A GESTÃO DE FÁBRICA PELOS TRABALHADORES: O CASO DA FÁBRICA OCUPADA FLASKÔ



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Transcrição:

A GESTÃO DE FÁBRICA PELOS TRABALHADORES: O CASO DA FÁBRICA OCUPADA FLASKÔ

XIV Encontro Nacional da ABET 2015 Campinas GT 6: Sindicalismo e outras formas de organização e luta dos trabalhadores A Gestão de Fábrica pelos Trabalhadores: o Caso da Fábrica Ocupada Flaskô Giovana Labigalini Martins

Resumo As crises no sistema capitalista de produção figuram-se como momentos em que se evidenciam as contradições em processo, sendo comun a falência de empresas, o que resulta muitas vezes na incorporação destas por grupos econômicos transnacionais ou, em menor escala, na gestão pelos trabalhadores. Diante da necessidade de se pensar formas de contestação da exploração vivenciada pela classe trabalhadora, o presente artigo analisa o processo de ocupação da fábrica de materiais plásticos Flaskô, localizada no município de Sumaré/SP, como forma concreta de organização e luta dos trabalhadores (as), ainda que dentro dos limites impostos pelo capital. O caso estudado mostra-se diferenciado dos demais, porque busca a estatização da fábrica, e não a constituição de uma cooperativa. Quanto aos procedimentos metodológicos, será utilizado o estudo de caso desta fábrica e a pesquisa bibliográfica. Palavras-chave Flaskô, movimento operário, estatização. Introdução Na atual sociedade dos meios de produção capitalista, há a separação dos trabalhadores dos meios de produção e subsistência, tendo em vista a dinâmica econômica e política regida pelo capital, processo iniciado com a acumulação originária 1. Nesse cenário, o trabalhador no modo de produção capitalista é alçado simultaneamente a mercadoria e, ao mesmo tempo, é proprietário de si mesmo, sendo que a venda desta específica mercadoria por seu proprietário, o trabalhador, lhe garante a satisfação de suas necessidades, a ascensão aos meios de subsistência por meio do valor que lhe foi pago na troca. Do outro lado, o comprador da mercadoria força de trabalho a adquire com a finalidade de que ela seja utilizada na produção de todas as outras mercadorias. E por meio da circulação destas mercadorias, cuja essência contém o mais-valor nelas cristalizado, é que se realiza a valorização do valor, do mais-valor (o lucro). Nesse jogo de força opostas, quais sejam, de um lado o capitalista, detentor dos meios de produção e subsistência e, de outro, os trabalhadores, possuidores de sua força de 1 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. 1ª Edição. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 689 e seguintes.

trabalho, os obreiros estão em extrema desvantagem dado a exploração incessante de seu trabalho, até seu esgotamento. Nesse contexto, a centralidade do trabalho é indiscutível, conforme aponta Ricardo Antunes 2, apesar da crise da sociedade do trabalho, pela sua precarização materializada na terceirização, no emprego temporário, desemprego estrutural, entre outras formas, o capital não pode eliminar o trabalho vivo do processo de criação de valores, ele deve [...] intensificar as formas de extração do sobretrabalho em tempo cada vez mais reduzido 3. Desse modo, com a mudança do paradigma produtivo do fordismo para uma concepção de trabalho flexível, sem a produção em massa - típica do fordismo - e com vistas ao mercado localizado 4, houve o aumento da interação do trabalho vivo com o trabalho morto (maquinário), mas não a sua eliminação. As condições de trabalho precarizado que enfrenta a classe trabalhadora na sociedade regida pelo capital, que por meio de seu funcionamento exerce total controle sobre a vida do trabalhador, são intensas práticas de exploração pela exigência cada vez maior da produtividade. Pode-se dizer que os efeitos de o trabalhador ser alijado dos meios de produção se demonstram devastadores, pois na contemporaneidade o capital busca aumentar o trabalho morto, isto é, do maquinário, em detrimento do trabalho vivo, exercido pelo trabalhador. Igualmente há a ampliação desmedida do trabalho precarizado, nas figuras dos terceirizados, subcontratados, e do banco de horas, com a intensificação da extração do sobretrabalho, o que não é senão a máxima utilização da força de trabalho do trabalhador. Nesse sentido, o trabalhador é a personificação do tempo de trabalho, isto porque inclusive o tempo de descanso é tempo do capital, pois o trabalhador reproduz as condições necessárias para que o capital continue a extrair suas forças físicas e espirituais. Nas palavras 2 O autor apresenta alguns trabalhos que defendem o fim da centralidade do trabalho, de modo a refutar tal afirmação Cf. ANTUNES, Ricardo Luís Coltro. O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2005. 3 ANTUNES, Ricardo Luís Coltro. O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2005.p.34 4 ANTUNES, Ricardo Luís Coltro. Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 2002. 8ª Edição. p.25

de Marx, o trabalhador não é desde que nasce até que morra, mais do que força de trabalho, todo tempo disponível é, por obra da natureza ou obra do direito, tempo de trabalho e pertence, como é lógico, ao capital para sua incrementação 5. Na contramão da atual situação da classe trabalhadora, surgiu o Movimento de Fábricas Ocupadas em 2002 e 2003, com muitas ocupações de fábrica em diversos estados brasileiros. Apesar da articulação em âmbito nacional, a maior parte ocorreu em curto espaço de tempo e, talvez por isso, tiveram menor visibilidade. Atualmente a Flaskô, situada no município de Sumaré, no interior do estado de São Paulo, é a única representante do Movimento de Fábricas Ocupadas no Brasil 6, que teve seu início com a ocupação das fábricas Cipla e Interfibra, localizadas na cidade de Joinville, estado de Santa Catarina. Análise A estrutura do trabalho no modelo de produção capitalista No capítulo IV d O Capital, Karl Marx elabora os conceitos do capital e da força de trabalho, nele o modelo de troca é apresentado teoricamente como intercâmbio entre mercadorias de igual valor, ao passo que em um segundo momento o dinheiro se transforma em finalidade e objeto de troca 7. Contudo, para que o processo de troca passe a ter sentido, é preciso da força de trabalho, mercadoria que tem a capacidade de produzir um valor maior do que ela própria possui. Conforme analisa Marx: 5 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. 1ª Edição. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 607. 6 Ressalta-se que o Movimento das Fábricas Ocupadas soube ser protagonista do contexto político da época de seu surgimento, com a crise do capitalismo internacional a qual foi responsável pela imposição de medidas de reestruturação produtiva e de austeridade fiscal, resultando no aumento do desemprego e de ataques aos direitos trabalhistas (...) e houve um ascenso das massas, com mobilizações sociais diárias em todo país. MANDL, Alexandre Tortorella. Uma década do movimento das Fábricas Ocupadas: Histórico, Balanços e Perspectivas. Revista do CEMOP, nº 4. CEMOP: Sumaré, outubro de 2012.p.24. 7 HARVEY, David. Para entender o capital, livro I. São Paulo: Boitempo, 2013.p.90.

O processo de trabalho revela dois fenômenos característicos. O trabalhador labora sob o controle do capitalista, a quem pertence seu trabalho. O capitalista cuida para que o trabalho seja realizado corretamente e que os meios de produção sejam utilizados de modo apropriado, a fim de que a matéria-prima não seja desperdiçada e o meio de trabalho seja conservado, isto é, destruído apenas na medida necessária à consecução do trabalho. Em segundo lugar, porém, o produto é propriedade do capitalista, não do produtor direito, do trabalhador. (...). Ao com prador da mercadoria [força de trabalho] pertence o uso da mercadoria, e o possuidor da força de trabalho [o trabalhador], ao ceder seu trabalho, cede, na verdade, apenas o valor de uso por ele vendido. A partir do momento em que ele entra na oficina do capitalista, o valor de uso da força de trabalho, portanto, seu uso, o trabalho, pertence ao capitalista. Mediante a compra da força de trabalho, o capitalista incorpora o próprio trabalho, como fermento vivo, aos elementos mortos [trabalho excedente aos meios de produção] que constituem o produto e lhe pertencem igualmente. De seu ponto de vista, o processo de trabalho não é mais do que o consumo da mercadoria [força de trabalho] por ele comprada, a força de trabalho, que, no entanto, ele só pode consumir desde que lhe acrescente os meios de produção. O processo de trabalho se realiza entre coisas que o capitalista comprou, entre coisas que lhe pertence [a mercadoria força de trabalho, o sujeito-trabalhador mercadoria de si mesmo, e as outras mercadorias e meios de produção empregados na produção em si] 8. Pelo significativo trecho acima transcrito, nota-se que a força de trabalho ou a capacidade de trabalho é o complexo das capacidades físicas e mentais que existem na corporeidade, na personalidade viva de um homem e que ele põe em movimento sempre que produz valores de uso [que servem a algum tipo de necessidade] 9. A força de trabalho só existe como atitude do ser vivente e sua produção pressupõe, portanto, a existência deste. E, partindo do pressuposto de existência do indivíduo, a produção da força de trabalho consiste na reprodução ou conservação daquele, porque o valor da força de trabalho é o valor dos meios de subsistência necessários à manutenção de seu possuidor 10. Para realizar o processo em que a força de trabalho passa a ser mercadoria, é preciso que seu possuidor o trabalhador, supostamente sujeito livre, disponha de sua capacidade de trabalho ao comprador. Estabelece-se, assim, uma relação entre pessoas juridicamente iguais, por um período específico transitório, a fim de que o possuidor da mercadoria força de 8 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. 1ª Edição. São Paulo: Boitempo, 2013.p.262 e 263. 9 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. 1ª Edição. São Paulo: Boitempo, 2013.p.242. 10 Ibidem, p.245.

trabalho, o trabalhador, não se torne mercadoria. Essa é a primeira condição para que o possuidor de dinheiro encontre no mercado a força de trabalho como mercadoria. A segunda condição consiste na inexistência de outros meios ao possuidor da força de trabalho a não ser oferecer à venda sua própria força de trabalho, que existe apenas em sua corporeidade viva 11. Isto porque, evidentemente, o possuidor da força de trabalho não possui os meios de produção, quais sejam, as matérias-primas, os instrumentos de trabalho, entre outros. Vale ressaltar que a suposta liberdade na venda da força de trabalho reside no fato de que a troca do patrão físico individual, bem como a ficção jurídica do contrato de trabalho mantém a aparência de personalidade livre. Entretanto, impõe-se ao trabalhador a venda de sua força de trabalho para alcançar os meios de subsistência e, portanto, a conclusão lógica é de que a sua vida não lhe pertence, mas sim ao capital. A escravidão do trabalhador moderno significa que embora não pertença juridicamente ao capitalista, seja um homem livre, a sua separação dos meios de produção e de vida o obrigam, para sua sobrevivência, a submissão da lógica despótica do capital. Diante de direitos iguais na liberdade do capital de comprar a força de trabalho e a liberdade do trabalhador em vendê-la, isto é, em termos jurídicos sujeitos de direito livres, há criação de corpos dóceis, para a reprodução do capital. Nesse ponto, há um processo de violência do capital sobre os trabalhadores, para vencer suas resistências e os disciplinarem à nova condição de trabalhadores livres. A mercadoria, a forma que todos os produtos do trabalho devem assumir uma vez produzidos, a forma elementar, da sociedade onde reina o modo de produção capitalista 12, a forma que possui em si mesma a especificidade deste específico modo de produção, não é nada sem seus guardiões, que se apresentam sob a forma social de sujeito de direito, possuidor de liberdade e de igualdade, que lhe confere o movimento pela troca mercantil. 11 Ibidem, p.243. 12 Marx, Karl. O capital, p. 157.

Para que as mercadorias possam ser trocadas, é necessário que todos os produtos do trabalho, que são diversos e atendem necessidades distintas, assuma uma forma social idêntica, a forma de mercadoria, que, então, apagando a diversidade concreta das coisas, torna-se qualitativamente equivalente, comparável uma nas outras, por meio da idêntica condição de que cristalizam o trabalho abstrato e de que despreza as diferenças qualitativas, e quantitativamente mensurável uma nas outros, em razão apenas da quantidade de trabalho abstrato que carrega, ou seja, a mercadoria passa a ser considerada em sua forma quantitativa, manifestam-se, portanto, uma nas outras, por seus valores de troca, não apresentando seus valores de uso, dada a qualidade idêntica de produto do trabalho abstrato. A partir da teorização de Marx, pode-se dizer que a força de trabalho é a mercadoria capaz de criar mais valor do que ela vale, e que como exclusão se converte substancialmente incluída no imerso arsenal de mercadorias estabelecidas no capital. Conforme afirma Marx, o trabalhador é a personificação do tempo de trabalho, isto porque inclusive o tempo de descanso é tempo do capital, pois o trabalhador reproduz as condições necessárias para que o capital continue a extrair suas forças físicas e espirituais. O obreiro não é desde que nasce até que morra, mais do que força de trabalho, todo tempo disponível é, por obra da natureza ou obra do direito, tempo de trabalho e pertence, como é lógico, ao capital para sua incrementação. A relação de venda da força de trabalho, que se dá com a venda por um valor de troca, como maneira de ascensão do trabalhador aos meios de subsistência, ao passo que quem a compra adquire para utilizar da mercadoria força de trabalho na produção de todas as outras mercadorias. Desse modo, o lucro advém da troca das mercadorias produzidas nesse âmbito, que possuem cristalizadas em si a mais-valia, e desse modo, predomina na sociedade o valor de troca ao invés do valor de uso, com uma fome incessante de trabalho excedente (lucro). Ou seja, na produção, a maneira pela qual o valor a mais (D ) [dinheiro] surge para o capitalista individual é a exploração da forca de trabalhado (M) [mercadoria força de trabalho] contratada, a massa global de todos os mais-valores corresponde, portanto, à dimensão social da produção. 13 13 AKAMINE JR, Oswaldo. O significado jurídico de crise, p. 91. In: Cadernos de pesquisa marxista do direito, v. 1, n.1. São Paulo: Outras expressões, 2011. p. 89-102.

De igual modo, o capital reduz a condição do trabalhador enquanto homem livre, e, dentro dessa lógica, o tempo de descanso entre uma jornada e outra serve apenas como pequeno lapso temporal não de reapropriação do trabalhador de sua existência, mas tão somente de tempo de reposição que o próprio capital reclama. O surgimento da fábrica ocupada Flaskô 14 O Movimento de Fábricas Ocupadas iniciou-se em 2002 e 2003, com muitas ocupações de fábrica em diversos estados brasileiros. Atualmente a Flaskô, localizada no município de Sumaré, no interior do estado de São Paulo, é a única representante do Movimento de Fábricas Ocupadas no Brasil, que teve seu início com a ocupação das fábricas Cipla e Interfibra, localizadas na cidade de Joinville, estado de Santa Catarina. Essas três fábricas faziam parte do mesmo grupo econômico 15 denominado CHB S.A holding corporativa subdividida em seis setoriais, sendo um o H.B Consumo S.A, na qual está inserida a Cipla e o H.B Industrial S.A, abrangendo Interfibra e Flaskô. A estrutura empresarial era composta de 39 (trinta e nove) empresas, as quais com a queda no faturamento optaram pela escolha mais simples: a demissão em massa de seus funcionários sob o argumento de contensão de despesas. Entretanto, a utilização de rígidos mecanismos de austeridade na contenção de gastos, tais como o fechamento de empresas, redução do quadro de funcionários, informatização do setor de vendas, mostrou-se insuficiente e para a manutenção de seus empregos, com resposta da classe trabalhador por meio de uma greve em maio de 2002, a qual foi fortemente repreendida, resultando em inúmeras demissões. E, em um segundo momento, em outubro de 2002, com a estruturação do movimento, houve novo movimento grevista, que culminou em uma greve de ocupação, com maior importância, pois: 14 A narrativa do movimento das fábricas ocupadas teve como base o artigo MANDL, Alexandre Tortorella. Uma década do movimento das Fábricas Ocupadas: Histórico, Balanços e Perspectivas. Revista do CEMOP, nº 4. CEMOP: Sumaré, outubro de 2012.p 19-35. 15 A definição legal de grupo econômico está no 2º, do artigo 2º, CLT, nesses termos: Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas. Cf. BRASIL, Consolidação das Leis do Trabalho (1943). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452compilado.htm1943

As greves de ocupação de fábricas, escapam aos limites do regime capitalista anormal. Independentemente das reinvindicações dos grevistas, a ocupação temporária da empresa golpeia no cerne a propriedade capitalista. Toda greve com ocupação coloca na prática a questão de saber quem é o dono da fábrica: o capitalista ou os operários 16. Diante de total descaso patronal, com o não pagamento de salários por três meses, a greve a partir desse momento passou a ter o intuito de manutenção do emprego. O primeiro passo feito pelos trabalhadores foi a análise dos livros contábeis e fiscais, para avaliar a situação real de cada empresa. A ideia é a de levantar o véu para mostrar À classe trabalhadora o funcionamento detalhado do sistema capitalista como um passo em direção a sua eliminação 17. Em momento posterior, coube ao controle operário evidenciar a exploração, o lucro exacerbado e os acordos do sistema e também um aprofundamento do movimento sobre as experiências do controle operário. Ressalta-se que o Movimento das Fábricas Ocupadas soube ser protagonista do contexto político da época de seu surgimento, com a crise do capitalismo internacional a qual foi responsável pela imposição de medidas de reestruturação produtiva e de austeridade fiscal, resultando no aumento do desemprego e de ataques aos direitos trabalhistas (...) e houve um ascenso das massas, com mobilizações sociais diárias em todo país 18. A resistência dos trabalhadores foi tão grande que persistiram e lutaram por seus postos de trabalho a partir do abandono dos donos das fábricas, os quais deixaram a Flaskô com inúmeras dívidas perante o poder público. Ao tomar a fábrica, os trabalhadores se organizaram de forma que atualmente parte do ativo é direcionada ao pagamento dos débitos ainda da era patronal. 16 TROTSKY, Leon apud MANDL, Alexandre Tortorella. Uma década do movimento das Fábricas Ocupadas: Histórico, Balanços e Perspectivas. Revista do CEMOP, nº 4. CEMOP: Sumaré, outubro de 2012.p.21. 17 MANDL, Alexandre Tortorella. Uma década do movimento das Fábricas Ocupadas: Histórico, Balanços e Perspectivas. Revista do CEMOP, nº 4. CEMOP: Sumaré, outubro de 2012.p.22 18 Ibidem, p.24

Apesar do início incerto, inerente a qualquer começo, a coesão entre os trabalhadores foi determinante para o sucesso do movimento, que este ano completou 12 (doze) anos, de modo que a unidade entre os operários da fábrica é determinante para que a Flaskô continue existindo. Nesse sentido, há um consenso entre os trabalhadores de que a solução para o impasse da Flaskô atualmente com altas dívidas, herança da época em que a fábrica era gerida patrões, é que fábrica quebrada é fábrica ocupada, e fábrica ocupada deve ser estatizada. Esse posicionamento passa pela construção e acúmulo teórico de que com a criação de uma cooperativa os trabalhadores assumem todo e qualquer passivo da empresa e que os trabalhadores passam a ser sócio-proprietários de uma nova empresa onde os explorados são eles próprios 19, ao passo que não há vínculos trabalhistas e direitos previstos. A rejeição da instituição de uma cooperativa enquanto forma de gestão da Flaskô insere-se como uma das diferenças determinantes quanto à institucionalização da fábrica e igualmente tem consequências na sua relação com o Estado. Isso porque o discurso majoritário é no sentido de que o controle da produção pelos trabalhadores somente pode ser mantido por meio da manutenção da cooperativa, a qual é meio legalmente aceito de administrar a empresa e ao mesmo tempo receber incentivos fiscais, bem como impedir represálias sobre seu funcionamento. Nesse ponto, foi lançada em 31 de janeiro de 2015 a Campanha pela Adjudicação da Flaskô pela qual se pretende a adjudicação transferência dos bens móveis e imóveis ao empregador para o credor das dívidas, a Fazenda Nacional - tendo sido criado pelo Governo Federal um Grupo de Trabalho para analisar a possibilidade da adjudicação. No fim, o que se almeja é a estatização da fábrica, com a manutenção da gestão e posse sob o controle do coletivo de trabalhadores da Flaskô. 19 GOULART, Serge. Fábrica quebrada é fábrica ocupada, fábrica ocupada é fábrica estatizada: a luta dos trabalhadores da Cipla e Interfibra para salvar 1000 empregos (livro reportagem),2004 apud MANDL, Alexandre Tortorella. Uma década do movimento das Fábricas Ocupadas: Histórico, Balanços e Perspectivas. Revista do CEMOP, nº 4. CEMOP: Sumaré, outubro de 2012.p 23.

Flaskô: símbolo de resistência da classe trabalhadora A fábrica ocupada Flaskô, a única que não tombou do Movimento de Fábricas Ocupadas, representa hoje verdadeiro enfrentamento ao modelo de produção capitalista. Sua resistência que alcançou esse ano doze anos, aproxima os aliados da classe trabalhadora e incomoda os donos do capital. As conquistas ao longo desses anos de batalha são para além dos contornos da fábrica, e dos trabalhadores que ali laboram. Em uma análise primeiramente atenta aos trabalhadores da Flaskô 20, quatro segmentos podem ser trazidos. O primeiro trata da consciência dos trabalhadores enquanto classe, expressada através da realização de greve, posteriormente a greve de ocupação, esta a culminar no início da produção pelos próprios trabalhadores. Esse ponto vai de encontro a lógica individualista que permeia a sociedade e que dificulta hoje as atividades dos sindicatos. Naquele momento histórico os trabalhadores se uniram para enfrentar o capital. O segundo aspecto da tomada dos meios de produção pelos trabalhadores é: a nova concepção de relações de trabalho, sob a lógica do bem-estar coletivo em detrimento da lógica convencional do capital, de buscar maiores lucros e produtividade explorando cada vez mais a força de trabalho. Nos casos das fábricas do Movimento de Fábricas Ocupadas, pelo contrário, realizou-se um novo ritmo diferenciado, sem chefe com chicote na mão, mas sim com a organização da produção submetida às decisões das assembleias e do Conselho de Fábrica, organizada pelos líderes de turno, que possuem funções organizativas. Tudo isso fez com que houvesse uma brutal redução do número de acidentes de trabalho, um clima de solidariedade e companheirismo entre os trabalhadores, que resultou, inclusive num aumento de produtividade 21. Pelo trecho acima transcrito, fica evidente o clima de bem-estar dentro da fábrica e de coesão entre os trabalhadores, propiciado fato de não haver a figura do patrão, capaz de extrair toda a sua força de trabalho para alcançar o trabalho abstrato. 20 Aqui se empresta a análise feita por Alexandre Tortorella Mandl. Cf. MANDL, Alexandre Tortorella. Uma década do movimento das Fábricas Ocupadas: Histórico, Balanços e Perspectivas. Revista do CEMOP, nº 4. CEMOP: Sumaré, outubro de 2012.p.26. 21 Idem.

A terceira feição foi a importante conquista de redução de jornada, sem a redução de salário. Hoje os trabalhadores da Flaskô desempenham uma jornada semanal de 30 (trinta) horas, sendo que o primeiro passo desse processo foi a redução, na primeira assembleia de 44 (quarenta e quatro) horas semanais da época do controle patronal, para 40 (quarenta) horas. Com a atual jornada de 6 (seis) horas diárias, houve o aumento da produtividade e do faturamento. Apesar da redução de jornada sem a diminuição salarial ser uma luta histórica da classe trabalhadora, sempre há muitos entraves próprios do capital que deseja usurpar ao máximo do trabalhador e de sua vida. Tal medida é extremamente importante para o trabalhador, pois propicia maior tempo para ele cuidar do seu próprio universo de interesses. O quarto e último desdobramento seria a aproximação dos trabalhadores do processo produtivo, com a discussão sobre o ruma da empresa, direitos trabalhistas. Com relações as conquistas para além da fábrica, destaca-se a Vila Operária e Popular, ocupação no entorno da área 22 da fábrica em 12 de fevereiro de 2005, que surgiu da articulação do Movimento de Fábrica Ocupada com as associações de moradia de Sumaré São Paulo. Atualmente são 564 famílias que lutam, aliadas com a Flaskô, por condições dignas de moradia. Importante relação com a comunidade externa é feita também pelo projeto da Fábrica de Cultura e Esportes, com a ocupação dos espaços da fábrica pela sociedade. Foram mais de 400 atividades culturais e sociais, além de dezenas de atividades esportivas realizadas nos galpões abandonados da Flaskô 23. Essa iniciativa proporcionou a vivência de atividades culturais nunca antes experimentadas. Nesse contexto, esse ano será realizado o 6º Festival Flaskô Fábrica de Cultura. Por toda a estrutura que se assenta a fábrica ocupada Flaskô, pela aproximação dos trabalhadores aos meios de produção capitalista, conferindo a eles conquistas sociais, como a redução de jornada sem a diminuição do salário, maior consciência de classe e de luta, 22 A Flaskô ocupa ¼ da área total da fábrica, a qual está instalada em uma propriedade de 140 mil metros quadrados. Cf. MANDL, Alexandre Tortorella. Uma década do movimento das Fábricas Ocupadas: Histórico, Balanços e Perspectivas. Revista do CEMOP, nº 4. CEMOP: Sumaré, outubro de 2012. p. 26. 23 Ibidem, p.27.

articulação com outros movimentos e abertura para cultura, demonstra que a experiência nesses 12 (doze) anos de intensa luta é inegavelmente bem sucedida, por isso incomoda tanto o capital. Logo, a necessidade urge para o enfrentamento do modelo capitalista de produção também pela disseminação da ocupação de fábrica. Considerações Finais O processo do capital em sua fase inicial, denominada, por Marx, de acumulação primitiva ou acumulação originária é basicamente a separação do trabalhador direito dos meios de produção, ou seja, o produtor direto é expulso do ambiente em que vive e produz e é transformado em operário livre, despojado, por consequência, dos meios de sua subsistência, o que implica no surgimento de uma nova circulação mercantil, a circulação da mercadoria força de trabalho, a qual não se realiza sem a indispensável liberdade e igualdade para a efetivação deste processo e as quais serão interiorizadas. Desse modo, trata-se de constituir, no trabalhador uma tendência natural e espontânea a se submeter-se a disciplina da fábrica 24. Como forma de contestação das estruturas de produção capitalista, vislumbra-se o Movimento de Fábricas Ocupadas, especialmente o caso da fábrica ocupada Flaskô, experiência de organização e luta da classe trabalhadora pela qual se evidenciam a consciência de classe e a coesão entre os trabalhadores, que passaram a gerir a fábrica como forma de manutenção dos postos de emprego. Desse modo, tomando a Flaskô como paradigma que humaniza o trabalho desempenhado, porque não aliena ao contrário, considera o trabalhador em sua integralidade vislumbra-se o desafio de recuperar, em bases totalmente novas, a unidade inseparável entre o caracol e sua concha, eis o desafio mais candente da sociedade moderna 25. 24 MELLOSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Cárcere e Fábrica, p. 52. 25 ANTUNES, Ricardo Luís Coltro. O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2005.135

Referências AKAMINE JR, Oswaldo. O significado jurídico de crise. In: Cadernos de pesquisa marxista do direito, v. 1, n.1. São Paulo: Outras expressões, 2011. p. 89-102. ANTUNES, Ricardo Luís Coltro. O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2005.135 p. BRASIL, Consolidação das Leis do Trabalho (1943). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452compilado.htm1943. Acesso em 14/08/2014, 18:04. GOULART, Serge. Fábrica quebrada é fábrica ocupada, fábrica ocupada é fábrica estatizada: a luta dos trabalhadores da Cipla e Interfibra para salvar 1000 empregos (livro reportagem), 2004 apud MANDL, Alexandre Tortorella. Uma década do movimento das Fábricas Ocupadas: Histórico, Balanços e Perspectivas. Revista do CEMOP, nº 4. CEMOP: Sumaré, outubro de 2012.p 23. HARVEY, David. Para entender o capital, livro I. São Paulo: Boitempo, 2013. 335 p. MANDL, Alexandre Tortorella. Uma década do movimento das Fábricas Ocupadas: Histórico, Balanços e Perspectivas. Revista do CEMOP, nº 4. CEMOP: Sumaré, outubro de 2012.p 19-35. MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. 1ª Edição. São Paulo: Boitempo, 2013.894 p. MELLOSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Cárcere e Fábrica as origens do sistema penitenciário (séculos XVI e XIX). 2. Ed. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2006 (Pensamento Criminológico; v. 11). PAVARINI, Massimo. Cárcere e Fábrica, p. 52.