RIKUD VIRA-LATA: TRADICIONAL E CONTEMPORÂNEO EVIDENCIADOS EM METÁFORAS DO CORPO E TRADUÇÕES SEMIÓTICAS NA CENA DA DANÇA

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Transcrição:

RIKUD VIRA-LATA: TRADICIONAL E CONTEMPORÂNEO EVIDENCIADOS EM METÁFORAS DO CORPO E TRADUÇÕES SEMIÓTICAS NA CENA DA DANÇA FERNANDO DAVIDOVITSCH (UFBA) (Or.) LENIRA PERAL RENGEL RESUMO A investigação artística Rikud Vira-Lata ( rikud significa dança, em hebraico) surgiu do interesse de revisitar a dança folclórica israelita. Este projeto do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) se desenvolveu aportado pela compreensão de que metáfora está atrelada às nossas experiências corporais diárias, sendo uma ação cognitiva (LAKOFF e JOHNSON, 2002) e que agimos por procedimento metafórico (RENGEL, 2007). Por partir de uma autobiografia, a pesquisa se ampliou quanto abordagem sobre dança folclórica israelita e adentrou discussões sobre identidade e borras culturais (HALL, 2006). O estudo neste projeto observou como tais discussões resultaram em construções metafórico-criativas para a cena e como a ação tradutória semiótica (PLAZA, 2010) serviu para materializar cenicamente os assuntos em reflexão. PALAVRAS-CHAVE: Metáforas do Corpo, Tradução Semiótica, Identidade, Dança, Pesquisa Teórico-Prático. RIKUD VIRA-LATA: TRADITIONAL AND CONTEMPORARY EVIDENCED IN BODY S METAPHORS AND SEMIOTIC TRANSLATIONS IN THE DANCE SCENE ABSTRACT The artistic research Rikud Vira-Lata ( rikud means dance, in hebrew) cames from the interest to revisit the israeli folk dance. This project of Institutional Program for Scientific Initiation Scholarships was developed from the understanding that metaphor is linked to our daily bodily experiences, being a cognitive action (LAKOFF e JOHNSON, 2002) and we act through the metaphorical procedure (RENGEL, 2007). As it starts from an autobiography, this research expanded the approach about israeli folk dance and entered discussions about cultural mixtures and identity (Hall, 2006). The study in this project noted as such discussions resulted in creative-metaphorical constructions to the scene and how the semiotic translation action (PLAZA, 2010) served to materialize scenically the subjects that were in reflection. KEYWORDS: Body s Metaphors, Semiotic Translation, Identity, Dance, Theoretical-Practical Research. http://portalanda.org.br/index.php/anais 1

A proposta para este projeto do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) foi o de desenvolver uma pesquisa de caráter teórico-prático na dança. Assim, o foco de imbricação entre teoria e prática fez com que a própria pesquisa criasse direções autônomas e a mim coube estar aberto ao fluxo que indicava os novos caminhos que surgiam para serem seguidos. A exemplo disso, menciono a transformação das questões que envolviam o trabalho em seu tema foco. Inicialmente, a pesquisa estava direcionada para uma investigação sobre novas possibilidades no modo de se fazer um trabalho artístico-coreográfico com dança folclórica israelita. Visavase adentrar esta expressão cultural de dança para esmiuçar seus elementos e investigar formas de recontextualizações e ressignificações em sua linguagem. Este foco pode ser interpretado como um foco em terceira pessoa, isto é, naquela expressão cultural de dança. Ao iniciar o estudo sobre metáforas, tive como embasamento teóricos da área da cognição, como Lakoff e Johnson (2002), cuja abordagem de metáfora não se restringe à palavra em seu jogo entre significante e significado como recurso imagético, mas que metáforas estão implicadas em nossas experiências diárias como processo de cognição, que constrói o nosso entendimento de mundo. Assim, comecei a me deparar com informações que ressaltam a implicância das vivências corpóreas no ambiente em nosso entorno para a nossa construção de conhecimento e constituição como ser. Afinal, estes autores e, também, Rengel (2007), que fala sobre procedimento metafórico, desenvolvem a ideia de metáfora como uma ação cognitiva que se constrói nas experiências sensório-motoras dentro da relação interativa entre corpo e ambiente. Entendi, com a leitura destes autores, que as metáforas criativas que se configuravam em momentos cênicos eram resultantes das abstrações em estados primeiros destas metáforas, um ainda quase-signo (uma das categorias sígnicas da semiótica peirceana.) que eu levava para os ambientes de laboratórios de criação. Percebi que o foco para a minha observação quanto http://portalanda.org.br/index.php/anais 2

ação criativo-artística estava deixando de ser com abordagem em terceira pessoa (a dança folclórica israelita recontextualizada) e passando a ser em primeira pessoa (eu, corpo). Isto me levou a pensar não mais sobre a dança israelita, mas questões relativas à minha condição quanto brasileirojudeu/judeu-brasileiro da contemporaneidade (não deixava de lado a dança israelita, mas o foco se tornou outro). Reflexões estas que me levaram à referência de Hall (2006), que aborda a identidade cultural no ambiente pósmoderno. Para Hall (2006), um teórico contemporâneo dos estudos culturais, o ambiente pós-moderno, entendido por muitos como contemporaneidade, é um lugar cujas limitações entre fronteiras nacionais e culturais não se sustentam, visto que o fenômeno da globalização resultou numa condição de existência intercultural global. Esta condição deriva tanto da cultura migratória entre nações, que gera um hibridismo intercultural (em Salvador encontramos diversos espaços para aulas de Yoga, restaurantes de comidas japonesas, árabes, e chinesas e, também, os quiosques do acarajé e as rodas de capoeira, por exemplo) como de uma homogeneização cultural do pósmoderno global (o consumismo global, o supermercado cultural, como o McDonald, o Jeans, a indústria cultural musical, etc.). Desta maneira, a minha investigação passou a ser sobre como esta hibridação e borras culturais estão processadas no corpo. O tema de reflexão passou a ser então o corpo borrado e o atravessamento de fronteiras entre as informações com as quais tive contato e que estão em mim corporificadas. Foco em primeira pessoa. Para esclarecer a ideia das abstrações no/do corpo com metáforas em estado de primeiridade, de quase-signo, que chegavam no ambiente de laboratório de criação para o desenvolvimento criativo em Rikud Vira-Lata apresento o estudo realizado sobre a semiótica peirceana e a ação tradutória por via semiótica, estudada por Plaza (2010). Charles S. Pierce, cientista estudioso de áreas diversas como a LinguÍstica, Lógica, História, Psicologia e Filosofia, foi pioneiro nos estudos da Semiótica. A palavra semiótica deriva do radical semeion, que vem da raiz http://portalanda.org.br/index.php/anais 3

grega e significa signo. É a ciência dos signos. Signo nesse contexto é entendido como uma coisa que representa outra coisa. Assim como exemplificado por Santaella (1990, p.58), a palavra casa, a pintura de uma casa, o desenho de uma casa, a fotografia de uma casa, um filme de uma casa, a maquete de uma casa, ou mesmo o nosso olhar sobre uma casa, são todos signos do objeto casa, mas não são a própria casa. Peirce em seus estudos sistematizou uma forma de análise das coisas dentro de uma estrutura triádica, que contém as seguintes categorias: Primeiridade, Secundidade e Terceiridade. A Primeiridade diz respeito a primeira apreensão das coisas. É ainda um quase-signo, ou seja, uma primeira forma rudimentar. Uma variação espontânea ainda vaga e imprecisa. A Secundidade é o que permite que a qualidade da Primeiridade exista, ou seja, a Secundidade é a corporificação material da Primeiridade. Ela diz respeito àquilo que é concreto e material. Terceiridade está relacionada com a camada da inteligibilidade, da forma como representamos e interpretamos o mundo. Assim como exemplificado por Santaella (1990, p.51), destrinchando o céu dentro destas três categorias: o azul, simplesmente por si só, seria o correspondente a Primeiridade, o céu como lugar e tempo onde se encarna o azul seria o correspondente a Secundidade e o azul do céu, o azul no céu, esta síntese intelectual, de elaboração cognitiva, seria o correspondente a Terceiridade. Peirce nomeou a Primeiridade, Secundidade e Terceiridade, respectivamente, como: ícone, índice e símbolo. Para exemplificar ainda mais esta ação triádica, vamos recortar uma parte do processo de criação em meu trabalho Rikud Vira-Lata. A partir do pensamento sobre corpo borrado de um judeu-brasileiro/brasileiro-judeu, levantei a atenção sobre minhas experiências pessoais de vida e tentei ver formas em que eu poderia traduzir cenicamente esta ideia. Tradução (cuja palavra etimologicamente advém do Latim e significa transferir, transportar entre fronteiras ) a qual me refiro aqui se referencia em Plaza (2010), um estudioso de Peirce, que não tem um entendimento deste termo apenas como transposição da forma de código de uma língua (idioma, para ser mais específico) a outra. Para ele tradução está no campo da comunicação e, desta http://portalanda.org.br/index.php/anais 4

forma, não é restrita à língua, pois abarca um entendimento amplo quanto linguagem (em um entendimento que engloba gestos, expressões, cheiro, tato, olhar, sons, gráficos, números, sinais, setas, etc.) e que, assim, pode ser da natureza tanto verbal (oral), que funciona a partir de recursos fonéticos, quanto não verbal. Então, como eu poderia traduzir a ideia metafórica do borrado e atravessamento de fronteiras? Como explanado anteriormente, os autores Lakoff e Johnson (2002) e Rengel (2007) entendem metáfora como uma ação cognitiva que se constrói nas experiências sensório-motoras dentro da relação interativa entre corpo e ambiente e que as metáforas criativas que se configuravam em momentos cênicos eram resultantes das abstrações em estados de Primeiridade destas metáforas. Um estado ainda de quase-signo. Este quase-signo é assim quase, pois ele é uma sensação primeira, ele ainda não existe materialmente. Está em potencial para existir. Quando, em uma determinada cena de meu espetáculo, proponho pintar metade de mim com palavras nas cores da bandeira do Brasil de um lado e palavras nas cores da bandeira de Israel do outro e num ato de movimentação exaustiva faço com que o suor dilua estas tintas misturando-as, estou trazendo em forma de índice, de Secundidade (sinsigno) aquilo que estava em potencial para existir. Agora aquilo passou a estar encarnado em algo e existindo materialmente. As interpretações, o corpo borrado, a dissolução das fronteiras, estas sínteses intelectuais possíveis que o espectador poderá fazer, será o momento da Terceiridade, do símbolo (legi-signo). Este explanado aqui é apenas um exemplo sobre a condição triádica proposta na semiótica de Peirce, mas é importante ressaltar que isto não é um círculo que se fecha, pois, para o próprio teórico, as ações sígnicas seguem um movimento dinâmico incessante entre os próprios signos, onde um leva a outro, que leva a outro, que leva a outro e assim em diante. Esta trajetória de pesquisa teórico-prática atestou que não procede o entendimento separatista entre mente e corpo. Estão juntos, como imbricação. A transformação do foco do estudo da terceira pessoa para a primeira, por http://portalanda.org.br/index.php/anais 5

exemplo, ocorreu desta maneira, pois foi uma necessidade corporal que estava em diálogo com os novos conhecimentos produzidos a partir das leituras então realizadas. Assim, numa relação de co-afetação recíproca, os laboratórios corporais também levaram a novos interesses bibliográficos. Enfim, somos seres corponectivos (RENGEL, 2007). Referências HALL, Stuart. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. LAKOFF, George e JOHNSON, Mark. Metáforas da vida cotidiana. São Paulo: Educ, 2002. PLAZA, Julio. Tradução intersemiótica. São Paulo: Editora Perspectiva S.A., 2001. RENGEL, Lenira. Corponectividade: comunicação por procedimento metafórico nas mídias e na educação. 2007. 156 f. Tese de Doutorado em Comunicação e Semiótica, da Pontifícia Universidade Católica, de São Paulo, 2007. SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983. Fernando Davidovitsch Mestrando em Dança (UFBA). Especialista em Estudos Contemporâneos em Dança (UFBA). Formado também em: Letras (UFOP); Dança Israelita, pelo curso Kesher-Art, em Israel; Pedagogia do Movimento para o Ensino da Dança, pelo curso de extensão da UFMG;está se formando em Licenciatura em Dança(UFBA).Tem experiência em dança como bailarino, intérprete-criador, professor e coreógrafo. nandodvd@yahoo.com.br. http://portalanda.org.br/index.php/anais 6