A armadilha da renda média TEXTO LUCIANA RODRIGUES, ENVIADA ESPECIAL

Documentos relacionados
O Brasil e os acordos comerciais: Hora de repensar a estratégia? Fórum Estadão Brasil Competitivo Comércio Exterior São Paulo, 15 de outubro de 2013

MADEIRA 2016 O Brasil e as negociações internacionais de comércio. Camila Sande Especialista em Negociações CNA

Crescimento no longo prazo

ECO Economia Brasileira

Para o economista francês Thomas Piketty, o Brasil precisa ampliar os impostos sobre

Boletim Econômico Edição nº 88 novembro de 2014 Organização: Maurício José Nunes Oliveira Assessor econômico

Novas áreas de influência do século XXI. Prof. Gonzaga

Luciano Coutinho Presidente

Uma análise crítica do acordo de associação estratégica entre a União Européia e a América Latina e o Caribe A Cúpula de Viena

Caminhos para melhorar o acesso a mercado das exportações brasileiras

Perspectivas do Comércio Exterior Brasileiro

Noticiário internacional sobre o Brasil cai 15% e cobertura negativa sobe 22% nos primeiros três trimestres do ano. Caro(a),

POR QUE FICAMOS PARA TRÁS?

Abertura comercial e tarifas de importação no Brasil

AMCHAM BRASIL SÃO PAULO OBJETIVOS E METAS DO GOVERNO TEMER PARA O COMÉRCIO EXTERIOR

COMÉRCIO E INVESTIMENTO INTERNACIONAIS PROF. MARTA LEMME 2º SEMESTRE 2012

Comércio e negociações internacionais. Reinaldo Gonçalves

ATUALIDADES. Atualidades do Ano de Conhecimentos Sobre o Brasil Parte 3. Prof. Marcelo Saraiva

TRANSNACIONAIS Origens e evolução H I N O N A C I O N A L D A P R O P A G A N D A

2º Seminário sobre Comércio Internacional CNI-IBRAC Política Comercial no Novo Governo

Os principais parceiros do Brasil e a agenda de acordos. Lia Valls Pereira. Pesquisadora e economista da Economia Aplicada do IBRE/FGV

A pesquisa foi realizada em 65 países. Foram entrevistas, representando mais de 75% da população adulta global.

A GLOBALIZAÇÃO. Esse processo se torna mais forte a partir de 1989 com o fim do socialismo na URSS.

PROVA ESCRITA DE NOÇÕES DE ECONOMIA

2.5 Desenvolvimento de Mercados

Desafios da política externa

Produção e Crescimento. 24. Produção e Crescimento. Crescimento Econômico no Mundo. Crescimento no Mundo. A Regra dos 70: Exemplo.

Relações Econômicas Brasil-China: Oportunidades de Investimentos na Indústria Brasileira

paixão Respondente variáveis culturais Pesquisador variáveis do cenário de mercado paixão

Tratados de Roma. Comunidade Económica: União Aduaneira - Politica Comercial Externa 6 Estados Membros

2º ENAPA ENCONTRO DE ANÁLISE DE PERFORMANCE ADUANEIRA PERSPECTIVAS PARA O COMÉRCIO EXTERIOR EM 2017

DIÁLOGO DA INDÚSTRIA COM CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

Estagnação na evolução do comércio internacional

Balança Comercial [Jan. 2009]

PIB PAÍSES DESENVOLVIDOS (4 trimestres, %)

distribuicão O futuro do lixo

COMÉRCIO EXTERIOR GLOBAL BRASIL: janeiro-dezembro 2015

EVOLUÇÃO RECENTE DAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS PRINCIPAIS BLOCOS ECONÔMICOS E PAÍSES DE DESTINO Julho / 2004

29/11/2009. Entrevista do Presidente da República

Brasil no comando da OMC Os rumos do comércio internacional

ÍNDICE DE AVALIAÇÃO. Média geral = 124

Comércio e desenvolvimento

03/01/ :00 'Crescimento do Brasil pode ser uma das surpresas agradáveis'

AULA ESPECIAL- A China do século XXI. Professores João Felipe e Márcio Branco

Audiência Pública. Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal. Alexandre Tombini Presidente do Banco Central do Brasil.

Ensino Fundamental II

PERSPECTIVAS DO SETOR EXTERNO CATARINENSE DIANTE DA CRISE ECONÔMICA INTERNACIONAL

O Brasil e os gigantes

Impactos do atual modelo de desenvolvimento econômico sobre as empresas

Aprovada, capitalização da Petrobras vai testar o mercado

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES SECRETARIA DE PLANEJAMENTO DIPLOMÁTICO REPERTÓRIO DE POLÍTICA EXTERNA: POSIÇÕES DO BRASIL

Data: domingo, 13 de junho de 2010 Site: InteLog Seção: Economia

Os desafios da economia. Economista Ieda Vasconcelos Reunião CIC/FIEMG Outubro/2014

O novo ciclo tecnológico global é movido pelos smartphones, mas será que a demanda atingiu o pico?

Regimes de Negociação Comercial Internacional e a atuação brasileira RNCI Prof. Diego Araujo Azzi

Balança Comercial Brasileira Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP

Brasil está quase na lanterna do ranking mundial de crescimento do PIB País ocupa a 31ª posição da lista de 34 nações, que é liderada pela China

SIDERURGIA MUNDIAL: Situação Atual e Perspectivas. Germano Mendes De Paula Novembro de 2010

NOTAS EXPLICATIVAS Plano TAESA

O Sistema de Metas de Inflação No Brasil. - Como funciona o sistema de metas e seus resultados no Brasil ( ).

RELATÓRIO TÉCNICO: Julho/2016. Mensuração da Digitalização e Resultados Mundiais PESQUISA SOBRE DIGITALIZAÇÃO

Rumo a novos consensos?

Desafios da inovação no contexto brasileiro. Carlos Arruda Núcleo de Inovação

Mega Acordos: os novos acordos econômicos


Quando conquistamos uma namorada (o), no nosso primeiro encontro, o que vendemos para outra pessoa?

Departamento de Negociações Internacionais Secretaria de Comércio Exterior Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

Cenários Conselho Temático de Economia e Finanç

Evolução da situação económica

A América Latina e o Brasil na Encruzilhada. 26/06/2012 Monica Baumgarten de Bolle Galanto Consultoria

Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secretaria de Comércio Exterior

POLITICA INTERNACIONAL CACD Blenda Lara

Workshop CINDES Agenda econômica externa do Brasil: Desafios e cenários para o próximo governo. 29 de Novembro de Ricardo Markwald / FUNCEX

Enfrentando la Revolución Industrial China

CRESCIMENTO SUSTENTADO, JUROS E CÂMBIO

PERIGOS DA PERCEPÇÃO 2015 ESTUDO REALIZADO EM 33 PAÍSES

PROVA DISCURSIVA. < a questão dos tipos de riscos sociais prevalecentes na sociedade e suas metamorfoses;

40 BRASIL-ÍNDIA. Um olhar sobre a

Carne de Frango Var. Produção (milhões ton) Exportação (milhões ton) Disponibilidade 12,69 13,146 3,58% 4,03 4,3 5% 8,59 8,84 3,1%

Unidade IV. Aula 22.1 Conteúdo Os quatro tigres. Natureza-sociedade: Questões ambientais FORTALECENDO SABERES DINÂMICA LOCAL INTERATIVA

Indicadores Macro para o Brasil na área de Ciência e Tecnologia

Competitividade global: métodos e experiências

Comércio e Desenvolvimento. Economia Internacional e Teoria do Desenvolvimento Econômico.

Movimento Secular versus Bolha Pedro Bastos, CEO HSBC Global Asset Management - Brasil

A Política Macroeconômica Atual

MB ASSOCIADOS. A agenda econômica internacional do Brasil. CINDES Rio de Janeiro 10 de junho de 2011

Terceira Revolução Industrial. Início no final da Segunda Guerra mundial Integrou conhecimento científico com produção industrial

MUNDO A PRODUÇÃO DO ESPAÇO GLOBAL ( NO MATERIAL PÁGINAS 51 A 55

Carta Mensal. Resumo. Janeiro 2019

Análisis Prospectivo del Comercio Agroalimentario Internacional. Prof. Dra. Susan E. Martins Cesar de Oliveira (Universidade de Brasília - UnB)

Entrevista exclusiva concedida pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, à TV Al Jazeera

O cenário econômico internacional e o. comércio exterior dos produtos. transformados de plástico

NOTAS EXPLICATIVAS Plano B

Pergunte ao Art: por que são poucas as empresas que implementam o lean com sucesso?

DIÁLOGO DA INDÚSTRIA COM CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

Fatos estilizados. 7. África está sendo segregada do comércio internacional

O papel das negociações comerciais na agenda econômica do futuro governo

II FÓRUM DEBATE UFRGS. Luciano D Andrea

RAZÕES DO CRESCIMENTO DA CHINA: QUAIS AS LIÇÕES PARA O BRASIL?

Os desafios do desenvolvimento brasileiro e a inovação

Transcrição:

DIVULGAÇÃO Entrevista Carlos Primo Braga O BRASIL TEM CONDIÇÕES DE CRESCER NA FAIXA DE 2,5% A 3,5% NOS PRÓXIMOS ANOS A armadilha da renda média TEXTO LUCIANA RODRIGUES, ENVIADA ESPECIAL

PROFESSOR BRASILEIRO RADICADO NA EUROPA DIZ QUE PAÍS CHEGOU AO LIMITE DO POTENCIAL DE CRESCIMENTO E PRECISA APOSTAR EM INOVAÇÃO, PESQUISA E DESENVOLVIMENTO Radicado há mais de 20 anos fora do Brasil, o economista Carlos Primo Braga, professor de Política Internacional do IMD, uma das melhores escolas de gestão da Europa, vê a economia brasileira atolada na armadilha da renda média. O país, afirma, já chegou aos limites de seu potencial de crescimento pelo modelo atual. A China, por sua vez, parece estar apta a saltar de um país de renda média para uma economia desenvolvida e escapar desta armadilha. Braga, que até setembro do ano passado era diretor do Banco Mundial na Europa, vê porém um excesso de pessimismo com a economia brasileira a curto prazo e acredita que o país poderá crescer entre 2,5% e 3,5% nos próximos anos. Como um economista brasileiro radicado há tantos tempo fora do Brasil, como o senhor vê a percepção sobre o país no exterior nos últimos anos? A atenção ao Brasil tem aumentado desde a estabilização, desde o Plano Real, e com a administração Lula também. Houve a percepção ao redor do mundo de que alguma coisa importante estava acontecendo em termos de diminuição de desigualdades sociais. Mas o problema com o Brasil, que é um problema nosso e também do resto do mundo, é que tipicamente as pessoas superestimam o sucesso e o fracasso do país. Por volta de 2010, o futuro parecia já ter chegado ao Brasil, tudo ia dar certo, o país foi escolhido para sediar a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, descobriu o pré-sal, tudo isso recebeu muita atenção na imprensa internacional. Naquela época, era difícil alertar que havia problemas, o otimismo era muito forte. Agora, o clima está em outra direção. Nos últimos dois anos, o crescimento foi medíocre. Mas ARRASTE QUEM É? QUEM É? PhD em Economia pela Universidade de Illinois (EUA), Carlos Primo Braga foi diretor do Banco Mundial na Europa até setembro do ano passado, quando entrou no corpo docente do IMD, uma das melhores escolas de gestão da Europa. Ele trabalhou no Bird por 21 anos e, atualmente, além de professor do IMD, Braga é diretor do Evian Group, uma coalização internacional que reúne executivos, autoridades governamentais e formadores de opinião com o objetivo de promover uma economia global de mercado inclusiva e justa.

qualquer pessoa acostumada à economia brasileira não ficaria surpresa, porque o nível de crescimento observado em 2010 (naquele ano, o PIB avançou 7,5%) não era sustentável com o nível de poupança e investimento que temos. Então, que o crescimento tenha diminuído, eu não diria que foi uma surpresa. Talvez a surpresa foi que tenha diminuído tanto, o 0,9% do ano passado foi aquém das expectativas mais pessimistas. Mas eu considero que o Brasil tem condições de crescer na faixa de 2,5% a 3,5% nos próximos anos. Mas, a percepção sobre o Brasil é muito cíclica. Há momentos em que as pessoas têm perspectivas muito otimistas sobre o Brasil, que são descoladas da realidade. E há momentos em que as pessoas ficam muito pessimistas, como agora. Eu argumentaria que a realidade está mais ou menos no meio. Como as manifestações sociais no Brasil estão sendo avaliadas no exterior? As manifestações estão chamando muita atenção. E tem dois tipos de interpretação. Tem aqueles que veem isso, e o governo está tentando passar essa mensagem, como um exemplo da pujança da democracia brasileira. E há outros que veem isso como uma demonstração dos problemas da economia. E, para variar, a verdade está mais ou menos no meio. De um lado, sem dúvida alguma, o fato de ser um país democrático, com todos os problemas que têm, explica a possibilidade de termos manifestações. Por outro lado, está no DNA dessas manifestações as mesmas questões vistas nos Indignados na Espanha, no Occupy Wall Street, pois refletem a insatisfação da população com uma série de coisas difusas, certamente não foram os 20 centavos da tarifa de ônibus que levaram 1 milhão de pessoas às ruas. É muito claro que a sociedade, e isso no meu entender deveria ser uma grande preocupação na administração do PT, não se vê refletida nos partidos políticos de maneira geral. HÁ PERSPECTIVAS MUITO OTIMISTAS SOBRE O BRASIL, QUE SÃO DESCOLADAS DA REALIDADE. E HÁ MOMENTOS EM QUE AS PESSOAS FICAM MUITO PESSIMISTAS, COMO AGORA Uma das muitas interpretações sobre as manifestações no Brasil é que seriam fruto da prosperidade. O país cresceu, a desigualdade diminuiu e agora as pessoas querem mais do que somente acesso ao consumo, querem serviços pú-

blicos de qualidade. O senhor concorda? O Brasil é um país que tem nível de impostos de países industrializados e serviços de Terceiro Mundo. De certa forma, é o sucesso da economia brasileira em aumentar sua classe média que gera esse tipo de questionamento. É um processo que vamos ver também em países como China e Índia que têm, porém, sistemas políticos muito diferentes. Não acredito que na China você vá ver manifestações como a que vimos no Brasil, simplesmente porque elas seriam reprimidas. No caso da Índia, é um outro tipo de estrutura social, que também não permitiria esse tipo de manifestação. Mas, inevitavelmente, quando o processo de desenvolvimento avança, você começa a ter demandas que colocam pressão no sistema político. Na China, é a questão do meio ambiente; na Índia, a discriminação (discriminação social do sistema de castas). E, no caso brasileiro, a qualidade dos serviços públicos foi a fagulha que iniciou o fogo. O SUCESSO DA ECONOMIA BRASILEIRA EM AUMENTAR SUA CLASSE MÉDIA GEROU O QUESTIONA- MENTO DE AGORA Na China, há uma grande discussão atualmente sobre o risco de o país cair na armadilha da renda média, ou seja, passar a crescer menos e continuar apenas como uma economia emergente, sem virar uma nação desenvolvida. E o Brasil? Na sua opinião, o Brasil poderá fugir dessa armadilha? O Brasil está atolado na armadilha da renda média há duas décadas. O Brasil já chegou aos limites do potencial de crescimento associado ao modelo anterior. A dificuldade de escapar dessa armadilha está na necessidade de ter uma economia mais baseada na inovação, em investimentos em pesquisa e desenvolvimento. São problemas que a economia brasileira vem enfrentando há vários anos. Dos mais de cem países que eram de renda média por volta de 1960, nem 10% viraram países de alta renda. Países como Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong Kong são alguns dos poucos que conseguiram quebrar essa armadilha. Esse debate vem crescendo sobre a China agora simplesmente pelo fato de que, para a economia mundial, o crescimento da China é extremamente importante. A questão que se põe é: pode a economia chinesa continuar a crescer no mesmo ritmo dos últimos 10 anos? A resposta é não. Mas acho que (a

China) pode continuar a crescer por volta de 6% ou 7% ao ano. E se continuar a crescer por volta de 6% a 7%, vai ultrapassar a armadilha da renda média, em 15 anos vai se transformar numa economia de alta renda. Está havendo uma proliferação de acordos preferenciais de comércio no mundo e o Brasil tem sido muito criticado por apostar todas as suas fichas no multilateralismo, ou seja, em negociações via Organização Mundial do Comércio (OMC). Esta estratégia não é arriscada? O Brasil tem apostado suas fichas nos acordos preferenciais equivocados. Deu muita ênfase ao Mercosul nos anos 90 e deu no que deu. Eu sou um convicto fã do sistema multilateral mas, ao mesmo tempo, reconheço que a possibilidade de se concluir as negociações de Doha são muito limitadas neste momento. Então vários países, particularmente os EUA, têm adotado uma estratégia que é baseada em acordos preferenciais. Essa estratégia não apenas é econômica, como também é geopolítica, no sentido de que um país que está sempre faltando nesses acordos é a China. Mas todo mundo está se engajando em acordos preferenciais. Países como Chile e México fizeram como estratégia uma procura signigicativa por acordos bilaterais nos últimos 15 ou 20 anos. Mas é preciso levar em conta que, quando você entra num acordo preferencial, as vantagens da liberalização comercial vão ser significativamente afetadas se você tem uma proteção relativamente alta. E o Brasil ainda tem uma proteção significativamente alta na área de manufaturados. Então, nessa situação, um acordo preferencial pode levar a desvio de comércio, em vez de criação de comércio. Nesse sentido, México e Chile estavam numa posição muito melhor do que o Brasil para perseguir esses acordos preferenciais porque, em termos de níveis de proteção, são economias mais liberalizadas do que o Brasil. O BRASIL TEM APOSTADO SUAS FICHAS NOS ACORDOS PREFERENCIAIS EQUIVOCADOS luciana.rodrigues@oglobo.com.br A jornalista viajou a convite do IMD