TRÊS TEORIAS E UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA: A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA, OS FUNDOS DE CONHECIMENTO E A PEDAGOGIA CULTURALMENTE RELEVANTE

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Transcrição:

Capítulo 1. Análisis del discurso matemático escolar TRÊS TEORIAS E UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA: A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA, OS FUNDOS DE CONHECIMENTO E A PEDAGOGIA CULTURALMENTE RELEVANTE Davidson Paulo Azevedo Oliveira, Marger da Conceição Ventura Viana, Milton Rosa Universidade Federal de Ouro Preto davidsonmat@yahoo.com.br, margerv@terra.com.br, milrosa@hotmail.com Brasil Resumen. O presente trabalho apresenta e discute como os professores podem utilizar de teorias da Educação na prática pedagógica da sala de aula. Para isso, esse artigo teórico apresenta a Perspectiva Sociocultural da História da Matemática, os Fundos de Conhecimento e a Pedagogia Culturalmente Relevante. Essas teorias estão embasadas na cultura dos alunos para atingirem um ensino e uma aprendizagem visando formar alunos críticos e capazes de utilizarem o que aprenderam na escola para discutir as diferenças existentes entre os grupos minoritários e majoritários na sociedade atual. É apresentada uma atividade envolvendo as três teorias. Palavras chave: história da matemática, pedagogia culturalmente relevante, fundos de conhecimento Abstract. In this work we present and discuss how teachers can use Educational theories into pedagogic practice classroom. In so doing, this theoretical article presents the Sociocultural Perspective of the History of Mathematics, the Funds of Knowledge and the Cultural Relevant Pedagogy. These theories are grounded in the students culture in order to achieve the teaching and learning so as to make the students more critical and capable of use whatever they learn at school and discuss the differences between minoritary and majoritary groups in the society. It is presented an activity involving the three theories. Key words: history of mathematics, culturally relevant pedagogy, funds of knowledge Introdução Em estudos recentes, percebe-se que a História da Matemática é utilizada de duas maneiras distintas nos processos de ensino e de aprendizagem da matemática, de maneira explícita e implícita (Ferreira e Rich, 2001 apud Dambros, 2006). Explícita no momento em que são utilizados problemas idênticos aos que apareceram na História da Matemática ou por meio da utilização de fontes originais e de maneira implícita a partir da utilização de situações adequadas ao contexto atual ou servindo como um guia para que atividades matemáticas curriculares sejam elaboradas. Assim, os problemas e as atividades propostas pelos professores não são reconstruções idênticas às do passado, mas suas adaptações (Miguel e Miorin 2008). Existe a necessidade de que não se ignore o ambiente sociocultural e a época na qual os conceitos matemáticos foram criados e desenvolvidos, especialmente, para a perspectiva sociocultural da História da Matemática, na qual os textos e conhecimentos matemáticos do passado são analisados (Furinghetti e Radford, 2002). Nessa perspectiva, a prática pedagógica em sala de aula pode ser percebida como um espaço geral de cultura na qual o conhecimento é desencadeado por meio da negociação de significados para os conteúdos estudados (Radford, Boero, Vasco apud Fauvel e Maanem, 2000). 239

Acta Latinoamericana de Matemática Educativa 26 Portanto, buscou-se, atrelar a História da Matemática à cultura dos alunos no ensino e na aprendizagem em sala de aula e aos seus fundos de conhecimento, que são intrínsecos a determinados grupos socioculturais. Esses fundos de conhecimento são necessários para a sobrevivência dos membros desses grupos, sendo difundidos de geração em geração. Consideramos que os grupos socioculturais também são compostos pelos alunos em uma sala de aula, que pertencem a diferentes grupos culturais, que possuem características peculiares (Azevedo Oliveira, 2012). Nesse sentido, esse artigo discute a importânica de novas abordagens pedagógicas sejam utilizadas em sala de aula e que estejam baseadas no conhecimento matemático implícito existente nos fundos de conhecimento dos alunos, por meio da História da Matemática com a elaboração de atividades matemáticas curriculares embasadas nos princípios da Pedagogia Culturalmente Relevante. As Três Teorias A discussão da História da Matemática, dos Fundos de Conhecimento e da Pedagogia Culturalmente Relevante tem por objetivo facilitar o desenvolvimento dos processos de ensino e de aprendizagem de práticas matemáticas padronizadas (Moll e Greenberg, 1990). Nesse sentido, a utilização dessas três teorias tem por objetivo ressaltar a cultura dos alunos e buscar o aprendizado de novos conteúdos curriculares. Em nosso ponto de vista, esses argumentos, juntamente com o desenvolvimento da consciência crítica dos alunos, são as proposições básicas nas quais se baseia a Pedagogia Culturalmente Relevante. Essa teoria foi desenvolvida em 1989, para auxiliar alunos afroamericanos a atingirem o sucesso acadêmico. Porém, pode ser ampliada para utilização com todos os alunos (Rosa, 2010). Essa teoria é definida como a pedagogia crítica, que está comprometida com o coletivo, baseando-se no tripé composto pela consciência crítica, sucesso acadêmico e competência cultural (Ladson-Billigns, 1995). É nesse sentido que, a utilização dessas duas teorias juntamente com o auxilio da História da Matemática que a prática pedagógica relatada nesse artigo foi elaborada. A figura 1 mostra o relacionamento entre as três teorias e a prática pedagógica. Figura 1: Conexão das três teorias com a prática pedagógica 240

Capítulo 1. Análisis del discurso matemático escolar Assim, essas três teorias estão relacionadas, pois giram em torno da prática pedagógica dos professores. Nesse sentido, busca-se desenvolver e propiciar aos professores a elaboração de uma prática pedagógica na qual os construtos teóricos fundamentam as aulas e deixem de ser somente teorias utópicas, sendo efetivamente utilizadas visando atingir o aprendizado com o desenvolvimento do raciocínio crítico-reflexivo e a reafirmação cultural dos alunos. A Pedagogia Culturalmente Relevante pode estar diretamente conectada com a História da Matemática como uma ferramenta pedagógica de ensino na medida em que é possível mostrar aos alunos as contribuições de várias civilizações para a construção do conhecimento matemático. Nesse sentido, ressaltam-se as possibilidades que a História da Matemática proporciona aos professores com relação ao desenvolvimento de um ensino que considere as atitudes e valores dos alunos (Troutman e McCoy, 2008). Além disso, de acordo com os resultados do estudo conduzido por Troutman e McCoy (2008), a História da Matemática auxiliou a maioria dos alunos a reafirmarem a própria identidade cultural por meio da observação de como os indivíduos pertencentes a vários grupos culturais desenvolveram conteúdos matemáticos no decorrer da história. De acordo com Furhinghetti (1997) apud Troutman e Maccoy (2008), uma das maneiras que os professores possuem para utilizar a abordagem da Pedagogia Culturalmente Relevante é a História da Matemática, que pode ser considerada como uma referência cultural disponível para os professores que almejam elaborar atividades curriculares matemáticas que sejam culturalmente relevantes para os alunos. Nesse sentido, o conjunto de ideias matemáticas presentes nos fundos de conhecimento dos alunos pode ser considerado como um sistema adaptativo que pode ser utilizado para que, criativamente, resolvam novos desafios (Moll et al, 1990) e, assim, realçar a competência cultural. Dessa maneira, a História da Matemática pode auxiliar os professores de uma maneira implícita ou explícita (Azevedo Oliveira, 2012). Por exemplo, os professores podem auxiliar os alunos a entenderem que, durante o século XVI, na Renascença, foi deflagrada a evolução das representações enquanto que os sinais se tornaram manipuláveis como as comodities que foram manipuladas no comércio do século XVI (Radford, 2004). No entanto, esse entendimento somente pode ser concretizado se for analisado de acordo com o contexto social, econômico e social no qual os matemáticos e os indivíduos que auxiliaram a desenvolver o conhecimento matemático, especialmente a notação algébrica simbólica, estavam inseridos. 241

Acta Latinoamericana de Matemática Educativa 26 A Prática Pedagógica Foram propostas e desenvolvidas atividades com duas turmas da primeira série do Ensino Médio de uma escola pública profissional situada no interior do estado de Minas Gerais, Brasil, com alunos que possuem, em média, 15 anos de idade, estando matriculados no curso técnico de Edificações, portanto, ao final de três anos serão profissionais capacitados para trabalharem na construção civil. Para a coleta de informações que embasassem o emprego das três teorias discutidas foram utilizados como instrumentos de coleta de dados dois questionários, dois grupos focais e o caderno de campo do professor-pesquisador com anotações a respeito dos alunos, a observação das maneiras como realizaram as atividades, a resolução das tarefas solicitadas e, também, quatro entrevistas de acompanhamento. Para o levantamento de dados em relação aos fundos de conhecimento dos alunos foram utilizadas questões propostas em dois questionários e discussões realizadas em um dos dois grupos focais. Posteriormente, alguns assuntos discutidos no grupo focal foram retomados para esclarecimentos por meio de entrevistas de acompanhamento, que também continham questionamentos referentes ao conteúdo estudado. Por exemplo, um estudante afirmou que o pai e o tio são donos de uma fábrica de prémoldados, demostrando interesse em seguir a carreira do pai. Nesse sentido, a partir dos dados coletados e da leitura da fundamentação teórica, verificou-se que os conhecimentos adquiridos por esse aluno sobre a construção civil estão implícitos em seus fundos de conhecimento (Moll, Amanti, Neff, Gonzalez, 1992). Esse fato demonstra que a aquisição do conhecimento sobre esse campo do saber cotidiano foi adquirido na prática familiar, pois foi transmitido de geração em geração aos familiares desse aluno. Por exemplo, em uma das questões do questionário, sobre o interesse dos alunos em seguirem a carreira dos pais, esse participante mostrou-se interessado em trabalhar com o pai e com o tio ao afirmar que a profissão do meu pai está no ramo do curso que estou cursando. Nessa perspectiva, durante a realização dos grupos focais, dois alunos destacaram a presença da matemática nas atividades realizadas na engenharia, pois, um desses alunos afirmou que, como o seu pai é engenheiro, então usa muita matemática enquanto o outro alegou que para calcular quantos metros quadrados de área vai ser preciso em uma obra, calcula-se o tamanho da construção. Diante desse contexto, e com esses instrumentos de coleta de dados, investigaram-se alguns fundos de conhecimento dos participantes (Moll et al, 1992) por meio dos quais foram estudadas as atividades que os pais e os responsáveis pelos alunos realizam em suas profissões e atividades cotidianas. Esse contexto possibilitou a utilização da 242

Capítulo 1. Análisis del discurso matemático escolar Pedagogia Culturalmente Relevante em sala de aula na elaboração das atividades curriculares propostas aos alunos. As atividades propostas foram realizadas em grupos, pois é importante que os alunos envolvam-se em seu próprio aprendizado, pois uma das maneiras de conseguir isto é dividir as pessoas em grupos. As pessoas falam mais e todos participam (Gandin et al, 2002, p. 288-289). Além disso, Ladson-Billings (1995) ressalta que, em grupos, os alunos têm a oportunidade de trabalharem colaborativamente, serem responsáveis uns pelos outros, em relação ao aprendizado de todos os alunos, pois o conhecimento não é construído individualmente, mas dentro de um amplo contexto social (Radford Boero e Vasco 2000, p. 164). Essa abordagem facilita a observação do meio social, cultural e econômico no qual os alunos estão inseridos, possibilitando-lhes o desenvolvimento da competência cultural ao mesmo tempo em que aprendem novos conteúdos matemáticos, relacionados com o estudo das funções, transferindo-os para a resolução de situações-problema enfrentadas no cotidiano. Na atividade descrita a seguir, a História da Matemática apareceu de maneira implícita, pois houve uma adaptação do problema da duplicação do cubo para a duplicação do quadrado, servindo como um eixo orientador para que o professor-pesquisador pudesse elaborar a atividade curricular proposta para os alunos. Assim, os alunos determinaram a área de um quadrado que possui o dobro de sua área original, que foi uma situação enfrentada pelos pitagóricos na antiguidade (CAJORI, 2007). Nesse sentido, foi apresentado aos alunos uma situação sobre a construção de uma laje de forma quadrada e informações referentes ao preço por metro quadrado de laje pré fabricada necessária para essa construção. A Figura 2 mostra o texto introdutório da situação proposta. Figura 2: Enunciado do problema proposto aos alunos Em um dos itens foi apresentado os tipos de laje e os respectivos preços que foram os valores reais cobrados pela empresa de propriedade do pai de um dos alunos. Esses valores foram repassados durante uma conversa informal, na qual o professor-pesquisador teve a oportunidade de conhecer melhor esse aluno. Assim, foi elaborada uma proposta pedagógica que se vinculava à vida dos alunos (Ladson-Billings, 1995a), pois estudavam no curso técnico de Edificações enquanto que, o pai de um dos alunos trabalha é proprietário da fábrica citada anteriormente. Além disso, a história do trabalho familiar pode acumular conhecimentos que 243

Acta Latinoamericana de Matemática Educativa 26 podem sere utilizados nas atividades curriculares propostas em sala de aula (Moll et al, 1992). É importante ressaltar que, nessa atividade, uma parte da história e do background cultural de um dos alunos foi utilizada na prática pedagógica por meio da pedagogia culturalmente relevante. Então, na elaboração dessa atividade, o professor-pesquisador utilizou os fundos de conhecimento desse aluno que, além dessas informações, forneceu outras por meio de uma conversa em um chat no MSN. Nesse caso, a conversa online possibilitou o esclarecimento de algumas dúvidas relativas aos seus fundos de conhecimento (Azevedo Oliveira, 2012). A análise dos dados mostra que a utilização da internet é um fator importante na vida dos participantes desse estudo, pois, tem-se que 56 (80%) alunos possuem computadores em casa e que 57 (81,43%) participantes acessam a internet pelo menos uma vez por dia. Portanto, esse ambiente virtual de comunicação possibilitou que o professor-pesquisador entrasse na casa do aluno para obter informações mais precisas sobre os seus fundos de conhecimento (Moll et al, 1992). Essa conversa ocorreu no dia 30 de dezembro de 2011, durante a qual esse aluno forneceu informações importantes a respeito das atividades realizadas pelo seu pai, que trabalha com a construção de lajes pré-moldadas. Então, de acordo com as informações obtidas, existem três tipos de laje, convencional, treliça e minipainel treliçado. Esse aluno também afirmou que a laje convencional com cerâmica é a mais básica de todas e, também, a mais fraca em comparação com as outras. Assim, a figura 3 mostra uma das questões proposta aos participantes. Figura 3: Uma das questões proposta aos estudantes Dentre as opções de material utilizado na escolha da laje estava incluído o EPS ecológico com 40% de material reciclado. Essa opção oferecia oportunidades para que os alunos discutissem sobre a importância em se utilizar materiais reciclados na atualidade, mesmo que aquele não fosse o material mais barato a ser empregado na construção. Apresentava-se, assim, por meio da Pedagogia Culturalmente Relevante, uma possibilidade pedagógica que permitia discutir sobre o coletivo em detrimento do individual (Ladson-Billigns, 1995), pois pode-se ter um custo maior sem, no entanto, garantir a sustentabilidade do meio ambiente. 244

Capítulo 1. Análisis del discurso matemático escolar A seguir, foi solicitado que os alunos construissem uma função e analisazem o que aconteceria se a laje construída tivesse o dobro da área da anterior, mantendo, porém, o seu formato quadrado. Esse direcionamento da atividade foi tomado ancorando-se na História da Matemática e na dificuldade histórica apresentada pelos pitagóricos que, se analisarmos do ponto de vista cultural, desconheciam os números irracionais, pois possuiam um pensamento geométrico apurado (Cajori, 2007). A solução encontrada pelos alunos foi a de traçar um novo quadrado cujo lado tivesse a mesma medida da diagonal do quadrado inicial. Nesse sentido, os alunos perceberam que o fato de, simplesmente, dobrar o lado do quadrado resulta em um quadrado com o quádruplo da área e não com o dobro, conforme requerido por essa atividade. Portanto, a História da Matemática auxiliou o professor-pesquisador a entender o motivo da utilização do diagrama pelos alunos, no processo de resolução desse problema, pois existe uma tendência de se dobrar o lado do quadrado quando se pretende dobrar a sua área. Nesse sentido, a análise dos dados também mostra que, ao responderem sobre o significado do dobro do lado de um quadrado, um aluno alegou que se a área do quadrado dobrou, então o seu lado também deveria ter dobrado. Esse é um equívoco que também ocorreu na História da Matemática (Eves, 1962). Nesse sentido, por meio de anotações do caderno de campo do professor-pesquisador, durante a discussão com os participantes de um dos grupos focais sobre a resolução desse item, uma aluna argumentou que todos os alunos de seu grupo pensaram na possibilidade de dobrar o lado do quadrado original, mas reavaliaram esse posicionamento. Assim, essa aluna escreveu no verso de sua folha de resolução que a princípio acreditamos que, o lado seria 2, mas isso é impossível já que a área seria 4 vezes maior. Então, por meio da discussão que o grupo de alunos realizou sobre esse assunto, os participantes puderam perceber que a nova área do quadrado seria quadruplicada e não duplicada como era requerido. Nesse sentido, para resolverem com exatidão essa situação-problema, os alunos decidiram empregar a fórmula da área do quadrado com a utilização de uma linguagem retórica. Posteriormente, utilizaram a linguagem simbólica, determinando, a seguir, a resposta com a utilização de símbolos matemáticos. De acordo com esse contexto, existe a necessidade de que as dificuldades históricas sejam do conhecimento dos professores, pois podem auxiliá-los a entenderem as dificuldades dos alunos ao resolverem questionamentos similares (Artigue apud Radford, 1997). 245

Acta Latinoamericana de Matemática Educativa 26 Considerações Finais Nesse estudo puderam-se constatar as dificuldades de alguns alunos com os números irracionais, porém, superadas pela utilização das calculadoras científicas, fórmulas de cálculo de área ou por meio de diagramas. Atualmente, essa abordagem está relacionada com o contexto sociocultural dos alunos, diferentemente do contexto geométrico grego. As respostas dos alunos foram analisadas e interpretadas de acordo com as três teorias que fundamentaram a elaboração da atividade, ressaltando, as três proposições da Pedagogia Culturalmente Relevante. Além disso, durante o desenvolvimento, percebeu-se que é possível utilizar os fundos de conhecimento em salas de aula com o auxílio da História da Matemática para fornecer informações suficientes para a elaboração de atividades e servirem como parâmetros de análise das possíveis dúvidas dos alunos. Nessa perspectiva, foi possível oferecer oportunidades para que os pilares da Pedagogia Culturalmente Relevante pudessem ser discutidos e debatidos. Pretendemos, dessa maneira, aprofundarmos e continuarmos os estudos na linha de pesquisa dessas três teorias, elaborando e estudando outras atividades que possam servir de exemplos para os professores interessados em seguir esse caminho metodológico de ensino e aprendizagem em matemática. Referências bibliográficas Azevedo-Oliveira, D. P. (2012). Um estudo misto para entender as contribuições de atividades baseadas nos fundos de conhecimento e ancoradas na perspectiva sociocultural da história da matemática para a aprendizagem de funções por meio da pedagogia culturalmente relevante. Dissertação de Mestrado Profissional não publicada. Universidade Federal de Ouro Preto. Brasil. Cajori, F. (2007). A History of Mathematical Notations. Volume I. New York, NY Cosimo Classics. Dambros, A. A. (2006). O conhecimento do desenvolvimento histórico dos conceitos matemáticos e o ensino de matemática: possíveis relações. Tese de Doutorado não publicada, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR: UFP, Brasil. Eves, H. (1962). An Introducion to the History of Mathematics. New York: Holt, Rinehart & Winston, 246

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