A HOMOFOBIA SOB A ÓTICA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS 1



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Transcrição:

A HOMOFOBIA SOB A ÓTICA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS 1 Ângela Zamberlan 2 Sadi Flôres Machado 3 A Declaração Universal dos Direitos Humanos 4, adotada e proclamada pela Resolução n 217A, da III Assembléia Geral das Nações Unidas de 10.12.1948 e assinada pelo Brasil na mesma data, assim como o Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos 5, ratificado pelo Brasil pelo Decreto Legislativo n 226, de 12 de outubro de 1991, e promulgado pelo Decreto n 592, de 6 de dezembro de 1992, assumem a postura expressa de combate ao racismo e a discriminação em todas as suas formas de expressão. Também o Supremo Tribunal Federal adotou, de forma majoritária, o entendimento de que os tratados internacionais de direitos humanos tem status constitucional, cumprindo-lhe, portanto, quando da interpretação de questões envolvendo direitos humanos (RAMOS, 2013, p. 1 Resultado parcial do Grupo de Estudos O STF e as Fontes do Imaginário Jurídico, iniciado em 07/08/2014, com apoio da Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA). 2 Pós graduada em Direito Processual pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA) e em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-UNIDERP. Advogada. E-mail: angelazamberlan@hotmail.com 3 Professor da Faculdade de Direito de Santa Maria. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Assessor jurídico do Ministério Público Federal. E-mail: sadi.machado@gmail.com 4 Artigo II- Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.(...) Artigo VII- Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. 5 ARTIGO 2 1. Os Estados Partes do presente pacto comprometem-se a respeitar e garantir a todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo. língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer condição.

286) zelar pelo cumprimento dos dispositivos constitucionais e expurgar as normas internas que conflitem com as normas internacionais de direitos humanos. A partir de tais premissas, buscar-se-á analisar, preliminarmente, a decisão proferida pelo STF que rejeitou a denúncia ofertada pela Procuradoria-Geral da República com base nos fatos apurados no Inquérito nº 3590/DF. A análise dar-se-á à luz dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, em especial a Declaração Universal Dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, cotejando-se, ainda, a referida decisão à posição anteriormente adotada pelo STF quando do julgamento do Habeas Corpus n 82.424/RS, assim como a decisão adotada quando do julgamento do Mandado de Injunção n 4.733/DF. Em 08 de janeiro de 2013 o Ministério Público Federal, por seu Procurador- Geral ofereceu denúncia em face do deputado federal Marco Antonio Feliciano pela suposta prática de crime previsto no artigo 20 da Lei nº 7.716/1989, tendo em vista que no dia 30 de março de 2011 o denunciado publicou em conta pessoal junto à rede social Twitter manifestação de cunho eminentemente discriminatório em relação ao homossexuais a saber: A podridão dos sentimentos dos homoafetivos levam ao ódio, ao crime, a (sic) rejeição. O denunciado quando da sua defesa trouxe à baila inúmeras teses, dentre as quais, a de atipicidade da conduta praticada ante a ausência de tipo incriminador quanto ao induzimento ou incitação à discriminação sexual, uma vez que o artigo 20 da Lei nº 7.716/1989 trata-se de tipo fechado apenas quanto a raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. O Procurador-Geral da República, então, manifestou-se pelo recebimento da denúncia, citando inclusive o já decidido pelo STF quando do julgamento do Habeas Corpus 82.424/RS, quanto ao tema da discriminação e do racismo. Entretanto, em sessão de julgamento realizada em 12 de agosto de 2014, a Primeira Turma do STF, composta pelos ministros Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa

Weber e Roberto Barroso, por unanimidade acompanhou o voto 6 do relator Ministro Marco Aurélio de Mello rejeitando a denuncia por atipicidade, visto que o artigo 20 da Lei n 7.716/89 não versa sobre discriminação ou preconceito em razão de opção sexual. Ocorre que em 12 de setembro de 2002 Werner Becker e Rejane Becker impetraram Habeas Corpus em favor de Siegfried Ellwanger condenado, em instância superior, pela pratica de racismo, em virtude da edição e venda de livros que faziam apologias a idéias anti-semitas, sendo, portanto, condenado por antisemitismo. Buscavam os impetrantes ver afastada a imprescritibilidade do delito de racismo ao qual o paciente fora condenado sob a premissa de que, embora Siegfried Ellwanger tenha sido condenado pelo crime tipificado no artigo 20 da Lei n 7.716/89, foi o mesmo condenado por discriminação contra judeus, os quais não seriam uma raça, razão pela qual defendiam que ao paciente não poderia ser imputada a imprescritibilidade do delito imposta pelo artigo 5 XLII da Constituição Federal 7. Em 17 de setembro de 2003 em sessão de julgamento realizada pelo Pleno do STF, por maioria de votos, vencido o relator Ministro Moreira Alves e o Ministro Carlos Britto, o pedido de Habeas Corpus foi indeferido, momento em que o STF balizou o seu posicionamento quanto ao sentido e alcance da expressão racismo. Para tanto o STF adotou o entendimento de que a definição de raça nada mais é do 6 Procede a defesa no que articula a atipicidade. Ter-se-ia discriminação em virtude da opção sexual. Ocorre que o artigo 20 da Lei nº 7.716/89 versa a discriminação ou o preconceito considerada a raça, a cor, a etnia, a religião ou a procedência nacional, não contemplando a decorrente da opção sexual do cidadão ou da cidadã. O ditame constitucional é claro: não há crime sem anterior lei que o defina, nem pena sem prévia cominação legal inciso XXXIX do artigo 5º. Ante esse fato, deixo de receber a denúncia, fazendo-o com base no inciso III do artigo 386 do Código de Processo Penal, a revelar que, não constituindo o fato infração penal, dá-se a absolvição do réu, o que, nesta fase, sugere a simples ausência de instauração da ação penal. 7 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(...) XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

que um processo de conteúdo meramente político, histórico e social, através dos quais se origina o racismo, surgindo daí a discriminação e o preconceito. O Tribunal, então, entendeu que para a construção da definição jurídicoconstitucional do termo racismo era necessário uma interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal em conjunto com os conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos e biológicos, visto que somente através da conjugação de todos estes fatores se alcançaria o real sentido e alcance da norma. Em outras palavras: no precedente citado, entendeu o STF que, embora os judeus não sejam uma raça, ao longo da história sempre foram objeto de segregação e discriminação, razão pela qual a discriminação deliberada e dirigida contra os judeus configura ato ilícito da pratica de racismo, com todas as conseqüências daí advindas. Já no julgamento do inquérito 3590, o STF rejeitou a denuncia pela pratica de delito de preconceito de raça e de cor adotando para tanto uma interpretação strictu sensu do artigo 20 da lei n 7.716/89, o qual não define em seu tipo penal a prática de manifestação discriminatória em relação aos homossexuais. Chama a atenção, ainda, o fato de que neste julgamento os ministros optaram por simplesmente ignorar todos os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, através dos quais o Brasil assumiu o compromisso de combate ao racismo e ao preconceito em todas as suas formas de manifestação 8, optando por um posicionamento balizado apenas nas normas de direito penal. Mais, ao posicionar-se desta forma o STF foi de encontro a seu próprio entendimento quanto à interpretação do tipo penal do artigo 20 da Lei n 7.716/1989. Isto porque quando do julgamento do Mandado de Injunção n 4.733 impetrado pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Trânsgeneros- ABGLT em face do 8 Tanto o artigo II da Declaração Universal dos Direitos Humano, quanto ao Artigo 2. 1. do Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos trazem expressamente a proteção legal quanto a discriminação de qualquer natureza, não se limitando aos conceitos de ração, cor, religião etc.

Congresso Nacional para, justamente, ver declarada a mora inconstitucional quanto à criminalização da homofobia, o STF em julgamento sob a relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski não conheceu do Mandado de Injunção sob o fundamento de que o disposto no art. 20 da Lei 7.716/1989 aplica-se a todo e qualquer tipo de discriminação ou preconceito, inclusive contra homossexuais, de maneira que não haveria que se falar em mora inconstitucional. Em sentido contrário, quando do julgamento do Habeas Corpus n 82.424 o mesmo STF adotou entendimento de que a Constituição Federal, assim como as demais normas nacionais, devem ser interpretadas em total consonância com os tratados internacionais de direitos humanos, a fim de penalizar condutas discriminatórias, as quais são inconcebíveis, atentando contra o Estado democrático. O que se pode vislumbrar a exemplo do voto do ministro Mauricio Correa, o qual cita não só as normas de direito internacional ora apontadas, mas inúmeras outras ratificadas pelo Brasil. 9 É evidente que a população homossexual, assim como a população judaica, embora não classificados enquanto raças constituem grupos populacionais os quais são objeto de estigma e preconceito. Tanto isto é verdade em relação aos homossexuais que no início dos anos 80 quando houve o surgimento da Aids esta foi taxada como a Peste gay ou GRID - Gay-Related Immune Deficiency 10. Ainda segundo dados divulgados pela Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República de 2011 a 2012 houve um aumento de 46,6% no número de violações 9 Além da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos o Ministro cita também em seu voto a adesão do Brasil à Convenção Internacional contra o Genocídio;a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial; o Pacto de São José da Costa Rica; a Resolução 623 da Assembleia Geral da ONU, a Declaração de Duban; assim como a Conferencia Mundial sobre Direitos Humanos em Viena da qual o Brasil participou; 10 Linha do Tempo da AIDS: Do Primeiro Caso aos Dias Atuais. Disponível em: http://www.boasaude.com.br/artigos-de-saude/3837/-1/linha-do-tempo-da-aids-do-primeiro-caso-aosdias-atuais.html. Acesso em: 13 set. 2014.

aos direitos humanos de pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBTs) 11. Assim, cumpriria ao STF, com base em todos os tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, bem como através de uma interpretação sistêmica entre as normas internacionais e os direitos e garantias fundamentais incertos em nossa Lei Maior, em especial, o principio indisponível da dignidade da pessoa humana, acatar a denuncia do Ministério Público Federal nos autos do inquérito 3590. Quanto à obrigação do STF em aplicar os tratados internacionais de direitos humanos tornando-os verdadeiros instrumentos de realização dos direitos e liberdades neles proclamados se manifestou o Ministro Celso de Mello quando do julgamento do Habeas Corpus n 82.424: Torna-se imperioso, pois, a partir da consciência universal que se forjou no espírito de todos em torno do valor essencial dos direitos fundamentais da pessoa humana, reagir contra essas situações de opressão, degradação, discriminação, exclusão e humilhação que provocam a injusta marginalização, dentre outros, de grupos étnicos, nacionais e confessionais. Entretanto, não foi esta a postura adotada pela Corte quando do julgamento do inquérito n 3590. O agir da Corte Suprema mostrou um retrocesso de pensamento no que diz respeito aos direitos humanos. Por fim, o argumento adotado no voto do relator do inquérito 3590 no sentido de que o artigo 5, XXXIX da CF traz a garantia individual de que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal não subsiste diante de um dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito - a dignidade 11 Segundo o Relatório sobre violência homofobia no Brasil em 2012, foram registradas pelo poder público 3.084 denúncias de 9.982 violações relacionadas à população LGBT, envolvendo 4.851 vítimas e 4.784 suspeitos. Em setembro ocorreu o maior número de registros, 342 denúncias. Em relação a 2011 houve um aumento de 166,09% de denúncias e 46,6% de violações, quando foram notificadas 1.159 denúncias de 6.809 violações de direitos humanos contra LGBTs, envolvendo 1.713 vítimas e 2.275 suspeitos. Disponível em: http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violenciahomofobica-ano-2012. Acesso em: 14 set.2014.

da pessoa humana. Posto que, em se tratando de choque entre uma garantia individual e um princípio fundamental, este se imporá. REFERÊNCIAS: CARVALHO RAMOS, Andre de. Novos Caminhos do Direito no Século XXI. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2013. NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo, São Paulo: WMF. Martins Fontes, 2009. OLIVEIRA, Fabiana Luci de; FERREIRA DA SILVA, Virginia. Processos Judiciais como Fonte de dados. Poder e Interpretação. Sociologias, Porto Alegre, ano 7, jan/jun 2005, p. 244-259.