EDUCAÇÃO HISTÓRICA E PEDAGOGIA DA AUTONOMIA: APROXIMAÇÕES POSSÍVEIS ENTRE PAULO FREIRE E JÖRN RÜSEN

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Transcrição:

EDUCAÇÃO HISTÓRICA E PEDAGOGIA DA AUTONOMIA: APROXIMAÇÕES POSSÍVEIS ENTRE PAULO FREIRE E JÖRN RÜSEN Júlio Cezar Gonçalves Sosa 1 sorjulio1@yahoo.com.br RESUMO: Este artigo parte das leituras que tenho realizado com referência a minha proposta de trabalho final do Mestrado em Ensino de História (PROFHISTÓRIA); leitor e pesquisador na obra do Educador Paulo Freire há bastante tempo, e após, o contato com a obra do Historiador alemão Jörn Rüsen, vou procurar traçar um paralelo, de aproximações e distanciamentos, entre os dois escritores. A sistemática aqui propõe, ainda que em forma embrionária de pesquisa, uma relação epistemológica da teoria da História de Jörn Rüsen e a teoria educacional de Paulo Freire. O ensino e a educação histórica com um viés filosófico e humanista e a tomada da consciência histórica com a capacidade de (re) orientação à vida na obra de Rüsen; e a Educação como ato político e prática transformadora, permeada pela amorosidade, da obra de Paulo Freire. O desafio de pensar uma tomada de consciência críticogenética a partir de uma História, não associada apenas a um tempo cronológico e/ou uma sequência de acontecimentos, mas sim a uma transformação social, aqui entendida como processo ou ação para vida prática; a libertação dos homens e mulheres para a autonomia e/ou para a emancipação, com orientações para o futuro, presentes nas obras de Freire e Rüsen. São pressupostos de uma educação que foge a prática bancária, na qual o educador detém todo conhecimento e o educando é fiel depositário dele. Na proposta politico-pedagógica criada tanto pelo historiador alemão quanto pelo educador brasileiro, a educação parte de uma consciência histórica, ainda que tradicional, e/ou de um conhecimento prévio do educando e pressupõe a construção dialógica da aprendizagem. Ambos defendem a autonomia da aprendizagem, que tem na educação pela pesquisa o exemplo maior da construção do conhecimento. Citação de freire sobre pesquisa Palavras Chaves: Educação. História. Consciência Histórica RÜSEN E FREIRE: PEDAGOGIA DO DIÁLAGO CONSCIÊNCIA HISTÓRICA NA CONSTRUÇÃO DA A escola historicamente organizou-se com o objetivo de manter o status quo e com esse objetivo acabou por privilegiar as manifestações culturais dominantes. Porém, uma vez que a Escola tem como princípio básico a formação de cidadãos, nas suas concepções mais amplas e democráticas (ou deveria ter), e visto que, vivemos numa sociedade multifacetada, 1 Professor dos anos iniciais com formação em Magistério; Licenciado em História e Especialista em Rio Grande do Sul pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG); mestrando em Mestrado Profissional em Ensino de História, núcleo Rio Grande/FURG (PROFHISTÓRIA); Professor na Rede Estadual de Ensino do Rio Grande do Sul no ensino fundamental e médio.

se faz necessária a construção de uma prática pedagógica que privilegie o respeito às diversidades. Ainda que não seja possível um trabalho isolado em Educação, nesse processo de rompimento com uma escola excludente e voltada as classes dominantes, o professor de História ocupa posição central na possibilidade de construir situações concretas de superação através da prática pedagógica por ele desenvolvida no interior do espaço escolar; e que vise dentro do coletivo dos demais participes do processo a construção de um projeto políticopedagógico dialógico, no qual todos e todas se percebam como sujeitos aprendentes. Para tanto, uma nova prática docente é exigida de educadores; uma prática que vá além de apenas belos discursos sobre o ensinar; que tenha em mente que só se pode falar aos educandos, se antes se fala com eles, isto é, que se ouça ou que eles/elas tem a dizer. Somente procede assim, aquele educador, que realmente se dispõem a ouvir o que eles/elas tem a dizer; ouvir as diferentes percepções da história, por exemplo, que eles trazem dos mais variados ambientes em quem vivem fora dos muros da escola. No contexto da exigência desta nova docência a produção do conhecimento histórico nas aulas de história possibilita a tomada de consciência e indica a trajetória para o ensino de história, que rompe, assim, com a memorização e a prática da história ensinada, em prol da autonomia dos educandos, que podem assim serem artífices de seu conhecimento. Conhecimento esse, pautado na racionalidade do pensamento e na possibilidade de transformação da realidade, com a perspectiva de um mundo menos malvado. A história meramente de memorização, a história ensinada, tão frequente, ainda, nas escolas de educação básica não possibilita aos estudantes essa tomada de consciência e nem encaminha para uma educação libertadora. Diferentemente da história enquanto possibilidade, que tem como mudança o seu segundo nome. Rüsen (2011) faz oposição a uma visão equivocada da didática da história, seu funcionamento e sua colocação dentro das humanidades. Esse olhar sob a didática limitaria seu papel, segundo o autor, tão somente a abordagem de como ensinar história na educação básica. O que transformaria o trabalho dos historiadores em meros repassadores de conteúdos. Sendo eles os detentores do conhecimento: transportando o conhecimento histórico dos recipientes cheios de pesquisa acadêmica para as cabeças vazias dos alunos. Essa crítica que o historiador alemão faz a uma didática da história que não discute e não confronta os problemas ligados ao aprendizado e a educação histórica, é a mesma crítica

que Freire (2011) faz ao que ele denomina ensino bancário, que percebe o educando com mero recipiente vazio a espera do conhecimento do educador. Tanto Freire quanto Rüsen percebem o conhecimento como algo que deve ser produzido. Para esse, a visão errônea do papel da didática da história é um limitador ideológico da perspectiva dos historiadores em sua prática; para aquele o bancarismo aniquila a criatividade do educador e do educando. Ao contrário de uma história ensinada, que parta de historiadores que se percebam como únicos detentores do conhecimento, Rüsen propõe uma discussão ampla de como se pensa a história, as origens e a construção da história humana, e de como ela pode intervir na vida prática. Para Freire ensinar vai além do conteúdo a ser ensinado, isto é, ensinar está intimamente ligado à produção das condições pertinentes de um aprender crítico. O aprender para vida prática exige um educador, ou um historiador no caso da história como componente curricular, crítico, questionador, instigador, curioso, inquieto, desacomodado; e, que produza nesse processo de ensinagem, ato de aprender e ensinar e de ensinar e aprende ao mesmo tempo, educandos que sejam rigorosamente curiosos e profundamente inquietos. Neste sentido, de nada tem valia uma consciência histórica que tem como primazia tão somente conhecimento per se do passado, senão, uma consciência histórica que dê estrutura para que se possa perceber o presente e antever o futuro. A produção de conhecimento histórico nas aulas de história e a discussão sobre o desenvolvimento da consciência histórica dos alunos; cumpre a função docente de ensinar a pensar e pensar historicamente. Para tanto, é necessário que o professor rompa com a visão de ser um transmissor de conhecimento e assuma o papel de desafiador. A partir do conhecimento histórico (re) produzido em sala de aula, aqui deixando claro que a escola é apenas um dos lugares em que se dá essa aprendizagem histórica, tanto Rüsen quanto Freire percebem a memória como ferramenta para que homens e mulheres possam (se) constituir enquanto identidade individual e /ou coletiva. Para isso é preciso que as ações a ser tomadas sejam pensadas de modo que prevaleça sempre a intencionalidade (RUSEN, 2001, p. 57). A educação problematizadora, que não é fixismo reacionário, é futuridade revolucionária (...) dai que corresponde à condição como seres históricos e à sua historicidade. ( FREIRE, 2005 P. 84) Esse agir demonstra a relação existente entre a

interpretação do mundo e a constante presença da mulher e do homem no (e com o) mundo e a configuração do homem e da mulher frente a necessidade de se equilibrar em meio a mudanças no decurso da vida temporal. Rüsen nos explica que um quadro interpretativo da realidade temporal é produzido no intuito do homem e da mulher se tornar senhor/senhora de suas próprias ações; isso ocorre, segundo o autor, através de intenções e da ação (agir) no cotidiano mediante uma projeção de um tempo que não é adquirida imediatamente na experiência. Assim, intenção no tempo e experiência compõe uma relação que estabelece a organização temporal da vida como resultado de uma consciência histórica. Trata-se, sobretudo, de uma tentativa constituir sentido à vida pela via da interpretação da experiência do tempo (RÜSEN, 2001, p. 59). Para Freire os homens e as mulheres como seres que caminham para frente, olhando no horizonte, que se colocam permanentemente em movimento, para os quais, olhar o passado não se torna nostalgia, mas um olhar de melhor conhecer o que está sendo, para melhor construir o futuro (FREIRE, 2005 p. 84). O parágrafo a seguir de Rüsen poderia ter sido escrito a quatro mãos e sintetiza o que foi dito nos dois parágrafos anteriores: O homem necessita estabelecer um quadro interpretativo do que experimenta como mudança de si mesmo e de seu mundo, ao longo do tempo, a fim de poder assenhorear-se dele de forma tal que possa realizar as intenções de seu agir. Nessas intenções há igualmente um fator temporal. Nele o homem vai além, também em perspectiva temporal, do que é o caso para si e para o mundo; ele vai, por conseguinte, sempre além do que experimenta como mudança temporal, como fluxo ou processo do tempo. Pode-se dizer que o homem, com suas intenções e nelas, projeta o tempo como algo que não lhe é dado na experiência. (RÜSEN, 2001, p. 58) Deixar-se embriagar-se pela consciência histórica neste sentido, rompe com a visão do intelectual que se deixa aprisionar pelo texto, temeroso e pouco questionador não percebe a relação do que leu com o que acontece ao seu redor. O intelectual que é capaz de falar bonito de dialética, mas que age mecanicamente, não percebe a relação dos livros que lê com a realidade que vive. (Freire, 2011) Para, Rüsen a narração histórica é mais do que uma mera forma específica de historiografia, ele defende que pensadores contemporâneos deste tema a percebem como um procedimento mental básico que faz do passado algo com sentido para orientação da vida prática. Neste caso, temos um educador que se percebe também aprendente, isto é, enquanto

ensina ele aprende, em diálogo aberto com o educando que enquanto aprende também ensina (FREIRE, 2005 P. 79). Aproximar esse dois pensadores distantes no tempo e no espaço, mas próximos em ideias e visões sobre o mundo e a educação, ou melhor, fazer com que o educador brasileiro, infelizmente já falecido, dialogue com o historiador alemão e que desta conversa saia uma percepção de que o ensino da História seja capaz de formar a consciência crítico-genética, nos obriga antes a uma nova apropriação da história e uma nova tomada de consciência dos educadores/historiadores. A concepção de homem e de mulher como sujeitos e seres de relações. Não sou apenas objeto da História, mas seu sujeito igualmente. No mundo dahistória, da cultura, da política, constato não para me adaptar mas para mudar (FREIRE, 2000, p. 79) E está aqui um dos pontos de convergência entre ambos: a consciência críticogenética. Na visão freiriana a educação deve colaborar para a passagem da consciência ingênua para consciência crítica, isto é, que o processo ensino-aprendizagem conduza educadores e educandos a pensar o mundo que os rodeia de forma mais complexa. Em Rüsen, a tipologia genética, um dos quatros tipos de consciência histórica, no processo de aprendizagem histórica, é a forma mais adequada à experiência humana no tempo. (RÜSEN, 2011 p.62) Perceber a História como processo é uma das capacidades da consciência histórica genética. Uma das condições necessárias para pensar certo é não estarmos exageradamente certos de nossas certezas, ou ainda, estamos cientes de que outros pontos de vista diferentes dos nossos. Mas compreendermos que a mudança é a principal característica da história. Segundo Cerri (2011) A comunicação pautada nos diversos pontos de vista, que possibilitam perspectivas temporais distintas. A identidade histórica é dada através do próprio processo de mudança. Essa é uma aproximação com a Pedagogia do Dialogo proposta por Paulo Freire. A temporalização dos valores morais é a capacidade de mulheres e homens cientes de sua condição histórico-sociais que são capazes de valorar, comparar, de questionar, de indignar-se, de escolher, de decidir, de romper com naturalização do erro, e assumir a condição de éticos. Para tanto, é necessário que a história corrobore com a necessária promoção da ingenuidade à criticidade. Os homens e as mulheres tem que perceberem que sua identidade está em nossa incessante mudança.

O ENSINO PELA PESQUISA, A CONSICÊNCIA HISTÓRICA E A VIDA PRÁTICA Nas últimas décadas um movimento que permeia à perspectiva do professor como pesquisador ganhou forma em vários países, e chegando também ao Brasil pelo estudo de variados educadores; e tem desafiado a reestruturação dos cursos de formação de professores, (ou deveria causar) com vistas a formar de um profissional que não deixe de pesquisar a sua prática. Um professor que investigue o próprio fazer pedagógico e que se desafie a educar pela pesquisa é um professor que necessariamente de romper com o legado de um profissional que se considera o detentor de todo saber. Neste caso o aluno (sem luz) é um receptor a receber o conhecimento. No livro Pedagogia da Autonomia, Paulo Freire, aponta saberes necessários à prática da docência. Um deles, na visão do autor é que ensinar exige pesquisa. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando intervenho e intervindo educo e me educo. (p.29) Aqui temos mais um diálogo do educador brasileiro com o historiador alemão para o qual existe uma profunda relação entre a vida prática e o conhecimento, que está esquematizado na matriz disciplinar da ciência histórica, onde conhecimento e a vida prática se interligam. (RÜSEN, 2001, p.164). O professor é (ou deveria ser) um profissional que em sua prática elabora programas de atividades, interpreta e reproduz conteúdos, observa comportamentos e ações e avalia os processos. Ora, esse professor está continuamente, produzindo um novo conhecimento; reinventa ações que produzem fenômenos cognitivos. Como professor se põe à prova a cada momento os conhecimentos existentes. E necessariamente percebe-se o surgimento de novos conhecimentos e/ou aprimoramento de outros pré-existentes. Cabe ao professor ou mais especificamente à escola o dever o dever de respeitar e discutir os saberes que os educandos possuem previamente. Cada um e cada uma carregam consigo um nível de consciência histórica, ainda que segundo Rüsen, uma consciência histórica do tipo tradicional. (2011, p.62) Cabe ao professor-pesquisador estabelecer uma relação dos conteúdos curriculares e a experiência social dos estudantes. Com isso, aprimorando a consciência histórica deles e delas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Essas características, da aproximação entre Rüsen e Freire, devem ser discutidas para além do que foi possível neste artigo. Ambos, o historiador alemão e o educador brasileiro têm muito contribuição a dar tanto a educação histórica quanto a educação. Freire que se recusava ao fatalismo e preferia a rebeldia que o fazia gente dialogando com alemão que defende a tomada de consciência histórica de todos e todas. Os dois percebem que ensinar história está inserida em um contexto de compromisso com a formação histórica dos homens e das mulheres. Uma formação que é contrária a proclamada morte da história. Utopicamente e esperançosamente acreditam no amanhã e, portanto, desacreditam da eternidade do hoje que assassina a esperança e o sonho. Acreditar na morte da história seria desacreditar no humano. Ambos defendem a necessidade de se perceber as diferentes dimensões que caracterizam a essência da prática. A habilidade de aprender a substantividade do objeto possiblidade que se vença um mau aprendizado. A capacidade de aprender para transformar a realidade a partir da consciência histórica. Ainda que essa necessidade de transformação não apareça na obra do historiador alemão ela é inerente na obra freiriana. Toda a obra de Freire nos chama a uma amorosidade autêntica e uma crença inabalável na educação; crença essa que Rüsen deposita na possiblidade da educação histórica. Em tempos de sociedade de consumo e de individualismo cabe aos professores e professoras fazer do sonho possiblidade; da luta vitória; da esperança realidade transformadora; da desorientação orientação. Fazer a História é estar presente nela e não simplesmente nela estar representado (Freire. 1993, p. 40)

REFERÊNCIAS MICHELET, Jules. O povo. São Paulo: Martins Fontes, 2004. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e terra, 1996.. Pedagogia da indignação. São Paulo: UNESP, 2000 Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2005.. A importância do ato de ler. 28. ed. São Paulo: Cortez, 1993. RÜSEN, Jörn (a). Razão histórica Teoria da História: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: UNB, 2001. (b). Reconstrução do passado. Teoria da História II: os princípios da pesquisa histórica. Editora da Universidade de Brasília, 2007. pág. 91 100. (c). História viva Teoria da História III: formas e funções do conhecimento histórico / Jörn Rüsen; tradução de Estevão de Rezende Martins. - Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2007. Org. SCHIMIDT, M.A.; BARCA, I; MARTINS, E.R. Jörn Rüsen e o Ensino de História. Curitiba: UFPR, 2011.