Adequações posturais em cadeira de rodas prevenção de deformidades na paralisia cerebral



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Transcrição:

Adequações posturais em cadeira de rodas prevenção de deformidades na paralisia cerebral Postural adjustment in wheelchairs deformities prevention in Cerebral Palsy Moisés Veloso Fernandes 1, Antonio de Olival Fernandes 2, Renata Calhes Franco 1, Marina Ortega Golin 3, Lígia Abram dos Santos 3, Chrystianne de Mello Setter 3, Julyana Mayara Biasi Tosta 4 RESUMO Introdução. A Paralisia Cerebral (PC) é uma encefalopatia crônica não evolutiva, estacionária, com distúrbio de motricidade e sensorial, resultante de uma lesão cerebral no início do desenvolvimento neuromaturacional, que, de acordo com a severidade, pode evoluir com deformidades ortopédicas. Objetivo. O objetivo deste estudo foi avaliar as deformidades existentes em crianças portadoras de tetraplegia e associá-las ao uso precoce de cadeira de rodas adaptada. Método. Foram avaliadas 10 crianças portadoras de PC tetraplégica entre 5 e 13 anos, com tônus espástico, atetóide ou misto, que faziam uso deste mobiliário. O estudo foi realizado na clínica de fisioterapia da Uninove, através de um questionário oferecido aos pais sobre adaptações existentes na cadeira de rodas, tempo de uso, órteses utilizadas, deformidades associadas e recursos adotados para sentar as crianças antes de adaptar a cadeira. Resultados. Os resultados obtidos demonstraram que a grande maioria das crianças que iniciaram o uso tardio de cadeira de rodas, mesmo com as principais adaptações e acessórios necessários, apresentou deformidades. Foi verificado também que essas deformidades estão diretamente relacionadas ao tônus predominante espástico e ao mau posicionamento precoce. Conclusão. Pode-se concluir que o uso da cadeira de rodas adaptada é muito importante na prevenção de deformidades, principalmente quando associada ao seu uso precoce. Unitermos: Paralisia Cerebral. Deformidades Articulares Adquiridas. Cadeiras de Rodas. Reabilitação. Citação: Fernandes MV, Fernandes AO Franco RC, Golin MO, Santos LA, Setter CM, Tosta JMB. Adequações posturais em cadeira de rodas - prevenção de deformidades na paralisia cerebral. SUMMARY Introduction. The Cerebral Palsy (CP) is a chronic, stationary lesion of the central nervous system, with disturbance of senses and movement, caused by cerebral injury at the beginning of the nervous maturation development which, depending on the severity, might develop with orthopedic deformities. Objective. The objective of this study was to evaluate the deformities in children with quadriplegic CP and associate them with the early use of adapted wheelchairs. Method. Ten 5- to 13-year-old children with quadriplegic CP and with spastic, mixed, or athetoid tonicity, who used wheelchair, have been analyzed. The study was carried out in the physiotherapy clinic of Uninove with a questionnaire sent to the parents of the children about the existing adaptations in the chair, time of use, the orthesis used, the deformities found and resources applied to seat the children before adapting the chair. Results. Most of the children that began late using the chair, despite the main adaptations, displayed deformities. We also observed that such deformities are directly related to predominant spastic tonicity and the bad precocious positioning. Conclusion. We concluded that the use of adapted wheelchairs is essential to deformities prevention, mainly when associated with its early use. Keywords: Cerebral Palsy, Joint Deformities Acquired, Wheelchairs, Rehabilitation. Citation: Fernandes MV, Fernandes AO, Franco RC, Golin MO, Santos LA, Setter CM, Tosta JMB. Postural adjustment in wheelchairs deformities prevention in Cerebral Palsy. Trabalho realizado no Centro Universitário Nove de Julho. 1. Fisioterapeuta, Professor e supervisor de estágio do Centro Universitário Nove de Julho-UNINOVE. 2. Fisioterapeuta, Coordenador do curso de Fisioterapia do Centro Universitário Nove de Julho-UNINOVE. 3. Fisioterapeuta, Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo SP. Professoras e supervisoras de estágio do Centro Universitário Nove de Julho-UNINOVE. 4. Aluna do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Nove de Julho, São Paulo SP. Endereço para correspondência: Moisés Veloso Fernandes. Rua Profª Maria José Baroni Fernandes, 300. 02117-020 São Paulo, SP Fone: 6633-9301 / 9686-7229 Fax: 3667-5987 E-mail: moisesveloso@uninove.br Recebido em: 7/9/2007 Revisão: 8/9/2007 a 28/11/2007 Aceito em: 29/11/2007 Conflito de interesses: não 292

INTRODUÇÃO A Paralisia Cerebral (PC) é uma encefalopatia crônica não evolutiva, estacionária, com predominante distúrbio de motricidade e sensorial, resultante de uma lesão cerebral no início do desenvolvimento neuromaturacional 1-3. As causas etiológicas podem ser quaisquer condições que levem a uma anormalidade do Sistema Nervoso Central (SNC), como o desenvolvimento anormal do cerebelo, anóxia cerebral perinatal associada à prematuridade, lesões traumáticas do SNC, trabalho de parto prolongado ou uso de fórceps e infecções cerebrais na fase inicial do período pós-natal 2,4-7. O diagnóstico do quadro clínico da paralisia cerebral baseia-se nas classificações das qualidades topográfico-tônicas do paciente. A topografia mais comum é a tetraplegia, onde todo o corpo é afetado e, na maioria das vezes, resulta em uma assimetria de postura e movimento 5,6,8. Os padrões tônicos dessa topografia são divididos em: espasticidade, quando o músculo mostra uma resistência maior do que o esperado no movimento passivo. Tal resistência diminui rapidamente (fenômeno do canivete), caracterizando uma hipertonia, marcada pela presença de hiper-reflexia e sinais de liberação piramidal; extrapiramidal como: atetóides, que são os movimentos involuntários em extremidades, lentos e serpenteantes, coréicos, que estão presentes nas raízes dos membros e são muito rápidos, e distônicos, que são os movimentos atetóides mantidos com posturas fixas que se modificam após algum tempo, associados a movimentos torcionais; atáxico, com incoordenação de movimentos pelo fato de ter origem cerebelar. As formas mistas geralmente se apresentam pela combinação de movimentos distônicos e coreo-atetóides 1,2,5,6,9,10. Dentre as deformidades relacionadas ao tronco de pacientes espásticos, são observadas as escolioses neuropáticas graves, com freqüência em região tóracolombar, de início precoce com rápida progressão 10,11. A obliqüidade pélvica associada às curvas neuropáticas impede que a pelve mantenha sua horizontalidade na posição sentada e a associação com a rotação pélvica pode ser causada por contratura dos músculos que se fixam acima e abaixo da pelve 11. Em relação aos membros superiores, observa-se outra freqüente deformidade estática, que é a adução do polegar. Já as deformidades dinâmicas são as que mostram a flexão e o desvio ulnar do punho. O tônus aumentado da musculatura adutora e do primeiro interósseo dorsal gera a deformidade do polegar. Esse posicionamento leva à luxação da articulação metacarpofalangeana, dificultando a correção da deformidade 2,10,12. As deformidades de quadril também são bastante comuns, sendo que a luxação coxofemoral é uma das principais, ocorrendo por uma limitação da abdução passiva e ativa 9,10,12-14. A deformidade em varismo dos pés é conseqüência da espasticidade do tibial posterior. Já o valgismo está freqüentemente associado à espasticidade dos fibulares e ao eqüinismo do pé, seguindo-se outras como o hallux valgus e os artelhos em garras 2,15. Além do tratamento da PC baseado nos principais métodos de reeducação neurológica, pode-se citar o posicionamento da criança em um mobiliário, como a cadeira de rodas, que é uma órtese móvel utilizada para propiciar sustentação, retificar, corrigir e/ou prevenir uma deformidade 9,16. O exame físico do paciente que fará uso da cadeira de rodas deve incluir a avaliação ortopédica dos membros inferiores, a fim de identificar encurtamentos e deformidades e adaptar a criança de maneira adequada ao sistema encosto/assento. Alguns testes podem ser realizados, como o Thomas para encurtamento de iliopsoas, o Ângulo Poplíteo para isquiostibiais, ou o Elly Ducan para reto femoral 13,17,18. O sistema de sustentação é composto de assento e de quaisquer componentes adicionais, como suportes para tronco, cintas para adutores, abdutores e colo, necessários para a manutenção do alinhamento postural. Nesse caso, o contato total entre a superfície inferior da coxa e a superfície do assento favorecerá a habilidade de sentar-se ao propiciar uma base estável de sustentação. Em pacientes com alterações neuromusculares, o assento pode necessitar de uma sela abdutora para a manutenção do alinhamento dos membros inferiores. Quanto mais firme for a superfície de assento, maior será a simetria proporcionada ao paciente 10,11. Pacientes que possuem um bom controle de tronco necessitam de uma superfície de encosto até o meio da escápula. No caso da paralisia cerebral, os encostos devem ser altos, com apoio para a cabeça. Pode ser utilizado um cinto de segurança para a proteção do paciente e para auxiliar no controle postural. Os descansos para os braços com altura ajustável são importantes também para o posicionamento de uma prancha para colo, que é outro dispositivo que auxilia na obtenção de um posicionamento simétrico dos membros superiores e no controle postural. O tipo e a posição do apoio para os pés são importantes considerações na avaliação para a prescrição da cadeira. É necessário que se 293

obtenha uma postura vertical, com quadris e joelhos em flexão de 90º, neutralizando a pelve 18-20. O objetivo deste estudo foi avaliar as deformidades existentes em crianças portadoras de Paralisia Cerebral tetraplégica e associá-las com o tratamento preventivo através de orientações de adequações posturais nas cadeiras de rodas recebidas. MÉTODO Este trabalho foi realizado com 10 crianças portadoras de Paralisia Cerebral com idades entre 5 e 13 anos, de ambos os sexos, sendo crianças tetraplégicas espásticas, atetóides ou mistas, que fazem uso de cadeira de rodas. O estudo foi realizado na Clínica de Fisioterapia da Uninove, no ambulatório de neuropediatria, durante o mês de agosto do ano letivo de 2006. Os critérios de exclusão foram crianças diplégicas e/ou hemiplégicas e crianças que não apresentaram a idade solicitada para inclusão na pesquisa. A pesquisa teve sua aprovação pelo Comitê de Ética do Centro Universitário Nove de Julho em março de 2006 e os pais e/ou cuidadores assinaram o termo de consentimento para participação na pesquisa. As crianças foram avaliadas através de um questionário (anexo 1) sobre início do uso da cadeira de rodas, tipos de adaptações utilizadas, recursos utilizados para sentar a criança antes da cadeira e deformidades apresentadas. As deformidades foram relacionadas com as possíveis causas como o uso tardio da cadeira, a falta de adaptações e o mau posicionamento. original RESULTADOS A grande maioria dos pacientes (80%) iniciou o uso da cadeira de rodas entre 5 e 7 anos (figura 1), seguido de 20% que iniciaram entre 8 e 10, e entre 11 e 13. Nenhuma criança iniciou o uso da cadeira de rodas acima dos 13 anos. A figura também demonstra a distribuição quanto à classificação tônica dos pacientes, que foi de 40% tanto para os espásticos quanto para os mistos, e de 20 % para os pacientes atetóides. Essa relação demonstra que 80% dos pacientes avaliados apresentavam, de alguma maneira, certo grau de espasticidade, seja ela característica principal ou um componente tônico. Quanto ao tipo de adaptação utilizada em cadeira de rodas, o apoio para tronco e a faixa estabilizadora de tronco foram os mais utilizados (figura 2). Todos os pacientes (100%) apresentaram essas adaptações, seguidas do assento anatômico e do apoio para os pés (90% cada). Encosto cervical e apoio para os braços foram relatados em 80% dos casos, e, por último, o cavalo de abdução, que era utilizado por 50% dos pacientes. Os resultados demonstraram que os recursos mais utilizados para sentar as crianças antes da cadeira de rodas foram os carrinhos de bebê e o próprio colo dos pais e/ou cuidadores, sendo 30% para cada um, seguidos de cadeira comum e bebê conforto, com 20% para cada. Observa-se que 70% dos pacientes apresentavam a cifose como principal deformidade encontrada em tronco (figura 3), seguida da escoliose funcional com convexidade torácica (40% cada uma) e da escoliose estrutural com convexidade lombar (10% cada uma). Em relação às deformidades dos membros, 80% dos pacientes apresentavam a deformidade dos pés em eqüino varo, 70% apresentavam deformidade de punho em flexão, 20% apresentavam luxação da articulação do quadril e 10% apresentavam pé em eqüino valgo e luxação da primeira articulação metacarpofalangeana. DISCUSSÃO Este estudo demonstra algumas relações que estão de acordo com as demais literaturas, principalmente no que diz respeito às deformidades relacionadas ao tônus espástico, mau posicionamento, uso tardio da cadeira de rodas adaptadas e, provavelmente, ao fato de a cadeira não apresentar um bom resultado se não relacionada ao uso de alguma órtese de posicionamento e início precoce 2,9. 100 80 60 Mobiliário ou recurso anterior à cadeira de rodas 5 a 7 8 a 10 11 a 13 > 13 Espástico Atetóide Misto Idade (anos) Tipo de tônus 40 20 0 Cadeira comum Carrinho de bebê Bebê conforto Encosto cervical Colo Apoios de tronco Assento anatômico Apoio de pés regulável Cavalo de abdução Apoio para braços Faixa para tronco Adaptações/cadeira de rodas Figura 1. Distribuição em percentual dos pacientes por faixa etária de acordo com o início do uso da cadeira de rodas e pelo tipo de classificação tônica. Figura 2. Distribuição quanto ao tipo de mobiliário mais utilizado para sentar os pacientes antes da cadeira de rodas e os tipos de adaptações utilizados posteriormente na mesma. 294

100 80 60 40 20 0 Escoliose estrutural Cifose Escoliose não estruturada Convexidade lombar Convexidade torácica Luxação quadril Pé eqüinovaro Pé eqüinovalgo Punho em flexão Luxação polegar Deformidades/Tronco Deformidades/Membros Figura 2. Distribuição de acordo com as deformidades encontradas em tronco e nos membros dos pacientes. As deformidades relacionadas ao tronco de pacientes tetraparéticos espásticos são observadas com freqüência e têm início precoce com rápida progressão. Neste estudo, observa-se essa importante relação, pois 80% dos pacientes iniciaram o posicionamento em uma cadeira de rodas adaptada entre 5 e 7 anos de idade, o que não impediu, mesmo com as adaptações do encosto da cadeira (100% dos pacientes fazendo uso do apoio de tronco adaptado e faixa estabilizadora), o surgimento de cifoses (70%) e de escolioses funcionais (40%). Outro fator que pode ter desencadeado o surgimento das deformidades foi o mau posicionamento precoce dos pacientes, através de recursos como o colo ou carrinho de bebê, por exemplo, favorecendo o aparecimento das deformidades encontradas tardiamente 11. No presente estudo, verificou-se que 80% dos pacientes avaliados apresentavam algum grau de espasticidade, sendo que 40% possuíam hipertonia como tônus predominante e, em 40% desses, a hipertonia aparecia como componente tônico. Além do posicionamento, a qualidade tônica pode ter sido um fator predisponente para o surgimento dessas deformidades. Estudos relatam que, no caso da PC, os encostos altos com apoio cervical e os suportes para o tronco com uso de um cinto servem para a manutenção de um melhor alinhamento de tronco, auxiliando um posicionamento mais simétrico com melhor controle postural e prevenindo algumas deformidades de tronco que podem aparecer 20. Um ponto positivo observado foi que as adaptações em cadeira de rodas, como o encosto cervical e o apoio para o tronco, demonstram um aspecto preventivo em relação às escolioses estruturadas, indicando um baixo índice para esse tipo de deformidade (10%). As deformidades de quadril como a luxação, são muito comuns em pacientes com PC, devido à limitação da abdução passiva e ativa do quadril. A indicação do assento anatômico promove um maior contato entre a superfície inferior da coxa e o assento, favorecendo uma base estável de apoio que, em conjunto com o cavalo de abdução, promove um maior alinhamento dos membros inferiores, prevenindo assim esse tipo de deformidade 2. Observa-se essa relação em nosso estudo, pois 90% dos pacientes utilizavam o assento anatômico e 50%, o cavalo de abdução, favorecendo a abdução e a rotação externas do quadril. Para alguns autores, a principal causa do varismo dos pés é conseqüência da espasticidade dos músculos tibial anterior e posterior 15. Verificou-se que o fato de 90% dos pacientes utilizarem o apoio regulável dos pés não foi suficiente para evitar a presença de deformidade em eqüino varo, mostrando que a importância da prevenção dessa deformidade está mais relacionada ao uso preventivo e específico de órteses de membros inferiores, a fim de manter a estabilidade do tornozelo em 90º. Anexo 1. Questionário Data: / / Nome: Sexo: Data de Nascimento: / / Diagnóstico: Acompanhante (entrevistado): Grau de parentesco: Idade: 1. Já fez uso de cadeira de rodas adaptadas? ( ) SIM ( ) NÃO 2. Se SIM, em que idade utilizou? ( ) 5 7 anos ( ) 8 10 anos ( ) 11 13 anos ( ) acima de 13 anos Obs: (se ainda utiliza, e se deixou de usar, há quanto tempo e porque): 3. Quais adaptações foram utilizadas? ( ) encosto cervical ( ) apoios para o tronco ( ) assento anatômico ( ) apoios reguláveis para os pés ( ) cavalo ( ) apoio para os braços com bandeja ( ) faixa em H para estabilizar o tronco 4. Se NÃO, qual foi o mobiliário utilizado para sentar a criança? Descrever: 5. Quais as principais deformidades apresentadas? ( ) cifose torácica ( ) escoliose funcional ( ) escoliose estrutural ( ) convexidade torácica ( ) convexidade lombar ( ) luxação de quadril ( ) pés eqüino-varos ( ) pés valgo-planos ( ) deformidade de punho em flexão ( ) luxação da 1ª metacarpo falengeana Pesquisador Responsável 295

A adução do polegar e a flexão com desvio ulnar do punho associadas ao aumento do tônus levam às principais deformidades encontradas em membros superiores dos pacientes portadores de PC 2. Em nosso estudo, o uso de descanso para os braços com altura ajustável auxilia na obtenção de um posicionamento simétrico dos membros superiores, porém observa-se que o apoio dos braços da cadeira de rodas não foi suficiente para evitar as deformidades flexoras de punho, presentes em 70% dos pacientes, sendo que esse recurso não conseguiu impedir, só com a simetria proximal dos membros, a hipertonia flexora dos membros superiores distalmente. CONCLUSÃO Neste estudo, verificou-se que o uso tardio da cadeira de rodas adaptadas, em crianças acima de 5 anos de idade, contribuiu para o surgimento de deformidades de tronco como cifoses e escolioses funcionais, prevenindo apenas o aparecimento das escolioses estruturadas através do posicionamento apropriado. Além disso, observou-se que as deformidades estão diretamente relacionadas ao quadro tônico espástico dos pacientes avaliados. O uso da cadeira de rodas adaptada sem associação à órteses de posicionamento não foi suficiente para prevenir as deformidades encontradas em membros superiores e inferiores. Portanto, o mau posicionamento precoce aumenta o risco para o surgimento de deformidades, principalmente de tronco, dos pacientes avaliados em questão. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Rosemberg S. Neuropediatria. São Paulo: Editora Sarvier, 1992, 330 p. 2. Souza AMC, Ferraretto I. Paralisia Cerebral: aspectos práticos. 2ª ed. São Paulo: Memnon Edições Científicas, 1998, 390 p. original 3. Paralisia Cerebral e aprendizagem: um estudo de caso inserido no ensino regular. Florianópolis: Tafner MA, Fischer J. (Atualização: 2000; citado em: dez/2005). Disponível em: <http://www.icpg.com.br>. 4. Durigon OFS, Sá CSC. Intervenção fisioterápica facilitatória em paciente com encefalopatia não progressiva crônica da infância. Rev Fisioter USP 1996;3(1/2):54-64. 5. Leite JMRS, Prado GF. Paralisia cerebral aspectos fisioterapêuticos e clínicos. Rev Neurocienc 2004;12(1):33-40. 6. Mancini MC, Alves ACM, Schaper C, Figueiredo EM, Sampaio RF, Zac C, et al. Gravidade da paralisia cerebral e desempenho funcional. Rev Bras Fisioter 2004;8(3):253-60. 7. Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação. Brasília, responsável não informado (atualização: não informada; citado em: dez/2005). Disponível em: <http://www.sarah.br/paginas/doencas/po/p_01_paralisia_cerebral.htm>. 8. Allegretti ALC, Mancini MC, Schwartzman JS. Estudo do desempenho funcional de crianças com paralisia cerebral diparética espástica utilizando o pediatric evaluation of disability inventory (PEDI). Tem Desenvol 2002;11(64):5-11. 9. Bobath B, Bobath K. Desenvolvimento motor nos diferentes tipos de paralisia cerebral. São Paulo: Editora Manole, 1989, 124 p. 10. Shepherd RB. Fisioterapia em pediatria. 3ª ed. São Paulo: Editora Santos, 1995, 421 p. 11. A escoliose na paralisia cerebral. São Paulo: Sanchez SDLG (atualização: mês/ano; citado em: nov/2005). Disponível em: <http://www. centrodesaopaulo.com.br/artigos_05.html>. 12. Volpon JB. Avaliação e princípios do tratamento ortopédico do paciente com seqüela de paralisia cerebral. Act Ortop Bras 1997;5(1):35-42. 13. Fucs PMMB, Svartman C, Assumpção RMC. Luxação anterior do quadril na paralisia cerebral. Rev Bras Ortop 2002;37(1/2):45-50. 14. Sathler M. Tratamento da contratura em extensão da articulação do quadril na paralisia cerebral. Rev Bras Ortop 1994;29(1/2):55-9. 15. Barros EMKP, Paula A. Tratamento do pé eqüino espástico na paralisia cerebral. Act Ortop Bras 1996;4(3):93-4. 16. Stokes M. Neurologia para fisioterapeutas. São Paulo: Editora Premier, 2000, 300 p. 17. Seating: adequação postural ao usuário de cadeira de rodas. São Paulo: Cerqueira A, Roseane E (atualizado em 2004, citado em: nov/2005). Disponível em: <http://www.fisionet.com.br/materias/imprimir.asp?cod=63>. 18. Almeida VR. Adequação postural na cadeira de rodas para portadores de deficiências físicas. In: Moura EW, Silva PAC (eds). Fisioterapia aspectos clínicos e práticos da reabilitação. São Paulo: Editora Artes Médicas Ltda, 2005, pp. 595-611. 19. Meana NV, Grandal A, Cifone J, Hümmel IE. Enfoque actual de las indicaciones y características técnicas de la silla de ruedas en pacientes con parálisis cerebral. Rev Prát Ped 2000;42(187):105-8. 20. O Sullivan SB, Schmitz TJ. Fisioterapia avaliação e tratamento. 2ª ed. São Paulo: Editora Manole, 1993, 1200 p. 296