CONSTRUÇÃO OU RECONSTRUÇÃO DA FUNÇÃO MATERNA NUMA ENFERMARIA MÃE CANGURU

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Transcrição:

CONSTRUÇÃO OU RECONSTRUÇÃO DA FUNÇÃO MATERNA NUMA ENFERMARIA MÃE CANGURU Severina Sílvia Ferreira Quando mãe e bebê chegam à Enfermaria Mãe-Canguru da Maternidade-Escola do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros CISAM-UPE, o bebê já terá passado muitos dias na unidade de terapia intensiva neonatal e/ou nas unidades de tratamentos intermediários da maternidade. De modo geral, são bebês prematuros de muito baixo peso, em condições bastante precárias, comuns às crianças nascidas nessas condições, muitos delas necessitando serem reanimadas. Nestes casos, quando do nascimento o bebê é, de imediato, retirado da mãe e levado para a UTIN (Unidade de tratamento intensivo neonatal), afastamento ocorrido em meio ao pânico e à angústia. Durante muito tempo, os equipamentos que o envolvem na incubadora o impedem de ser dali retirado. A mãe não pode então segurá-lo em seus braços, embora possa falar-lhe e tocá-lo. Ocorre que a visão do corpo esquelético do bebê, imobilizado por máquinas e equipamentos, não permite que a mãe veja ali mais que um puro real, libra de carne que não convoca investimento libidinal. Impossível antecipar ali um sujeito com uma história cuja hospitalização poderia ser apenas um episódio. Impossível pensar nele em termos como com quem ele parece? O bebê, por sua vez, não pode vir em socorro de sua mãe. Diante do bebê prematuro, doente ou em risco de morte, a mãe sente-se confrontada com uma imagem de mãe má, observa Mathelin (1999): uma mãe que não pôde carregar o filho até o final da gravidez e que deu à criança uma vida frágil demais, e que é, portanto, uma mãe perigosa para o filho. A ambivalência está presente durante todo o tempo da gestação. Mas, se a criança nasce no tempo previsto e é saudável, o nascimento do bebê renarcisará a mãe, o que lhe permitirá o exercício da função materna sem maiores dificuldades. Quando, no entanto, o parto se passa na urgência e o bebê nasce frágil e doente, a realidade reencontra o fantasma e surge o trauma (op. cit., p. 17): meu filho pode morrer e eu sou a culpada disso.

Engolida por um fluxo de culpa que abala todas as suas referências (op. cit., p. 17 e 24), a mãe pode não querer ver o filho, que muitas vezes se torna para ela um perseguidor. A dificuldade ou mesmo a impossibilidade de se aproximar da criança no serviço de neonatologia pode decorrer ainda do fato de a mãe sentir-se perigosa para ele. Neste caso, afirma Mathelin (op.cit.), o desejo da mãe é de proteger o filho dela mesma, ou seja, do seu desejo de morte. Como exercer a função materna nessas condições? Por um lado, a mãe não pode se reconhecer naquele bebê tão pequeno, tão magro, tão frágil, sobre cuja sobrevivência e futuro os médicos nada podem garantir. Por outro, nas condições em que se encontra, preso à incubadora e aos equipamentos que o envolvem e o penetram, o bebê não pode criar uma mãe (op. cit.). Caberá à equipe médica e aos cuidadores escutar os apelos do bebê e responder a eles, enquanto não é possível para a mãe ocupar esse lugar. Não será, adverte Mathelin (op.cit.), querendo manter o laço mãe-bebê a qualquer custo que a equipe do serviço conseguirá reconstruir a função materna na mãe, cujo sentimento é de fracasso em relação à criança que acabou de nascer. Pelo contrário, esperando o momento em que a mãe poderá reencontrar o filho, toda a equipe evitará que mãe e bebê se devorem um ao outro. Assim, além do acolhimento do bebê através da fala e da posição de autorização para que a mãe se mantenha afastada, é necessário que a equipe dos serviços de neonatologia adote uma função paterna, através da qual venha proteger mãe e filho, separando-os. Muitas vezes, no entanto, o afastamento do bebê logo após o nascimento, nas condições em que ocorre, não permite configurar uma separação. É como se o bebê não tivesse nascido, o que impede o trabalho de luto. Vem confirmar esse fantasma de não separação a correção da idade do bebê pelos médicos: ainda que fora do ventre materno espera-se o bebê atingir o tempo de quarenta semanas para ser considerado pronto para a vida. (Método Dubowitz ou NBS expandido). Separação há, concretamente, mas não simbolização dela, o que pode ser ratificado pela proibição de que as mães se aproximem dos seus bebês nas incubadoras:

Não toque nela, não mexa nela, repetem alguns médicos à mãe que se queixa de não ter tido ainda o direito de pegar nessa menina desde que ela nasceu. (cf. protocolo de atendimento de uma mãe). Independentemente de quais sejam as razões dessa mãe, neste caso associadas a uma história cuja narrativa faz menção ao medo de lhe ser roubada a criança ou ao temor de ocorrer uma troca de mãe, a função materna não encontra aí, do terceiro, uma autorização para ser exercida. Mãe e bebê chegam, enfim, à Enfermaria Mãe Canguru. É o momento do reencontro, marcado, no entanto, por um corte, por uma ferida: a mãe não foi capaz de dar vida ao filho; foram os médicos (portanto, o outro) que o fizeram. Terá ela algum poder agora, o de dar continuidade à vida dele? Ou ela continua sendo um risco para ele e ele sendo um risco para ela? Como construir ou reconstruir a função materna nesse momento? O que a mãe terá que fazer é muito simples : manter colado ao seu corpo o bebê que nasceu antes do tempo, para que ele possa estar pronto para nascer de novo. E, além disso, nutrir o bebê com o seu leite, como fazia antes quando ele se encontrava no seu ventre, alimentado por nutrientes vindos dela. Tanto num caso como no outro o que alimenta, dá vida ao bebê, vem da mãe. Fantasmaticamente, no entanto, o que primeiro alimentou o bebê, pôs em risco a sua vida e a dela. Como agora o leite materno poderá livrá-los da morte? É necessário esperar para construir ou reconstruir a função materna destruída pelo arrebatamento da prematuridade, suportando escutar no discurso da mãe o enredo fastamático no qual a criança e os pais estão comprometidos. Essa escuta é o que vai permitir-lhe falar da morte inscrita como realização de um desejo, formulado, por exemplo, na sentença oracular Você é tão ruim que não tem filho. Esse saber, essa pré-ciência, observa Mathelin, marca o corpo do filho como lugar privilegiado de uma inscrição, inscrição de morte. O trabalho do psicanalista não será, pois, tentar suprimir o sofrimento a qualquer preço, mas escutar a mãe falar de sua angústia, do trauma do nascimento, de modo que ela possa vir a acolher o filho e colocá-lo num lugar de ideal onde a facilização se torne possível.

A função materna é, sobretudo, função de antecipação, de atribuição, de formulação de hipóteses. Como me dizia uma mãe: tem o desejo da gente (e) tem o desejo da criança. Referia-se ela a ter passado, durante a gestação, a desejar comer um determinado tipo de biscoito de que não gostava antes e que isso era uma resposta ao desejo do bebê. A mãe atribuía ao bebê um desejo, um gosto, uma preferência, ou seja, uma demanda. Ela demandava que ele a demandasse. A extrema prematuridade do bebê pode produzir uma fratura nessa função materna (Coriat, 2004) ou destruí-la. Um tempo de escuta faz-se então necessário até que ela se reconstitua e o bebê volte a ser investido. A situação parece contraditória: num primeiro momento, há a separação concreta, confirmada ou não pela separação simbólica, quando a criança é levada para a UTIN; em seguida, há o reencontro concreto de mãe e bebê na Enfermaria Mãe- Canguru, cuja equipe adota a posição de autorização para que a mãe exerça a função materna, levando-os a se tornarem inseparáveis, colados corpo a corpo. Mas, para proteger essa mãe desse bebê e o bebê da mãe, a equipe terá uma dupla função: (1) autorizar à mãe a se tornar mãe para seu filho e (2) separar a criança da mãe, adotando então uma posição paterna. A necessidade desta função é ainda mais acentuada quando o pai está ausente e não há familiares em posição de apoiar a mãe. Nesse tempo de corte, o analista trabalhará a questão da perda para que a simbolização do nascimento (primeiro ou segundo), em meio à urgência, ao drama e à insustentável presença da morte, possa ocorrer. No CISAM, ao chegar à Enfermaria Mãe-Canguru a mãe é recebida pela neonatologista coordenadora do Serviço, que procura mostrar os benefícios do método, tanto para o bebê como para a mãe. No entanto, é dado à mãe o direito de escolher ficar ou não. Em seguida, a psicóloga, geralmente a mesma profissional que acompanha a mãe desde a sua chegada à maternidade, dá seguimento ao trabalho de atendimento. Em determinadas circunstâncias, o psicanalista é chamado a intervir, sobretudo quando a mãe apresenta dificuldades nos cuidados e na relação com o bebê ou quando o bebê dá indícios de sofrimento psíquico. Paralelamente, os membros da equipe se reúnem semanalmente com o psicanalista para falar sobre mães e bebês alojados na Enfermaria

Mãe-Canguru, mas também sobre suas próprias angústias e ambivalências em relação a determinadas crianças e pais. Todavia, encontra-se em vias de implantação um projeto de atendimento sistemático de mães e bebês pelo psicanalista. Assim, da mesma forma que a mãe é recebida pela neonatologista quando de sua chegada à Enfermaria Mãe-Canguru, ela terá também um encontro com o psicanalista, encontro que poderá se desdobrar em outros, conforme o caso. Este projeto de atendimento sistemático e previamente estabelecido tem o objetivo, entre outros que são próprios da escuta do discurso materno e da leitura do que se passa com o bebê, de descaracterizar o trabalho do psicanalista como apenas uma resposta à demanda da equipe. Por outro lado, permite a não discriminação das mães, que de outro modo podem sentir-se como problemática e necessitadas de atendimento psi enquanto outras não. Nota 1: A coordenadora da Unidade Mãe-Canguru é a Dra. Eunice F. L. de Oliveira. Nota 2: Trabalho apresentado no CISAM/UPE, em 27.08.05, dentro da série de Seminários organizados pelo NINAR Núcleo de Estudos Psicanalíticos, para apresentação no Auditório Prof. Albérico D. Câmara. Publicado com o título Construção ou reconstrução da função materna nas separações precoces mãe-bebê. Revista Travessia, Faculdade de Ciências Humanas de Olinda-FACHO, Olinda, ano, nº 1, p. 169-174, 2006. Referências Bibliográficas CORIAT, Haydée. Intervenção Precoce: uma clínica com bebês. In Criança: sujeito na equipe interdisciplinar Ciclo de Conferências. Cadernos do NINAR Núcleo de Estudos Psicanalíticos. Recife: Editora Universitária UFPE, 2004. MATHELIN, Catherine. O sorriso da Gioconda Clínica Psicanalítica com os Bebês Prematuros. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1999.