Resenha EDUCAÇÃO E SOCIEDADE NA PEDAGOGIA DO OPRIMIDO
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- José Bergler Bernardes
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1 Resenha EDUCAÇÃO E SOCIEDADE NA PEDAGOGIA DO OPRIMIDO Simone Alexandre Martins Corbiniano 1 Em sua principal obra, Pedagogia do Oprimido, escrita no exilo em 1968, Paulo Freire aborda a educação mediante o universo de questões históricas, culturais e sociais que envolvem a compreensão dos homens, por um lado, como sujeitos oprimidos sem reconhecimento de si mesmos e da sua tarefa histórica diante das injustiças sociais criadas pelos próprios homens, e por outro, como sujeitos livres em busca de sua humanização. Nessa obra Paulo Freire pensa a educação ligada, sobretudo, às questões da luta de classes. Com entonação de denuncia, descortina de modo rigoroso os princípios pelos quais os homens, como oprimidos e opressores, não reconhecem sua própria desumanização na construção sócio-histórica que eles mesmos edificam. A desumanização ocorre não somente entre pessoas que tem sua dignidade usurpada, mas também naqueles que subtraem a dignidade alheia. Paulo Freire chama esse contexto de desumanização da vocação humana negada na exploração, dito de outro modo, é a distorção da vocação de ser mais. Pois, essa distorção não é um destino fortuito para o homem, é na realidade o resultado de uma ordem social injusta. A opressão aparece no cenário de uma classe desfavorecida sem a necessária visão crítica e consciência de seu potencial humano e criador. O sujeito oprimido não se reconhece como criador da obra cultural e material a que faz parte, não compreende a si mesmo como parte de seu processo social. A identificação que ele tem com o opressor lhe retira a consciência de classe. Por hospedar o opressor em si, o oprimido alimenta em si mesmo as condições de manutenção do poder das quais os opressores se servem para vitalizar o círculo de dominação, esclarece Paulo Freire (1987). De acordo com o autor, por se acharem acomodados, tanto os oprimidos como os opressores de diferentes modos têm medo da liberdade. Por isso, a liberdade é conquista não é doação, não é externa, é intrínseca aos homens. 1 Mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás, professora do Instituto Aphonsiano de Ensino Superior, membro do Grupo de Estudos em Filosofia e Educação da FE/UFG.
2 Mas precisa ser confirmada, eis aí a tarefa histórica mais importante que cabe à educação. O oprimido, em especial, tem a prerrogativa de fazer o reconhecimento crítico de sua própria situação, sem medo de expulsar de si os princípios das relações opressoras para construir sua autonomia, viabilizando assim, a possibilidade de libertar a si mesmo das relações humanas negadoras da consciência e da vida humana autêntica. Todavia, o reconhecimento da situação de opressão não é ainda uma libertação, ela só poderá ocorrer com a transformação das condições concretas que gera a exploração, e rouba a dignidade dos homens na sociedade. É preciso mudar as condições de produção da vida, que não é tarefa de um só homem, mas de toda a sociedade. Nesse contexto, a educação é uma mediação fundamental, não para a simples explicitação ou instrução das pessoas, mas para dialogar com elas sobre o seu próprio sentido e ação na sociedade dos humanos. Para isso, o autor defende que a pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se, na práxis, com a sua transformação; o segundo, em que, transforma a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação. (FREIRE, 1987, p. 41) Ao apresentar a importância da dialogicidade no contexto de permanente libertação dos homens, Paulo Freire mostra sua face profundamente humanista, reconhece o homem como ser histórico, social, único animal apto a transcender aos condicionamentos naturais, capaz, portanto, de educar. No universo social a palavra tem um papel fundamental para a ação transformadora do homem sobre o mundo. É por meio dela que o homem cria a cultura e se humaniza, ao dizer a sua palavra, pois, o homem assume conscientemente sua essencial condição humana (FREIRE, l987, p. l3). Quanto mais o homem amplia o domínio da palavra, mais se humaniza e mais critico e preparado se torna para lutar contra sua exploração e desumanização. Paulo Freire tem a concepção de homem, sociedade e educação que é socialista, materialista-dialética, articulada a uma concepção humanista de profundo encantamento pelo ser que é o homem. Em seu pensamento os problemas educacionais não são puramente pedagógicos, eles se confrontam com os problemas políticos, uma vez que o ato de educar é um ato político. Na 208
3 realidade objetiva, o ato educativo é produto da vontade dos homens e não se transforma por acaso, se os homens são os produtores desta realidade, e se esta realidade na inversão da práxis, volta-se sobre eles e os condiciona, transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens (FREIRE, l987, p. 37) Dentro do universo político-educacional pensando pelo autor, não há neutralidade no processo educativo, se a educação é política, então, qualquer que seja ação do educador, acarretará uma opção ideológica. Ou esta ação pedagógica educa para a reprodução social ou para a transformação social, sendo nesse último caso, relação dialética com o mundo e com a realidade. Neste sentido, a educação bancária criticada por Paulo Freire é a educação como ato de depositar de transferir conhecimentos-valores. Enquanto a educação problematizadora a qual ele defende, propõe a reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. A oposição entre essas duas formas de conceber a educação é eixo condutor da discussão da Pedagogia do oprimido. Na educação bancária o professor é o sujeito do conhecimento, autoridade pelo poder e não pelo saber, nessas condições, legitima a educação como ato de depositar, transmitindo valores e conhecimentos, tanto quanto, considerando o saber como algo mecânico referido a uma realidade estática, a um saber prescritivo. Em contraposição, Paulo Freire estabelece a educação problematizadora, na qual o professor é reconhecido como mestre consciente do seu papel. Nesse contexto o educador é um investigador crítico que supera a ambivalência educador-educando. O professor é o educador humanista, ético, e sua ação pedagógica identificando-se desde logo, com a dos educandos, deve orientar-se no sentido da humanização de ambos. Do pensar autêntico e não no sentido da doação, da entrega do saber. Sua ação deve estar infundida da profunda crença nos homens. Crença no seu poder criador. (FREIRE, l987, p. 62) Assim, a educação como dimensão emancipatória pode ser compreendida, no contexto da Pedagogia do oprimido, como uma práxis que implica a reflexão e ação dos homens no mundo, para transformar as relações em sociedade, em relações de autonomia, de humanização de ambos os 209
4 sujeitos do processo educativo: educador e educando. Parte fundamental do que o autor, de modo mais ampliado, chama de Educação Libertadora. Em seu pensamento Paulo Freire concebe a relação ensinoaprendizagem de modo horizontalizado, relação solidária, construída no diálogo. Relação que pressupõe um conhecimento construído com ênfase no ser. O ponto de partida dessa construção é uma comunicação dialógica entre educador e educando, de modo a valorizar o que já é conhecido pelos educandos e o universo vocabular que eles trazem, para somente em uma fase posterior, avançar para a compreensão intersubjetiva, investigativa e crítica da realidade. Em verdade, aqueles que estão sendo alfabetizados de certa maneira tentam reproduzir o movimento de sua própria experiência; o alfabetizado ao dar forma escrita às palavras, vai assumindo gradualmente, a consciência de testemunha de uma história de que se sabe autor. Na medida em que se percebe como testemunha de sua história, sua consciência se faz reflexivamente mais responsável dessa história. O método Paulo freire não ensina repetir palavras, não se restringe a desenvolver a capacidade de pensá-las segundo as exigências lógicas do pensamento abstrato; simplesmente coloca o alfabetizando em condições de poder reexistenciar criticamente as palavras de seu mundo, para, na oportunidade devida, saber e poder dizer a sua palavra. (FREIRE, l987, p. l3) Por isso Paulo Freire afirma que não poderá existir um diálogo verdadeiro se, nos sujeitos, não houver um pesar verdadeiro, um pensar que não concebe a dicotomia mundo-homens, mas que reconheça entre eles um sentido de continuidade, uma incansável vontade de humanizar o mundo. Os fins de tal educação têm como foco o sujeito histórico, que se reconhece no meio social como integrante solidário, como agente de transformações e como ser que exerce a liberdade e recria seu próprio mundo. Assim como esse sujeito em formação, não mais oprimido, não será também um opressor, porque é um sujeito real, sedimentado na busca da humanização e de uma sociedade mais justa em suas relações, na busca da prática da liberdade, diria Paulo Freire. A ação política ligada aos oprimidos precisa ser fundamentalmente ação cultural para a liberdade, dito de outro modo é preciso por meio de todas as mediações sociais e em especial por meio da escola, fazer com que os 210
5 oprimidos superem sua visão inautêntica da realidade, pois essa forma de concebê-la acarreta o ensejo à dominação, injustiça e exploração. É a própria inserção ativa, tanto quanto possível lúcida do sujeito na realidade, que o leva ao ímpeto de transformá-la. Doravante, é preciso considerar o alcance e a importância que as questões postas na Pedagogia do oprimido têm no universo educacional. É um livro que precisa ser lido, discutido, e pensado pela riqueza que possui naquilo que lhe cabe: pensar a educação ligada à necessidade de libertar o homem da exploração, da indignidade, da alienação. Paulo Freire acreditava que o alfabetizando ao começar a escrever não deve reproduzir discursos, ou copiar palavras, mas desenvolver a capacidade de julgar e expressar uma compreensão do mundo. Dito de outro modo, por meio da palavra inicialmente, e por meio da crítica posteriormente, o alfabetizando vai descobrindo-se homem, sujeito de seu processo histórico, portanto, livre, consciente, autônomo. Tal descoberta de si por parte do sujeito cultural, deve ser de algum modo, o que também levou Paulo Freire a dizer que o seu sonho de sociedade e de educação vai além dos limites dos sonhos que estão postos no mundo atual. Para nós outros educadores, cabe, sobretudo, o desafio também importante, de retomar a obra desse educador notável de maneira plena, respeitando seu engajamento, radicalidade e transcendência, para cultivá-la junto às novas gerações. REFERÊNCIAS FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 28. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, do oprimido.html 211
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