma geral, não protegeu a família de Odisseu. Assim, as qualidades positivas que em geral a literatura atribui à figura de Mentor não poderiam estar ligadas ao Mentor personagem da Odisséia. O uso moderno da palavra mentor está ligada à obra Les Aventures de Télémaque, do francês François de Salignac de La Mothe-Fénelon, publicada em 1699. Fénelon era tutor do neto e possível sucessor de Luís XIV, o Rei Sol. Inspirando-se na Odisseia, Fénelon escreveu o livro em tom de alegoria, atacando o absolutismo de forma sutilmente velada, ao mesmo tempo em que propunha um método de instruir o jovem herdeiro sobre as responsabilidades da realeza. O personagem Mentor de Fénelon é diferente do Mentor de Homero, pois age efetivamente, com sabedoria, assumindo o verdadeiro papel de educador, guia, provedor de ajuda, capacitador. Com a popularidade dessa obra, a palavra mentor passou a ser utilizada em francês e em inglês como um substantivo comum, no início do século 18. Foi, portanto, graças a Fénelon que as modernas alusões dessa palavra foram estabelecidas. É possível que o mentoring se apresente na maior parte das influências relacionais significativas recebidas por um indivíduo, nas mais diversas áreas de atuação humana. Estes são exemplos de alguns contextos em que o mentoring ocorre: educação de jovens em situação de vulnerabilidade; formação acadêmica (por exemplo, mentoring na formação em Medicina e em Enfermagem); formação religiosa, relacionada com a preparação de líderes; promoção de saúde e bem-estar, como recurso para ajudar na mudança de comportamentos objetivando uma vida mais saudável, e, o que particularmente aqui interessa, o contexto das organizações. Em razão dos efeitos altamente significativos que proporciona, o mentoring que ocorre espontaneamente, informalmente nas organizações foi profundamente pesquisado e, a partir daí,
adaptado para uso formal, estruturado, como recurso para promover aprendizagem, desenvolver habilidades, melhorar desempenho, entre outros fins. Os estudos começaram a despontar no final dos anos 70 do século passado e passaram a ter maior consistência a partir dos trabalhos das americanas Linda Philips-Jones e Kathy Kram. No Brasil, o pioneirismo em pesquisas sobre mentoring organizacional cabe à professora Sônia Calado Dias, que desde o início do milênio se dedica ao tema e orienta estudos de mestrado e doutorado sobre ele. Um dos principais fundamentos do mentoring são as funções de mentoring, ou seja, os diversos tipos de ajuda que o mentor oferece para o desenvolvimento do mentorado. Para o ambiente organizacional, apresento uma classificação de funções baseada em Kram e outros pesquisadores se seguiram a ela. Pode-se dividir as funções em instrumentais (ou de trabalho e carreira), socioemocionais (ou psicossociais) e modelar. As funções instrumentais ajudam o mentorado a dominar o conhecimento necessário para desempenhar o seu trabalho e o preparam para crescer na organização. São funções instrumentais: a) orientação: expande o conhecimento e a compreensão do mentorado sobre como navegar efetivamente no mundo corporativo; b) proteção, que consiste em defender o mentorado em relação a contatos prematuros ou potencialmente danosos com outros, principalmente quando o indivíduo ainda não possui todas as condições de agir de forma segura e conseguir soluções satisfatórias; c) exposição-evisibilidade: o mentor, desde que esteja seguro de que o mentorado está suficientemente preparado, busca ou cria oportunidades de exposição perante os pares e superiores deste; d) patrocínio, um apoio aberto que consiste em indicar o indivíduo para ocupar cargos desejados ainda no mesmo nível hierárquico ou para receber promoções. As funções socioemocionais aprofundam o relacionamento e ajudam a aprimorar no mentorado o seu senso de competência, identidade e eficiência em um papel profissional. São elas: a) aceitação: o mentor demonstra respeito pelo que o mentorado, independentemente de que este seja, assume uma atitude não-julgadora, transmite uma confiança básica que faz o mentorado sentir-se mais seguro para assumir riscos, encorajando-o a experimentar novos comportamentos; b) confirmação: à medida que o mentorado vai desenvolvendo competência no trabalho, o mentor lhe dirige apreciações positivas que o apoiam e estimulam. Demonstra admiração pelo mentorado e um interesse autêntico pelo seu sucesso; c) escuta-eaconselhamento: o mentor assume o papel de caixa de ressonância confiável que serve à exploração e avaliação de conflitos internos do mentorado derivados de sua experiência organizacional. Oferece sua experiência pessoal, sugere alternativas, apoia através de escuta ativa e feedback; d) abertura para o relacionamento: como consequências da interação social entre mentor e mentorado, surge afeição e compreensão (que podem se tornar mútuas), ao lado de trocas informais agradáveis sobre experiências dentro e fora do mundo do trabalho. A relação pode derivar para algum nível de amizade, inclusive uma grande amizade. Por fim, existe a função modelar, que é representada pela modelagem de papel: é a função do exemplo, do espelhamento. O mentor serve como objeto de respeito, imitação e admiração para o mentorado, que vê naquele uma fonte de conhecimento, valores e comportamentos dignos de serem seguidos. É um processo de aprendizagem por observação, tácito. Outro fundamento importante do mentoring organizacional são as fases do relacionamento, que aqui são apresentadas conforme acontecem nos programas bem estruturados. Ele se inicia com a formação de uma aliança entre mentor e mentorado. Eles firmam um acordo sobre o objetivo do relacionamento, alinham seus conceitos sobre mentoring, obtêm clareza sobre o papel de cada um e fazem uma previsão sobre como superar possíveis barreiras. Em seguida vem a fase das metas, na qual se constrói um plano de ação para o desenvolvimento do mentorado. Depois, a fase de desenvolvimento: aplicação do plano de ação, tomadas de
decisão, resolução de problemas e exploração mais profunda das questões. Assim, o mentorado vai assumindo mais e mais a condução do processo. Em seguida, a fase de conclusão: o mentorado atinge grande parte de seus objetivos e está confiante para seguir sozinho. Ocorre o reconhecimento mútuo do valor do trabalho realizado e a celebração das conquistas. Depois disso, existe a fase de reformulação do relacionamento: algum nível de amizade até mesmo uma forte amizade pode ter-se desenvolvido e uma parte pode continuar a servir à outra como caixa de ressonância e fonte para uma rede de contatos, à parte da influência que a organização exerça sobre eles. O agora ex-mentorado segue com independência. Pode até mesmo algum dia servir de mentor a seu ex-mentor. O grau de formalização das iniciativas de mentoring organizacional pode variar bastante, desde um simples incentivo para que pessoas identifiquem quem lhes pode dar suporte no ambiente de trabalho, até a criação e implantação de programas com elevado nível de estruturação. Uma visão geral do trabalho desenvolvido pelas melhores consultorias do mundo, nessa área, nos permite dizer que os programas com maior potencial de sucesso têm esquemas bem definidos, geralmente contemplando: definição dos objetivos organizacionais em relação ao programa, estrutura e normas bem definidas, plano de comunicação, criteriosa seleção de mentores e mentorados e não menos criteriosa formação dos pares mentor-mentorado (matching), treinamento dos participantes, desenvolvimento, monitoramento dos relacionamentos e avaliação dos relacionamentos e dos resultados. Com os programas de mentoring organizacional, benefícios são gerados para todas as partes: mentorado, mentor e organização. As pesquisas indicam, por exemplo, que os mentorados podem alcançar maior rapidez no aprendizado e na ascensão funcional, melhor socialização, maior rede de relacionamentos, maior sentimento de cidadania organizacional, maior satisfação com o trabalho e com a carreira, maior autoeficácia, menor nível de estresse, menor intenção de sair do emprego e até maiores salários. Já os mentores ganham benefícios como, entre outros, satisfação pessoal, satisfação com a carreira, melhor desempenho no trabalho, sentimento de generatividade (preocupação em consolidar e orientar a próxima geração, no caso de mentores de uma geração além do mentorado), lealdade e apoio dos mentorados, maior rede de relacionamentos, reconhecimento e valorização. E as organizações logram benefícios vários, como melhora na aprendizagem organizacional, redução dos custos com treinamentos, melhora na socialização dos empregados, redução da rotatividade com maior retenção e aproveitamento de talentos, facilitação de processos de ascensão funcional e de sucessão e melhora na produtividade. No Brasil, o mentoring como ferramenta aplicável em gestão de pessoas está dando os primeiros passos. São poucas as organizações que conhecem o tema e quase que se contam nos dedos os programas existentes. Quase todo o nosso mundo organizacional ainda desconhece o quanto está perdendo por não utilizá-lo. * Paulo Erlich é consultor em Mentoring Organizacional e Gestão da Qualidade de Vida no Trabalho, além de coach executivo e de vida. E-mail: paulo@erlich.com.br