A NASALIZAÇÃO VOCÁLICA NA AQUISIÇÃO DO ITALIANO COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA POR FALANTES DO PORTUGUÊS BRASILEIRO GHISLANDI, Indianara; OENNING, Micheli email: michelioenning@yahoo.com.br Universidade Estadual do Oeste do Paraná/Centro de Educação, Comunicação e Artes Cascavel PR. Palavras-chave: nasalização, aquisição, língua estrangeira. Resumo: É particularidade de algumas línguas a presença da nasalização. Entre essas línguas se encontra o português que, ao contrário da língua italiana, nasaliza quase toda vogal tônica que precede consoante nasal. Desta forma, falantes do português brasileiro (PB) encontram dificuldades neste aspecto, no aprendizado da língua italiana, tendo em vista que tende a generalizar este processo fonológico. Introdução Discutida por lingüistas, foneticistas, fonólogos e apenas superficialmente por gramáticos, a questão da nasalidade das vogais em português brasileiro continua sem esgotar suas possibilidades teóricas. Relatamos neste trabalho, o resultado de uma pesquisa de campo realizada com alunos aprendizes da língua italiana, de primeiros e últimos níveis de cursos de Cascavel/PR. Iniciamos com a apresentação da discussão teórica sobre nasalização. A seguir, apresentamos as definições de Fonética e Fonologia, então, distinguimos os termos nasalização e nasalidade. No corpo do trabalho, utilizamo-nos de pontos de vista diversos, de linguístas que discutem sobre este assunto. A partir da pesquisa bibliográfica, realizamos a aplicação da teoria, tendo como foco de estudo a nasalização vocálica presente na fala de aprendizes da língua italiana. Ao final, apresentamos os resultados de nossa pesquisa e em seguida discutimos os resultados. Fundamentação Teórica Segundo Massini-Cagliari e Cagliari (2001), Fonética e a Fonologia são as áreas da lingüística que estudam os sons da fala. Essa fala é a realização prática da língua, que é a herança transmitida de geração a geração numa comunidade social. São ciências relacionadas, pois tem o mesmo objeto de estudo. No entanto, em cada caso esse mesmo objeto é tomado de pontos de vista diferentes.
A Fonética descreve os sons da fala. Reunidos em unidades de dimensões diferentes, esses sons constituem as palavras. Eles formam os sinais audíveis (e visíveis por escrito) da nossa fala. Suas principais áreas de interesse são: a fonética articulatória, auditiva, acústica e instrumental. A Fonologia, no entanto, estabelece a função dos fonemas dentro de uma língua dada. Procura interpretar os resultados obtidos por meio da descrição dos sons da fala. No processo fonológico, procura-se explicar e interpretar o valor desses sons em uma língua. A fonética articulatória abrange a produção da fala, seus respectivos processos, os elementos prosódicos e os segmentos. Dentro destes segmentos estão as consoantes, que possuem alguns modos de articulação, os quais originam processos de segmentos consonantais, que abarcam os segmentos consonantais nasais. Estes segmentos são sons produzidos com um bloqueio à corrente de ar da cavidade oral, com concomitante abaixamento do véu palatino, o que permite a saída da corrente de ar pelas narinas os fonemas nasais do português são: /m/, /n/ e /ñ/ (que se verificam, respectivamente, em: mato, nora e unha ), pois nesses sons se verifica um prévio fechamento total na cavidade bucal, além do abaixamento do véu palatino. Ou seja, só consoantes podem ser nasais, como ocorre com o /m/, em que a obstrução é obtida pela aproximação dos lábios; com o /n/, em que a obstrução é obtida pela junção da ponta da língua com a parte posterior dos dentes superiores; e com o /ñ/, em que a obstrução se dá com a parte anterior da língua encostada no palato duro. Quando não há obstrução total do ar na cavidade bucal, mas há a ressonância nasal, o som é nasalizado, como é o caso das vogais nasais (assim consideradas pelas gramáticas normativas e compêndios gramaticais). (BOTELHO, 2007). Câmara Junior (1977, 1985) defende esta mesma tese de que não há vogal nasal em português, mas vogais nasalizadas, uma vez que a vogal é sempre um som bucal, cuja emissão da corrente de ar se faz livremente, ao contrário do que ocorre com a emissão da corrente de ar na produção de uma consoante, que se caracteriza como um obstáculo. Considera, portanto, a vogal nasal como sendo um grupo de dois fonemas, que se combinam na sílaba: vogal e elemento nasal. A transcrição fonológica deixa evidente a análise proposta por Câmara Junior, uma vez que insere o arquifonema nasal /N/ ao lado da vogal oral a, o que confere a essa vogal o traço de nasalidade. Assim temos como exemplo a palavra banana, com transcrição fonológica /bana na/ e transcrição fonética [banã na] nas quais o fenômeno pode ser observado. O processo de nasalização pode ser mais bem entendido a partir da observação da figura a seguir:
Figura 1: Aparelho fonador: articuladores passivos e ativos. Os pontos de articulação explicitados na figura permitem a compreensão dos modos de articulação que geram a nasalização. O véu palatino (7), quando abaixado permite a entrada do ar na cavidade nasal (6), o que leva à assonância nesta cavidade e produz o som nasal. Nasalização e nasalidade se distinguem, portanto em alguns pontos. Diz-se nasalização, quando a não articulação da vogal nasal causa diferença de significado, como em mito e minto. É obrigatoriamente um som nasalizado em qualquer dialeto do português. A nasalidade, ao contrário, ocorre quando a não articulação da vogal marca a variação dialetal e não causa diferença de significado, como em j[a] nela ou j[ã] nela janela. As consoantes nasais são normalmente sonoras, mas podem perder a sonoridade se combinadas com consoantes surdas. Do ponto de vista fonológico, a nasalização é um tipo de processo bastante comum no português. Quase toda vogal tônica que precede uma consoante nasal se nasaliza. Não é só o segmento seguinte que influencia a nasalização da vogal, a prosódia também influencia o processo. Nas sílabas pré-tônicas, há variação, pois alguns falantes nasalizam e outros não (SOUZA e SANTOS, 2004, p.49). Por apresentar consoantes nasais e conseqüentes vogais que assimilam este traço de nasalidade, os falantes do português brasileiro (PB) tendem a generalizar esta peculiaridade da língua, Por isso, diante da aquisição de uma língua estrangeira, este fator se apresenta como uma barreira que dificulta a aquisição integral. Na análise de Cristófaro Silva (1999), no português temos as vogais nasais classificadas como altas nasais [i,u], em médias nasais [e,o] e em baixa nasal [a]. Segundo Bisol (2005), no processo de nasalização, a vogal nasal subjacentemente é formada pelo grupo VN. A nasalização vocálica ocorre
em virtude do espraiamento da nasal para a vogal que a antecede, criandose uma vogal nasal. Esse processo é característico tanto do PB quanto do português europeu. Bisol (2005), ao analisar a nasalização no PB, afirma que este processo se dá no componente pós - lexical, visto que a nasalização não apresenta exceções nem interage com a morfologia A nasalização, portanto, é uma regra que ocorre em ambas as línguas. No que tange ao PB, consideramos que o fenômeno é pós-lexical, em virtude de não necessitar de informação morfológica e ser um fenômeno de superfície, pois na estrutura profunda é VN. (Vigário, 2001). Para Cagliari (1997), a ocorrência da nasalidade - sobretudo no caso do processo de nasalização vocálica - é um fenômeno bastante complexo na língua portuguesa, mas é representado de maneira clara e direta através da geometria de traços e de mais algumas informações métricas (sílaba) e lexicais (morfemas e acento). Ele interpreta N como nasal flutuante, ou seja, uma nasal que serve apenas para nasalizar a vogal anterior. Materiais e Métodos Realizamos, então, um estudo com o objetivo de verificar até que estágio do processo de aquisição da língua estrangeira, neste caso o italiano, a influência da nasalidade do português se manifesta. Para tanto, realizamos uma entrevista com alunos de primeiros e últimos níveis de três cursos de italiano de Cascavel, cursos A, B e C, respectivamente, dois públicos e um privado. Dos cursos A e B foram entrevistados três alunos de cada nível, do curso C esse número de entrevistados não foi possível pelo fato de este curso possuir somente dois alunos no primeiro nível e somente um no último nível. Este trabalho foi realizado através de uma pesquisa de campo em que, primeiramente, analisamos um vasto material teórico acerca de fonética e fonologia e, a partir disto, tomamos como foco de estudo o processo fonológico da nasalizalização, presente na fala dos falantes do PB durante a aquisição da língua italiana. A partir disto, elencamos uma lista com sessenta palavras do idioma italiano, das quais dezesseis apresentavam consoantes nasais, precedidas da vogal a, as demais palavras serviram para não condicionar os falantes. A partir desse trabalho, elaboramos dois gráficos comparativos que serão analisados a seguir.
71% 0% 29% não nasalizaram a vogal A nasalizaram a vogal A em todas as palavras nasalizaram a vogal A em algumas palavras Figura II: Realização da nasalidade da vogal A na leitura de alunos do último nível 75% 25% 0% não nasalizaram a vogal A nasalizaram a vogal A em todas as palavras nasalizaram a vogal A em algumas palavras Figura III: Realização da nasalidade da vogal A na leitura de alunos do primeiro nível A entrevista foi gravada, e a análise foi feita a partir das transcrições fonéticas dessas gravações. Entregamos as listas e apenas pedimos que os alunos lessem sem, no entanto, explicarmos qual seria o nosso foco de análise. Após o término da leitura, perguntamos o que eles julgavam ser a peculiaridade analisada, nenhum aluno conseguiu perceber do que se tratava, o que justificaria um não-condicionamento desses alunos. Resultado e Discussão
As entrevistas foram realizadas com pessoas de várias faixas etárias entre 11 e 60 anos, o que nos permitiu perceber que os processos fonológicos independem da idade do falante, tendo em vista que tanto os jovens quanto os idosos nasalizaram em alguns casos e vice-versa. No primeiro nível do curso A, observamos que 100% dos alunos nasalizaram a vogal antecedente à consoante nasal. No curso B, 66% nasalizaram e na escola C, 50% nasalizaram. No último nível dos cursos A e B 66% não nasalizaram; e no curso C, 100% não nasalizaram. Também no último nível do curso A 34% nasalizaram algumas palavras, o que ocorreu também no último nível do curso B e nos cursos B e C do primeiro nível. Percebemos que os alunos que nasalizaram apenas algumas palavras, coincidentemente nasalizaram as mesmas: BEFANA [be fãna], MAMMA [ mãma], BAMBOLE [ bãmbole], LAMPADA [ lãmpada]. O que podemos perceber é que essa nasalização coincidente ocorreu com vocábulos do idioma italiano que tem a grafia idêntica a do português ou com vocábulos que não faziam parte do conhecimento de mundo desses falantes. Tendo em vista que as palavras também foram separadas por grupos de contexto e mesmo assim não se pode verificar interferência quanto às pronúncias, constatou-se que este também não foi um fator responsável pela nasalização ou não das palavras. Antes de cada gravação, conversamos um pouco com cada aluno sobre sua aquisição da língua italiana, como foi, quando começou e se gostavam da língua, para que eles ficassem mais à vontade. Foi então que se constatou que alguns falantes nasalizavam a vogal A das palavras listadas por terem ainda pouco domínio da língua. Em contrapartida, um entrevistado que era falante nativo da língua também nasalizou, e ele justificou esse fato por ser um falante de dialeto. Observamos que os alunos que pronunciaram todas as palavras sem nasalizá-las ou estavam no último nível, ou possuíam domínio prévio da língua. Conclusão A partir da realização dessa pesquisa e da leitura dos materiais teóricos, pudemos aprofundar mais nossos conhecimentos acerca desse processo fonológico que é a nasalização, e percebemos também que a língua materna (nesse caso o português) influencia na aquisição de uma língua estrangeira (no caso o italiano), e que essa influência independe de qualquer fator extralingüístico. Concluindo este trabalho, entramos em acordo com Câmara Jr. (1985) tendo em vista que as vogais fonológicas do português apresentamse em número de sete, pois não temos nenhuma comprovação de vogal nasal, o que temos são vogais nasalizadas pelo contexto.
Diante disso, percebemos que esse estudo trata-se apenas de uma introdução acerca da questão da nasalidade, pois esse tema ainda tem muito que ser discutido e analisado. Bibliografia Bisol, Leda; Magalhães, José Sueli de. A redução vocálica no português brasileiro: avaliação via restrições. Revista da Abralin, v. III, p. 195-216, 2005. Botelho, José Mario. A linguagem tecnologizada nos mais variados níveis de letramento de uma comunidade lingüística moderna. In: IV Congresso de Letras da UERJ - São Gonçalo, 2007, São Gonçalo. Anais do IV CLUERJ- SG. Rio de Janeiro: Botelho Editora ME, 2007. v. Único. Cagliari, L.C. Análise Fonológica: introdução à teoria e à pratica com especial destaque para o modelo fonêmico. Série Lingüística, v.1. Campinas: Edição do autor, 1997. Cristófaro Silva, Thaïs. Fonética e Fonologia do Português: roteiro de estudos e guia de exercícios. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2001.. Iniciação à Fonética e à Fonologia. São Paulo: Contexto, 1999. Fiorin, José Luiz. Introdução à Lingüística: II Princípios de Análise. Editora Contexto, S. Paulo. Malmberg, G.B. A fonética. Livros do Brasil. Lisboa. 1954 Massini-Cagliari, Gladis & Cagliari, Luiz Carlos (2001) Fonética. In: Introdução à Lingüística: domínios e fronteiras, Mussalim, Fernanda & Bentes, Anna Christina (org.). São Paulo: Cortez. ps. 105-146. Nivette, Joseph. Princípios de Gramática Gerativa. Pioneira. São Paulo. 1975. Rosetti, A. Introdução à fonética. 1974. Europa-América, 1974. Schane, S. 1975. A Fonologia Gerativa. Rio de Janeiro: Zahar. Vigário, Marina Cláudia. The prosodic Word in European Portuguese. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2001. Tese (Doutorado), Universidade de Lisboa, 2001. Aparelho fonador. Esquema do Aparelho Fonador. Disponível em: http://images.google.com.br/images?hl=ptbr&q=aparelho%20fonador&um 1&ie=UTF-8&sa=N&tab=wi