1. Goodman e a dissolução do problema da indução

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Transcrição:

Discussões 297 MONTEIRO, HUME E ADÃO LUIZ HENRIQUE DE A DUTRA Universidade Federal de Santa Catarina O prof João Paulo Monteiro e uma das pessoas que marcou minha formação e que mais contribuiu para meu desenvolvimento intelectual Foi ele que me apresentou não apenas Hume, mas tambem Quine Alem disso, sendo ele um dos grandes especialistas que temos no pensamento humeano, e uma grande satisfação ver meu artigo' criticado por ele,' e poder lhe endereçar aqui uma resposta Tomando o ponto de vista de Hume, ele me faz certas criticas, estendendo-as a Goodman, e condenando as tentativas de recolocar o problema de Hume em outras bases, confiante que Hume formulou e resolveu o problema convenientemente Minha critica a Hume vai na linha de Goodman, mas penso que ha apenas uma semelhança parcial A alguns respeitos, creio que a nota do prof João Paulo me ajuda a esclarecer alguns pontos importantes de minha abordagem, como este A outros respeitos, contudo, creio que ele não me compreendeu bem, e que alguns de seus comentanos podem mesmo ser tomados a meu favor, e não contra, como ele pretende 1. Goodman e a dissolução do problema da indução Uma das criticas que o prof João Paulo me faz é a de tentar dissolver o problema da indução, de modo semelhante

298 D Iscusstons aquele empreendido por Nelson Goodman, em seu Fact, Fiction and Forecast (1983) Em primeiro lugar, não creio que esteja no espirito da abordagem de Goodman dissolver o problema da indução Discutir aqui possiveis interpretações do pensamento de Goodman não e, contudo, o que pode interessar mais De qualquer forma, posso dizer que não esta no espirito de minha proposta de abordagem do problema da indução uma dissolução do problema, mas apenas uma reformulação, tal como creio ocorrer em Goodman Meu texto parte da distinção entre regularidades com exceções e regularidades sem exceções e da ideia de que, para o cetico, so faz sentido duvidar se ha um conflito de aparências As regularidades são consideradas sem exceções mediante um pano de fundo consolidado de conhecimentos variados e multiplos, ou seja, elas são casos em que não ha conflito de aparências Meu objetivo e apenas o de afirmar que não cabe duvidar das regularidades sem exceções, mas que, por outro lado, obviamente, seria legitimo duvidar de regularidades com exceções, pois elas estão em um contexto de conflito de aparencias, caso em que Hume teria razão (Dutra 1997, pp 143-4) Portanto, não desejo dissolver o problema levantado por Hume, mas apenas dividi-lo em dois problemas, por assim dizer Um deles (aquele sobre as regularidades com exceções) me parece um problema eminentemente epistemologico (p 146), mas o outro não Para esse outro problema (das generalizações sem exceções), não desejo dar qualquer solução epistemologica, ao contrario de Goodman, que o faz, como comento em meu texto (p 159) 2. Adão e o homem primevo Em sua nota, o prof João Paulo diz que menciono a hipotese de um sujeito primevo, que Hume apresenta na seção

Discussões 299 V da Investigação' (E, V, 1, 35), isto e, o individuo que possui todas as faculdades que nos, humanos reais, possuimos, mas sem nenhuma experiência De fato, eu me referia (p 151) não a esse sujeito hipotetico, mas a Adão mesmo, mencionado por Hume na seção IV da mesma obra (E, IV, 1, 23) Não estou certo de que possamos, do ponto de vista de Hume, identificar aquele homem primevo com Adão Mesmo que seja possivel, não era essa minha intenção Na seção IV da Investigação, ao falar de Adão, Hume deseja argumentar que, dado um ob jeto inteiramente novo, não podemos inferir seus poderes secretos de suas qualidades sensiveis E por isso que Adão não poderia inferir da fluidez e transparenaa da agua que ela o sufocaria E claro que utilizar ai a figura de Adão pode sugerir que se trata de um ser humano com pouca experiencia, ou pouco conhecimento da natureza Mas não necessariamente Do ponto de vista de Hume, seu argumento vale sempre, para todos nos, pois o que e novo e o objeto investigado, e não o sujeito Como essa argumentação de Hume e geral, não me parece que ele esteja ai falando da mesma coisa que na seção V, ao inventar aquele homem primevo O argumento vale para ele tambem, mas, inversamente, nem tudo o que vale para ele vale para Adão ou para qualquer um de nos, os sujeitos cognitivos reais, que a epistemologia dever levar em consideração Ao citar um seu trabalho anterior,' e dizer que o argumento do homem primevo não se aplica aos homens comuns, o prof João Paulo, de fato, me da razão, pois esse e um dos meus pontos contra Hume Não me parece um modo apropriado de lidar com os problemas epistemologicos fazer suposições como essa do homem primevo Isto parece aceitavel apenas de um ponto de vista empirista, que

300 Dtscussions e adotado por Hume nesse argumento O que sustento em meu artigo e, ao contrario, exatamente que toda hipotese sobre o comportamento da natureza e feita mediante um pano de fundo (de conhecimento da natureza) previamente dado A hipotese de um homem primevo, sem experiencias, me parece um artificio enganador da epistemologia humeana Pois um objeto novo, dado a nossa experiencia, ou e semelhante a outros conhecidos, ou e diferente deles, o que pode servir de base para hipoteses sobre sua natureza, que e o que sempre fazemos E claro que um homem primevo nos termos imaginados por Hume não apenas não pode inferir qualquer relação entre dois objetos que lhe são apresentados, mas tambem não pode nem mesmo reconhece-los como objetos São hipoteses desse tipo que idealizam sujeitos cognitivos que nunca são semelhantes aos seres humanos reais que dificultam, ao inves de facilitar, o trabalho da epistemologia Não me parece um modelo adequado para tratar do conhecimento humano, se sempre produzimos conhecimento dentro de contextos ampla e previamente determinados Tais contextos contem, no minimo, uma linguagem, por mais rudimentar que seja (Quine), e certas expectativas animais que, operativamente, são equivalentes a conhecimentos previos (Popper) 3. A razoabilidade das inferências indutivas Um outro ponto no qual creio que a critica do prof João Paulo, no fundo, me da razão ocorre quando ele diz que Hume não nos da uma teoria sobre a origem da racionalidade que haveria em fazer inferências a partir de con junções repetidas, mas que ele apenas diz que elas são razoaveis e, neste sentido, ja estão justificadas

Discussões 301 Ora, meu argumento era exatamente este, ou seja que se tratamos das regularidades sem exceções, vacuamente, elas estão justificadas, pois não ha problema algum com elas, ja que não envolvem nenhum conflito de aparências Pode haver problema para um epistemologo fundacionalista, ou um epistemologo que, no quadro do fundacionalismo tradicional, esteja querendo dele se libertar, como e o caso de Hume, me parece Contudo, do ponto de vista do cetico, onde não ha um conflito de aparências, não ha problema algum A este respeito, o prof João Paulo me acusa de querer resolver problemas que Hume teria deixado em aberto, e que, de fato, a seu ver, não deixou Mas meu ponto era apenas o de que Hume inventou e resolveu um problema que não me parece dever ser tarefa da epistemologia Ou seja, Hume ve problema onde não parece haver, se considerarmos as coisas do ponto de vista da pragmatica da investigação Não haveria por que justificar as regularidades sem exceções, ja que elas não representam qualquer problema epistemologico O que argumento em meu texto e que a perspectiva humeana me parece invertida, ou seja não investigamos a natureza para justificar as generalizações empiricas, mas investigamos a natureza porque possuimos generalizações empiricas (p 155) 4. Inferências probabdisticas O prof João Paulo tambem critica minha posição dizendo que não se pode atribuir a Hume o que desejo atribuir, isto e, a paternidade do problema da indução tal como eu o formulo

302 Discussions De fato, como eu mesmo digo em meu artigo, esse problema poderia ser atribuido ao propno Sexto Empinco (p 142) Entretanto, não fui eu, mas toda a tradição filosofica moderna e contemporânea, desde Kant, como o prof João Paulo reconhece, que atribuiu o problema a Hume E sua interpretação de Hume, contudo, que se distancia dessa tradição, e não a minha A esse respeito, o prof João Paulo lembra a passagem da seção X da Investigação na qual Hume diz que o sabio tem crenças proporcionais a evidência (E, X, 1,87) Se e assim, então, Hume teria antecipado meu ponto, e eu não poderia critica-10 Dado o teor da argumentação de Hume na seção X, não creio nisso, contudo O prof João Paulo, a este mesmo respeito, procura distanciar o pensamento de Hume de qualquer indutivismo Em sua nota, ele emprega a expressão 'prova indutiva', dizendo que Hume não abre qualquer possibilidade para isso Ele não diz em que autor ou autores mais recente(s) esta pensando, mas suponho que poderia ser Carnap e em sua logica indutiva probabilistica Ora, na seção X, Hume esta falando da probabilidade O sabio tem crenças proporcionais a evidência em termos probabilisticos Mas por mais alta que seja a probabilidade (intuitivamente considerada, obviamente) de que seja verdadeira uma crença, para Hume, ela ainda pode ser falsa A questão e apenas que ha crenças cu ja verdade e mais provavel e outras cuja verdade e menos provavel Portanto, a seção X, ao considerar as inferências probabilisticas, apenas reafirma a precariedade de nossos juizos em questões de fato, embora faça distinções entre elas algumas são mais precanas que outras Mais uma vez, vejo-me no lado oposto ao de Hume, pois o que sustento e que as generalizações sem exceções não são precanas (pp 152-3) Embora elas possuam, a ri-

Discussões 303 gor, um carater hipotenco, na pragmatica da investigação, elas aparecem operativamente como o ponto de partida e, logo, não requerem qualquer justificação, nem podem requerer, pois elas e que dão forma a investigação 5. Ceticismo alético e conjeturalismo Finalmente, gostaria de acrescentar dois pequenos comentanos Concordo com o prof João Paulo que Hume não e um cenco Minhas razões para chegar a essa mesma conclusão são, contudo, muito diferentes das suas As minhas derivam de uma visão do ceticismo marcadamente diferente da tradição moderna, que remonta aos cencos gregos como Sexto Empinco, mas que tenta reelaborar hodiernamente essa perspectiva, de modo semelhante a outras iniciativas neo-pirronicas 5 As do prof João Paulo parecem derivar do desejo de livrar os grandes autores do ceticismo, e mostrar que eles puderam de algum modo supera-lo De minha parte, obviamente, não acho que seja mister superar o ceticismo, mas, ao contrario, vivê-lo O que e preciso mostrar e como podemos investigar e produzir conhecimento mesmo sendo cencos Por outro lado, não me parece acenavel tambem a aproximação que o prof João Paulo faz entre o ceticismo aletico e uma certa tradição conjeturalista, na qual ele inclui Quine, alem de Goodman Creio que meu artigo e, agora, meus comentanos acima deixam patente a diferença entre a pragmanca da investigação discutida pelo ceticismo aletico e o pensamento de Goodman Quanto a Quine, deime anteriormente ao trabalho de marcar tambem minha diferença em relação a seu pensamento, assim com ao de

304 Discussions Popper e a outras formas de falibilismo, como o pragmatismo de alguns outros autores 6 Notas 1 Dutra 1997, "Ceticismo e Indução" Principia 1 (1) 135-68 Aproveito a oportunidade para acrescentar uma referencia a meu artigo, o que não foi possivel antes por problemas de comunicação e dificuldades editoriais Na nota 5 (p 165), ao falar do Habito como uma hipotese sobre uma possivel entidade mobservavel, vale acrescentar que esta e exatamente a interpretação do prof João Paulo Monteiro, cf 1978, "Indução e Hipotese na Filosofia de Hume" (Manuscrito 1(2), pp 98s), e 1981, "Hume's Conception of Science" (Journal of the History of Philosophy XIX (3), pp 334s) Agradeço tambem sua gentileza de ter-me fornecido as referencias exatas 2 Cf a nota precedente, neste volume, "Dutra, Hume e Goodman " 3 Doravante, indicarei tal obra por 'E', seguida da seção, parte e paragrafo, conforme a edição de L A Selby-Bigge 4. Monteiro 1994, cf referencia na nota anterior, neste volume 5 Vale dizer, contudo, que isso e apenas uma força de expressão, e que o ceticismo aletico que defendo não se identifica, por exemplo, com o neopirronismo proposto por Oswaldo Porchat Pereira, cf Dutra 1995, "Neopirronismo na Filosofia da Ciencia " Revista Latinoamericana de Filosofia XXI (2) 269-84 6 Cf Dutra199+, "Naturalismo, Falibilismo, Ceticismo" Discurso (no prelo)