TRAJETÓRIAS E MEMÓRIAS DOS FÓRUNS LIXO E CIDADANIA: Experimentos Singulares de Justiça Social e Governança Participativa ABES, Agosto 14 Sonia Maria Dias WIEGO
SUMÁRIO DA APRESENTAÇÃO Esta apresentação traz algumas reflexões desenvolvidas no âmbito da tese de doutoramento em Ciência Política (UFMG) que resgatou a história de constituição do FNLC e teve como estudos de caso o FELC MG e o FMLC de Belo Horizonte: 1. Argumento central da tese 2. BreveresgatedagênesedoFNLC 3. Principais contribuições e desafios do FNLC e FELC- MG e FMLC BH 4. Reflexões 5. Conclusões
1. A tese sobre os Fóruns... Resgatar a gênesedos Fóruns Lixo e Cidadania, seus principais avanços e limites, investigando em que medida os Fóruns Lixo e Cidadania têm contribuído de forma efetiva para a formulação e implementação de políticas públicasque: -(a) tenham um caráter inclusivo e redistributivosob o ponto de vista da incorporação de novos atores na gestão do lixo e de sua inserção no mundo do trabalho de modo a minimizar situações de desigualdade ou de injustiças sociais; -(b) que tenham um impacto real em termos de melhoria da situação de degradação ambientale social provocada pela gestão inadequada dos resíduos sólidos.
Justiça Social e Governança Justiça Social: Redistribuição/Reconhecimento/Representação aponta a necessidade deinterpenetração das lógicas da redistribuição, reconhecimento e representação no desenho das políticas para que as mesmas se constituam em remédios transformativos (desenhados para reestruturação do arcabouço que os produziu) e não meramente afirmativos (orientados para a correção de resultados indesejáveis sem contudo alterar o arcabouço que os criou). Governança Participativa: Aprofundamento das formas de como o cidadão comum pode efetivamente participar e influenciar as políticas que impactam diretamente a sua vida. Ou seja, resolução efetiva de problemas com participação ampla e intensa. Ou seja, a tese reflete sobre qual é a capacidade de solução efetiva da questão sócio-ambiental do lixo (de forma participativa e com justiça social) que os Fóruns possuem.
Justiça Social e Governança em Resíduos Sólidos Reconhecimento: re-significação do imaginário social sobre o catador no sentido de efetivo reconhecimento da importância sócio-ambiental deste trabalho e a reelaboração de legislação que cumpre o papel político relevante de formalizar tal ator econômico. Por redistribuição, políticas desenhadas para o enfrentamento dos processos de exclusão econômico-social no setor de resíduos sólidos. Representação: existência de organizações participativorepresentativas dos catadores e de correspondentes espaços de apresentação/representação de demandas dos atores informais da reciclagem. Governança: processos de interação e coordenação estabelecidos entre atores das esferas público e privada com o fim de resolver problemas tangíveis (de forma cooperada). Qual a capacidade dos Fóruns L e C de conectar diferentes formas de participação e de ação estatal no sentido de trazer contribuições para a mudança do cenário de degradação sócio-ambiental.
2. FNLC GÊNESE E OBJETIVOS FNLC: surgido, em 1998, sob a liderança inicial do UNICEF, no nível nacional (FNLC) e, posteriormente nos planos estaduais e municipais, sendo constituído de representantes de diversos segmentos da sociedade civil, dos governos e da iniciativa privada. Objetivos: erradicação do trabalho infantil, erradicação de lixões e inclusão de catadores. Atuação: proposição, articulação de apoios e monitoramento de programas de gestão integrada de resíduos sólidos na perspectiva da inclusão dos catadores. Inovação institucional para o setor de RSU tendo seus princípios se constituído num padrão de regras norteadoras de diversas instituições do setor.
Atuação do FNLC: envolveu o UNICEF no estabelecimento de compromissos com Prefeitos;mobilizou a sociedade com a Campanha Criança no Lixo Nunca Mais; deu suporte ao processo de organização de catadores; estimulou a publicação de manuais de orientação...
O Fórum Nacional chegou a ter 56 instituições parceiras e 23 fóruns estaduais implantados
3. Contribuições dos Fóruns FNLC Avanços: maior coordenação no setor de resíduos sólidos; arcabouço legal consonante com inclusão social de catadores; publicização do trabalho infantil nos lixões; - Vocalização das demandas dos catadores: no plano nacional, ao MNCR; no plano estadual (MG), contribuindo para que demandas de catadores do interior do Estado atingissem o centro do poder estadual; em BH, publicizando as demandas dos novos grupos de catadores que surgiram na esteira do sucesso da ASMARE.
Resultados -46.742 crianças fora do lixão: bolsa-escola e acordos entre Prefeitos e Ministério Público. -2002: CBO ocupação catador de material reciclável visibilidade no sistema de estatísticas oficial. Brasil único país a ter dados oficiais sobre catadores. PNAD/RAIS. -De 2000 2002: US$188 milhões em RS e inclusão de catadores; US$35 millhões de 2003-2006
Resultados - Aumento do número de cooperativas/associações. Em 2001: criação do movimento nacional de catadores (MNCR) - 2004:criação do CIISC - Maior reconhecimento público dos catadores
Fórums Maiores Contribuições O L&C ajudou a dar maior visibilidade aos catadores (alocando fundos para sua organização; reconhecendo publicamente o seu papel ambiental). Esta visibilidade provocou uma impacto nacional inspirando a criação de mais grupos no país o que criou a base para a criação do MNCR. Assim, os fóruns L&C contribuiram no Reconhecimento dos catadores. Ao contribuir para o reconhecimento dos catadores e ao dar suporte inicial à criação do MNCR os fóruns L&C contribuíram no processo de Representação de interesses uma importante dimensão da justiça social. Desde a criação dos fóruns um volume maior de recursos para o setor de RS e para catadores começou a ser disponibilizado: para remediação de lixões, para construção de galpóes, linhas de crédito foram abertas, capacitação A dimensão da Redistribuição é uma importante faceta da justiça social. Embora os lixões não tenham sido erradicados por completo, houve avanços: de 72,3% em 2000 para 50,8% em 2008 (PNSB 2010) avanços na dimensão da Governança.
PROCESSO ORGANIZATIVO DOS CATADORES E SUA INTEGRAÇÃO NA GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS LINHA DO TEMPO LIXO E CIDADANIA-JUSTIÇA SOCIAL EM 3Rs (adaptado de Dias e Alves, 2008) 1980 80`s Representação Nível local Primeiras organizações de catadores: 1986 - Associação de Catadores de Material de Porto Alegre 1989 - Coopamare - São Paulo 1990 Asmare - BH 90`s Reconhecimento/Redistri buição nível local Primeiras gestões democráticopopulares: 1as experiências de parcerias com catadores 1989 Porto Alegre e São Paulo; 1993 Belo Horizonte; Em 1998 através da liderança do UNICEF foi formado o Fórum Nacional Lixo e Cidadania com os objetivos: erradicar os lixões a céu aberto, erradicar o trabalho infantil nos lixões e promover os catadores como parceiros prioritários da coleta seletiva. Criação de Fóruns Lixo e Cidadania estaduais e municipais. Os fóruns L&C contribuição na visibilidade dos catadores e na promoção de sua integração aos programas de reciclagem. 2000 to 2007 Reconhecimento/Representação/ Redistribuição nacional Políticas Públicas e MNCR Novos desafios: 2009 De convênios para contratos de prestação de serviços A 2001 1º Congresso nacional dos catadores criação do movimento nacional dos catadores -MNCR Seguridade social 2002 especial Inclusão da atividade de catação na Classificação Brasileira de Ocupações; Melhoria dos indicadores de 1º Festival Lixo e Cidadania em desempenho de programas BH 2003 Criação do Comitê Interministerial de Inclusão Social de Catadores 2004 3 Festival Lixo e Cidadania BH: 1 participação de catadores da Am.Latina 2006 5940/06 Decreto Federal da Coleta Seletiva Solidárias nos órgãos públicos 2007 1º Fundo Social para Cooperativas - BNDES Aprovação da Lei 11445/07: marco legal para parcerias de órgãos públicos de coleta seletiva municipais e de cooperativas participação/representação de outros grupos e catadores avulsos 2008: 3º Congresso Latino Americano e 1 º Congresso Mundial de Catadores - Bogotá
Desafios - FNLC: sistema de indicadores para monitoramento sócio-ambiental das políticas públicas de resíduos sólidos; a ampliação dos atores contemplados no eixo cidadania (princípio de paridade participativa ) e a retomada da campanha de erradicação do trabalho infantil e maior investimento na erradicação dos lixões. - FELC MG: déficit de representação de organizações não vinculadas ao MNCR e de outros atores em vulnerabilidade social (carroceiros do entulho); a ausência de ação coordenada diretamente com os Fóruns Municipais Lixo e Cidadania no estado como um todo, e em especial com o da capital (FMLC BH).
Desafios FMLC BH: - Necessário maior clareza (pela PBH) do lugar e do papel ocupado pela instância participativa do Fórum Lixo e Cidadania em relação à elaboração das políticas de resíduos sólidos municipais. - Ausência de um sistema de indicadores para monitoramento sócio-ambiental das políticas públicas de resíduos sólidos; - Sucateamento da infra-estrutura dos galpões de triagem das associações/cooperativas; - Ausência de uma política concertada de regulação urbana (com vias a estabelecer, no mínimo, parâmetros de trabalho decente nos depósitos). - Persistência de uma situação de convênios quando já há instrumentos para contratação de cooperativas.
5. Provocações Para o Debate O diagnóstico dos RS do FNLC à época de sua criação: - O Setor: Instituições trabalhando sem coordenação ; falta capacitação, cultura técnica, política e sustentabilidade financeira ; Poucos investimentos realizados e muitos perdidos - Catadores: invisíveis ; Não há linhas de financiamento direto para as associações e cooperativas ; Não existem Linhas de crédito especiais para os catadores ; 45 mil crianças trabalhando no lixo - A informalidade do lixão facilita práticas ilegais - Lixões por toda parte ONDE ESTAMOS HOJE? SÃO OS NOSSOS DESAFIOS OS MESMOS À ÉPOCA DE CRIAÇÃO DO FNLC? COMO PODEMOS PENSAR MODERNIZAÇÃO DO SETOR COM PROTAGONISMO SOCIAL E PROFISSIONALISMO NA GESTÃO POR PARTE DE TODOS OS ATORES DA CADEIA?
Provocações Para o Debate Muitas abordagens da catação tendem a focar num aspecto ou outro do fenômeno em detrimento de uma compreensão mais integrada que combine os aspectos sócio-políticos (de reconhecimento e identidade social, organização e representação política dos catadores) com a contextualização do catador como um ator econômico na cadeia de reciclagem e como um prestador de serviço no âmbito de um sistema sócio-técnico(resíduos sólidos), sistema este que tem demandas específicas quanto à qualidade e cobertura dos serviços prestados, entre outros. COMO AVANÇAR RUMO À UMA PERPECTIVA HOLÍSTICA ONDE O LIXO NÃO SEJA VISTO NEM SOMENTE PELOS SEUS ASPECTOS TECNOLÓGICOS NEM SOMENTE PELA SUA DIMENSÃO SOCIAL?
Provocações Índices de recuperação de recicláveis dos programas municipais de CS são extremamente baixos; a área de cobertura da CS nos municípios é baixa; as centrais de triagem estão sucateadas; não há dados de custo; os programas incorporam um baixo número de catadores; a maioria dos catadores não estão organizados em cooperativas (em torno de 10 15% estão cooperados). A PNRS reconhece os catadores mas coloca novos desafios a todos catadores, gestores públicos e iniciativa privada... Será necessário a cada ator sair da sua zona de conforto.
Conclusões O Fórum Lixo e Cidadania constituiu-se numa inovação institucional que foi fundamental na ampliação do aporte de recursos de fundos públicos e privados para a organização e/ou fortalecimento de organizações de catadores, para a implementação de projetos de coleta seletiva na perspectiva da inclusão social e da erradicação e remediação dos lixões. Todavia, a plataforma Lixo e Cidadanianão avançou tão significativamente em termos da erradicação e lixões e do trabalho infantil.
Conclusões Os Fóruns L&C foram fundamentais na visibilização dos catadores, na associação de lixo e cidadania, tema este que chegou à agenda pública de debates. No entanto, os Fóruns não asseguraram mecanismos participativos concretos que possibilitasse a participação de outros grupos que vivem do lixo(carroceiros do entulho, catadores avulsos, organizações não afiliadas ao MNCR) o que compromete alargamento da cidadania.
Conclusões Para a integração de catadores, enquanto atores legítimos nos sistemas de RS, torna-se necessário que as intervenções políticas de diversos níveis de governo, das organizações de catadores, das ONGs e das agências financiadoras sejam desenhadas tendo uma compreensão integrada da catação, pois a incorporação dos catadores como atores relevantes do sistema de RS é apenas um primeira passo na inclusão social. Sob o ponto de vista dos aspectos técnicos da gestão de resíduos, a inclusão de catadores não terá impacto ( e nem sustentabilidade) se não houver mudanças visíveis em termos tanto da limpeza das cidades quanto na redução de resíduos serem aterrados.
Conclusões Por outro lado, sob o ponto de vista daqueles preocupados com os dilemas da redistribuição, os processos de inclusão não terão impactos se os catadores forem apenas incorporados de forma subalterna (sem voz e vez)no desenho do formato da integração e sem pagamento pela prestação de serviços realizada. Avanços nesta direção irá requerer maturidade de todos os atores. Talvez esteja na hora de outra mobilização social em torno do Lixo e Cidadania a partir dos avanços conquistados e dos desafios para o cumprimento da PNRS.
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