INTERVENÇÃO FISIOTERAPÊUTICA EM UMA CRIANÇA COM ATRASO NO DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR VÍTIMA DE NEGLIGÊNCIA FAMILIAR RELATO DE CASO 1



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INTERVENÇÃO FISIOTERAPÊUTICA EM UMA CRIANÇA COM ATRASO NO DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR VÍTIMA DE NEGLIGÊNCIA FAMILIAR RELATO DE CASO 1 Resumo Mayra Aparecida Côrtes 2 Camila Tavolucci 3 Flávio César Vieira Valentim 4 Andreza Martinez Pozza 5 A violência doméstica, dentre elas a negligência familiar, muitas vezes apresenta-se de forma silenciosa, acarretando tanto implicações físicas quanto psíquicas para o lactente. No Brasil não existem muitos estudos a respeito de tratamentos intervencionistas para o arrefecimento de seqüelas decorrentes deste mal. Nosso objetivo é informar sobre o tratamento fisioterapêutico precoce em lactentes com seqüelas físicas, advindas deste tipo de violência intrafamiliar. Os autores relatam o caso de um lactente de nove meses de idade, gênero masculino, que apresentou atraso no desenvolvimento neuropsicomotor em conseqüência a negligência familiar e que foi submetido a tratamento fisioterapêutico durante três meses. Neste período foram estimuladas todas as fases subsequentes da escala neuroevolutiva obtendo êxito no tratamento proposto. Descritores: Negligência familiar, intervenção fisioterapêutica, maus tratos, atraso no desenvolvimento motor. Abstract The domestic violence, amongst them the familiar recklessness, many times is presented of quiet form, causing as many implications psychic how much physical for the suckle. In Brazil not exist many studies regarding interventionist treatments do to brighten up it the decurrently sequels of this badly. Our objective is to inform on the physical therapy precocious treatment in suckles with physical sequels, happened of this type of intrafamiliar violence. The authors tell the case of a suckle of nine months of age, masculine sort, that presented delay in the neuropsicomotor development in consequence the familiar recklessness and that the physical therapy treatment during three months was submit. In this period the subsequentes phases of the neuroevolutiva scale had been stimulated all getting success in the considered treatment. Describers: Familiar recklessness, physical therapy intervention, maltreatment, delay in the motor development. Introdução Os maus tratos contra crianças são freqüentes em todo o mundo, sendo reconhecida sua importância como grave problema de saúde pública. Dentre as formas de violência contra as crianças, o abandono é visto como a forma mais branda de mau trato, porém compreende uma grande variedade de omissões em relação aos cuidados com a criança que acabam por refletir no desenvolvimento motor normal. 1 Este artigo faz parte de nossa graduação em Fisioterapia pelo Centro Universitário do Cerrado de Patrocínio (UNICERP MG). 2 Fisioterapeuta, pós-graduada em Gestão em Saúde Pública pelo UNICERP. E-mail: mayra.fisio@yahoo.com.br 3 Fisioterapeuta, graduada em Fisioterapia pelo UNICERP. E-mail: camilatavolucci@hotmail.com 4 Fisioterapeuta, pós-graduado em Fisioterapia Traumato-Ortopédica pela Universidade de Brasília (UnB DF) e Mestre em Promoção de Saúde pela Universidade de Franca (UNIFRAN SP), E-mail: valentimfisio@yahoo.com.br 5 Fisioterapeuta, pós-graduada em Fisioterapia Hospitalar pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP SP). E-mail: drepozza@hotmail.com

Haja vista que o desenvolvimento motor depende da maturação do sistema nervoso, do comportamento e do ambiente, uma vez que a negligência familiar poderá levar a um atraso no desenvolvimento do lactente nosso objetivo é relatar o caso de uma criança com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor vítima de negligência familiar enfocando a intervenção fisioterapêutica para assegurar que o processo de desenvolvimento seja o mais próximo possível da normalidade. Desenvolvimento Infantil e Maus Tratos Analisando o conceito de desenvolvimento infantil sob uma óptica mais ampla, este pode ser definido como um processo que se inicia desde a vida intra-uterina e envolve vários aspectos, como o crescimento físico, a maturação neurológica e a construção de habilidades relacionadas ao comportamento cognitivo, social e afetivo da criança (FIGUEIRAS, RESEGUE & MIRANDA, 2003). Para Cesca (2004), o primeiro ano de vida da criança é caracterizado por grandes mudanças. A palavra desenvolvimento, quando aplicado à evolução da criança, significa constante observação no crescimento das estruturas somáticas e aumento das possibilidades individuais de agir sobre o ambiente. O ambiente em que o lactente vive pode oferecer diferentes formatos ou moldar aspectos do seu comportamento motor. O ambiente positivo age como facilitador do desenvolvimento normal, pois possibilita a exploração e interação com o meio externo. Entretanto, um ambiente antagônico, lentifica este ritmo de desenvolvimento e restringe as possibilidades de aprendizado da criança. Particularmente, neste mesmo período, observa-se óbvia seqüência progressiva, no que se refere à aquisição das habilidades motoras. O lactente vai aumentando seu repertório de atos motores; os movimentos tornam-se mais eficientes adequando-se de maneira mais eficaz às intenções da criança (SHEPHERD, 1999). A relação afetiva em torno da criança, o ambiente familiar e a capacidade da mãe de interagir com seu filho têm efeitos significativos sobre o seu desenvolvimento psicomotor. É necessário um nível mínimo de estímulo para mostrar a criança todo seu potencial para explorar o ambiente em que se vive, por conseguinte, melhorar suas habilidades motoras e intelectuais (BARROS et. al, 2003). O desenvolvimento da criança é resultante da interação entre suas capacidades potenciais e a influência do espaço em que se encontra. Uma carência de estimulações

sensoriais, afetivas e sociais tem como conseqüência um atraso do desenvolvimento global do lactente (COELHO; IEMMA & HERRERA, 2008). Existem, porém determinados fatores de risco que interferem em um desenvolvimento normal. Estes se definem como uma série de condições biológicas ou ambientais. (FIGUEIRAS, RESEGUE & MIRANDA, 2003). Alguns destes fatores como o estado psicológico da mãe e relações sociais com o lactente, podem atuar como influência desfavorável para o desenvolvimento motor normal. Entre estes fatores podemos citar ainda as características sociais e econômicas da família, o estímulo ambiental, a relação dos pais, incluindo o grau de suas participações relativas à rotina do lactente, seus níveis culturais, acesso a atividades de lazer e quociente de inteligência. A literatura demonstra que a ocorrência de tais fatores de risco é visto raramente de forma isolada, quando deficiências sobre desenvolvimento são percebidas (BARROS et. al, 2003). Pode-se pensar na violência intrafamiliar como toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de outro membro da família. Pode ser cometida dentro ou fora de casa por algum membro da família, incluindo pessoas que passam a assumir função parental, ainda que sem laços de consangüinidade, e em relação de poder à outra. Portanto, quando se fala de violência intrafamiliar deve-se considerar qualquer tipo de relação de abuso praticado no contexto privado da família contra qualquer um de seus membros. Deve-se ainda ressaltar que o conceito de violência intrafamiliar não se refere apenas ao espaço físico onde a violência ocorre, mas também às relações em que se constrói e efetua (GUARDIOLA, EGEWARTH, ROTTA, 2001). A identificação precoce das alterações no desenvolvimento da criança e os indicadores de risco, sejam eles orgânicos e/ou ambientais, possibilita uma intervenção oportuna e, de acordo com a Política Nacional de Prevenção de Deficiências, instituída no Brasil em 1992, deve se encontrar o momento ideal para a intervenção; na legislação, prevenir implica em realizar ações que impeçam a ocorrência de fatos ou fenômenos prejudiciais à vida, à saúde e, caso ocorram, evitar a progressão de seus efeitos. Assim, quanto mais ações preventivas, menores as alterações no desenvolvimento natural, e as chances de risco biopsicossocial para a criança (FORMIGA et. al., 2004). Intervenção fisioterapêutica A maioria dos programas de intervenção fisioterapêutica precoce tem por objetivo assegurar que o processo de desenvolvimento, as experiências e os relacionamentos sejam os

mais próximos possíveis das condições compatíveis com os princípios do desenvolvimento infantil normal. A intervenção fisioterapêutica precoce visa ainda promover o crescimento social, emocional, intelectual e físico da criança que apresenta problemas em relação ao desenvolvimento, a fim de aproveitar ao máximo seu potencial para aprender, assim como prevenir a instalação de deficiências secundárias na criança pequena que apresenta problemas de desenvolvimento e dar apoio às famílias destas de modo que elas se tornem capazes de atender as suas necessidades da melhor maneira possível (BURNS E MACDONALD, 1999). Apresentação do caso clínico A pesquisa bibliográfica deste estudo foi fundamentada em livros nacionais, e em bancos de dados da área da saúde na internet. Foram utilizadas as seguintes fontes: Scielo, Bireme e o Jornal de Pediatria. O lactente, alvo do presente estudo, é do gênero masculino, apresentando nove meses de idade quando compareceu pela primeira vez à Fisioterapia. Foi assinado o termo de consentimento livre e esclarecido pela mãe autorizando o relato do caso. Segundo relatos da mãe adotiva da criança, devido ao seu interesse pela adoção, em Outubro de 2004 deparou - se com uma criança de seis meses de idade a qual encontrava - se em um estado de isolamento, apático e não tendo controle sobre o seu corpo. Ao questionar sobre a criança, descobriu que a avó materna foi quem a deixou naquela instituição. A mãe adotiva do lactente nos relatou que a avó da criança em questão, apresentou muitas queixas com relação à mãe biológica do mesmo, como privação de estímulos necessários ao desenvolvimento da criança e negligência (ausência da mãe biológica por várias horas, alimentação restrita, falta de estímulos, ausência de cuidados maternos, entre outros). Alegou ainda que sua filha de dezesseis anos de idade, não se encontrava em condições de criá-lo, já que era dependente química e não apresentava nenhum contato com o pai da criança. O lactente apresentava ainda internações recorrentes por problemas respiratórios. Em Dezembro de 2004, os pais adotivos compareceram ao fórum onde foi dado início o processo de adoção. Após este fato a criança foi levada ao médico diagnosticando anemia profunda, desnutrição e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. O mesmo foi encaminhado à fisioterapia após melhora no quadro de desnutrição. Os dados da gestação não foram possíveis de serem colhidos por se tratar de um caso de adoção. No dia quinze de dezembro de 2004, a mãe adotiva desta criança buscou por atendimento fisioterapêutico. Em um primeiro momento, foi realizada a anamnese deste

lactente, onde observamos durante a inspeção: criança apática, não apresentando interesse pelo meio externo, perímetro cefálico dentro das normalidades, controle cervical incompleto com ausência de controle de tronco. Apresenta padrão flexor em membros superiores, inferiores e quadril com diminuição generalizada do trofismo. Ao exame funcional: assimetria corporal, controle cervical incompleto, ausência de controle de tronco, reações de equilíbrios ausentes; não apresentando as fases subsequentes da escala neuroevolutiva. Reflexos patológicos ausentes. Percepções táteis, visual, auditiva diminuídas; cognitivo preservado, porém criança insegura com grande labilidade emocional. Durante a palpação observamos ausência de deformidades, contraturas ausentes, amplitude de movimento ativo/passivo reduzida, diminuição generalizada de força muscular. Hipotonia discreta. Ao exame respiratório percebemos murmúrios vesiculares fisiológicos diminuídos sem presença de ruídos adventícios. Após avaliação, fechamos o diagnóstico fisioterapêutico: Atraso no Desenvolvimento Neuropsicomotor uma vez que a criança apresentava Idade cronológica de nove meses e idade motora de dois meses. A intervenção fisioterapêutica foi realizada três vezes por semana, com duração de trinta minutos cada sessão, respeitando a tolerância do paciente; o período de tratamento foi de três meses, totalizando trinta e seis sessões, sendo duas sessões destinadas respectivamente à avaliação inicial e reavaliação final. Em dezembro de 2004, foi dado início ao tratamento fisioterapêutico com o propósito de estimular o Desenvolvimento Neuropsicomotor, permitindo a adequação das idades cronológica / motora. Inicialmente, o tratamento consistiu em promover o controle cervical e de tronco, sendo empregada como recurso a bola Bobath. Após este ganho, foi estimulado o puppy baixo e o rolar, utilizando brinquedos, bola Bobath, cunha, colchonetes e o espelho. Em seguida, foi trabalhado o puppy alto e o rastejar, utilizando os mesmos recursos citados acima. De acordo com a figura 1 e 2, estimulamos o alcance, o aprimoramento do controle cervical e as dissociações de cinturas.

Figura 1 Alcance: Presença de movimentos coordenados e controlados; para que isso ocorra é necessário ajustes proximais (iniciativa de direcionar voluntariamente um ou ambos os membros superiores para alcançar o objeto) e distais (posicionamento da mão e dos dedos para tocar e apreender o objeto) do membro superior do lactente. Figura 2 O ganho do controle cervical acontece à medida que ocorre a maturação da musculatura extensora, vencendo assim a ação da gravidade, possibilitando maior exploração em todo o ambiente em que se encontra a criança.

Na figura 3, estimulamos o engatinhar. Com o treino desta fase, aprimoramos também toda a parte relacionada com a sensibilidade, propriocepção, tato e exploração do meio externo pela criança. Utilizamos brinquedos, colchonetes, banco e bola Bobath, prancha de equilíbrio, espelho e o divã. Figura 3 (a) O engatinhar é essencial na programação do cérebro e na preparação para o desenvolvimento pleno da deambulação. (b) Observa-se o balançar rítmico e ativo para frente e p/ trás, diagonalmente em quatro apoios trabalhando o fortalecimento de abdominais e músculos estabilizadores dos ombros e quadris. Ao mesmo tempo em que estimulamos o engatinhar, aperfeiçoamos as dissociações de cinturas e as reações de proteção e equilíbrio, figura 4. Figura 4 O controle de tronco surge à medida que o tônus flexor vai diminuindo e ocorre a maturação dos músculos extensores. A reação de proteção são respostas automáticas e altamente integradas às mudanças das posturas e movimentos destinadas a restaurar o equilíbrio alterado. A melhora do controle de tronco faz com que ele explore mais objetos nesta posição. Senta se para trás, boa retificação lateral com mãos livres.

Com a aquisição das habilidades supracitadas, evoluímos para as mudanças de decúbitos. Na figura 5 e 6, presenciamos o iniciar destas mudanças. Figura 5 O centro de gravidade é o mesmo ocorrente na posição ajoelhada; contudo, a base de sustentação está aumentada. Maiores demandas são aplicadas sobre o membro posterior que está sustentando o peso, em preparação para a aceitação do peso durante a fase de apoio da marcha. Posteriormente., o peso exercido sobre o membro dianteiro é suportado através dos tornozelos. Esta posição permite a facilitação da extensão dos quadris, controle pélvico lateral e movimentos dos tornozelos; ela aumenta, também, o impulso proprioceptivo através do pé. Figura 6 Utiliza Membros Superiores e Inferiores ativamente. Capaz de transferir o peso e levantar sobre uma perna.

Damos ênfase então à marcha, inicialmente marcha lateral, também com o auxílio de brinquedos e espelho e grande espaço físico. Após aquisição da marcha lateral o paciente obteve marcha independente. Figura 7 Marcha lateral: Apresenta boa transferência de peso. Fica de pé sem apoio por pequenos instantes. Marcha dependente com instabilidade e base alargada. Ao final do tratamento o paciente foi reavaliado onde observamos na inspeção: perímetro cefálico adequado, paciente alegre e cooperativo, mostrando interesse pelo meio; apresenta-se em constante movimentação com aumento de peso, trofismo e normalização de tônus. Observa-se ainda ganho de força muscular global, equilíbrio e coordenação motora normais para a idade cronológica. Durante o exame funcional o paciente apresentou controle cervical e de tronco, realiza puppy baixo, o rolar, puppy alto, o arrastar, presença do alcance, dissociação de cinturas, o engatinhar, reação de proteção presente realiza transferências de prono para supino; supino para sentado; sentado para de pé e vice-versa. Apresenta marcha lateral e deambulação independente. Reflexos: Landau presente; reflexos patológicos ausentes. Percepção: tátil, visual, auditiva preservadas; cognitivo preservado, porém apresentando ainda labilidade emocional. Palpação: contraturas e deformidades ausentes, amplitude de movimento ativo e passivo normais, normotrofismo e eutonia.

No exame respiratório: Murmúrios vesiculares fisiológicos normais sem presença de ruídos adventícios. Ainda na avaliação: Idade cronológica: 12 meses e dezoito dias. Idade motora: 12 meses. Resultados Após trinta e seis sessões, os resultados encontrados foram favoráveis em relação aos dados referenciais. A idade motora da criança no início do tratamento apresentou-se de dois meses, enquanto a idade cronológica de nove meses; ao término das sessões, a idade motora estava equiparada à idade cronológica. Ao término de trinta e seis sessões, o paciente encontrava-se com idade cronológica de doze meses e dezoito dias e idade motora de doze meses. Discussão Como foi visto na literatura descrita por Flehmig (1987) todo o desenvolvimento motor realiza sempre sob uma ideal adaptação aos estímulos externos. Organismo e meio ambiente são dependentes um do outro. Podemos comprovar este fato, através do caso apresentado, em que o lactente em questão não vivia em um ambiente propício, que apresentasse condições favoráveis para o seu Desenvolvimento Neuropsicomotor Normal, vindo apresentar uma evolução no desenvolvimento a partir do momento em que se encontrava em um ambiente favorável. Mais uma vez, houve uma correlação do trabalho apresentado com a bibliografia, onde Ribeiro, Ferriani e Reis (2004) afirmam que na atualidade as oportunidades de bem estar variam com os tipos e estruturas familiares. As peculiaridades de cada família, tais como sua composição, condições de vida e idade de seus componentes indicam vulnerabilidades potenciais que podem manifestar-se pela omissão ou ação, como oferta precária de assistência à saúde. Os resultados do presente estudo vêm ao encontro dos achados de Oliveira e Araújo (2002), o qual aborda as conseqüências dos maus tratos que poderão manifestar-se ao nível

físico ou psicológico. As seqüelas físicas resultantes de situações de negligência poderão apresentar-se sob a forma de danos em nível da psicomotricidade, a nível sensorial e da coordenação motora. Em outro estudo, Burns e MacDonald (1999), afirmam que a intervenção precoce tem por objetivo assegurar que o processo de desenvolvimento, as experiências e os relacionamentos sejam os mais próximos possíveis das condições compatíveis com os princípios do desenvolvimento infantil normal. Esta hipótese foi verificada no presente estudo, já que o lactente alvo do estudo apresentou uma evolução rápida e favorável, onde o Desenvolvimento Neuropsicomotor se encontrara adequado para a idade. Considerações Finais Conclui-se que a intervenção fisioterapêutica precoce em crianças com Atraso no Desenvolvimento Neuropsicomotor vítima de negligência familiar surte resultados satisfatórios, uma vez que a interação família-paciente-terapeuta é de extrema importância para a eficácia deste, assim como um ambiente favorável. Outro fator importante trata-se de orientações aos pais da importância da estimulação em casa. Não deixando a criança apenas em um local delimitado, impedindo que ela se movimente e se desenvolva. Em casos como este, é necessária uma intervenção global, com a atuação de diversos profissionais da saúde e áreas afins, de forma a proporcionar à criança um bom desenvolvimento em todos os aspectos comprometidos. Como em qualquer programa de intervenção, o apoio da família a e sua total dedicação são fatores determinantes no desenvolvimento da criança e nas suas evoluções ao longo do processo terapêutico. Vale ressaltar que o acervo bibliográfico é escasso em relação à negligência, uma vez que esta possui a mesma importância no que se refere aos danos causados pela violência física e sexual infantil embora não seja abordada com sua real importância.

Referências Bibliográficas FIGUEIRAS, A. C. M.; RESEGUE, R.; MIRANDA, L. P. A criança e o adolescente com problemas do desenvolvimento no ambulatório de pediatria. Jornal de Pediatria, Vol. 79, Rio de Janeiro, Maio/junho de 2003 CESCA, T. B. O papel do psicólogo jurídico na violência intrafamilar: possíveis articulações. Psicol. Soc. v.16, n.3, Porto Alegre set./dez. 2004. SHEPHERD, R. B. Fisioterapia em Pediatria. 3 ed. São Paulo: Santos, Pag. 9 a 11, 1999. FLEMING, I. Desenvolvimento normal e seus desvios no lactente, diagnóstico e tratamento precoce do nascimento até o 18º mês. Editora Atheneu, págs: 9, 10, 1987. BARROS, K. M. F. T. et. al. Influências do ambiente podem alterar a aquisição de habilidades motoras? Uma comparação entre pré-escolares de creches públicas e escolas privadas. Neuro-Psiquiatr. vol.61, n.2a, pp. 170-175, 2003. COELHO, A. C., IEMMA, E. P. & HERRERA, S. A. Relato de caso privação sensorial de estímulos e comportamentos autísticos Rev. soc. bras. fonoaudiol. v.13 n.1 São Paulo jan./mar. 2008. GUARDIOLA, A., EGEWARTH, C., ROTTA, N. T. Avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor em escolares de primeira série e sua relação com o estado nutricional. Jornal de Pediatria, v.77, n.3, Porto Alegre maio/jun. 2001. FORMIGA, C. K.; PEDRAZZANI, E. S.; SILVA, F. P.; LIMA, C. D. Eficácia de um programa de intervenção precoce com bebês pré-termo. Paidéia (Ribeirão Preto) v.14 n.29 Ribeirão Preto set./dez. 2004. BURNS, Y. R., MACDONALD, J. Fisioterapia e Crescimento na Primeira Infância. 1ed. Editora Santos, pags. 133, 134, 1999. RIBEIRO, M. A., FERRIANI, M. G., REIS, J. N. Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes: características relativas à vitimização nas relações familiares. Caderno de Saúde Pública, vol. 20, n. 02, Rio de Janeiro. Mar/Abr, 2004. OLIVEIRA, J. ARAÙJO, S. B. Entre o risco biológico e o risco social: Um estudo de Caso. Educação e Pesquisa, vol. 28, n. 02, São Paulo, Jul/Dez, 2002.