EDUCAÇÃO NAS PRISÕES: OS DESAFIOS POLÍTICOS E EDUCACIONAIS NO COTIDIANO E NA IDENTIDADE DO PROFESSOR DA EJA NO SISTEMA PRISIONAL NO ESTADO DE GOIÁS

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Transcrição:

EDUCAÇÃO NAS PRISÕES: OS DESAFIOS POLÍTICOS E EDUCACIONAIS NO COTIDIANO E NA IDENTIDADE DO PROFESSOR DA EJA NO SISTEMA PRISIONAL NO ESTADO DE GOIÁS Nelson Carneiro Júnior Pontifícia Universidade Católica de Goiás- PUC Goiás nelsoncjunior@yahoo.com.br Modalidade: Relato de Experiência Eixo Temático 2: Identidades e Trajetórias na formação dos educadores da EJA RESUMO: Ao estabelecer as diretrizes nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais, o governo federal reconhece que a educação neste estabelecimento é um direito humano. O relato de experiência apresenta os desafios políticos e educacionais enfrentado como professor da rede pública de ensino, na educação de jovens e adultos no sistema penitenciário do estado de Goiás, precisamente como professor na cadeia pública em Hidrolândia, cidade da região metropolitana de Goiânia. O desafio de atuar em um espaço de profunda desigualdade, violência e limites indicou a necessidade de revisão de paradigmas educacionais, de experiências didáticas, revisão de teorias para que meu trabalho pudesse ser realizado. A necessidade de uma formação específica para a educação no sistema penal passa a ser uma tarefa crucial neste momento de discussão acerca da formação de um plano estratégico de educação no âmbito do sistema prisional brasileiro e a elaboração dos planos estaduais de educação. PALAVRAS CHAVE: EJA; Sistema Penitenciário; Plano Nacional de Educação

INTRODUÇÃO A sociedade brasileira é composta por indivíduos que se localizam em grupos sociais distintos. O acesso à riqueza, ao lazer, à educação, à saúde, ao transporte, a moradia não está franqueada a todos nas mesmas condições. A condição dos trabalhadores, desde o século XVI até o início do século XXI vai se definindo como de precariedade, de vulnerabilidade e de crescentes desigualdades em relação ao grupo social dominante. Diante da necessidade de romper ou diminuir essa precariedade e vulnerabilidade de parte da população trabalhadora brasileira, duas modalidades de educação aparecem com destaque nas últimas décadas em nosso país. A primeira é a oferta da Educação de Jovens e Adultos em escolas públicas, a segunda, a Educação de Jovens e Adultos no sistema penitenciário. A constituição de 1988 indica o principio da universalidade do direito à educação. Dessa forma, a educação como direito humano é garantido a qualquer pessoa, sem nenhum tipo de distinção. A existência da educação no sistema penitenciário nos coloca o desafio de construção de uma nova concepção de educação nesses ambientes. Por isso, Onofre (2013) indica que a educação na prisão deve ser vista pela perspectiva dos direitos humanos, porque ela constitui um valor em si mesma, um conjunto de ferramentas e de capacidades que ampliam as possibilidades de implementação de projetos que contribuam para a inclusão social, cultural e econômica das pessoas aprisionadas. (p. 52) Ao estabelecer através da resolução número 2, de 19 de maio de 2010 as diretrizes nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais, o governo federal reconhece que a educação neste estabelecimento é antes de tudo um direito humano. Nos últimos dez anos, o governo federal apresentou avanços significativos na confirmação desta realidade. A realização de dois seminários nacionais sobre educação nas prisões, o desenvolvimento do projeto Educando com a Liberdade em parceria com a UNESCO e o Ministério da Justiça, a regulamentação da diretriz nacional para a oferta de educação para jovens e adultos nas prisões e mais recentemente, a instituição do plano

estratégico de educação no âmbito do sistema penal e a ênfase na elaboração de planos estaduais de educação nas prisões são exemplos que confirmam a existência de uma política pública para a educação no sistema prisional. As reflexões teóricas acerca do processo de construção, formação e desenvolvimento de políticas públicas elaboradas pelo estado de Goiás na oferta de educação no sistema prisional são fruto da experiência de leituras e práticas que tenho como professor efetivo da rede estadual de educação, atuando de forma específica, sistema prisional do estado de Goiás com turmas da Educação de Jovens e Adultos no município de Hidrolândia, na região metropolitana de Goiânia desde 2010. DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA A experiência em trabalhar com EJA no sistema prisional foi e continua sendo desafiadora. Quebra de preconceitos, revisão de paradigmas, experiências didáticas, revisão de teorias e práticas pedagógicas foram fundamentais e continuam sendo para que meu trabalho possa ser realizado. A necessidade de entender e atuar neste espaço fez com que eu entrasse em contato com as leis e dispositivos que asseguram a existência da educação nas prisões. Sem qualquer preparo pedagógico específico e leituras na área, fui apresentado a essa realidade e percebi que ao conhecer as leis e entender a lógica do sistema penal deveria a todo instante rever minhas práticas didáticas e a maneira de ver o mundo, a educação, o conhecimento e, sobretudo, o sujeito da aprendizagem (o adulto privado da liberdade). Neste momento busquei em Paulo Freire perspectivas teóricas e metodológicas de ação. Principalmente ao ler a obra Pedagogia da Autonomia (1997) e entrar em contato com os saberes necessários a prática docente pude começar a reorganizar minha prática pedagógica e política neste espaço de ação. As indagações que me incomodavam no inicio: O que estou fazendo aqui? O que ofereço a estes sujeitos privados de liberdade de diferente para que possam olhar o mundo de outra forma? Por que devo ensinar isso e não aquilo? O que ensinar? Que material didático usar? Como eles estão aprendendo? As reflexões freirianas enriqueceram minha maneira de enxergar e transformar minha prática docente neste lugar.

Foi neste espaço e no embate que tive com meus alunos privados de liberdade e interlocutores (agentes, delegados) que compreendi a necessidade de uma ação reflexiva sobre minha docência. Na sala de aula improvisada (antiga cela feminina), pude entender exatamente aquilo que Freire indicava em sua obra; por exemplo, que ensinar exige saber escutar, que não se resume apenas em transmitir conhecimento, que exige risco, disponibilidade para o diálogo e rejeição a qualquer forma de discriminação e principalmente, ensinar exige alegria e esperança e querer bem aos educandos. Os desafios enfrentados pela educação no sistema prisional são inúmeros e não podem ser dissociados de fatores que compõe a chamada cultura prisional. Essa cultura prisional é visível em vários discursos dos sujeitos (agentes, diretores, presos, professores) envolvidos. A percepção dos discursos vai desde a idéia de que a educação nas prisões configuraria como um tipo de privilégio ao preso; na visível contradição encontrada entre o ambiente hostil e degradante das condições penitenciárias com discurso de emancipação e de direitos humanos que não são colocados em prática, na falta de projetos pedagógicos, materiais didáticos e infraestrutura adequada para o processo de ensino e aprendizagem dos privados de liberdade. A especificidade do trabalho com jovens e adultos e em especial com jovens e adultos em situação prisional coloca vários desafios a nação. Não apenas na formação de uma política educacional para esses grupos sociais, mas instigam os docentes a reelaborarem suas práticas metodológicas diante dos desafios enfrentados no cotidiano dessa realidade, reorientando também a ação dos agentes envolvidos no sistema e na administração penitenciária. A prática educacional em especial nesse ambiente precisa ser realizada a partir da concepção problematizadora da educação, considerando que conhecer não pode ser um ato de doação do educador ao educando, mas um processo que se estabelece no contato do homem com o seu mundo vivido. E este não é estático, mas dinâmico, em contínua transformação. Essa visão é fundamental na elaboração de práticas pedagógicas que podem ser elaboradas e desenvolvidas no espaço da educação de jovens e adultos. Os profissionais da educação devem utilizar metodologias que reafirmem não apenas a importância da educação na perspectiva individual, mas que garanta a esse aluno privado da liberdade, não apenas o diploma de conclusão do ensino fundamental ou médio, mas consiga

desenvolver de forma plena as habilidades e competências necessárias para o exercício da cidadania e a emancipação humana. Dentre os desafios indicados na construção de uma prática pedagógica consciente no espaço educativo prisional, estaria a elaboração de um regimento escolar que pudesse preservar a unidade filosófica, político-pedagógico estrutural e funcional das práticas de Educação nas Prisões; a produção de material didático específico para a educação no sistema penitenciário. É urgente também conceber a elaboração de um currículo elaborado a partir dos sujeitos do processo educativo nas prisões, considerando o tempo e o espaço dos sujeitos da EJA inseridos nesse contexto. O Estado de Goiás vem nos últimos anos realizando um trabalho de efetivação e consolidação desta nova realidade educacional. O Estado possui 87 unidades prisionais no Estado administradas pela Secretaria de Executiva de Administração Penitenciária SAPeJUS. Nestas unidades prisionais, tem-se a existência de 45 salas de aula. Entretanto, a simples existência das salas não traduz em medidas eficazes. A infraestrutura encontrada em algumas unidades e a convivência com características específicas de uma cultura prisional redimensiona a prática docente instigando o professor a rever constantemente a sua prática como e seus discursos no que diz respeito à função e importância do exercício docente realizado neste espaço. Uma parte do ensino desenvolvido nas unidades penitenciárias é resultado de projetos de extensão de escolas públicas nem sempre funcionando de uma maneira eficiente e propositiva. Em algumas cidades do estado de Goiás, ao ingressar no cotidiano do sistema prisional e trabalhar na educação oferecida nos presídios, o professor não passava por um processo de formação, promovido pela Secretaria Estadual de Educação nem pela Secretaria de Estado da Administração Penitenciária e Justiça do Estado de Goiás. Entretanto, nos últimos 3 anos (2012-2014) foram realizados pela Secretaria da Educação do Estado de Goiás dois Seminários estaduais especificamente voltado para a formação docente específica para a educação de jovens e adultos nos estabelecimentos penais. Nestes seminários, pesquisadores especialistas na área foram convidados a participar de palestras e momentos formativos. O Plano Nacional de Educação em 2001 tinha como meta a ser alcançada num prazo de 10 anos, à implantação, em todas as unidades prisionais, programas de formação

profissional e de Educação de Jovens e Adultos de nível fundamental e médio. Por inúmeros problemas, a meta não foi alcançada. No novo Plano Nacional de Educação que entrou em vigor em junho de 2014 três metas fazem referência direta a educação de jovens e adultos. A meta 9 propõe a elevação da taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015. Por isso, uma das estratégias concebidas seria assegurar a oferta da EJA de ensino fundamental e ensino médio, às pessoas privadas de liberdade em todos os estabelecimentos penais, assegurando uma formação específica dos professores e implementação das diretrizes educacionais. Os planos estaduais da educação dos estados da região Centro Oeste indicam de forma tímida a oferta da educação nas prisões. Nos planos estaduais de educação do estado de Mato Grosso (2006-2016) e do Mato Grosso do Sul (2001-2010) não a sequer nenhuma abordagem que indique a preocupação com a oferta de educação nos estabelecimentos penais daqueles estados. Com o novo plano nacional de educação do Brasil e a institucionalização das Diretrizes Nacionais Curriculares para EJA nas prisões e a instituição do Plano Estratégico, tem-se a prerrogativa de pensar a oferta e a sistematização da existência desta modalidade de ensino. O Plano Estadual de Educação do estado de Goiás (2008-2017) aprovado em 2008 propõem metas para vários níveis do ensino e suas diversas modalidades, mas não apresenta as especificidades e estratégias que deveriam ser objetos de discussão acerca da oferta e garantia de educação nos estabelecimentos penais do estado de Goiás. No plano estadual de Goiás, a meta 21 que indicava a promoção de formação e qualificação de agentes prisionais, educadores e técnicos pedagógicos, para atuarem no programa de educação prisional e de jovens em situação de risco social. O plano reafirmava ainda a necessidade de manter intercâmbio com as IES que formem recursos humanos para a atuação docente, com a finalidade de desenvolver pesquisas de novas metodologias adequadas aos jovens e adultos do sistema prisional. Uma das discussões a ser travadas na elaboração de um novo plano estadual de ensino do estado de Goiás é a efetivação da educação nas prisões como uma meta prioritária com estratégias distintas pela sua efetivação. O recente plano de educação do Distrito Federal pode ser um modelo inspirador para a discussão e aprovação dessas metas. Neste plano, a meta 10

propõe garantir no sistema público de ensino do DF a oferta de escolarização ás pessoas adultas, jovens e idosas em cumprimento de pena judicial de privação de liberdade, no sistema prisional do DF, de modo que, até o último ano de vigência deste plano, no mínimo, 50% dessa população esteja atendida em um dos segmentos da EJA. Discussões sobre direitos humanos, políticas públicas na área e experiências didáticas nestes seminários regionais proporcionaram aos envolvidos nas práticas educacionais e da gestão penitenciária momentos de reflexão e construção de percepções que possam redimensionar a prática docente tornando-a mais próxima do aluno e proporciona CONSIDERAÇÕES FINAIS Fica visível a necessidade do diálogo e parcerias efetivas entre os órgãos competentes para que o plano estratégico da educação no âmbito do sistema penitenciário possa sair do papel e alcançar resultados práticos. É visível que nesse processo, as escolas que oferecem a educação nas unidades penitenciárias não estabelecem um diálogo entre si, no que diz respeito a elaboração curricular e formação docente enfraquecendo dessa forma, reflexões e trocas de experiência que poderiam aprimorar as condições de oferta da educação no sistema penitenciário e principalmente impossibilitam a discussão acerca de um projeto político pedagógico específico de atuação em estabelecimentos penais. O mais recente documento do governo sobre educação no sistema prisional foi publicado em novembro de 2011, o decreto nª 7.626 que institui PEESP: O Plano Estratégico de Educação no âmbito do sistema prisional. Coordenado pelo Ministério da Educação e pelo Ministério da Justiça, sua finalidade é executar ações que levam a ampliação e qualificação da oferta de educação nos estabelecimentos penais. Uma de suas ações é a promoção da reintegração social da pessoa em privação de liberdade por meio da educação. Dentre seus principais objetivos do PEESP estão o incentivo a elaboração de planos estaduais de educação para o sistema prisional, abrangendo metas e estratégias de formação educacional da população carcerária e dos profissionais envolvidos

em sua implantação; contribuir para a universalização da alfabetização e para a ampliação da oferta da educação no sistema prisional e promover a formação e capacitação dos profissionais envolvidos na oferta do ensino nos estabelecimentos penais. A construção de um plano estratégico efetivo que oferta e garanta da educação nos estabelecimentos penais como política pública permanente de Estado e não apenas como política pública de um governo é uma medida urgente em nosso país. É necessário cada vez mais que o Estado de Goiás estabeleça uma política efetiva de educação nas prisões desenvolvendo projetos e estimulando a parceria entre as secretarias responsáveis. Há muito trabalho a ser feito. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Carlos Roberto Jamil Cury (relator). Parecer CEB 11/2000 Diretrizes curriculares nacionais para educação de jovens e adultos. In: SOARES, Leôncio. Educação de jovens e adultos. Rio de Janeiro: DP & A, 2002c. ONOFRE, Elenice Maria Cammarosano. A educação na prisão como política pública: entre desafios e tarefas. IN: Educação & Realidade. Porto Alegre, v.38, n.1, p.51-69 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1996.