A INTEGRAÇÃO CURRICULAR NA EXPERIÊNCIA DO CONSÓRCIO SETENTRIONAL EM BIOLOGIA Eduardo José Cezari Universidade Federal do Tocantins RESUMO: A proposição de cursos de graduação por meio de consórcios entre instituições tem sido uma opção frequente na contemporaneidade. Neste contexto foi criado o Consórcio Setentrional em Biologia a partir do Edital SEED/MEC 01/2004, programa denominado Pró-licenciatura para oferta de cursos à distância nas áreas de Física, Química, Biologia, Matemática e Pedagogia. O Pró-licenciatura visava a formação de professores leigos para atuação na Educação Básica, onde os projetos de curso deveriam ter forte orientação interdisciplinar e tratar os diversos conteúdos de forma contextualizada. Por esse motivo, este trabalho objetiva analisar como a integração curricular se configura no currículo do curso proposto pelo Consórcio Setentrional. Foi analisado o Projeto Político do Curso (PPC) à luz das matrizes de integração curricular propostas por Lopes (2008): integração por competências e habilidades; ii) a integração de conceitos das disciplinas de referência; e iii) integração centrada nas disciplinas escolares. O curso foi organizado em módulos que são divididos em unidades temáticas. Apesar de não fazer referência explicita as competências, esse formato pressupõe a aquisição delas. A organização em eixos (pedagógico; biológico; e biologia, sociedade e conhecimento) tem as disciplinas de referência como base para a formação, onde a integração pode acontecer com base nas disciplinas de referência. Entretanto, os PCN s foram consultados na elaboração do currículo, o que pressupõe uma articulação com os conteúdos escolares. Portanto, conclui-se que há um processo de hibridização das matrizes no contexto desse curso. Palavras-chave: Formação de professores, Educação em Ciências, Hibridismo. Introdução A oferta de cursos de graduação e pós-graduação no sistema de consórcio tem sido uma opção cada vez mais comum na contemporaneidade, podendo ser incentivado pelo Estado, ou mesmo como uma possibilidade encontrada pelas instituições formadoras para propor programas que seriam inviáveis sem o regime de colaboração, sobretudo em regiões com menor densidade demográfica, com poucas instituições de ensino superior ou ausente como é o caso de muitos municípios brasileiros, e principalmente as dimensões geográficas de ordem continental, como é o caso da região setentrional brasileira, lócus de atuação do consórcio a que se refere este trabalho. É neste contexto que foi criado o Consórcio Setentrional em Biologia. 00379
2 No ano de 2004, a Secretaria de Educação à Distância do Ministério da Educação, lançou a chamada pública MEC/SEED 01/2004, que teve como objetivo selecionar projetos de curso de licenciatura à distância nas áreas de Física, Química, Biologia, Matemática e Pedagogia, programa denominado Pró-licenciatura. O Pró-Licenciatura foi um programa de formação inicial desenvolvido pelo Ministério da Educação em parceria com Instituições de Ensino Superior (IES), públicas, comunitárias ou confessionais, objetivando atender professores dos anos/séries finais do Ensino Fundamental e/ou do Ensino Médio de sistemas públicos de ensino que não tenham a habilitação legalmente exigida para a função. Teve como objetivo ofertar cursos de licenciatura na modalidade de Educação a Distância (EAD), criados por IES organizadas em parcerias, com notória e comprovada competência instalada para tal, em estreita cooperação com a coordenação do Pró-Licenciatura (BRASIL, 2005). Além disso, dentre os critérios para seleção das propostas e os projetos de curso deveriam ter forte orientação interdisciplinar e tratar os diversos conteúdos de forma contextualizada (BRASIL, 2005). Pelas questões expostas, este trabalho tem como objetivo analisar como a integração curricular se configura no currículo do curso proposto pelo Consórcio Setentrional. Foi analisado o Projeto Político do Curso (PPC) à luz das matrizes de integração curricular propostas por Lopes (2008). A integração curricular em questão Dada a centralidade que o currículo assume num dispositivo como o projeto político, concordamos com Lima e Oliveira (2010, p. 119), quando afirmam que um texto curricular [...] é um recorte arbitrário de um conteúdo particular que tenta estabelecer fixações em meio a uma multiplicidade de discursos e projetos postos em disputas nos diversos contextos de sua produção. Desse modo, não podemos dizer que os textos são uma tradução autêntica da política, sobretudo por que a própria política é produto de um esforço coletivo, resultado de disputas acirradas pela definição de diretrizes afinadas com o discurso de grupos que participaram do processo, exercendo o seu poder em distintos momentos da concepção. Para Matos e Paiva (2009, p. 126) as propostas de integração, que se constituíram ao longo da história do currículo, de modo geral, tiveram em comum a crítica à organização disciplinar. Para Lopes e Macedo (2011, p. 123), toda 00380
3 organização curricular, mesmo aquelas que defendem o currículo centrado nas disciplinas acadêmicas, consideram importante discutir formas de integração de conteúdos curriculares. De acordo com o PPC, podemos constatar a preocupação com excessiva fragmentação da ciência quando ainda na justificativa do curso é proposto que: [...] esse curso visa também atender a uma formação interdisciplinar do licenciado, superando as fragmentações que a excessiva disciplinaridade trouxe aos currículos de Biologia e que tanto comprometem a formação docente para atuar na educação básica. Em decorrência disso, toda a concepção curricular nesse curso foi planejada, de modo a ficar estruturado em módulos (e não disciplinas) e eixos temáticos transversais, permanentes para a formação fundamental dos licenciados, (UFT, 2005, p. 15). A defesa da integração curricular, muitas das vezes, é construída em contraposição à organização disciplinar do currículo, mas sua efetivação ainda tende a realizar-se com referência à matriz disciplinar. Para Lopes e Macedo (2011, p. 123), é possível afirmar que toda forma de proposição de uma organização curricular, mesmo aquelas que defendem o currículo centrado nas disciplinas acadêmicas consideram importante discutir formas de integração dos conteúdos curriculares. Desse modo, as autoras destacam a possibilidade de agrupar essas diferentes propostas em três categorias: i) a integração por competências e habilidades; ii) a integração de conceitos das disciplinas mantendo a lógica dos saberes disciplinares de referência; e iii) integração centrada nas disciplinas escolares, buscando referências nas demandas sociais e eventualmente em questões políticas mais amplas. No que concerne ao currículo propriamente dito, o currículo foi organizado de forma modular. Cada módulo contempla um aspecto do fenômeno biológico, de forma interdisciplinar. Os módulos estão estruturados a partir de três eixos temáticos: o histórico-filosófico, englobando sociedade e conhecimento; o que trata o fenômeno biológico e o pedagógico. Para tanto, levamos em consideração os documentos já citados no item 6.1, os Parâmetros Curriculares Nacionais para a Educação Básica (Ensino Fundamental, Ciências Naturais e Ensino Médio) e, também, os resultados sobre pesquisas diversas no âmbito educacional. Cada módulo está organizado a partir do eixo biológico, focalizando processos numa perspectiva eco-evolutiva, colocando em relevo conhecimentos de outras áreas que sejam relevantes para pensá-los (UFT, 2005, p. 18). Na ocasião, ainda que atendendo as diretrizes gerais propostas pelo edital, a opção feita pelos representantes das IES no momento da produção do PPC do 00381
4 curso, deu-se pela mescla entre a segunda e a terceira matriz de integração, ou seja, optou-se por atender aos eixos temáticos transversais, por meio de uma abordagem interdisciplinar. A perspectiva de abordagem dos conteúdos pautada no eixo eco-evolutivo pode estar relacionada tanto a tradições mais acadêmicas, como também naquelas mais pedagógicas e/ou utilitárias e, dessa forma, confere ao currículo um caráter amplo na abrangência de diversas demandas. Busnardo e Lopes (2007) situam os saberes não-acadêmicos como um dos discursos potentes na produção das políticas de currículo. Situam-se, dentre esses saberes, todos os que são entendidos como referendados fora dos limites disciplinares, sejam eles denominados saberes populares, saberes cotidianos e saberes prévios dos alunos, todos esses vinculados ao princípio da contextualização. Em cada módulo serão destacados conhecimentos do eixo pedagógico, aqueles que fundamentam o fazer do professor e que caracterizam as licenciaturas. Nesse sentido, serão trabalhados nos módulos os fundamentos e as metodologias para o fazer pedagógico. É no horizonte da prática pedagógica que a ligação entre esses conhecimentos e aqueles que foram definidos nos outros eixos, sobretudo o biológico, manifestar-se-á, no sentido de superar a dicotomia entre a teoria e a prática (UFT, 2005, p. 19). É nesse momento que percebemos que a produção de um texto político como o PPC não ocorre verticalmente, mas, como já tratamos anteriormente, é fruto das diferentes leituras e sempre está sujeito a múltiplas interpretações e significações, sobretudo influenciadas pelo momento em que vivemos, de uma forte tendência a liquidificar tudo que é sólido, e de desbravar e as fronteiras existentes entre as áreas do conhecimento. Entendemos que esse desejo por propostas interdisciplinares presente em qualquer discurso desde os anos iniciais até a pós-graduação não é um fenômeno recente, mas tem se intensificado a medida que encontramos limitações na proposição de soluções para os problemas que emergem de uma sociedade que desfruta a cada dia um novo produto tecnológico, e este não só exige novos conhecimentos mas possibilita o alcance de tantos outros. Nesse sentido, a hibridização de matrizes de integração são evidenciadas nesse Projeto Político. Ao ser organizado em módulos que são divididos em unidades temáticas, apesar de não fazer referência explicita as competências, esse formato 00382
5 pressupõe a aquisição delas. A organização em três eixos (eixo pedagógico, eixo biológico e eixo biologia, sociedade e conhecimento) atendem aos princípios expressos nas DCN, que propõe a organização do currículo em três eixos (conteúdos de formação básica, específicos e complementares) articulando teoria e prática, tendo as disciplinas de referência como base para a formação, notadamente a integração pode acontecer com base nas disciplinas de referência. Entretanto, os PCN s foram consultados na elaboração do currículo, o que pressupõe uma articulação com os conteúdos escolares. Considerações A mudança da organização disciplinar para um modelo baseado em módulos, eixos e unidades revela a tentativa de superação de uma visão fragmentada da ciência. Todavia há nuances de hibridismos em função das singularidades do projeto construído a partir de negociações entre as diversas instituições envolvidas. Além disso, esse processo de recontextualização por hibridismo permite que os diversos interessados tenham participação ativa no processo. Referências BRASIL Ministério da Educação. Secretaria de Educação à Distância. Programa de formação inicial para professores em exercício no ensino fundamental e no ensino médio Pró- Licenciatura (Proposta conceitual e metodológica). Brasília - DF, 2005. BUSNARDO, F. G.; LOPES, A. C. Os saberes não-acadêmicos nas propostas curriculares para o ensino de Biologia. In: IV Seminário Internacional Redes de Conhecimento e a tecnologia, 2007, Rio de Janeiro. Anais do IV Seminário Internacional Redes de Conhecimento e a tecnologia. Rio de Janeiro: Laboratório de Educação e Imagem, v. 1. p. 1-21, 2007. LIMA, T. M.; OLIVEIRA, O. V.. Comunidades epistêmicas e desafios da representação nas políticas curriculares do curso de pedagogia. Revista teias (UERJ - Online), v. 11, p. 1-19, 2010. LOPES, A. C. Políticas de integração curricular. Rio de Janeiro: EdUFRJ, 2008. LOPES, A. C. e MACEDO, E. Teorias de currículo. São Paulo: Cortez, 2011 MATOS, M. C.; PAIVA, E. V.. Integração Curricular e Formação docente: entre diferentes concepções e práticas. Vertentes (UFSJ), v. 33, p. 124-138, 2009. 00383
6 UFT. Projeto Político Pedagógico do Curso de Licenciatura em Biologia EAD. UFT: Tocantins, 2007. 00384