Entropia e a Segunda Lei da Termodinâmica IV. A Desigualdade de Clausius e a Identidade Termodinâmica. Marcos Moura & Carlos Eduardo Aguiar

Documentos relacionados
Entropia e a Segunda Lei da Termodinâmica II. Entropia e Temperatura. Marcos Moura & Carlos Eduardo Aguiar

Entropia e a Segunda Lei da Termodinâmica III. Entropia e Pressão. Marcos Moura & Carlos Eduardo Aguiar

TERMODINÂMICA 3 INTRODUÇÃO AO 2º PRINCÍPIO DA TERMODINÂMICA

Termodinâmica 15. Alexandre Diehl. Departamento de Física - UFPel

Lista 2-2 a Lei da Termodinâmica MPEF, UFRJ, 2018/1

FÍSICA MÓDULO 19 ENTROPIA. Professor Ricardo Fagundes

Existe uma ligação direta entre os conceitos de reversibilidade e irreversibilidade termodinâmicos, entropia e energia livre de Gibbs.

Disciplina : Termodinâmica. Aula 16 Entropia

Módulo III Desigualdade de Clausis, Entropia, Geração de Entropia.

FUNÇÕES DE ESTADO TERMODINÂMICAS: ENTALPIA E ENERGIA LIVRE Parte 2

Termoestatística. Entropia e Segunda Lei da Termodinâmica

Entropia e a Segunda Lei da Termodinâmica Manual para o Professor. Marcos Moura & Carlos Eduardo Aguiar

Ensino da 2ª Lei da Termodinâmica

Termodinâmica II. Tecnologia e Processos

Física do Calor. Entropia e Segunda Lei II

Física do Calor. Entropia II

Física estatística. Termodinâmica: a segunda lei MEFT, IST

Calor e Temperatura, Trocas de Calor Bibliografia e figuras desta aula: Fundamentos da Física, Halliday, Resnick e Walker, 8a Ed., vol 2 pág

Termodinâmica 26. Alexandre Diehl. Departamento de Física - UFPel

Condição de equilíbrio através de uma membrana permeável

Termo- estatística REVISÃO DE TERMODINÂMICA. Alguns conceitos importante que aparecem nesta lei:

2 º Semestre 2014/2015 (MEAer, MEMec, Amb, Naval) 1º Exame, 15/Junho /2015. Nome Nº

A Seta do Tempo e o Ensino da 2ª Lei da Termodinâmica

Termodinâmica 13. Alexandre Diehl. Departamento de Física - UFPel

PNV-2321 Termodinâmica e Transferência de Calor. 1ª. Lei da Termodinâmica. 1. A Equivalência entre Trabalho e Calor

Reservatório a alta temperatura T H. Ciclos reversíveis

Reservatório a alta temperatura T H. Ciclos reversíveis

Ex: Ciclo de Carnot para um gás ideal

Processos Irreversíveis

Segunda Lei da Termodinâmica, Entropia e Máquinas Térmicas Biblografia: Halliday, Resnick e Walker, vol 2, cap20 8 a Ed, vol2

2 º Semestre 2014/2015 (MEAer, MEMec, Amb, Naval) 2º Teste-Repescagem, 15/Junho /2015. Nome Nº

Enunciados da Segunda lei da Termodinâmica. Enunciado de Kelvin e Planck ( referente a motor térmico)

LOQ Fenômenos de Transporte I

Segunda Lei da Termodinâmica

Entropia e Segunda Lei da termodinâmica

QB70C:// Química (Turmas S71/S72) Termodinâmica. Prof. Dr. Eduard Westphal ( Capítulo 8 Atkins (5ª ed.

2ª Lei da Termodinâmica. Dentre as duas leis da termodinâmica, a segunda é a. que tem maior aplicação na construção de máquinas e

2

Termodinâmica Calor Movimento

Energia Livre. Antonio C. Roque Bio:sica I FFCLRP USP

Disciplina : Termodinâmica. Aula 17 Processos Isentrópicos

Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Termodinâmica. Entropia

Capítulo 10 Segunda Lei da Termodinâmica. Obs: a existência do moto perpétuo de 1ª. Espécie, criaria energia, violando a 1ª. Lei.

Programa da cadeira Termodinâmica e Teoria Cinética

Uma fase é definida como uma quantidade de matéria homogênea.

GABARITO - QUESTÕES DE MULTIPLA ESCOLHA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Instituto de Física Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física Mestrado Profissional em Ensino de Física

A SEGUNDA LEI DA TERMODINÂMICA ENTROPIA-

Resolução das questões objetivas* da 1ª e da 2ª Prova de Física II Unificada do Período UFRJ

1 Entropia empírica e entropia métrica

Unidade 11 - Termodinâmica

Entropia e Segunda Lei

Fís. Fís. Monitor: Guilherme Brigagão

TERMODINÂMICA. Radiação Solar. Anjo Albuquerque

Departamento de Engenharia Naval e Oceânica da USP PNV-2321 Termodinâmica e Transferência de Calor. Verifique que a desigualdade de Clausius, 0

Balanço de Energia. Conceitos Básicos

Resolução das questões objetivas* da 1ª e da 2ª Prova de Física II Unificada do Período UFRJ

CAPITULO 2 A Primeira lei da termodinâmica

MÁQUINAS TÉRMICAS E PROCESSOS CONTÍNUOS

Segunda Prova - Questões objetivas (0,7 pontos)

Termodinâmica. Universidade Federal de Ouro Preto Instituto de Ciências Exatas e Biológicas Departamento de Química

Termodinâmica. Lucy V. C. Assali

Fisica do Corpo Humano ( ) Prof. Adriano Mesquita Alencar Dep. Física Geral Instituto de Física da USP B01. Temperatura Aula 5 e 1/2 da 6

Aula 7 A entropia e a sua interpretação microscópica Física II UNICAMP 2012

2ª Lei da Termodinâmica. Prof. Matheus Fontanelle Pereira

= AT Lei de Stefan-Boltzmann

Aula 01. Me. Leandro B. Holanda, 1. Definições e conceitos fundamentais. Calor

Halliday Fundamentos de Física Volume 2

Questão 1. Assinale com um x na lacuna V se julgar que a afirmativa é verdadeira e na lacuna F se julgar que é falsa. [2,0]

PROGRAMA DE DISCIPLINA

Termodinâmica I - FMT 159 Segunda prova: 30/11/2009 Noturno

Termodinâmica. Prof.: POMPEU

Eficiência em Processos. Vimos que para um ciclo, no caso um motor térmico, a eficiência é dada por: W resultante Q

Condições de equilíbrio

Introdução à Termodinâmica

2ª Aula do cap. 20 Entropia

ENERGIA INTERNA, CALOR, TEMPERATURA...

EM34F Termodinâmica A

DO SOL AO AQUECIMENTO. Degradação da Energia. 2ª Lei da Termodinâmica

18 1ª LEI DA TERMODINÂMICA

Física. Setor B. Índice-controle de Estudo. Prof.: Aula 17 (pág. 88) AD TM TC. Aula 18 (pág. 88) AD TM TC. Aula 19 (pág.

Primeira e Segunda Leis da Termodinâmica

Física do Calor. Primeira Lei da Termodinâmica

PME 3344 Termodinâmica Aplicada

TERMODINÂMICA QUÍMICA

1 Gases Termodinâmica

CAPÍTULO 6 Princípios de mínimo nas representações de Legendre

Ciclos e Segundo Princípio

P 1 V 1 = nrt 1. Diagramas P x V Gases ideais. Estado 1. T 1 n o de moles. Equação de estado. Como as variáveis de estado se relacionam?

Profa.. Dra. Ana Maria Pereira Neto

1 - Elementos de termodinâmica

Entropia e a Segunda Lei da Termodinâmica

2 bt2 20 o C. O calor trocado pelo sistema é, fazendo a = 5,4 cal/g.k, b = 0,0024 cal/g.k 2, c = 0, cal.k/g, dt, T 2. = 230,2kcal.

Capítulo 3 A Segunda Lei da Termodinâmica

Apresentar os conceitos fundamentais da termodinâmica estatística e como aplicá-los as propriedades termodinâmicas vista até então.

A termodinâmica estuda os fenómenos térmicos.

Processos Irreversíveis

Termodinâmica. Universidade Federal de Ouro Preto Instituto de Ciências Exatas e Biológicas Departamento de Química

Refrigeração e Ar Condicionado

AULA 16 TERMODINÂMICA 1- INTRODUÇÃO

Transcrição:

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Instituto de Física Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física Mestrado Profissional em Ensino de Física Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física Entropia e a Segunda Lei da Termodinâmica IV. A Desigualdade de Clausius e a Identidade Termodinâmica Marcos Moura & Carlos Eduardo Aguiar Material instrucional associado à dissertação de mestrado de Marcos Moura, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro Fevereiro de 2016

Entropia e a Segunda Lei da Termodinâmica IV. A Desigualdade de Clausius e a Identidade Termodinâmica Marcos Moura Carlos Eduardo Aguiar Neste módulo, estudaremos mais dois resultados importantes da termodinâmica. Primeiramente, ampliando a discussão sobre troca de calor feita no módulo II, mostraremos como pode-se demonstrar a desigualdade de Clausius. Em seguida, discutiremos a identidade termodinâmica e sua relação com a primeira lei e a desigualdade de Clausius. 1 Desigualdade de Clausius A discussão sobre a variação de entropia numa troca de calor entre dois reservatórios térmicos, feita no módulo II, nos mostrou que a definição termodinâmica de temperatura implica no enunciado de Clausius para a segunda lei da termodinâmica. Podemos também considerar o que ocorre quando a troca de calor se dá entre um reservatório térmico R e um sistema finito A, como representado na figura 1. O sistema A, diferentemente do reservatório R, pode realizar trabalho e passar por variações de temperatura. Vamos supor que A realiza trabalho sobre um terceiro sistema, X, cuja entropia não muda nesse processo (a entropia de A, no entanto, pode ser modificada). Por exemplo, X pode ser uma massa que é erguida ou baixada lentamente. Considerando que o reservatório térmico cede uma quantidade de calor Q para o corpo A e que este realiza um trabalho W sobre o sistema X, podemos 1

Figura 1: Um corpo A que troca calor com um reservatório térmico R e realiza trabalho sobre um sistema X. escrever que a variação de entropia total é S T otal = S R + S A + S X. A variação da entropia de X é, por hipótese, nula ( S X = 0). Já a variação de entropia do reservatório térmico é dada por S R = Q T R. Como entropia de um sistema isolado nunca diminui ( S T otal 0), podemos escrever que Q + S A 0. T R Assim, para um sistema que recebe calor de uma fonte, podemos escrever que sua variação de entropia é S A Q T R. (1) Esse resultado é conhecido como desigualdade de Clausius. Se a troca de calor ocorrer de forma reversível, teremos S T otal = 0. Isso 2

implica em S A = Q T R (processo reversível). É útil analisar esta equação do ponto de vista das variáveis termodinâmicas do sistema A. Para valores muito pequenos do calor trocado e do trabalho realizado no processo reversível, podemos supor que o processo se dá em duas etapas: I e II. Na primeira (I), o calor Q é transferido do reservatório R para o sistema A sem que haja realização de trabalho e variação do volume de A. Na etapa II não há transferência de calor e A realiza trabalho sobre X e tem seu volume alterado. Essas duas etapas estão representadas na figura 2; note que em cada etapa o corpo A interage com apenas um dos sistemas auxiliares, ou R ou X. Figura 2: Divisão do processo mostrado na figura 1 em duas etapas. Na primeira o corpo A interage apenas com o reservatório térmico R, mantendo o volume constante. Na segunda, A interage apenas com o sistema X, realizando trabalho. Na primeira etapa (I), onde apenas calor é trocado ( U A = Q ) e o volume é constante ( V A = 0), temos da definição termodinâmica de temperatura 3

que a variação da entropia de A é S (I) A = Q T A, onde T A é a temperatura inicial do corpo A. Como apenas R e A estão envolvidos nesta etapa a variação de entropia do sistema total, S (I) T otal será igual à mudança de entropia do sistema R + A, dada por S (I) R+A = Q T A Q T R. Para que o processo completo I+II seja reversível, a etapa I também deve ser reversível, ou seja, S (I) R+A = 0 e, portanto, T A = T R. Assim, uma troca de calor só é reversível se ocorrer entre sistemas de mesma temperatura (ou seja, em equilíbrio térmico). É claro que se T A for exatamente igual a T R não haverá troca de calor (Q = 0). Uma troca de calor reversível corresponde, na verdade, ao caso limite em que a diferença de temperaturas tende a zero. Na segunda etapa (II), o sistema A só interage com X, realizando trabalho e sofrendo variação de volume. corresponderá à do sistema A + X Nessa etapa, a variação da entropia total S (II) A+X = S(II) A + S X = S (II) A, já que S X = 0. Assim como na primeira etapa, a transformação II deve ser reversível para que o processo completo I+II também o seja. Portanto, S (II) A+X = S(II) A = 0. Como a variação da entropia de A no processo completo será a soma das 4

variações nas etapas I e II, temos finalmente que, num processo reversível, S A = Q T A. (2) 2 A Identidade Termodinâmica Até aqui exploramos dois resultados poderosos, que associam as definições de temperatura e pressão ao conceito de entropia. No entanto, de maneira geral, a aplicação desses resultados foi voltada a processos nos quais o volume ou a energia interna permaneciam constantes. No primeiro caso, com volume constante, aplicamos frequentemente a equação da definição termodinâmica da temperatura: 1 T = S U. (3) Já com a energia interna constante, vimos que é muito útil aplicarmos a definição termodinâmica de pressão: p T = S V. (4) Como tratar um sistema que possui energia e volume variáveis (supondo que o número de partículas continua fixo)? Para compreender como combinar as equações (3) e (4), vamos considerar um sistema que sofre pequenas variações do volume ( V ) e da energia interna ( U), concomitantemente. A variação da entropia pode ser dividida em duas etapas. Na primeira, a energia interna varia, enquanto o volume permanece constante. Em seguida, consideramos a variação de volume com energia interna fixa. A variação de entropia será a soma das variações em cada etapa S = ( S) V + ( S) U, (5) onde os índices V e U referem-se a transformações com volume e energia constante. Usando as equações (??) e (??) encontramos S = U T + p V T, 5

que pode ser escrita como U = T S p V, (6) uma equação conhecida como identidade termodinâmica. Num processo reversível, já vimos (equação 2) que Q rev = T S, (7) onde escrevemos o calor trocado como Q rev para enfatizar a reversibilidade da troca. Com esse resultado, podemos comparar a primeira lei da termodinâmica, U = Q W, à identidade termodinâmica (6) e obter que o trabalho realizado num processo reversível é W rev = p V. (8) É interessante notar que, sem a introdução da temperatura no denominador da definição de pressão (??), a expressão para o trabalho não seria W rev = p V. Esta é uma justificativa mais sólida que o argumento dimensional para a introdução desse denominador. 6