TRABALHO DOCENTE NA ESCOLA PÚBLICA: SENTIDOS, DESAFIOS E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO Adriana Varani UFSCar Sorocaba

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Transcrição:

TRABALHO DOCENTE NA ESCOLA PÚBLICA: SENTIDOS, DESAFIOS E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO Adriana Varani UFSCar Sorocaba Nas últimas décadas a qualidade do trabalho pedagógico instaurado nas escolas tem sido alvo de diversas críticas, desde a sua estrutura disciplinadora, passando pelo discurso e prática da precária formação dos professores até o insucesso escolar das crianças. Ao longo da história diversos movimentos foram construídos questionando a constituição do trabalho pedagógico em suas diferentes dimensões: curricular, espaçotemporal, metodológica, político pedagógica. Vários deles propuseram diferentes formas da escola se reorganizar. Vale citarmos alguns, como o Movimento dos Pioneiros da educação, o movimento Freinet, o pensamento e as experiências vinculadas aos princípios freireanos. Tais movimentos, dentre outros, estão, ao longo do tempo, criando experiências no cotidiano escolar que quebram com alguns paradigmas da escola caracterizada como tradicional. E nos últimos anos de forma mais enfática e em consonância com objetivos no campo de políticas de governo, especialmente no campo econômico, algumas legislações estão sendo elaboradas e implementadas de forma a alterar substancialmente a organização escolar. Tais alterações são vividas, e porque não dizer, sofridas, pelos profissionais da educação no cotidiano escolar. Os professores com os quais temos trabalhado em diferentes projetos de formação têm nos dado indícios (GINZBURG, 1990) de como estas alterações tem afetado o trabalho pedagógico realizada na escola. Estas questões fazem parte do projeto de pesquisa em desenvolvimento denominado Trabalho docente na escola pública: sentidos, desafios e formas de organização, vinculado às minhas atividades de pesquisa, como professora de uma Universidade Federal. Sobre o projeto de pesquisa... O projeto tem como objetivo compreender os sentidos do trabalho coletivo docente no interior da escola frente às novas demandas de organização na atualidade, bem como criar espaços coletivos de reflexão e consequentemente, de formação continuada. Ele apresenta as seguintes questões: Quais as alterações vividas pelos professores no cotidiano escolar em função das demandas dos últimos anos?; Como estas alterações afetam seu trabalho?; Como os professores se sentem diante das

2 dificuldades oriundas das demandas atuais na escola?; Que práticas são construídas para superar as dificuldades?. As questões-problemas deste projeto partem do pressuposto da necessidade de diálogo entre a produção científica e o campo de pesquisa, neste caso o espaço escolar. O problema, ao ser construído pelos, com e sobre o trabalho docente, parte também do pressuposto da compreensão da importância do conhecimento cientifico construído sobre o cotidiano e sobre as maneiras de fazer do professor neste cotidiano (CERTEAU, 2001). Dirigir-se ao cotidiano colabora no processo de compreensão da complexidade do trabalho pedagógico. O presente projeto satisfaz esta necessidade através da pesquisa com os professores do ensino fundamental. A proposta foi sendo construída a partir da constituição de um grupo de estudos, contemplado com professores dos anos iniciais do ensino fundamental. Este espaço foi importante à medida que propiciou a aproximação com a realidade educacional local e com educadores dos anos iniciais, configurando-se como início de um laço social. Isto possibilitou a percepção de algumas alterações locais no campo educacional que, de diferentes formas, afetam significativamente o cotidiano escolar. Dentre estas estão: novas formas de organização dos tempos e espaços escolares; novos processos de avaliação; ampliação da idade escolar; propostas de inserção de segundo professor em sala de aula. O tipo de pesquisa a ser desenvolvido é o da pesquisa-ação (ELLIOT, 1990 e THIOLLENT, 2003) na inserção do cotidiano escolar (OLIVEIRA E ALVES, 2002). A pesquisa ação possibilita a inserção/intervenção do pesquisador no contexto a ser pesquisado, favorecendo um envolvimento ativo entre pesquisador e participante. Além disso, focaliza as relações sociais e as mudanças existentes na dinâmica investigada (THIOLLENT, 2003). Esta pesquisa consistirá de duas frentes: recuperação de histórias de professores pelas suas narrativas para identificar os sentidos produzidos sobre as alterações no campo educacional em seu cotidiano de trabalho. Outra frente será a aproximação com o cotidiano de uma escola para pensar estas questões a partir das práticas efetivadas. Tal pretensão de aproximação com uma escola também possibilitará a criação de um espaço que extrapole a coleta de dados, mas nos coloque em colaboração com o desenvolvimento institucional. Esta aproximação possibilitará a constituição de parceria possível no processo de pesquisa ação para a constituição de um espaço de formação continuada e assim encaminhar também o trabalho colaborativo (ZEICHNER, 1993).

3 Buscar-se-á abranger parceria com uma escola pública da região geográfica envolvida para investigar o cotidiano de práticas pedagógicas narradas e observadas e daí compreender os sentidos produzidos pelos sujeitos no trabalho realizado pelo grupo de docentes, diante das mudanças no contexto escolar, bem como quais as estratégias construídas para enfrentá-las. A escola com a qual manteremos a parceria poderá ser ou não a escola em que professores que terão suas histórias recuperadas, exercem sua profissão. Tais mudanças são compreendidas como decorrentes também da legislação dos últimos anos, o que nos leva a necessidade de fazer estudo documental na metodologia de pesquisa. Para a recuperação de histórias de professores pretendemos entrar em contato com professores de diferentes redes municipais da região em que nos localizamos. Tal contato se dará, inicialmente, através das respectivas Secretarias de Educação para identificar os interessados em participar da pesquisa. Estabeleceremos um número máximo de 20 professores. Como compreendemos que a metodologia adotada possibilita também os processos de formação dos envolvidos, o tempo dedicado ao trabalho com o grupo e qualidade dos dados nos envolverá intensamente e promoverá um corpo de dados que possibilitará compreender o objetivo delineado. Estudar a história de sujeitos localmente, não significa restringir o trabalho, porque como nos lembra (EZPELETA E ROCKWELL, 1989) a história local está carregada do contexto mais amplo e pode nos levar a compreender sua trama enredada em outras dimensões. Estudar como as professoras enfrentam estas mudanças em seu cotidiano pode nos levar a compreender quais são as possibilidades do trabalho, bem como seus limites ou ainda compreender o enredo histórico em que elas se encontram. Para concretização deste objetivo, a metodologia usada deverá privilegiar o levantamento e leitura de documentos sobre as diferentes propostas de organização atual da escola que, de alguma forma, estão sendo vivenciadas pelos professores. Vale enfatizar o caráter do trabalho de pesquisa com e não apenas sobre a escola, o que ultrapassa a compreensão da pesquisa apenas enquanto análise de um conjunto de dados coletados, mas como um momento de formação dos sujeitos envolvidos. Momento de formação porque haverá dinâmica do encontro com os professores e na escola e, lembrando Geraldi (2003) referenciando-se em Bakhtin, é na tensão do encontro entre o eu e tu que nos constituímos, nos processos interativos. "É nesta

4 atividade que se constrói a linguagem enquanto mediação sígnica necessária. Por isso a linguagem é trabalho e produto do trabalho" (p. 5). Caminhos trilhados Além da fase inicial de contato com professores da região onde se realiza a pesquisa, também encaminhamos alguns estudos no grupo de pesquisa. Foram realizados estudos no campo do cotidiano escolar, no campo de metodologia de pesquisa e de forma não sistemática de uma das alterações objeto de reflexão desta pesquisa, a saber, o campo das avaliações educacionais. A aproximação com a pesquisa no/do cotidiano escolar a partir de experiências vivenciadas ao longo da formação e de atuação nos últimos anos no âmbito da ação na pesquisa e extensão, tem nos levado a aprofundar o conceito de cotidiano e sua relação com os estudos que se preocupam com os sentidos produzidos por diferentes sujeitos (especialmente docentes). Ao nos aproximarmos deste conceito, nós o fizemos a partir do estudo de três autores Agnes Heller, José Pais e Michel de Certeau. Está em processo de produção uma sistematização destes estudos. A partir destes estudos, temos alinhavado algumas idéias sobre cada um em seus diferentes paradigmas assumidos. Ao tomarmos o cotidiano como espaço de reflexão, e mais especificamente, o cotidiano das práticas pedagógicas, onde a complexidade é elemento fundamental, temos que aceitar que a particularidade (HELLER, 1992) é objeto de reflexão. A particularidade, como elemento constituinte da ação individual, se aproxima do conceito de sentido em Vigotsky (1988). O sentido é um acontecimento semântico individual que ocorre a partir das relações sociais, num processo de singularização. Os sentidos são diversos. Ao tomar o cotidiano e os fazeres/dizeres/saberes provenientes desta dimensão, os sentidos são enunciados. Desta enunciação do/no/sobre o cotidiano, podemos refletir sobre a diversidade e complexidade que o constitui. Para o campo da pesquisa sobre práticas pedagógicas, tal assunção tem relevância para a compreensão de um fenômeno que, ao envolver sujeitos, envolve também individualidades. Muito tem se apregoado sobre a necessária compreensão do movimento das práticas pedagógicas para a produção da melhoria da qualidade de ensino. Um possível passo para esta compreensão é tomar a referência do cotidiano

5 como espaço desta diversidade, desta pluralidade de sentidos produzidos nos processos de interação com o outro. Referências Bibliográficas CERTEAU, M. A Invenção do Cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Editora Vozes, 2001. ELLIOT, J. La investigación-acción en educación. Madrid: Ediciones Morata, 1990. EZPELETA, J.; ROCKWELL, E. Pesquisa Participante. São Paulo: Cortez e Autores Associados, 1989. FREINET, C. - Para uma escola do povo: guia prático para a organização material, técnica e pedagógica da escola popular. S.P. Martins Fontes, 2001. FREIRE, P. Pedagogia da Esperança um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. GERALDI, Corinta M. G. Currículo em ação: buscando a compreensão do cotidiano da escola básica. In Pro-posições. v. 5 n. 3(15). Campinas, SP: Unicamp/FE, nov- 1994. p. 111-132. GERALDI, J.W. A diferença identifica. A desigualdade deforma. Percursos bakhtinianos de construção ética através da estética. In FREITAS, M. T., JOBIM, S. SOUZA, S. K. Ciências Humanas e Pesquisa: leitura de Mikhail Baktin. São Paulo: Cortez Editora, 2003. HELLER, A. O Cotidiano e a História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. OLIVEIRA, I. B. e ALVES, N. (org.) Pesquisa no/do cotidiano das escolas: sobre redes de saberes. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. STENHOUSE, L. La investigación como base de la enseñanza, Madrid: Morata, 1985. THIOLLENT, M. Crítica metodológica, investigação social e enquete operária. São Paulo: Polis, 1980. VARANI, A. A competência do trabalho coletivo entre professores nas políticas educacionais e no cotidiano escolar: uma questão contraditória. In Caderno de Resumos do Congresso Educação e Trabalho: Representações Sociais, Competências e Trajectórias Profissionais. Aveiro, Portugal, 2005. VYGOSTSKY, L. Pensamento e Linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988. ZEICHNER, K. M. A formação reflexiva de professores: idéias e práticas. Lisboa: Educa - Professores, 1993