Matemática Elementar. Matemática Elementar por Inaldo Barbosa de Albuquerque

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Matemática Elementar i Matemática Elementar por Inaldo Barbosa de Albuquerque

Matemática Elementar ii COLLABORATORS TITLE : Matemática Elementar ACTION NAME DATE SIGNATURE WRITTEN BY Inaldo Barbosa de Albuquerque 2003-12 REVISION HISTORY NUMBER DATE DESCRIPTION NAME 1.0 2003-12 I

Matemática Elementar iii Sumário 1 Relações de Equivalência 1 1.1 Situando a Temática................................... 1 1.2 Problematizando a Temática.............................. 1 1.3 Conhecendo a Temática................................. 2 1.3.1 Relações de Equivalência............................ 2 1.3.2 Classes de Equivalência............................ 3 1.4 Avaliando o que foi construído............................. 3 2 Enumerabilidade 4 2.1 Situando a Temática................................... 4 2.2 Problematizando a Temática.............................. 4 2.3 Conhecendo a Temática................................. 4 2.3.1 Conjuntos parcialmente ordenados....................... 4 2.3.2 Conjuntos Totalmente Ordenados....................... 5 2.3.3 Conjuntos Bem Ordenados........................... 6 2.3.4 Axioma da Boa Ordenação........................... 6 2.3.5 Princípio da Indução.............................. 7 2.3.6 Enumerabilidade................................ 7 2.3.6.1 Hotel de Hilbert........................... 8 2.4 Avaliando o que foi construído............................. 9 A Simbologia 10 3 Índice Remissivo 11

Matemática Elementar 1 / 11 Capítulo 1 Relações de Equivalência 1.1 Situando a Temática Nesta unidade introduzimos os conceitos de Relação de Equivalência e de Conjunto Quociente, muito importantes no estudo das Estruturas Algébricas. 1.2 Problematizando a Temática A Matemática tem atraído e ocupado grandes pensadores da História da Humanidade, desde Arquimedes e Euclides, na Grécia Antiga, até os dias de hoje, com um enorme contingente de cérebros trabalhando para descobrir novas teorias ou avançando cada vez mais nos campos já existentes, bem como, não menos importante, ajudando a disseminar o conhecimento matemático e motivando novos discípulos para a prática da Ciência. O que leva a humanidade a estudar Matemática? Muitos hão de responder que é a utilidade demonstrada por essa ciência em praticamente todos os campos do conhecimento humano, notadamente em Física, Economia e Engenharia. Verdade. Mas também é verdade que muito provavelmente Euclides não estava preocupado com aplicações práticas quando escreveu seus famosos Elementos, bem como os pesquisadores atuais de Matemática pura. Nós a estudamos porque somos humanos, pura e simplesmente, e, como humanos, temos a curiosidade de sempre saber mais, não importa se o conhecimento é sobre estrelas que estão a milhões de anos-luz e que não interferem no nosso planeta ou se são os mistérios da Natureza, a beleza da Música ou a simplicidade e o rigor da Matemática. Quando estudamos Geometria Euclidiana, segmentos congruentes, bem como ângulos congruentes ou quaisquer figuras geométricas congruentes, são tratados como um único objeto, não importando se um triângulo está localizado aqui e outro, congruente, está a 10 quilômetros. O mesmo pode se dar em qualquer conjunto, quando desejamos tratar da mesma forma elementos que satisfaçam determinadas propriedades. Por exemplo, no conjunto dos números inteiros Z, podemos reunir todos os pares numa classe e tratá-los como se fossem um só elemento e os ímpares (outra classe) também como outro elemento. Desta forma, escolhemos um elemento no conjunto dos pares, pode ser o número 0, como representante de todos eles e escolher o número 1 para representante dos ímpares. Esse novo conjunto (das classes de pares e ímpares) é denotado por Z 2 = {0,1}.

Matemática Elementar 2 / 11 1.3 Conhecendo a Temática 1.3.1 Relações de Equivalência O Produto Cartesiano entre dois conjuntos A e B é definido como sendo o conjunto dos pares ordenados (x,y) tais que x A e y B e é denotado por AxB. Exemplo 1.1 Produto cartesiano Dados A = {a,b,c} e B = {1,2}, temos AxB = {(a,1),(a,2),(b,1),(b,2),(c,1),(c,2)} Note que, quando A e B são finitos, o número de elementos de AxB é o produto do número de elementos de A pelo número de elementos de B. Definição Uma relação binária R entre os elementos de um conjunto A com os elementos de um conjunto B é um subconjunto do produto cartesiano AxB. Quando (x,y) R, escrevemos xry. Exemplo 1.2 Relação binária Dados A = {a,b,c} e B = {1,2,3,4,5}, considere R = {(a,3), (b,2),(b,5)}. Neste caso, temos ar3, br2 e br5, c não está relacionado a nenhum elemento de B e há elementos de B que não se relacionam com qualquer elemento de A, a saber, 1 e 4. A definição a seguir é a mais importante desta unidade. Definição Seja A um conjunto não vazio. Uma relação binária R em A que satisfaz às seguintes propriedades é chamada Relação de Equivalência em A: xrx, x A (R é reflexiva) Se xry então yrx (R é simétrica) Se xry e yrz então xrz (R é transitiva) Nota Quando R é uma relação de equivalência em um conjunto A, denotamos R por. Exemplo 1.3 Igualdade A igualdade (=) é o exemplo mais óbvio de relação de equivalência. Na verdade, a relação de equivalência é uma generalização da igualdade. Exemplo 1.4 Matrizes Semelhantes Duas matrizes quadradas nxn A e B são ditas semelhantes quando existe uma matriz nxn invertível C tal que A = C 1 BC. Semelhança de matrizes é um exemplo de relação de equivalência no conjunto das matrizes quadradas nxn.

Matemática Elementar 3 / 11 1.3.2 Classes de Equivalência Dada uma relação de equivalência em um conjunto A, para cada elemento x A consideremos o conjunto C x = {a A;x y}. C x é chamado Classe de Equivalência de x (módulo ). EXEMPLOS Considere a relação de equivalência em Z definida por: x y quando x - y for um número par. Neste caso, a classe de equivalência de x = 1 é o subconjunto de todos os números ímpares. Com a mesma relação de equivalência do item anterior, a classe de equivalência de 2 é o subconjunto dos números pares. Definição Dado um conjunto A e uma Relação de Equivalência, definimos o conjunto quociente A/ como sendo o conjunto de todas as classes de equivalência (módulo ). Exemplo 1.5 Elementos de um conjunto quociente Com a relação de equivalência definida no conjunto Z dos números inteiros por: x y se x - y é múltimplo de 3, o conjunto quociente Z/ = Z 3 tem exatamente 3 elementos. Exercício Determine quais são os três elementos do conjunto quociente Z/ = Z 3 para a relação de equivalência do exemplo anterior. Teorema Dados dois conjuntos A e B uma função F de A em A existe uma única relação de equivalência, definida por: x y se F(x) = F(y). Reciprocamente, dada uma relação de equivalência em um conjunto A, é possível definir uma função F tal que x y se F(x) = F(y). Exemplo 1.6 Associando uma função Para a relação de equivalência, no conjunto dos números inteiros Z, dada por x y se x - y é múltiplo de 2, basta definir a função F : Z Z por F(x) = 0, se x for par e F(x) = 1, se x for ímpar. 1.4 Avaliando o que foi construído Nesta unidade, apresentamos o conceito de Relação de Equivalência em um conjunto A, verificando que toda relação de equivalência em A pode ser associada a uma função f : A B e vice-versa, ou seja, dada f : A B, existe uma única relação de equivalência em A associada a f. Com uma relação de equivalência em A, simplificamos o conjunto A com o uso do conceito de conjunto quociente A/.

Matemática Elementar 4 / 11 Capítulo 2 Enumerabilidade 2.1 Situando a Temática Nesta unidade introduzimos os conceitos de boa ordenação, de número cardinal de um conjunto infinito, enumerabilidade e não enumerabilidade. Quando Cantor 1 concebeu a Teoria dos Conjuntos pensou também em estender o conceito de número de elementos de um conjunto (número cardinal, que ele chamou também de potência) para conjuntos infinitos, no que teve pleno sucesso. 2.2 Problematizando a Temática No caso de A e B serem finitos, isso é mais ou menos óbvio que f : A B bijeção acarreta n(a) = n(b). Estendendo o conceito para conjuntos infinitos, Cantor define que A e B possuem a mesma potência se existir uma função bijetiva f : A B. Assim o conjunto N dos números naturais tem a mesma potência que um subconjunto seu, o conjunto P dos números pares, haja visto que a função f : N P, definida por f (a) = 2a, é uma bijeção. A potência de um conjunto A é maior do que a potência de B quando não existe função g : B A sobrejetiva. O nosso problema/objetivo será determinar em que classe de potência está um dado conjunto. 2.3 Conhecendo a Temática 2.3.1 Conjuntos parcialmente ordenados Definição Dado um conjunto não vazio A, uma ordem parcial em A é uma relação binária que satisfaz: x x, para todo x em A (propriedade reflexiva) x y e y x então x = y (propriedade antissimétrica) Se x y e y z então x z (propriedade transitiva) O conjunto A, munido de uma ordem, é denotado por (A, ) e é dito parcialmente ordenado. 1 George Ferdinand Ludwig Philipp Cantor (São Petersburgo, 3 de Março de 1845 - Halle, Alemanha, 6 de Janeiro de 1918) foi um matemático russo de origem alemã conhecido por ter criado a moderna Teoria dos Conjuntos.

Matemática Elementar 5 / 11 Exemplo 2.1 Desigualdade usual em um conjunto numérico A desigualdade usual ( ) nos fornece uma ordem parcial para o conjunto dos números reais R. Neste caso, dados dois elementos quaisquer x,y R, sempre existe a comparação: x y ou y x. Observe que esta não é uma exigência para que tenhamos uma ordem parcial. Exemplo 2.2 Desigualdade estrita < < (menor) não é uma ordem parcial para um conjunto numérico qualquer A, pois não satisfaz a propriedade reflexiva. Por exemplo, se 1 pertence a A, não é verdade que 1 < 1. Exemplo 2.3 Conjunto das partes Dado X um conjunto não vazio, definimos uma ordem em P(X), o conjunto das partes de X, por: A B se A é subconjunto de B, onde A e B são subconjuntos de X (elementos de P(X)). Exemplo 2.4 Conjunto das partes II Considere A = {0,1,2,3}. Em P(A), com a relação de ordem definida no exemplo anterior, temos {0,1} a b {0,1,3} e os elementos {1,2} e {2,3} P(A) não se comparam. Nota Dados x e y em um conjunto parcialmente ordenado, se ocorrer de x y e x y, escrevemos x < y. 2.3.2 Conjuntos Totalmente Ordenados Uma relação de ordem parcial em um conjunto não vazio A é chamada de ordem total se, e somente se, dados a,b A quaisquer, ocorre a b ou b a, isto é, dois elementos quaisquer sempre são comparáveis. Um conjunto A com ordem total é chamado de totalmente ordenado. Todo subconjunto de R, com a ordem usual menor ou igual, é totalmente ordenado. Exemplo 2.5 Conjunto das Partes Dado um conjunto X com pelo menos dois elementos, seu conjunto das partes P(X), com a ordem parcial definida no exemplo 2.3, não é totalmente ordenado, pois se a,b X, com a b, os elementos {a},{b} P(X) não se comparam. Note que só podemos chamar de Relação de Ordem Parcial quando forem satisfeitas as três propriedades (reflexiva, antissimétrica e transitiva). Observe também e isto é muito importante que, em um conjunto parcialmente ordenado, dois elementos quaisquer não são necessariamente comparáveis. Quando isso ocorre, temos uma relação de Ordem Total. Definição Seja (A, ) um conjunto parcialmente ordenado. Um subconjunto B de A é dito limitado inferiormente se existir a A tal que a x, x B. O elemento a A é chamado cota inferior de B. Analogamente, definimos limitação superior e cota superior de um subconjunto B de A. Por exemplo, dado o intervalo aberto I = (0,1) no conjunto dos números reais, é fácil ver que o número 2 é uma cota superior para I e o número -5 é uma cota inferior. Veja que existem muitas outras cotas inferiores e superiores para o intervalo I.

Matemática Elementar 6 / 11 2.3.3 Conjuntos Bem Ordenados Vamos introduzir agora o conceito de conjunto bem ordenado. Para não fazer confusão com ordem parcial e ordem total, é conveniente e recomendável que volte às definições anteriores e aos exemplos para fixar melhor esses conceitos. Construa você mesmo mais exemplos e o aprendizado será pleno. Tente definir formalmente o conceito de maior elemento e de menor elemento de um conjunto ordenado X e observe que nem sempre existem tais elementos. Definição Um conjunto não vazio A é dito bem ordenado se, e somente se, todo subconjunto não vazio de A possui um menor elemento. EXEMPLOS O conjunto dos números inteiros Z, com a ordem usual, não é bem ordenado pois não possui, ele próprio, um menor elemento. O conjunto dos números naturais N é bem ordenado. O conjunto dos números reais positivos não é bem ordenado pois o intervalo aberto I = (3,7) não possui menor elemento. 2.3.4 Axioma da Boa Ordenação O conjunto dos números naturais N, com a ordem usual, é bem ordenado, ou seja, todo subconjunto não vazio de N possui um menor elemento. Axioma, segundo o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, é premissa considerada necessariamente evidente e verdadeira, fundamento de uma demonstração, porém ela mesma indemonstrável, originada, segundo a tradição racionalista, de princípios inatos da consciência ou, segundo os empiristas, de generalizações da observação empírica. 2 2 O princípio aristotélico da contradição ( nada pode ser e não ser simultaneamente ) foi considerado desde a Antiguidade um axioma fundamental da Filosofia.

Matemática Elementar 7 / 11 2.3.5 Princípio da Indução Figura 2.1: Princípio da Indução associada ao dominó O princípio da indução é frequentemente associado ao efeito dominó: se você tem uma longa fila de dominós em pé e você puder assegurar que (1) o primeiro dominó cairá; e (2) sempre que um dominó cair, seu próximo vizinho também cairá. Então você pode concluir que todos os dominós cairão. O princípio da indução é uma decorrência direta do axioma da boa ordenação. Teorema (Princípio da Indução) Seja X um subconjunto de N com as seguintes hipóteses: 1 é elemento de X Dado um número natural n, se n for elemento de X então n + 1 é elemento de X Tese: X = N*. 2.3.6 Enumerabilidade Dado um número natural n, definimos I n = {1,2,3,...,n}. Teorema Se n < m, não existe bijeção entre I n e I m. O teorema anterior nos permite definir o número de elementos de um conjunto finito X como sendo n se, e somente se, existe uma bijeção f : X I n entre X e I n. Nota Conjuntos A e B terão a mesma cardinalidade se existir uma bijeção entre A e B. Como a função F que associa, a cada número natural n, o seu dobro, ou seja, F(n) = 2n, é uma bijeção, temos que o conjunto dos pares tem a mesma cardinalidade do conjunto dos números naturais N.

Matemática Elementar 8 / 11 Definição Conjuntos finitos ou que possuam a mesma cardinalidade de N são chamados de conjuntos enumeráveis. 2.3.6.1 Hotel de Hilbert Para entendermos melhor a diferença entre conjuntos finitos e infinitos, apresentamos-lhe o Hotel de Hilbert: 3 Hotel de Hilbert é um fato matemático sobre conjuntos infinitos. É chamado de paradoxo por ser contraintuitivo, fato bastante comum quando se trata de conjuntos infinitos. Figura 2.2: O Hotel de Hilbert Suponha um hotel hipotético cuja quantidade de quartos seja infinita e que todos estejam ocupados, isto é, o hotel não tem mais vaga. Suponha que uma pessoa chega e quer se hospedar no hotel. Se o hotel tivesse apenas um número finito de quartos, é claro que essa pessoa teria que procurar em outro local, mas, como o hotel possui um número infinito de quartos, é possível resolver o problema de acomodação do novo hóspede da seguinte forma: move-se o hóspede do quarto 1 para o quarto 2, o hóspede do quarto 2 para o quarto 3 e assim por diante. Desta forma, fica vago o quarto 1 e podemos acomodar o novo hóspede nele. Por um argumento análogo é possível alocar um número infinito enumerável de novos clientes: apenas mova o hóspede do quarto 1 para o quarto 2, o hóspede do quarto 2 para o quarto 4 e, em geral, do quarto N para o quarto 2N. Assim todos os quartos de número ímpar estarão livres para os novos hóspedes. Isso dá um resultado importante e não intuitivo: a situação todo quarto está ocupado não é equivalente a nenhum novo hóspede pode ser acomodado quando existe um número infinito de quartos. Alguns acham este fato bastante contraintuitivo. As propriedades de conjuntos infinitos são bastante diferentes daquelas dos conjuntos finitos. Em um hotel comum, ou seja, com um número finito de quartos (maior do que 1), o número de quartos com numeração ímpar é claramente menor que o número total de quartos. Entretanto, no Hotel de Hilbert, a quantidade (cardinalidade) de quartos com 3 Matemático alemão David Hilbert (1862-1943)

Matemática Elementar 9 / 11 numeração ímpar é igual ao número total (cardinal) de quartos. Em termos matemáticos, a cardinalidade do subconjunto contendo apenas os quartos com numeração ímpar é a mesma do conjunto contendo todos os quartos. Em outras palavras, para qualquer conjunto infinito enumerável X, existe uma bijeção entre X e o conjunto dos números naturais N, mesmo que o conjunto contenha (e seja distinto) do conjunto dos números naturais. Informações úteis Prova-se que se os conjuntos A e B são enumeráveis, seu produto cartesiano AxB é enumerável. Como corolário deste resultado, tem-se que o conjunto Q, dos números racionais, é enumerável. Já o conjunto R, dos números reais, não é enumerável. 2.4 Avaliando o que foi construído Nesta unidade, apresentamos o conceito de conjunto ordenado (parcial e totalmente) e estendemos a noção de número de elementos de um conjunto finito para conjuntos infinitos. Definimos enumerabilidade de um conjunto e vimos que o produto cartesiano de conjuntos enumeráveis é enumerável e a união enumerável de conjuntos enumeráveis é também enumerável.

Matemática Elementar 10 / 11 Apêndice A Simbologia Alguns símbolos que usamos em Teoria dos Conjuntos: Principais Conjuntos numéricos: O Conjunto Vazio é indicado pelo símbolo /0. A letra N indica o conjunto dos números naturais: N = {1,2,3,... }. Z é usado para o conjunto dos números inteiros: Z = {...,-1,0,1,2,... }. Q é o conjunto dos números racionais. R é o conjunto dos números reais. - pertence e / - não pertence Usamos este símbolo ( ) para indicar que um elemento a está em um conjunto X e o símbolo / para indicar que um elemento a não está em um conjunto X. 3 Z e -2 / N. - está contido em Símbolo usado entre conjuntos A e B, para indicar que um é subconjunto do outro. Escrever A B significa que A é subconjunto de B, ou seja, todos os elementos de A são também elementos de B. N Z Q R. - para todo No conjunto das partes P(X) com X /0, com a ordem parcial definida no exemplo 2.3, temos que /0 A, A X.

Matemática Elementar 11 / 11 Capítulo 3 Índice Remissivo A Axioma da Boa Ordenação, 6 B Binária, 2 Boa ordenação, 4 C Cantor, 4 Cardinalidade, 7 Classe de equivalência, 2 Conjunto das Partes, 10 Conjunto das partes, 5 Conjunto infinito, 4 Conjunto Q, 9 Conjunto quociente, 3 Conjunto R, 9 Conjunto Vazio, 10 Conjuntos Bem Ordenados, 6 Cota inferior, 5 Cota superior, 5 P Potência de um conjunto, 4 Princípio da Indução, 6 Produto Cartesiano, 2 Produto cartesiano, 9 R Relação binária, 2 Relação de equivalência, 3 Relações de Equivalência, 2 T Teoria dos Conjuntos, 10 E Enumerabilidade, 4, 7 H Hilbert, 8 Hotel de Hilbert, 8 M Maior elemento, 6 Matrizes Semelhantes, 2 Menor elemento, 6 N Número Cardinal, 4 O Ordem parcial, 4 Ordem total, 5