FORMAÇÃO PARA O TRABALHO: REQUISIÇÕES DE COMPETÊNCIAS E HABILIDADES PROFISSIONAIS

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Transcrição:

1 FORMAÇÃO PARA O TRABALHO: REQUISIÇÕES DE COMPETÊNCIAS E HABILIDADES PROFISSIONAIS Ymira da Silva Graduada em Serviço Social pela UFPE Resumo O presente trabalho constitui-se em uma primeira aproximação à temática da qualificação/formação da força de trabalho, a partir da valorização da noção de competências e habilidades profissionais. O desenvolvimento da grande indústria determina o surgimento de ofícios parciais, aos quais correspondem uma série de saberes e procedimentos necessários à consecução do desempenho requisitado pelos empregadores dos diversos postos de trabalho. Aos trabalhadores é requerido o domínio de um arsenal de conhecimentos teóricos e práticos necessários ao atendimento das exigências e demandas impostas pelo mercado de trabalho, requerimentos que historicamente passaram a ser objeto de políticas educacionais, públicas e/ou privadas. Adotamos como pressuposto de análise, a compreensão de que as tendências assumidas pelos processos educativos convergem para o modo como se (re)organiza a divisão social e técnica do trabalho, o que acarreta rebatimentos nas configurações dos espaços sócio-ocupacionais e nas demandas de cada profissão. Nesse sentido, o atual estágio do capitalismo, marcado por inovações tecnológicas e pela flexibilização do processo produtivo como resposta à crise do capital, que se inicia com o esgotamento do modelos taylorista e fordista origina novas requisições, as quais demandam novos conteúdos à qualificação do trabalhador. Esta passa a ser dirigida a uma formação multidimensional e polivalente. É possível observar, neste contexto, a valorização das competências e habilidades na busca por ordenar as práticas das diversas especializações do trabalho. Evidencia-se uma nítida preocupação com o desenvolvimento das capacidades do trabalhador, bem como com o seu envolvimento nas atividades laborais. Entendemos, mediante os aspectos apontados, que a requisição de competências e habilidades em vez de proporcionar um maior domínio do processo de produção, levou a um aumento da intensidade do trabalho. Desta forma, trata-se de um mecanismo ideológico, que obscurece as reais necessidades de acumulação do capital, na atualidade, transferindo-as para os trabalhadores, sob o discurso da qualificação/formação para o exercício profissional. Palavras-chaves: 1- Divisão do trabalho 2- Qualificação profissional 3- Competências e habilidades

2 Introdução A discussão a respeito da qualificação/formação da força de trabalho, nos termos que se apresenta na atualidade, está assentada no ideário de valorização do exercício de competências e habilidades profissionais. Esta é uma concepção bastante recente, que ganha relevância, mundialmente, nas abordagens relacionadas ao sistema educacional a partir da década de 80 do século XX. Para compreendermos de modo mais aprofundado o seu significado histórico 1, é preciso retomar o debate sobre o papel atribuído à educação entendendo as particularidades dos países capitalistas centrais e periféricos a partir da consolidação da grande indústria, na década de 1950; passando em seguida pelas mudanças decorrentes do processo de reestruturação produtiva nos finais da década de 1980. No primeiro período histórico, ao qual nos referimos anteriormente, emerge com grande força a compreensão de que a educação deveria ter como prioridade o caráter de impulsionadora do desenvolvimento econômico 2. Direcionamento este, que é revelador dos vínculos estreitos entre o trabalho e a educação, donde as necessidades do sistema produtivo serem cada vez mais assimiladas e consideradas pelos processos educativos. Sendo assim, com o estabelecimento da relação trabalho-educação, a formação profissional se institucionaliza enquanto um espaço contraditório, mediado pela disputa entre projetos político-econômicos do trabalho e do capital, marcado, porém, pela hegemonia dos interesses e valores da acumulação capitalista (TANGUY, 1999). Seguindo tais princípios, o significado do qual se reveste gradativamente a educação contradiz a idéia de formação humana, definida por Marise Nogueira Ramos (2001, p. 26) como processo de conhecimento e de realização individual, que se expressa 1 A discussão apresentada neste trabalho resulta de uma primeira aproximação a esta temática, sendo parte constitutiva da nossa monografia de conclusão do curso de graduação. Nesta, buscamos discutir o ensino da prática no processo de formação dos(as) assistentes sociais, procurando apreender os rebatimentos trazidos pela requisição das competências e habilidades à profissão do Serviço Social, destacando as mudanças no mercado de trabalho, nos espaços sócio-ocupacionais e demandas profissionais. Movimento este, que se vincula intimamente às modificações na forma como se (re)organiza a divisão social e técnica do trabalho. 2 Cabe recordar que este processo responde às necessidades de socialização dos custos da reprodução da força de trabalho, que é própria da idade dos monopólios. Notadamente, a formação para o trabalho e também a saúde do trabalhador passam a ser objeto de intervenção do Estado, mediante as políticas sociais públicas.

3 socialmente e ultrapassa a dimensão do agir unicamente determinado pela necessidade de subsistência. Essa concepção fundamenta-se no pensamento marxiano, o qual parte da compreensão do indivíduo como ser social que, ao produzir a sua existência através do trabalho, reúne em si: O modo de existência subjetivo da sociedade pensada e sentida para si, do mesmo modo que também na efetividade ele existe tanto como intuição e gozo efetivo do modo de existência social, quanto como uma totalidade de exteriorização da vida humana (MARX apud RAMOS, 2001, p. 27). A formação humana, segundo a mesma autora, deve promover a possibilidade de o homem desenvolver-se em sua totalidade, enquanto sujeito coletivo, apropriando-se de suas potencialidades como fonte de realização. Notadamente, implica a apreensão das relações sociais vivenciadas em momentos históricos determinados, em articulação com um projeto de transformação da sociedade. Em contraposição a essa idéia, a formação subordinada ao projeto societário burguês toma como referencial privilegiado as necessidades do capital. Por este motivo, sob o capitalismo, a educação do trabalhador desempenha o papel de discipliná-lo para a produção, reproduzindo-o na condição de mercadoria: a força de trabalho. A educação dos trabalhadores é permeada pelas contradições da própria ordem burguesa. Os processos sociais de formação, então, expressam a relação dialética de subsunção do homem ao capital e a luta contra essa mesma subsunção (RAMOS, 2001, p. 28), objetivando-se de formas diferenciadas em regiões ou localidades diversas, no evolver da história. As configurações assumidas pelo sistema de ensino se ajustam às alterações no processo produtivo de acordo com cada realidade e momento histórico. Configurações da divisão do trabalho e os rebatimentos na qualificação profissional Em consonância com a trajetória descrita pelo capital na década de 1950, há uma valorização da formação do trabalhador, a qual deve ser dirigida para o atendimento às demandas relacionadas à organização e gestão do trabalho tendência que se desenvolve inicialmente nos países capitalistas centrais e se difunde nos países periféricos, realizando-

4 se de acordo com suas particularidades. Este é um movimento que acompanha, num primeiro instante, a expansão e complexificação do setor industrial. As transformações desencadeadas, contudo, não se limitam ao interior das fábricas, estendendo-se posteriormente aos demais setores da economia e gerando impactos no conjunto das relações sociais. É possível observar que a crescente fragmentação do processo produtivo expressão da consolidação dos modelos taylorista e fordista determina o surgimento de ofícios parciais, aos quais correspondem uma série de saberes e procedimentos específicos, necessários à consecução do desempenho requisitado pelos empregadores nos diversos postos de trabalho. O conjunto de conhecimentos e técnicas, imprescindíveis para a realização das atividades profissionais, constituem parâmetros que possibilitam a delimitação dos elementos componentes do perfil dos trabalhadores compatível com cada profissão. Em face dos imperativos de um mercado em expansão e, conseqüentemente, da carência de um maior quantitativo de força de trabalho qualificada, a formação profissional sobrevém como resposta às demandas referentes ao domínio dos processos de trabalho, ao aumento da produtividade, à aceitação das relações de autoridade e à disciplina dos trabalhadores. A tarefa de formar para o trabalho passa, de maneira progressiva, da fábrica (ou oficina de trabalho) para as instituições de formação. Os processos educativos tradicionalmente concebidos como meio de socialização dos indivíduos aos padrões culturais de uma determinada sociedade e de transmissão sistemática da produção científica acumulada, são considerados insuficientes ou inadequados às exigências provenientes do desenvolvimento da economia, devendo ser ajustados às demandas postas. A educação vinculada è estrutura sócio-econômica das classes socias e expressão da contradição dos interesses destas classes se reveste, cada vez mais, de um caráter pragmático e utilitário. Evidencia-se, então, a necessidade de reorganização do sistema de ensino de modo que este possa conferir ao trabalhador o domínio de um ofício. A formação para o trabalho passa a significar formação profissional (RAMOS, 2001, p. 33). Ou seja, deve atender aos requisitos de qualificação dos trabalhadores de acordo com os setores de trabalho específicos.

5 No intuito de responder à demanda de ampliação da formação profissional, que acompanha o crescimento das populações urbanas, são elaborados mecanismos e instrumentos de racionalização e controle dos processos formativos, os quais visam garantir uma qualificação padronizada para cada especialização do trabalho. É nesse âmbito que se elaboram as nomenclaturas de níveis de formação colocando em correspondência duas distribuições hierarquizadas, a da formação por um lado, a do emprego por outro. O raciocínio que pauta essa relação [...] não se fundamenta numa projeção da ordem existente, mas numa norma a ser estabelecida. (TANGUY, 1999, p. 50). Como nos informa Tanguy, a classificação dos níveis de formação aponta para uma aproximação entre o sistema de ensino e o sistema produtivo, trazendo subentendida a idéia de que a obtenção de um diploma autoriza o acesso a um determinado emprego correspondente. Deste modo, a procura por qualificação profissional termina por inserir no cerne dos processos formativos a preocupação com os postos de trabalho. Para racionalizar a formação em relação ao emprego, é preciso ainda instaurar uma pedagogia norteadora dos enunciados dos conteúdos a serem transmitidos, bem como da sua programação e modos de transmissão. Esta pedagogia se materializa na forma de referenciais de formação, que, por sua vez, apresentam-se em quadros que vinculam as competências requisitadas às principais funções exercidas as atividades privativas ou habilidades do profissional e aos saberes e instrumental técnico a serem ministrados (TANGUY, 1999). Pode-se inferir, seguindo esse esboço histórico, que a formação profissional concernente às requisições da expansão da grande indústria, em especial, com o taylorismo e o fordismo, caracteriza-se pelo predomínio da racionalização da qualificação profissional, relacionada ao nível de conhecimento especializado e ao seu rendimento. O papel determinado ao sistema educacional e às novas configurações atribuídas ao mesmo são conseqüentes ao modo como se (re)organiza a divisão social do trabalho e o conjunto das relações sociais. Nesse sentido, é preciso atentar para as alterações na esfera da produção, em âmbito mundial, nas décadas de 1980 e 90. Período este, marcado por inovações tecnológicas e pela flexibilização do processo produtivo, como resposta à crise do capital, devido ao esgotamento dos modelos taylorista e fordista. Trata-se de inflexões que provocam mudanças nos níveis de emprego, originando novas demandas que requisitam novos conteúdos à qualificação para o trabalho.

6 A flexibilização do processo produtivo e a valorização da noção de competências e habilidades O modelo flexível de produção é marcado pela automação do processo produtivo, dependendo menos de um saber-fazer técnico, o qual tende a ser incorporado às novas tecnologias, do que da iniciativa, da comunicação e das competências multifuncionais dos trabalhadores. Segundo Neise Deluiz (1995, p. 16), à flexibilidade da produção correspondem, entre outras características, a flexibilidade na prática do emprego. Equivale afirmar que, com a flexibilização da organização (e das relações) do trabalho, há uma valorização da versatilidade dos profissionais. Assim, as demandas procedentes do redimensionamento dos espaços ocupacionais requerem: uma qualificação multidimensional e polivalente, capacidade de abstração, capacidade de planejamento, domínio dos instrumentos e técnicas, capacidade de trabalho em equipe, dentre outros aspectos. Estas exigências põem na ordem do dia a constituição de um novo perfil para o trabalhador, o qual Desenvolve tarefas cada vez mais integradas, devendo possuir, além de habilidades práticas, capacidades de raciocínio abstrato e de análise, que o leve a pensar estrategicamente e a responder com criatividade a situações novas; capacidade sociocomunicativa que lhe dê condições de desenvolver trabalho cooperativo em equipe, e conhecimentos ampliados, que possibilitem a autonomia e independência profissionais (DELUIZ,1995, p. 19). Seguindo esta acepção, a educação deve voltar-se privilegiadamente para a prática, entendendo que as diversas capacidades especializadas efetivam-se na ocupação profissional. Observa-se, nesse pensamento, uma valorização da noção de competências e habilidades nos processos de qualificação/formação, as quais buscam ordenar a prática das diversas especializações do trabalho. As competências manifestam uma nítida preocupação com o desenvolvimento das capacidades dos trabalhadores. Estes são mobilizados a resgatar a sua autonomia e envolver-se subjetivamente com os saberes que organizam as atividades de trabalho, supostamente mais integradas e flexíveis (RAMOS, 2001, p. 38). A qualificação profissional consolida-se, então, como um processo que deve produzir capacidades múltiplas como um potencial adquirido pelos profissionais em face das demandas postas no cotidiano do seu trabalho.

7 É importante ressaltar que alguns autores 3 chamam atenção para um outro aspecto, qual seja: em vez de proporcionar um maior domínio do processo de produção, a requisição de competências e habilidades profissionais levou a um aumento da intensidade do trabalho e à desqualificação de inúmeros setores especializados, mediante a introdução das novas tecnologias; ocasionou também uma precarização do trabalho, através de contratos temporários ou parciais, e da terceirização. Considerações Pode-se inferir que a noção de competências e habilidades, as quais conformam as profissões na fase atual da sociedade capitalista, converge para o modo como se (re)organiza a divisão social e técnica do trabalho, bem como para os estágios de desenvolvimento das chamadas forças produtivas. As competências expressam o domínio de um arsenal de conhecimentos teóricos e práticos nos processos de qualificação/formação, necessários ao atendimento das demandas impostas pela divisão sócio-técnica do trabalho e pelas configurações dos espaços sócioocupacionais. Estas requisições determinam um arsenal de habilidades desempenhadas no exercício profissional, ou seja, as respostas construídas pelos profissionais. Essas inflexões articulam-se ao movimento mais amplo da totalidade social, o qual incide de modo particular em cada profissão. Segundo Netto, O problema teórico-analítico de fundo posto pelo fenômeno reside em explicar e compreender como, na particularidade prático-social de cada profissão, se traduz o impacto das transformações societária. Mais exatamente: o problema consiste em determinar as mediações que conectam as profissões particulares àquelas transformações (id., 1996, p. 89). É mister destacar a relevância do arcabouço teórico marxista na apreensão do significado sócio-histórico da requisição de competências e habilidades nos processos de qualificação/formação profissional. Com base nesta matriz analítica, conseguimos compreender que se trata de um mecanismo ideológico, o qual obscurece as reais necessidades de acumulação do capital, na atualidade, transferindo-as para os trabalhadores. 3 Cf. Antunes, 1995.

8 Referências Bibliográficas ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho: ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1995. BRAGA, Ruy. A restauração do capital: um estudo sobre a crise contemporânea. São Paulo: Xamã, 2. ed., 1997. DELUIZ, Neise. Formação do trabalhador: produtividade e cidadania. Rio de Janeiro: Shape Ed., 1995. DIAS, Edmundo Fernandes. Posfácio. In: BRAGA, Ruy. A restauração do capital: um estudo sobre a crise contemporânea. São Paulo: Xamã, 2. ed., 1997. NETTO, José Paulo. Transformações Societárias e Serviço Social: notas para uma análise prospectiva da profissão no Brasil. Serviço Social & Sociedade, ano XVII, n. 50. São Paulo: Cortez, 1996. RAMOS, Marise Nogueira. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação. São Paulo: Cortes, 2001. TANGUY, Lucie. Do sistema educativo ao emprego. Formação: um bem universal?. Educação e Sociedade, ano XX, n. 67. Campinas: CEDES, 1999.