CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 104.342 - SP (2009/0047875-2) AUTOR RÉU SUSCITANTE SUSCITADO SUSCITADO : JUSTIÇA PÚBLICA : EM APURAÇÃO : JUÍZO FEDERAL DA 1A VARA CRIMINAL DO JÚRI E DAS EXECUÇÕES PENAIS DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO : JUÍZO DE DIREITO DA 2A VARA DO JÚRI DE PORTO ALEGRE - RS : JUÍZO DE DIREITO CORREGEDOR DO SPI - SERVIÇO DOS TRIBUNAIS DO JÚRI DE SÃO PAULO - SP RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ: Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo Federal da 1.ª Vara Criminal do Júri e das Execuções Penais da Seção Judiciária do Estado de São Paulo em face do Juízo de Direito da 2.ª Vara do Júri de Porto Alegre - RS e do Juízo de Direito Corregedor do SPI - Serviço do Tribunais do Júri de São Paulo - SP. Consta que foi instaurado inquérito policial para apurar o desaparecimento dos policiais civis Ronaldo Almeida Silva e Leonel Jesus Ilha da Silva, que saíram de suas respectivas residências em Santana do Livramento/RS, após um telefonema, e não foram mais encontrados. Todavia, o automóvel de Ronaldo teria sido encontrado na cidade de Rivera - República Oriental do Uruguai. Consta, ainda, que os referidos policiais civis estariam envolvidos com o contrabando de uísque, motivo pelo qual, inclusive, haviam sido presos em flagrante delito, com o desmonte do esquema ilegal, e, por essa razão, também foram afastados da Polícia. Outrossim, em virtude de dificuldades financeiras, teriam tentado extorquir Joaquim Curi Lara, contrabandista e proprietário do Free-Shop Cury, sob a ameaça de narrarem o iter criminis do contrabando, pois poderiam ser beneficiados com a delação premiada pela Justiça Brasileira. Elementos que instruem os autos dão conta que Joaquim Curi Lara teria contratado um matador profissional chamado Ricardo José Guimarães, que, com a ajuda de Walter Ethelber, Rubem Fabian Bencochea Lara e Rafael Bencochea Lara, teriam atraído e matado as vítimas em um galpão de bebidas na cidade de Rivera - ROU e, em seguida, ocultado os cadáveres. O Juízo Processante, em virtude dos fortes indícios de um duplo homicídio, Documento: 5411995 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 de 7
"apontando as pessoas de Joaquim Lara Curi, como mandante, Ricardo José Guimarães, vulgo 'Hóspede", 'W' ou 'Welinton', como executor, bem como Walter Ethelber Pereira Pintos e Márcio Ianovitch, como colaboradores ativos para a execução do crime" (fl. 593 do vol. 04), decretou a prisão temporária das pessoas mencionadas. Em seguida, a Delegada Titular da Delegacia de Homicídios e Desaparecidos - DEIC indiciou os uruguaios JOAQUIM CURI LARA, WALTER HELBER PEREIRA PINTOS, RUBEN FABIAN BENGOECHEA LARA, RAFAEL BENGOECHEA LARA, e os brasileiros RICARDO JOSE GUIMARAES e JUAREZ BITENCOURT MASSAQUE, como incursos no art. 121, 2.º, incisos I, IV e V, e 288, ambos do Código Penal, bem como representou pelas prisões preventivas. O feito foi encaminhado para a 2.ª Vara do Júri do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, que deferiu a diligência requerida pelo Ministério Público de expedição de Carta Rogatória para o 2.ª Juizado Letrado de Primeira Instância, 2.º Turno da Cidade de Rivera - Republica Oriental do Uruguai, solicitando a assistência jurídica "no sentido de ser encaminhada à este Juízo cópia integral e autenticada a que responde ou responderam Joaquim Cury Lara, Walter Helber Pereira Pintos, Ruben Fabian Bengoechea Lara e Rafael Bengoechea Lara" (fl. 2269 do vol. 10). Saliente-se que a solicitação baseou-se no pedido de arquivamento do inquérito pelo uruguaio JOAQUIM CURI LARA, já que estaria respondendo pelo mesmo fato perante a Justiça Uruguaia. Posteriormente, em face da informação de que o indicado RICARDO JOSÉ GUIMARÃES estava preso na Penitenciária Federal de Catanduvas/PR, o Juízo da 2.ª Vara do Júri do Foro Central da Comarca de Porto Alegre solicitou informações acerca do último domicílio do acusado no Brasil, sendo constatado que a derradeira residência teria sido na cidade de Ribeirão Preto/SP. Assim, o Juízo da 2.ª Vara do Júri do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, acolhendo o parecer ministerial, e com base no art. 88 do Código de Processo Penal, declinou para uma das Varas do Júri da cidade de São-Paulo/SP (fl. 2802 do vol. 10), por ter sido o último domicílio do acusado no Brasil. Por sua vez, o Juízo de Direito Corregedor do SPI - Serviço do Tribunais do Júri de São Paulo - SP declinou da competência para a Justiça Federal, tendo em vista tratar-se de "feito criminal em que ainda não há correta indicação do investigado" (fl. 2808). O Juízo Federal da 1.ª Vara Criminal do Júri e das Execuções Penais da Seção Documento: 5411995 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 2 de 7
Judiciária do Estado de São Paulo, por sua vez, suscitou o presente conflito, porquanto o caso concreto não se enquadraria nas hipóteses do art. 109 da Constituição Federal, apontando os seguintes fundamentos: "Da análise dos autos, observo que os fatos aqui investigados não se enquadram em nenhuma das hipóteses acima. E, ainda, os delitos (homicídios e ocultação de cadáveres) foram cometidos em território uruguaio, sem que nenhum ato executório fosse realizado em território nacional. Ademais, do teor do dispositivo constitucional, verifica-se que o argumento sustentado pelo Juízo Estadual, de ter o crime sido cometido no exterior, não se enquadra em nenhuma das hipótese lá elencadas" (fl. 2034) A Douta Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se às fls. 2041/2044, opinando pela competência da Justiça Comum, em parecer assim ementado: "PENAL. CRIME. HOMICÍDIO PRATICADO POR BRASILEIRO NO EXTERIOR. COMPETÊNCIA. 1. A transnacionalidade é requisito para a fixação de competência da Justiça Federal em caso de crime praticado por brasileiro no exterior. 2. Se todo iter criminis ocorreu no exterior, defina-se a competência pela última residência do brasileiro, em território nacional, e em favor da Justiça Comum." (fl. 2041) É o relatório. Documento: 5411995 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 3 de 7
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 104.342 - SP (2009/0047875-2) EMENTA CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. HOMICÍDIOS QUALIFICADOS. CRIMES PERPETRADOS POR BRASILEIRO, JUNTAMENTE COM ESTRANGEIROS, NA CIDADE DE RIVERA - REPÚBLICA ORIENTAL DO URUGUAI. REGIÃO FRONTEIRIÇA. VÍTIMAS. POLICIAIS CIVIS BRASILEIROS. RESIDENTES EM SANTANA DO LIVRAMENTO/RS. EXTRATERRITORIALIDADE. AGENTE BRASILEIRO, QUE INGRESSOU NO PAÍS. ÚLTIMO DOMICÍLIO. CIDADE DE RIBEIRÃO PRETO/SP. O ITER CRIMINIS OCORREU NO ESTRANGEIRO. 1. Os crimes em análise teriam sido cometidos por brasileiro, juntamente com uruguaios, na cidade de Rivera - República Oriental do Uruguai, que faz fronteira com o Brasil. 2. Aplica-se a extraterritorialidade prevista no art. 7.º, inciso II, alínea b, e 2.º, alínea a, do Código Penal, se o crime foi praticado por brasileiro no estrangeiro e, posteriormente, o agente ingressou em território nacional. 3. Nos termos do art. 88 do Código de Processo Penal, sendo a cidade de Ribeirão Preto/SP o último domicílio do indiciado, é patente a competência do Juízo da Capital do Estado de São Paulo. 4. Afasta-se a competência da Justiça Federal, tendo em vista a inexistência de qualquer hipótese prevista no art. 109 da Carta da República, principalmente, porque todo o iter criminis dos homicídios ocorreu no estrangeiro. 5. Conflito conhecido para declarar a competência de uma das Varas do Júri da Comarca de São Paulo/SP. VOTO A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA): A questão em análise é definir a competência para processar e julgar crimes de homicídios perpetrados, em tese, pelo brasileiro Ricardo José Guimarães, juntamente com corréus uruguaios, em desfavor de vítimas brasileiras, na cidade de Rivera - República Oriental do Uruguai, que faz divisa com a cidade de Santana do Livramento/RS, em região fronteiriça. Segundo consta nos autos, os policiais civis Ronaldo Almeida Silva e Leonel Jesus Ilha da Silva, residentes na cidade de Santana do Livramento/RS, teriam sido mortos em um galpão de bebidas na cidade de Rivera - ROU, sendo que os cadáveres teriam sido ocultados nos arredores da cidade. Como é consabido, a extraterritorialidade é a incidência da legislação brasileira Documento: 5411995 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 4 de 7
aos crimes cometido fora do território nacional, conforme a previsão insculpida no art. 7.º do Código Penal, in verbis: Art. 7.º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I - os crimes: a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; II - os crimes: a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; b) praticados por brasileiro; c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. 1.º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. 2.º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. 3.º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior: a) não foi pedida ou foi negada a extradição; b) houve requisição do Ministro da Justiça." Como se vê, não obstante cometido no estrangeiro, o crime praticado por brasileiro fica sujeito à legislação nacional, mas depende de o agente entrar no território nacional; ser o fato punível no país em que foi praticado; estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter cumprido pena; bem como não ter sido perdoado no estrangeiro ou não estar extinta a punibilidade estatal. Na presente hipótese, restam preenchidos os pressupostos necessários para a aplicação da extraterritorialidade, já que o suposto matador profissional Ricardo José Documento: 5411995 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 5 de 7
Guimarães é brasileiro e se encontra no país, estando recolhido na Penitenciária Federal de Catanduvas/PR, desde 16/03/2007, por outros crimes (fl. 2785 do vol. 10); os homicídios são evidentemente puníveis no país em que foram cometidos; a lei brasileira autoriza a extradição por esse crime, nos termos do art. 76 et seq, do Estatuto do Estrangeiro (Lei n.º 6.815/80); e o agente não foi absolvido no exterior nem teve eventual pena extinta. Sabe-se, ainda, que o indiciado é ex-policial civil do Estado de São Paulo e seu último domicílio seria a cidade de Ribeirão Preto/SP, incidindo o disposto no art. 88 do Código de Processo Penal, transcrito a seguir: "Art. 88. No processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado. Se este nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da Capital da República." O simples fato de o crime ter ocorrido no Uruguai não atrai a competência da Justiça Federal, tendo em vista que a situação não se enquadrar em nenhuma das hipóteses previstas no art. 109 da Carta da República. Cabe ressaltar que os supostos homicídios não foram iniciados em território nacional, tendo o resultado ocorrido no estrangeiro ou ao contrário, mas todo o iter criminis ocorreu no estrangeiro, tampouco existe tratado ou convenção internacional a respeito. No mesmo sentido, a percuciente manifestação ministerial, in verbis: " [...] vale destacar que o artigo 109, incisos IV e V, da Constituição Federal prevê que, 'aos juízes federais compete processar e julgar (...) as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União' e 'os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente'. Nesse contexto, o caso concreto não diz respeito a interesse específico da União, mas a dois homicídios isolados cometidos por um brasileiro no exterior. Também não se trata de genocídio ou crime que seja objeto de tratado internacional específico. Por fim, não houve início de execução em território brasileiro e resultado no estrangeiro, ou vice-versa, porque todo o iter criminis ocorreu no Uruguai. No caso em análise, portanto, a transnacionalidade ou internacionalidade, que é requisito da fixação da competência federal em diversas espécies de crimes (ex vi, HC 102.829/AC - Relator Ministro Felix Fischer - Quinta Turma - Dje 17/11/2008), não se faz presente." (fl. 2043) Por fim, ressalvo que os investigados uruguaios estariam sendo processados pelos mesmos fatos em seu país de origem, conforme alegação de Joaquim Curi Lara. Documento: 5411995 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 6 de 7
Entretanto, a Justiça Brasileira não se manifestou acerca do assunto por aguardar a devolução de carta rogatória enviada ao Uruguai, com o escopo de obter informações acerca do suposto processo. Após o cumprimento da diligência, deve haver pronunciamento pelo Juízo Competente. Ante o exposto, CONHEÇO do conflito e DECLARO competente uma das Varas do Júri da Comarca de São Paulo/SP. É como voto. MINISTRA LAURITA VAZ Relatora Documento: 5411995 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 7 de 7