DIVULGAÇÃO Entrevista Carlos Primo Braga O BRASIL TEM CONDIÇÕES DE CRESCER NA FAIXA DE 2,5% A 3,5% NOS PRÓXIMOS ANOS A armadilha da renda média TEXTO LUCIANA RODRIGUES, ENVIADA ESPECIAL
PROFESSOR BRASILEIRO RADICADO NA EUROPA DIZ QUE PAÍS CHEGOU AO LIMITE DO POTENCIAL DE CRESCIMENTO E PRECISA APOSTAR EM INOVAÇÃO, PESQUISA E DESENVOLVIMENTO Radicado há mais de 20 anos fora do Brasil, o economista Carlos Primo Braga, professor de Política Internacional do IMD, uma das melhores escolas de gestão da Europa, vê a economia brasileira atolada na armadilha da renda média. O país, afirma, já chegou aos limites de seu potencial de crescimento pelo modelo atual. A China, por sua vez, parece estar apta a saltar de um país de renda média para uma economia desenvolvida e escapar desta armadilha. Braga, que até setembro do ano passado era diretor do Banco Mundial na Europa, vê porém um excesso de pessimismo com a economia brasileira a curto prazo e acredita que o país poderá crescer entre 2,5% e 3,5% nos próximos anos. Como um economista brasileiro radicado há tantos tempo fora do Brasil, como o senhor vê a percepção sobre o país no exterior nos últimos anos? A atenção ao Brasil tem aumentado desde a estabilização, desde o Plano Real, e com a administração Lula também. Houve a percepção ao redor do mundo de que alguma coisa importante estava acontecendo em termos de diminuição de desigualdades sociais. Mas o problema com o Brasil, que é um problema nosso e também do resto do mundo, é que tipicamente as pessoas superestimam o sucesso e o fracasso do país. Por volta de 2010, o futuro parecia já ter chegado ao Brasil, tudo ia dar certo, o país foi escolhido para sediar a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, descobriu o pré-sal, tudo isso recebeu muita atenção na imprensa internacional. Naquela época, era difícil alertar que havia problemas, o otimismo era muito forte. Agora, o clima está em outra direção. Nos últimos dois anos, o crescimento foi medíocre. Mas ARRASTE QUEM É? QUEM É? PhD em Economia pela Universidade de Illinois (EUA), Carlos Primo Braga foi diretor do Banco Mundial na Europa até setembro do ano passado, quando entrou no corpo docente do IMD, uma das melhores escolas de gestão da Europa. Ele trabalhou no Bird por 21 anos e, atualmente, além de professor do IMD, Braga é diretor do Evian Group, uma coalização internacional que reúne executivos, autoridades governamentais e formadores de opinião com o objetivo de promover uma economia global de mercado inclusiva e justa.
qualquer pessoa acostumada à economia brasileira não ficaria surpresa, porque o nível de crescimento observado em 2010 (naquele ano, o PIB avançou 7,5%) não era sustentável com o nível de poupança e investimento que temos. Então, que o crescimento tenha diminuído, eu não diria que foi uma surpresa. Talvez a surpresa foi que tenha diminuído tanto, o 0,9% do ano passado foi aquém das expectativas mais pessimistas. Mas eu considero que o Brasil tem condições de crescer na faixa de 2,5% a 3,5% nos próximos anos. Mas, a percepção sobre o Brasil é muito cíclica. Há momentos em que as pessoas têm perspectivas muito otimistas sobre o Brasil, que são descoladas da realidade. E há momentos em que as pessoas ficam muito pessimistas, como agora. Eu argumentaria que a realidade está mais ou menos no meio. Como as manifestações sociais no Brasil estão sendo avaliadas no exterior? As manifestações estão chamando muita atenção. E tem dois tipos de interpretação. Tem aqueles que veem isso, e o governo está tentando passar essa mensagem, como um exemplo da pujança da democracia brasileira. E há outros que veem isso como uma demonstração dos problemas da economia. E, para variar, a verdade está mais ou menos no meio. De um lado, sem dúvida alguma, o fato de ser um país democrático, com todos os problemas que têm, explica a possibilidade de termos manifestações. Por outro lado, está no DNA dessas manifestações as mesmas questões vistas nos Indignados na Espanha, no Occupy Wall Street, pois refletem a insatisfação da população com uma série de coisas difusas, certamente não foram os 20 centavos da tarifa de ônibus que levaram 1 milhão de pessoas às ruas. É muito claro que a sociedade, e isso no meu entender deveria ser uma grande preocupação na administração do PT, não se vê refletida nos partidos políticos de maneira geral. HÁ PERSPECTIVAS MUITO OTIMISTAS SOBRE O BRASIL, QUE SÃO DESCOLADAS DA REALIDADE. E HÁ MOMENTOS EM QUE AS PESSOAS FICAM MUITO PESSIMISTAS, COMO AGORA Uma das muitas interpretações sobre as manifestações no Brasil é que seriam fruto da prosperidade. O país cresceu, a desigualdade diminuiu e agora as pessoas querem mais do que somente acesso ao consumo, querem serviços pú-
blicos de qualidade. O senhor concorda? O Brasil é um país que tem nível de impostos de países industrializados e serviços de Terceiro Mundo. De certa forma, é o sucesso da economia brasileira em aumentar sua classe média que gera esse tipo de questionamento. É um processo que vamos ver também em países como China e Índia que têm, porém, sistemas políticos muito diferentes. Não acredito que na China você vá ver manifestações como a que vimos no Brasil, simplesmente porque elas seriam reprimidas. No caso da Índia, é um outro tipo de estrutura social, que também não permitiria esse tipo de manifestação. Mas, inevitavelmente, quando o processo de desenvolvimento avança, você começa a ter demandas que colocam pressão no sistema político. Na China, é a questão do meio ambiente; na Índia, a discriminação (discriminação social do sistema de castas). E, no caso brasileiro, a qualidade dos serviços públicos foi a fagulha que iniciou o fogo. O SUCESSO DA ECONOMIA BRASILEIRA EM AUMENTAR SUA CLASSE MÉDIA GEROU O QUESTIONA- MENTO DE AGORA Na China, há uma grande discussão atualmente sobre o risco de o país cair na armadilha da renda média, ou seja, passar a crescer menos e continuar apenas como uma economia emergente, sem virar uma nação desenvolvida. E o Brasil? Na sua opinião, o Brasil poderá fugir dessa armadilha? O Brasil está atolado na armadilha da renda média há duas décadas. O Brasil já chegou aos limites do potencial de crescimento associado ao modelo anterior. A dificuldade de escapar dessa armadilha está na necessidade de ter uma economia mais baseada na inovação, em investimentos em pesquisa e desenvolvimento. São problemas que a economia brasileira vem enfrentando há vários anos. Dos mais de cem países que eram de renda média por volta de 1960, nem 10% viraram países de alta renda. Países como Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong Kong são alguns dos poucos que conseguiram quebrar essa armadilha. Esse debate vem crescendo sobre a China agora simplesmente pelo fato de que, para a economia mundial, o crescimento da China é extremamente importante. A questão que se põe é: pode a economia chinesa continuar a crescer no mesmo ritmo dos últimos 10 anos? A resposta é não. Mas acho que (a
China) pode continuar a crescer por volta de 6% ou 7% ao ano. E se continuar a crescer por volta de 6% a 7%, vai ultrapassar a armadilha da renda média, em 15 anos vai se transformar numa economia de alta renda. Está havendo uma proliferação de acordos preferenciais de comércio no mundo e o Brasil tem sido muito criticado por apostar todas as suas fichas no multilateralismo, ou seja, em negociações via Organização Mundial do Comércio (OMC). Esta estratégia não é arriscada? O Brasil tem apostado suas fichas nos acordos preferenciais equivocados. Deu muita ênfase ao Mercosul nos anos 90 e deu no que deu. Eu sou um convicto fã do sistema multilateral mas, ao mesmo tempo, reconheço que a possibilidade de se concluir as negociações de Doha são muito limitadas neste momento. Então vários países, particularmente os EUA, têm adotado uma estratégia que é baseada em acordos preferenciais. Essa estratégia não apenas é econômica, como também é geopolítica, no sentido de que um país que está sempre faltando nesses acordos é a China. Mas todo mundo está se engajando em acordos preferenciais. Países como Chile e México fizeram como estratégia uma procura signigicativa por acordos bilaterais nos últimos 15 ou 20 anos. Mas é preciso levar em conta que, quando você entra num acordo preferencial, as vantagens da liberalização comercial vão ser significativamente afetadas se você tem uma proteção relativamente alta. E o Brasil ainda tem uma proteção significativamente alta na área de manufaturados. Então, nessa situação, um acordo preferencial pode levar a desvio de comércio, em vez de criação de comércio. Nesse sentido, México e Chile estavam numa posição muito melhor do que o Brasil para perseguir esses acordos preferenciais porque, em termos de níveis de proteção, são economias mais liberalizadas do que o Brasil. O BRASIL TEM APOSTADO SUAS FICHAS NOS ACORDOS PREFERENCIAIS EQUIVOCADOS luciana.rodrigues@oglobo.com.br A jornalista viajou a convite do IMD