I- RELATÓRIO: 20ª VARA DO TRABALHO DE BRASÍLA-DF Proc. No. 00942-22.2010.5.10.0020 SENTENÇA Vistos os autos. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO ajuizou ação civil pública em face de PETROBRÁS e PETROBRÁS DISTRIBUIDORA, formulando pleitos de natureza eficacial declaratória e condenatória. As rés, devidamente notificadas, compareceram à audiência e apresentaram respostas. Foram produzidas provas documentais. Razões finais remissivas. Frustradas as tentativas de conciliação. Valor da causa de R$ 2.000,00. É o relatório. II- FUNDAMENTAÇÃO: II.1- Das preliminares: II.1.1- Da preliminar de incompetência: Alega a primeira ré a preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho. Conforme o parâmetro estabelecido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, desde o julgamento do emblemático Conflito de Competência no. 6.959-6, o critério determinante para o reconhecimento da competência da Justiça do Trabalho consiste na natureza jurídica do vínculo apontado na causa de pedir. No caso dos autos, o litígio envolve a validade de previsão de edital de concurso público convocado pela segunda ré. O concurso público, por sua vez, conforme o disposto no art. 37, II da CF e tese da Súmula 363 do TRT consiste em procedimento indispensável ao negócio jurídico correspondente à relação de emprego estabelecida entre a Administração Pública e o empregado público (celetista). Assim, o direito em debate se relaciona ao procedimento voltado ao estabelecimento de relações de emprego.
Nestes termos, considerando a premissa de que a competência da Justiça do Trabalho é determinada pela natureza jurídica da relação na qual nasce o litígio, associada à premissa de que a presente ação busca questionar ato praticado para o estabelecimento de relações de natureza empregatícia, entendo que não é necessária intensidade elevada em termos de mobilização de estruturas neurocognitivas para constatar que a competência recai sobre a Justiça do Trabalho. Aliás, em última análise, a pretensão formulada nestes autos tem por trás uma alegação com sentido discriminatório quanto à contratação. Assim, se há alegação de discriminação no âmbito da fase pré-contratual-empregatícia, a qual resulta efetivamente ou potencialmente na não contratação, bem como a compromete, não há dúvida de que a competência recai sobre a Justiça do Trabalho. Assim, observando o disposto no art. 114 da CF, rejeito a preliminar. I.1.2- Da preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho: Alegam as rés a ilegitimidade do Ministério Público do Trabalho para ajuizamento da presente ação. Analisando a causa de pedir e os pedidos, é inegável que, por um lado, a pretensão conta com natureza transindividual. Inegavelmente, a presente ação busca promover defesa de interesses de natureza difusa, envolvendo todos os potencialmente atingidos, ao menos em tese, pela lesão relatada. Ou seja, constata-se com nitidez que o litígio conta com natureza tipicamente coletiva. Por outro lado, ao envolver o controle de legalidade de concurso público, ou seja, do procedimento adotado pela Administração Pública para o estabelecimento de relações de emprego, também é inegável a presença do interesse público. Neste sentido, constato a legitimidade do Ministério Público do Trabalho, nos exatos termos do art. 129 da Constituição Federal e do art. 83, II da Lei Complementar 75/1993. Destaco ainda que exatamente nesta direção, quanto à legitimidade do Ministério Público para o controle de legalidade de concursos públicos voltados à contratação de
empregados públicos, tem se orientado a jurisprudência. Quanto ao tema destaco precedente da do TST, inclusive envolvendo as mesmas partes destes autos (MPT x Petrobrás), nos seguintes termos: RECURSO DE REVISTSA - MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - LEGITIMIDADE - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CRITÉRIOS DE EDITAL DE CONCURSO PÚBLICO - DIREITOS DIFUSOS. Discute-se nos presentes autos a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para questionar edital de concurso público por meio de Ação Civil Pública. Duas questões emergem da discussão posta em juízo, a saber o cabimento, na espécie, de ação civil pública; e a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para o seu ajuizamento. Em relação ao cabimento da Ação Civil Pública, dispõe o art. 128 da Constituição Federal que o Ministério Público abrange o Ministério Público da União - que compreende o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios - e o Ministério Público dos Estados. O art. 129, III, do mesmo diploma, estabelece como funções institucionais do Ministério Público a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. No caso dos autos, a Ação Civil Pública promovida pelo Parquet tem por objeto a abstenção da Petrobras em adotar critérios econômicos subjetivos na avaliação -bio-psicosocial- das provas em seus concursos públicos, com fundamento nos princípios que regem a Administração Pública, previstos no art. 37 da Carta Magna, e com o intuito de evitar a ocorrência de situações de discriminação. Constata-se que o rol de pedidos envolve a existência de direitos difusos, considerando a definição do art. 81, I, do Código de Defesa do Consumidor. Tal natureza decorre da indivisibilidade do interesse, pois a garantia constitucional de acesso aos cargos, empregos e funções públicas constitui bem jurídico fruível por todos os brasileiros ou estrangeiros que preencham os requisitos legais, nos termos do art. 37, I, da Constituição Federal. Presente, ainda, a indeterminação dos titulares por não ser possível precisar os potenciais candidatos ao certame
público; e a existência de liame circunstancial fático entre os candidatos, qual seja, a preservação da igualdade de condições na concorrência ao cargo público. (TST-RR-142040-87.2000.5.01.0022 1ª Turma - Rel Min Vieira de Melo Filho DEJT 16/06/2011) Assim, constato a legitimidade do MPT e rejeito a presente preliminar. I.3- Da preliminar ilegitimidade da primeira ré: Alega a primeira ré a ilegitimidade para figurar no pólo passivo da relação processual. Sustenta a carência de ação, pugnando pela extinção do processo sem julgamento do mérito. O direito de ação, conforme a concepção modernamente adotada, consiste, enquanto natureza jurídica, em direito autônomo e relativamente abstrato. Ou seja, existe autonomia do direito de ação em relação ao direito material, mas tal direito de ação conta com caráter abstrato apenas de forma relativa, vez que subsiste a necessidade da presença das condições da ação, dentre as quais destaca-se a legitimidade de parte. Não obstante a referida abstração relativa, esta não pode implicar na confusão entre o direito material e o direito de ação, ou seja, o processual. Assim, o debate em torno da legitimidade ad causam não pode se confundir com o mérito. No caso dos autos, constato que, com efeito, o edital impugnado envolve concurso público convocado pela segunda reclamada (Petrobrás Distribuidora), e não pela primeira reclamada (Petrobrás). Porém, é incontroverso e notório o fato de que a segunda ré consiste em sociedade empresária subsidiária da primeira, se sujeitando às diretrizes firmadas por esta (Petrobrás). Além da referida dinâmica gerencial-societária e não obstante não ter sido juntado aos autos o estatuto da segunda ré, mas considerando a lógica do Direito Administrativo, é inegável também a existência de subordinação administrativa. Não bastassem tais compreensões, o presente cenário permite o enquadramento na regra prevista no art. 2º, 2º da
CLT, correspondente ao grupo econômico. Neste sentido, saliento que a tese da Súmula 129 do TST consagrou como regra a teoria da solidariedade ativa no âmbito do grupo econômico, a qual leva à tese do empregador único. Assim, entendo que resta configurada a legitimidade da primeira ré para figurar no pólo passivo da relação processual, de modo que rejeito a preliminar. II.2- Do mérito: Alega o Ministério Público do Trabalho a invalidade de exigência prevista em edital publicado pela segunda reclamada (Edital no. 1 PSP 1/2010, de 25/02/2010), voltado à convocação de concurso público, especificamente quanto ao emprego de Técnico de Segurança Júnior. Postula a declaração de invalidade e a condenação à obrigação de se abster do estabelecimento da exigência impugnada. As rés alegaram a validade da exigência. Sustentaram a compatibilidade com as atribuições do emprego. Registro inicialmente que as rés consistem em entes da Administração Pública, se sujeitando aos ditames do Direito Administrativo, principalmente os princípios constitucionais previstos no art. 37 da Constituição Federal. Dentre estes, destaca-se o princípio da legalidade, o qual tem o sentido de que o administrador não pode fazer tudo o que não é proibido sentido este aplicável a qualquer particular, mas de que somente pode fazer aquilo que a lei autoriza. Por outro lado, o concurso público, enquanto mecanismo voltado ao estabelecimento das relações empregatícias estabelecidas no âmbito da Administração Pública, conta com um aspecto formal e outro material. No plano formal trata-se de procedimento indispensável à validade do vínculo jurídico, nos termos do art. 37, II da CF. A sua inobservância implica na nulidade do negócio jurídico, na conformidade do disposto no 2º do art. 37 da CF e da tese da Súmula 363 do TST. No plano material o concurso público consiste em mecanismo voltado à garantia de isonomia, entre os interessados na ocupação de postos de trabalho na estrutura administrativa do Estado. Assim, todas as regras e atos devem ser pautados por este postulado ético-isonômico. Exatamente esta lógica tem promovido uma verdadeira revolução jurisprudencial sobre o tema. Tais avanços têm sido
pautados por precedentes e teses jurídicas fundamentadas nos mais relevantes e evoluídos princípios republicanos. Neste sentido, quando se trata de exigências previstas em edital, a regra é a legalidade estrita. Ou seja, o administrador, ao compor as cláusulas que compõe o instrumento convocatório, não pode estabelecer requisitos que não tenham amparo legal. Desconsiderar esta sistemática tem como conseqüência natural a violação ao princípio da isonomia entre os candidatos. E precedentes contemplando tal compreensão existem de sobra. Sobre o tema destaco precedente do STF que tratou do tema da exigência de altura mínima não prevista em lei para carreiras militares:...entendo por inaplicável a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal que autoriza a fixação, em lei, de altura mínima para o ingresso no serviço público, a depender das peculiaridades e especificidades da atividade pública a ser exercida, mesmo para a carreira específica de policial militar (conforme, RE 148.095, rel. min. Marco Aurélio; e RE 176.081, rel. min. Octávio Gallotti). Não havendo qualquer limitação de estatura prevista em lei ordinária, não pode o edital arbitrar uma altura mínima abaixo da qual se vedaria o ingresso na carreira de policial militar, isso porque os arts. 37, I, 143, 3º, da Constituição, estabelecem verdadeira reserva legal e, por isso, somente a lei pode determinar critérios específicos de admissão a cargos militares (MS 20.973, rel. min. Paulo Brossard)... (STF-AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 460.131-4 - RELATOR MIN. JOAQUIM BARBOSA) A partir de tais premissas jurídicas, fundadas nos princípios da legalidade e isonomia, analisando o cenário estabelecido nos autos, verifico que não há dúvida de que o art. 2º da Lei 7.410/1985, o art. 1º da Portaria 3.275/1989 do Ministério do Trabalho e a Norma Regulamentadora no. 04 não contam com qualquer previsão específica no sentido de exigir, para a atuação do Técnico de Segurança do Trabalho, a carteira nacional de habilitação da modalidade C. Por outro lado, analisando a tese das rés, o que se verifica é o argumento de que indiretamente, e em determinadas situações, tais habilidades seriam necessárias, como nos casos de situações de acidentes ou eventos semelhantes.
Não nego que a reclamada tenha razão, no sentido de que, em determinadas situações, o Técnico de Segurança precise conduzir veículos restritos aos portadores da CNH C. Porém, para compatibilizar a presente necessidade com o princípio da legalidade e isonomia, haveria uma solução muito simples: exigir que o candidato, no curso de formação, adquirisse tal habilitação, com os custos de obtenção e inclusive treinamentos, suportados pela ré. Aliás, entendo que esta seria uma boa solução pela via conciliatória, caso as rés não fossem intransigentes como se comportaram ao longo de toda a relação processual, não apresentando qualquer disposição em solucionar a lide por meio do referido caminho da conciliação. Nestes termos, entendo que a exigência atacada por meio da presente ação se mostra ilícita. Dessa maneira, decido o seguinte: - declaro a invalidade da exigência de carteira de habilitação tipo C para o emprego de Técnico de Segurança, em relação a qualquer edital que venha a ser publicado pelas rés; - condeno as rés a se absterem de estabelecer nos editais de concursos públicos voltados à contratação de Técnico de Segurança do Trabalho exigência de carteira nacional de habilitação do tipo C, sob pena de condenação ao pagamento de multa de R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais) por cada edital, a ser revertida para o Fundo de Amparo ao Trabalhador, enquanto medida de eficácia do presente provimento jurisdicional, nos termos do art. 461 do CPC, aplicável subsidiariamente na forma do art. 769 da CLT; - no caso de descumprimento e execução da multa, fica desde já determinado o envio de ofício ao Ministério Público Federal, Tribunal de Contas da União, Corregedoria Geral da União e Comissão de Valores Mobiliários, para a adoção das providências entendidas como cabíveis contra os administradores públicos responsáveis pelo descumprimento, nas esferas cível, administrativa e criminal. III- DISPOSITIVO: Em face do exposto, julgo procedentes os pedidos, nos termos da fundamentação que integra o presente dispositivo, para declarar a invalidade da exigência de carteira de habilitação tipo C para o emprego de Técnico de Segurança, em relação a qualquer edital que venha a ser publicado pelas rés e condenar as rés a se absterem de estabelecer nos editais de concursos públicos voltados à contratação de Técnico de Segurança do Trabalho exigência de carteira nacional de habilitação do tipo C, sob pena de condenação ao pagamento de multa.
Ante a natureza da obrigação objeto da condenação não há fato gerador de tributo. Custas pelas reclamadas no valor de R$ 40,00 (2% de R$ 2.000,00, arbitrado, tomando como parâmetro o valor da causa e considerando que o comando principal da sentença envolve eficácia declaratória e condenatória de obrigação de fazer). Intime-se as partes. Brasília, 26/03/2012. Rogerio Neiva Pinheiro Juiz do Trabalho Substituto