EXPERIÊNCIA DA LINHA S.O.S. SIDA EM ACONSELHAMENTO TELEFÓNICO Rita Correia & Vanessa Raposos Liga Portuguesa contra a SIDA A LINHA SOS SIDA A LINHA S.O.S. SIDA é um serviço de aconselhamento telefónico disponibilizado pela Liga Portuguesa contra a SIDA, organização não governamental de intervenção na área da SIDA. Este serviço iniciou-se em Julho de 1991, num horário de 4 horas diárias (17:30-21:30) assim mantendo-se até hoje. O serviço é gratuito e o atendimento é anónimo, quer para o utente do serviço quer para o conselheiro. Foi um projecto que nasceu da necessidade de dar alguma resposta numa área em que só a prevenção primária poderia surtir efeito e ainda hoje, apesar dos progressos da Medicina nesta área, só a prevenção pode evitar que mais pessoas se infectem ou, no caso de já estarem infectadas, se reinfectem. As helplines, como é o caso da Linha SOS SIDA, são observatórios privilegiados e desempenham um papel decisivo no quadro geral de luta contra a SIDA, disponibilizando informação e respondendo a pedidos específicos de ajuda e aconselhamento de fácil acesso. Desta forma, este serviço de aconselhamento telefónico é mais um meio que pode contribuir para facilitar a mudança de comportamentos uma vez que se pretende que, ao longo da intervenção, da resposta ao pedido, algo mude. Assim, enquanto serviço de aconselhamento telefónico relacionado com a infecção pelo VIH e a SIDA, tem os seguintes objectivos: - informar sobre os diversos aspectos da infecção pelo VIH/SIDA, particularmente sobre vias de transmissão, comportamentos de risco e comportamentos seguros, locais de realização do teste de pesquisa de anti-corpos anti-vih, consultas especializadas, locais de tratamento, serviços de apoio psicológico e/ou psiquiátrico para sujeitos afectados e/ou preocupados, recursos comunitários específicos. - Recomendar medidas preventivas
- Aconselhar de acordo com as orientações gerais da Organização Mundial de Saúde em matéria de aconselhamento-sida, em situações de crise psicológica por parte de sujeitos preocupados com a possibilidade de poderem estar infectados pelo VIH - Promover aconselhamento pré-teste e pós-teste sempre que necessário - Promover aconselhamento de sujeitos preocupados, seropositivos, doentes, bem como aconselhamento de familiares - Encaminhar ou referenciar, quando necessário, para os serviços de saúde adequados ou, ainda, serviços de aconselhamento específico ou dispositivos de apoio psicossocial e jurídico. CARACTERIZAÇÃO DAS CHAMADAS Passamos, agora, a apresentar uma breve caracterização do tipo de chamadas efectuadas entre 1996 e 2002 para melhor ilustrar o tipo de resposta e apoios prestados. É de salientar que estes dados são referentes à informação que é possível obter em cada chamada sem forçar a sua procura para dados estatísticos dado o carácter de anonimato e de respeito pela privacidade de quem telefona. Só são consideradas as chamadas efectuadas durante o período de funcionamento da Linha (4 horas). Consideram-se chamadas sérias aquelas em que a pessoa coloca questões relacionadas com a problemática VIH/SIDA e nas brancas incluímos as brincadeiras, as chamadas obscenas, os silêncios prolongados e todas as que não dizem respeito a esta problemática. Nº de chamadas 4000 3000 2000 1000 0 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 sérias brancas Total
Sérias brancas Total 96 2037 (76%) 633 (24%) 2670 97 2043 (76%) 641 (24%) 2684 98 2708 (77%) 821 (23%) 3529 99 2509 (74%) 897 (26%) 3406 2000 2175 (81%) 508 (19%) 2683 2001 2089 (80%) 523 (20%) 2612 2002 2275 (88%) 302 (20%) 2577 total 15836 (79%) 4325 (21%) 20161 Verifica-se um aumento significativo no número de chamadas dos anos de 96/97 para 98, havendo uma ligeira diminuição entre 98 e 99 que poderá ter a ver com o facto da linha ter encerrado durante uns tempos no mês de Maio para mudança de instalações, com a mudança de números no final do ano e com o aumento de linhas telefónicas onde esta problemática também surge como objecto de intervenção. Em relação ao ano de 2001 registou-se uma diminuição de 35 chamadas. No entanto, é de realçar o facto de Ter havido um aumento de 186 chamadas sérias e uma redução acentuada de chamadas brancas. 90% das pessoas que telefonam para a Linha SOS SIDA fazem-no para si próprio. Destas, 84% não estão infectadas mas preocupadas com esta problemática e 12% não tiveram comportamentos de risco. Quanto à idade, desde 96 que se verifica que mais de 80% dos sujeitos pertencem a uma faixa etária particularmente importante do ponto de vista epidemiológico: entre os 20 e os 40 anos. Distribuição das chamadas segundo objectivos das mesmas 100 80 60 40 20 modos de transmissão locais de análise locais de consulta aspectos cli. Infec. uso preserv. apoios especif. pedido material outras informações 0
Desde a criação da linha que as chamadas dizem quase sempre respeito aos modos de transmissão por via sexual, e particularmente, via sexo oral. A maior parte das pessoas que telefona são as que tiveram comportamentos sexuais há pouco tempo e que querem saber o seu grau de risco. Seguem-se as chamadas que dizem respeito aos aspectos directamente relacionados com a infecção (onde predominam questões sobre o período de seroconversão) e aos locais de análise, No que se refere ao total das chamadas verificou-se uma diminuição relativa à preocupação com o modo de transmissão via sexo oral (16%), a qual tem vindo sempre a ser o maior objectivo da chamada, predominando, agora, as questões relativas ao período de seroconversão (31%) e aos testes (20%). Estes novos dados parecem-nos poder ser explicados pelo facto de terem aparecido os testes de 4ª geração os quais, a nível nacional, acarretaram novas perspectivas quanto ao tempo de espera para Ter um resultado fiável. Também têm vindo a aumentar as questões sobre os modos de transmissão por meio de contactos sociais e/ou outras vias (como a saliva, as lágrimas, entre outros). Estas questões já foram inúmeras vezes abordadas e as pessoas também referem, na maior parte dos casos, que já detêm informação sobre o assunto o que faz sobressair a distância entre ter informação e conseguir integrá-la na sua vida. Esta distância parece estar relacionada tanto com medos desproporcionados como com o facto de se ter vindo cada vez mais a registar um aumento de chamadas de familiares que cuidam de doentes infectados pelo VIH. O ACONSELHAMENTO TELEFÓNICO Face a qualquer uma destas questões, e num curto espaço de tempo, tornase essencial perceber se o sujeito que exprime uma preocupação tem ou não história de comportamento de risco. Isto porque o tipo de aconselhamento é diferente. Em qualquer tipo de chamada procura-se, primeiro, explorar o que levou a pessoa a fazer determinado tipo de pergunta saber qual a sua preocupação central. Se a pessoa se restringe à obtenção de informação a chamada é voluntariamente curta mas se a pessoa introduz uma experiência pessoal e acaba por se confrontar com as razões subjacentes às suas perguntas torna-se possível identificar as implicações de factores psicológicos subjacentes às mesmas que muitas vezes ou têm a ver com preocupações associadas a culpabilidades, em dilemas relacionais ou em medos e fobias
que apontam para a existência de perturbações psicopatológicas. Nestes casos, impõe-se uma resposta individualizada e adaptada à situação em que a pessoa deixa de ser apenas um receptor de informação para passar a ser considerada como indivíduo com as suas emoções, as suas palavras que se traduzem nas atitudes e comportamentos que o podem levar, ou não, a proteger-se e a tratar-se. Pelo exposto, podemos desde já perceber porque consideramos que é indispensável que este serviço seja assegurado por psicólogos. De facto, esta Linha constitui uma experiência pioneira no nosso país por se tratar de um serviço de aconselhamento telefónico coordenado e realizado exclusivamente por psicólogos, numa perspectiva de psicologia da saúde. A equipa de conselheiros é constituída por psicólogos com formação específica na área da SIDA e tem supervisão regular de base semanal. Assim, e antes de mais, o aconselhamento telefónico requer competências que são comuns ao aconselhamento face-a-face. Entre essas competências destacam-se: - empatia - capacidade de escuta - ser sensível aos valores do outro e à sua cultura - ser capaz de fornecer informação isenta de julgamentos, valores e opiniões pessoais, tendo consciência dos seus próprios preconceitos em relação a grupos sociais ou a comportamentos desviados da norma - capacidade para transmitir informação de forma clara e rigorosa - Não se basear em estereótipos para seleccionar informação - Disponibilizar informação à medida, isto é, personalizada - Perceber qual é a preocupação principal do sujeito e orientar a intervenção de ajuda em função dela - Ter conhecimentos aprofundados sobre as implicações psicológicas da infecção pelo VIH e da SIDA - Saber identificar situações patológicas - Ter formação e treino em técnicas de aconselhamento No entanto, o aconselhamento telefónico também requer certas competências específicas por parte do conselheiro as quais têm a ver com o facto de ao telefone não existirem os sinais visuais da comunicação gestual como a mímica facial, postura, etc. Assim, torna-se necessário: - captar tudo através da entoação da voz: uma parte importante desta escuta é perceber o que não é directamente expresso, a pergunta por trás da pergunta
- respeitar o silêncio, sabendo quando o terminar e tendo em atenção à última coisa que foi dita e quem o disse - saber ouvir - saber controlar o tempo da chamada e a própria chamada e saber lidar com chamadas difíceis, não se deixando manipular repetindo a mesma informação; saber reconhecer quando é necessário terminar uma chamada ou mesmo desligar o telefone - saber avaliar adequadamente uma chamada : saber se se está perante um sujeito que correu o risco real de se infectar ou se, pelo contrário, se se trata de um preocupado sem história de risco ACONSELHAMENTO A MULHERES Se atendermos à distribuição por sexo dos sujeitos das chamadas, esta tem sido sempre, desde 1996, na sua maioria constituída por sujeitos do sexo masculino. No ano 2002 correspondeu a 68% dos sujeitos. 100 80 60 40 homens mulheres 20 0 Apenas em 32% das chamadas foram mulheres a telefonar. Por um lada, parace tratar-se de uma camada da população ainda um pouco desatenta aos modos de transmissão do vírus e, por outro, parece que numa relação a dois, os homens ainda são o sexo dominante, o que reforça a ideia de que é necessário levar cada vez mais a mulher a uma atitude de prevenção Assim, actualmente, assume importância crescente o aconselhamento telefónico dirigido às mulheres uma vez que aumenta o nº de mulheres infectadas por via heterossexual e o nº de casos de transmissão do VIH por via vertical reflectindo não só as suas vulnerabilidades específicas como também o baixo acesso a meios preventivos e a apoios. Como tal, este aconselhamento deve também ser específico, centrando-se, essencialmente: 1. Aconselhamento a mulheres infectadas É importante, antes de mais, em qualquer chamada, a avaliação do meio socio-familiar e do suporte social, de modo a podermos detectar possíveis dificuldades relacionais entre a mulher e a sua família.
Neste processo de avaliação atribui-se especial destaque para as preocupações sobre a infecção e atitudes face à gravidez, uma vez que a maioria das mulheres infectadas estão em idade fértil. No entanto, há que referir que estas chamadas representam uma pequena percentagem do total de chamadas feitas por mulheres. Ter filhos é um aspecto importante para a maior parte das mulheres seropositivas, mas que pode acarretar dificuldades acrescidas ao conselheiro, pelo que uma das características do aconselhamento acima referida (preocupação com próprios juízos de valor e preconceitos) assume aqui relevância maior. Apesar das dificuldades descritas, o conselheiro não pode esquecer o seu papel no aconselhamento-sida: ajudar a mulher a tomar uma decisão após reflexão sobre a mesma (considerar todas as opções e consequências de cada opção, como também os sentimentos associados a cada consequência), fornecer-lhe suporte e ajudá-la na situação emocional. 2. Aconselhamento a mulheres preocupadas As mulheres sempre assumiram o papel de cuidadoras, pelo que a maior parte das chamadas recebidas prendem-se com questões ou relacionadas com preocupações face a outro (filho, namorado, amigo(a)) ou com questões para um outro(a).ex: uma amiga foi fazer a análise (...) e se ela for positiva? São estas as situações onde o papel do conselheiro é de centralizar a atenção na própria, tentando identificar as suas preocupações principais e as razões subjacentes às mesmas. No mesmo exemplo: Em que é que acha que ela precisa de ajuda? ; O que é que a preocupa a si?. Assim, tenta-se nestas chamada acabar por ajudar a mulher a avaliar realisticamente o seu risco de forma a contribuir para o uso de medidas preventivas, promovendo a mudança de comportamentos. Ou seja, sobretudo na mulher, torna-se essencial ajudar na facilitação da auto-eficácia e do controlo pessoal, na promoção de autonomia pessoal e das estratégias de confronto que pareçam mais adequadas. CONCLUSÃO Dentro dos principais objectivos do aconselhamento-sida, tal como descritos por Teixeira (1994), salientamos alguns que nos parecem essenciais no aconselhamento específico em mulheres, nomeadamente: - identificar preocupações principais e ajudar a mulher a lidar com elas - avaliar a ressonância afectiva das preocupações e da própria informação que lhe é transmitida
- detectar dificudades relacionais entre a mulher e a família e entre a mulher e os técnicos de saúde, facilitando o desenvolvimento das estratégias que permitam a superação dessas dificuldades - ajudar a mulher a tomar decisões informadas e a gerir a sua vida no quadro das circunstâncias concretas em que se encontra - orientar eventualmente para apoios especializados e facilitar o acesso aos cuidados de saúde e serviços de apoio social e/ou comunitário. Para concluirmos, porque a prevenção continua a ser a única estratégia eficaz em relação ao VIH, é a nossa opinião que os serviços helplines devem fazer uso das técnicas de aconselhamento de saúde relacionado com o VIH/SIDA não perdendo de vista a importância de uma formação específica no aconselhamento telefónico, e concretamente no aconselhamento-sida a mulheres, uma vez que este assume características únicas para que possa ser eficaz.