QUALIFICAÇÃO DAS EMPRESAS DE PROJETO DE ARQUITETURA Silvio Burrattino MELHADO Engenheiro Civil, Professor da Escola Politécnica da USP. Av. Prof. Almeida Prado, travessa 2, n 271, CEP 05508-900 São Paulo (SP) Brasil - Correio eletrônico: silvio.melhado@poli.usp.br RESUMO Este texto é parte da tese de livre-docência do autor acerca da gestão do processo de projeto de empreendimentos de construção de edifícios (MELHADO, 2001). Neste artigo, serão apresentadas algumas considerações sobre a qualificação das s de projeto de arquitetura, com base em estudos de caso realizados na França, tendo-se por objetivo contribuir para o debate atualmente em pauta no Brasil, sobre a implementação de sistemas de gestão da qualidade nessas s. 1. INTRODUÇÃO De acordo com a nova série NBR ISO 9000:2000, projeto (item 3.4.4 da norma NBR ISO 9000) é definido como o conjunto de processos que transformam requisitos em características especificadas ou na especificação de um produto, processo ou sistema (ABNT, 2000a). Existem vários aspectos a desenvolver, quanto às questões de gestão da qualidade que envolvem o processo de projeto, dentro de um processo evolutivo que oriente suas relações com as atividades que compõem o empreendimento. Um desses possíveis enfoques é o da qualificação dos projetistas, para o qual aspectos internos da organização das s de projeto devem ser considerados. Dentre os projetistas atuantes na construção de edifícios, trataremos do caso dos arquitetos. 2. ALGUNS DADOS DE ESTUDOS DE CASO Durante nosso trabalho de pesquisa na Université Pierre Mendès-France, acompanhamos as reuniões realizadas pelas s de projeto de um grupo que se reunia em Paris, composto pelas seguintes s de projeto de arquitetura: LEVY-PEAUCELLE; ABAQ; ACV; AP; LEGLEYE. Percebemos durante o processo que apenas três dentre as cinco s do grupo de Paris tinham efetivo engajamento os representantes das s AP (Alain PEJOUAN) e SCPA LEGLEYE (Eric LEGLEYE) faltavam freqüentemente às reuniões, por exemplo. Isso nos levou a optar por analisar, efetivamente, três s.
LEVY-PEAUCELLE et Associés, com escritório em Paris, reunindo um total de onze pessoas, dos quais oito são arquitetos, era a mais adiantada no processo. Em seu escritório, geralmente se desenvolviam as reuniões com os consultores Yvon MOUGIN da CAP, e o arquiteto Jacques ALLIER, ambos de Besançon (região Nordeste da França). Essa apresentou uma absorção relativamente rápida dos princípios da qualidade, transcorrendo apenas um ano entre iniciar sua implementação e ter sido auditada e seu sistema recomendado para certificação de acordo com a norma ISO 9001, em janeiro de 2000. A Tabela 1 apresenta os dados das três s mais adiantadas no processo de implementação do sistema de gestão da qualidade, cujos arquitetos entrevistamos. É importante ressaltar que se trata de s cujos sistemas de gestão da qualidade devem contemplar a diversidade de clientes e tipos de projetos; seu porte, que é considerado médio para os padrões franceses, justifica uma preocupação com a padronização de soluções e difusão do conhecimento entre os profissionais que compõem seus quadros, mas a necessidade de flexibilidade do sistema é clara. Discutindo-se como atuar frente ao atendimento das necessidades dos clientes e às variáveis específicas de cada projeto, o arquiteto e engenheiro Benoit PEAUCELLE resumiu em dois pontos a postura por ele adotada: definição de processos em grandes linhas e uso do planejamento da qualidade para dar resposta às especificidades de cada caso. Ao contrário do que define a primeira versão do Guide AQC, a LEVY-PEAUCELLE et Associés tem em seu sistema de gestão da qualidade, como processo de desenvolvimento de projeto apenas um metaprocesso ; ou seja, o processo detalhado, com suas etapas e fluxogramas de atividades deve ser definido pela equipe interna designada para cada novo projeto da. A resistência à padronização de procedimentos, além de envolver reduzido número de pessoas, era reduzida pela atuação de um estagiário de engenharia, dedicado a dialogar com todos os membros da equipe da LEVY-PEAUCELLE et Associés, coletando sugestões, incorporando e compatibilizando diferentes práticas. Assim, e com o envolvimento e apoio de um dos sócios, a implementação do sistema evoluiu muito bem. 3. PROPOSIÇÕES A partir da nossa experiência com projetistas franceses e brasileiros, percebemos que as deficiências de gestão nas s de projeto de arquitetura concentram-se na gestão dos recursos humanos, no tratamento das relações com os clientes, na documentação em geral e na comunicação interna e externa, dada a informalidade pela qual se processam. Entendemos que os requisitos essenciais para a qualificação de uma de projeto de modo geral e da de projeto de arquitetura, em especial, estão ligados à: capacidade de considerar efetivamente os requisitos do cliente e demais agentes envolvidos no empreendimento, em seus projetos, estabelecendo contato efetivo com as necessidades da execução, por exemplo;
confiabilidade na prestação de serviço, seja quanto ao cumprimento de prazos, seja quanto à sua disponibilidade e capacidade de resposta, quando solicitado. LEVY-PEAUCELLE et ACV Architectes CABINET ABAQ S.A.R.L. Associés Sede do escritório Paris Versailles Paris Tipos de clientes da Públicos: 10% Privados: 90% Públicos: 30% Privados: 70% Públicos: 50% Privados: 50% Tipos de projetos Edifícios residenciais Edifícios residenciais Habitação social (25%) desenvolvidos pela (50%) (50%) Restaurantes (25%) Reformas, escritórios, Habitação social (30%) Reformas, escritórios, fábricas (50%) Reformas, escritórios, fábricas (50%) fábricas (20%) Tipos de serviços prestados pela Número total de pessoas Número de arquitetos e de engenheiros Duração total planejada para o programa Resultados esperados manifestados pelos entrevistados Nível de implementação estimado do sistema (em abril de 1999) Arquitetura (80%) OPC; Coordenação de Segurança (20%) Arquitetura (80%) Urbanismo (20%) Arquitetura (50%) Urbanismo (15%) OPC; Coordenação de Segurança (35%) 11 07 07 08 arquitetos 02 engenheiros* 04 arquitetos - 02 arquitetos 02 engenheiros 1 ano 2 anos 2 anos Maior notoriedade Redução do prazo para desempenho das atividades Melhor comunicação interna Melhor visualização dos procedimentos ligados à atuação como arquitetos Reconhecimento pelo mercado União da equipe Melhor qualidade dos serviços prestados aos clientes Aumento da rentabilidade econômica da 50% implementado 35% implementado 25% implementado (*) Na LEVY-PEAUCELLE et Associés, dois dos arquitetos são também formados em Engenharia Civil. Tabela 1. Dados das três principais s de arquitetura do grupo de Paris A comunicação, a documentação e o tratamento dispensado aos clientes são, portanto, indicadores de uma capacidade de prestação de serviços de projeto parâmetros que podem ser assimilados a uma competência básica de gestão. Os demais requisitos relativos à gestão da qualidade poderiam ser incorporados gradativa e posteriormente à implementação desses três processos básicos.
Assim, propomos de forma sintética, na Tabela 2, as bases de um referencial normativo para as s de projeto de arquitetura, levando em conta os requisitos da NBR ISO 9001 (ABNT, 2000b). Acreditamos que, com pequenas adaptações, esse mesmo referencial possa ser adotado para outras especialidades de projeto ou para serviços de consultoria. Requisito Descrição Nível C Nível B Nível A Gestão da documentação dos projetos Gestão de recursos Comunicação interna e externa Gestão do atendimento ao cliente Sistema de gestão da qualidade Controle de dados de entrada; documentação dos requisitos do cliente; controle de alterações de projeto; acervo de projetos Recursos humanos (competência, conscientização e treinamento); aquisição e gestão de equipamentos e suprimentos; ambiente de trabalho Disponibilização e difusão de informações; recebimento, encaminhamento e resposta a consultas, contatos e pedidos; comunicação com as obras; retroalimentação para o cliente Determinação e análise crítica dos requisitos; planejamento do projeto; análise crítica, verificação e validação Identificação dos processos que afetam a qualidade; Manual da Qualidade; controle de documentos e de registros Responsabilidade da administração Comprometimento da administração; Política da qualidade; planejamento; responsabilidade e autoridade; análise crítica pela administração Medição, análise e melhoria Monitoração da satisfação do cliente; auditoria interna; análise da eficiência e da eficácia; ações corretivas e preventivas; melhoria contínua Observação: consideramos crescentes as exigências graduais no sentido do nível C (ingresso no sistema) ao nível A (sistema completo); os campos preenchidos com significam a exigência de implementação parcial do requisito e, com, a implementação completa. Tabela 2. Proposição para o estabelecimento de um referencial normativo para certificação de s de projeto de arquitetura 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em um cenário de integração entre os agentes, o papel do arquiteto mostra-se estratégico para essa evolução, exigindo capacidades organizacionais específicas. Para que seja possível implementar uma coordenação efetiva, sendo a formação dos arquitetos focada sobre a formalização estética e funcional do projeto, não são poucas as dificuldades a vencer para integrar seus métodos de trabalho aos de empreendedores, engenheiros de projeto, engenheiros residentes, além de consultores e outros profissionais especializados.
A implementação de sistemas de gestão da qualidade tem ajudado a provocar uma reflexão a esse propósito e, assim, exigido a mudança de métodos de trabalho. Deve-se mencionar que aqueles que se comprometem com a gestão da qualidade têm-se mostrado mais sensíveis a essas questões ligadas à renovação das práticas profissionais. Nossa hipótese é de que, face à exigência de evoluções capazes de responder positivamente à atual busca de eficiência e eficácia dos processos, a ênfase deva ser colocada exatamente na mudança de postura e de métodos adotados pelos agentes; dentro desse enfoque, no momento atual, a iniciativa de mudança estaria principalmente nas mãos dos empreendedores, que dão origem ao processo de produção do empreendimento, mas igualmente nas daqueles que lhe dão forma: os profissionais de projeto. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABNT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (a). NBR ISO 9000: Sistemas de gestão da qualidade: fundamentos e vocabulário. Rio de Janeiro: 2000. (b). NBR ISO 9001: Sistemas de gestão da qualidade: requisitos. Rio de Janeiro: 2000. MELHADO, S.B. Gestão, Cooperação e Integração para um Novo Modelo Voltado à Qualidade do Processo de Projeto na Construção de Edifícios. Tese (Livre- Docência) Escola Politécnica, Universidade de São Paulo. São Paulo: 2001. 235p.