HOSPITAL PEDIÁTRICO de COIMBRA Protocolos do Serviço de Urgência AFOGAMENTO

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HOSPITAL PEDIÁTRICO de COIMBRA Protocolos do Serviço de Urgência 1 AFOGAMENTO DEFINIÇÃO AFOGAMENTO: É o processo que condiciona a disfunção respiratória devido à submersão/imersão num meio líquido, independentemente da sobrevida ou não. AFOGAMENTO de ÁGUA DOCE e AFOGAMENTO de ÁGUA SALGADA Em ambos os casos o edema pulmonar é NÃO CARDIOGÉNICO As diferenças de fisiopatologia não são significativas e não alteram a terapêutica, O tratamento é sempre dirigido para a correcção da Hipoxia. Recomended guidelines for uniform reporting of data from drowning: the Utstein style; Ressuscitation 59 (2003)

FISIOPATOLOGIA 2 SUBMERSÃO / IMERSÃO > Apneia voluntária > Pânico > Engolem pequenas quantidades de água > Laringoespasmo involuntário de duração variável > Hipoxémia + Hipercapnia + Acidose INGESTÃO PASSIVA E ACTIVA / ASPIRAÇÃO DE ÁGUA: Independente do tipo de água Independente da quantidade de água (1-3ml/Kg reduz compliance pulmonar em 10-40% Destruição do surfactante Alveolites Edema pulmonar não cardiogénico Bloqueio de trocas gasosas entre superfície alveolar e capilar DIMINUIÇÃO da FUNÇÃO CARDÍACA VASOCONSTRIÇÃO PERIFÉRICA INTENSA (hipotermia e libertação de epinefrina) HIPOTENSÃO ARTERIAL / HIPERTENSÃO PULMONAR SE HIPÓXIA NÃO REVERTIDA BRADICARDIA HIPOTENSÃO ACENTUA-SE DISSOCIAÇÃO EXTROMECÂNICA HIPOTERMIA: Aspecto particular da fisiopatologia Definição: doentes com temperatura corporal central < 35ºC. Classificação: Hipotermia Ligeira (32-35ºC): Depressão do estado de consciência, tremores. Apenas reaquecimento esterno. Hipotermia Moderada (28-32ºC): Os mecanismos termo-reguladores falharam. Surge cianose, edema tecidular e rigidez. Frequência respiratória e pulso são difíceis de detectar. Arritmias e Fibrilhação auricular. Reaquecimento externo e interno.

3 Hipotermia Severa (<28ºC): O doente parece morto, sem sinais vitais detectáveis, pupilas dilatadas. Fibrilhação ventricular, Bradicardia extrema e assistolia. Reaquecimento externo e interno. FACTORES de PROGNÓSTICO (Orlowski) FACTORES de MAU PROGNÓSTICO Idade 3 anos Tempo de submersão > 25 minutos Manobras de RCP com início só após >10 do salvamento Coma na admissão Po2 <60mmHg, apesar do tratamento 2 ou menos factores 90% de hipóteses de recuperação total 3 ou mais factores 5% de hipóteses de recuperação total FACTORES de BOM PROGNÓSTICO Submersão < 5-10 minutos Manobras de resuscitação < 10 minutos 1º movimento respiratório ocorrer no 1º a 3º minuto de RCP Temperatura <33ºC No entanto, apesar da combinação destas variáveis, não existem factores de prognóstico seguros REANIMAÇÃO: Deve tentar-se a todas as vítimas que chegam ao S.U.. ABORDAGEM HOSPITALAR A. Se episódio de submersão breve, podem ter alta após 24 horas se: - Não houve perda de consciência - Sem alteração do estado de consciência - Não existirem sinais de dificuldade respiratória - Radiografia tórax sem alterações Investigação a realizar: - Radiografia do tórax - Gasometria B. Nos restantes casos: 1. Protecção com colar cervical (sempre): Até prova em contrário considera-se a existência de traumatismo cervical

4 2. Reverter a hipoxémia, com oxigenação e ventilação adequadas: Oxigénio em alto débito (FiO 2 = 100%) - primeira linha terapêutica num doente em respiração espontânea Colocação de SNG: - descompressão gástrica (H 2 O engolida) - diminui o risco de aspiração (pneumonias, sépsis, abcessos) Intubação endotraqueal (manobra Sellick) e Ventilação mecânica: - Garantir a protecção de via aérea (apneia, respiração ineficaz, inconsciente): prevenção aspiração conteúdo gástrico - Ventilação com PEEP iniciais 5 cm H2O - Prever aumentar 2 cm H2O cada 10-15 minutos até FiO 2 < 0,60 e se TA estável - Evitar extubação antes 24-48 horas Fazer cultura de secreções: Tipo de água, local do afogamento determina os microorganismos Em caso de broncospasmo: - ß2 agonistas - Brometo de ipatrópio Corticoesteróides: Não há benefício na sua utilização 3. Manter volémia para boa perfusão tecidular (durante fase de reaquecimento e até estabilização cardio-respiratória): Colocação de duas vias periféricas/ via intra-óssea/ catéter venoso central Colheitas: -Gasometria -Hemograma -Bioquímica: PCR, Ionograma, Função renal (pode ocorrer IRA a necessitar de diálise) e Glicémia -Tempos de coagulação e Hemocultura Administração de soros: - se choque - bólus de S.F. (20ml/Kg e auqecido, se possível) - se não estiver em choque - ritmo de manutenção - Reposição hídrica deve ser orientada pelo débito urinário (1 ml/kg/h) Contra-Indicada a Restrição Hídrica: Agrava a hipovolémia Reduz o débito cardíaco Reduz a perfusão tecidual e o transporte de O 2

Agrava a lesão hipóxica cerebral 5 A acidose é corrigida com: - Oxigenação e ventilação adequada - Expansão do volume circulatório Administração de Inotrópicos: - Para restablecer perfusão tecidular - Dobutamina (primeira escolha): Disfunção miocárdica Hipertensão pulmonar Pressão venosa central elevada Resistências vasculares periféricas elevadas - Dopamina: em caso de hipotensão Administração de Furosemide:. Não tem indicação 4. Controlo temperatura corporal: Aquecer o doente cerca de 1 a 2ºC por hora até 33-36º C. Medição de temperatura corporal central-rectal; esofágica Aquecimento: Reaquecimento externa: prevenir perda de mais calor - Retirar todas as roupas molhadas (cabeça e pescoço representam áreas do corpo que perdem 50% da temperatura corporal) - Cobertores quentes - Aquecedores com ar quente forçado Reaquecimento interno: - aquecer o soro até 39º - 40ºC - lavagem gástrica e vesical com S.F. a 42ºC - diálise peritoneal - técnicas de aquecimento com membrana extracorpórea Evitar hipertermia: - agrava lesões cerebrais - instabilidade cardíaca: fibrilhação ventricular e taquicardia ventricular Manter RCP até temp. >30º e posteriormente, se necessário, efectuar manobras de desfibrilhação/cardioversão. 5. Protecção neurológica: corrigir Hipoxia e evitar Hipertermia e Hipo/ Hiperglicemia

6 Se convulsões: - Diazepam (rectal ou e.v.) - Midazolam (i.m ou e.v.) - Hidantina / Fenobarbital e.v. Monitorização pressão intra-craneana (se Glasgow 8): Edema cerebral é comum após episódio hipoxico-isquémico Medidas anti-hipertensão intracraniana Mau prognóstico quando: PIC > 20 mmhg e/ou PPC < 60 mmhg Doentes com postura de descorticação, descerebração 2 a 6 H após afogamento: Sequelas neurológicas graves a moderadas Doentes que respondem a estímulos 2 a 6 H após afogamento: Evolução normal ou sequelas mínimas 6. Indicações para antibioterapia Febre: comum nas primeiras horas Não necessitam de terapêutica antibiótica profiláctica No entanto, deverá ser iniciada se: - Temperatura elevada persistir mais de 24 horas - Conhecimento de que a água se encontrava contaminada - Suspeita de aspiração de vómito - Se quadro pulmonar não melhorar em 48-72 horas Microorganismo água doce água salgada água estagnada Gram negativo Aeromonas spp +++ + + Klebsiella pneumoniae - + - Pseudomonas aeruginosa + - +++ Burkolderia pseudomalei ++ - + + Legionella spp Gram positivos Streptococcus ++ + - pneumoniae Staphylococcus aureus - - - Fungos Aspergilus sp. - + + Pseudallescheria boydii - - +++ Ceftazidime Flucloxacilina Ceftazidime Fluconazol Ceftazidime Fluconazol Edite Costa, Fernanda Rodrigues, Farela Neves, Luís Lemos Fevereiro 2006

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