CF, art. 5º, XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.



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Transcrição:

A eficácia da lei penal e processual no tempo comporta grande estudo. No entanto, como não é este, aparentemente, o objetivo, mas para sanar a dúvida, sigo com este breve arcabouço jurídico. São dois os preceitos básicos para estabelecer-se a aplicabilidade da lei penal ou processual com as inovações supervenientes ao fato em exame. A primeira, faz-se necessária a analise da vantagem/benefício da nova regra, porquanto a segunda considerará apenas a vigência temporal. Explico. Paulo José da Costa Júnior, após a edição da Constituição de 1988, ao tratar do tema, sustenta que: A irretroatividade da lei penal incriminadora e a retroatividade da lei penal benéfica são princípios constitucionais paralelos. E os princípios aceitos pela Magna Carta são dotados de força vinculativa imediata, de cogente eficácia, impondo-se logo ao legislador ordinários 1 Quando se fala em normas de direito penal, analisa-se o conteúdo material do comando e, salvo em benefício ao réu, esta não retroagirá. É o que estabelece tanto a Constituição Federal, quando o Código Penal: CF, art. 5º, XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. CP, art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado Já em relação às normas de caráter processual, predomina o princípio tempus regit actum. Ou seja, regras de direito penal processual aplicam-se imediatamente após a sua publicação, sem 1 COSTA JÚNIOR, Paulo José. Comentários ao Código Penal. Saraiva. p. 5.

que se invalide os atos já praticados. E foi o que aconteceu com as recentes alterações do Código de Processo Penal, que estabeleceu novo momento para, por exemplo, o interrogatório do réu. Desta forma, sobrevindo alteração processual, as regras processuais aplicar-se-ão daquele momento em diante, ressalvadas as normas com intenso conteúdo penal, denominadas como mistas, com o que se impõe a retroatividade em benefício ao réu. A exemplo, tem-se o art. 88, da Lei 9.099/95, que passou a exigir a representação para os crimes de lesões corporais leves e culposas, afetando, desta forma, regras nitidamente de direito penal material (extinção da punibilidade art. 107 do CP), com o que as vítimas, em processos em andamento, tiveram de ser intimadas a representar criminalmente, demonstrando seu interesse no processo. Em tais situações, a doutrina sugere que se faça a mesma análise da Lei Penal Material, retroagindo a mais benigna e negando eficácia à mais gravosa. Vejamos: Normas mistas ou híbrida são aquelas que apresentam duplicidade de caráter, vale dizer, incorporam tanto um conteúdo processual quanto um conteúdo material. A relevância desta constatação repercute diretamente no aspecto relacionado à eficácia da lei no tempo. Isto porque, detectada a natureza mista no âmbito de um determinado regramento, será inevitável, no aspecto relativo ao seu conteúdo material, o reconhecimento da retroatividade em relação a atos já realizados ou decisões já consumadas. (...) Nas primeiras, com efeito, a norma possui uma determinada natureza (material ou processual), em que pese se encontre incorporada a diploma de caráter distinto. É o caso, por exemplo, do direito de silêncio do réu em seu interrogatório, que, a despeito de sua previsão no Código de Processo Penal (art. 186), possui caráter nitidamente assecutatório de direitos (material). Já nas segundas, a normas apresenta dupla natureza, vale dizer, material em um determinada parte e processual em outra. Como exemplo de disposição híbrida, cuja interpretação ainda hoje é objeto de impasse entre os tribunais pátrios, menciona-se o art. 366 do CPP, modificado pela Lei 9.271/1996, dispondo que se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312. Precitado artigo, como se vê, insere conteúdos distintos: - Conteúdo processual no aspecto em que determina a suspensão no processo ao réu, que, citado por edital, não compareceu ao interrogatório e nem nomeou defensor. Neste enfoque, a carga é nitidamente processual, pois relativa ao fluxo procedimental.

- Conteúdo material no aspecto relativo à suspensão do prazo prescricional. Não há duvidas de que aspectos pertinentes à prescrição possuem natureza material tanto que regulado este instituto no âmbito do Código Penal, sendo lá previstas, também, as causas interruptivas (art. 117) e suspensivas (v.g., art. 116, I) do lapso prescricional. Considerada, pois, essa duplicidade de conteúdo inserta em uma mesma norma, muitas dúvidas surgiram quanto à possibilidade da sua retroatividade para alcançar fatos anteriores à sua vigência. De uma forma geral, consolidou-se a jurisprudência que, no tocante ao aspecto processual (suspensão do processo), não cabe a retroatividade da norma em face da regra tempus regit actum. Por outro lado, relativamente à suspensão do prazo prescricional, apesar de tratar de aspecto material inserto à norma, sua retroatividade importaria em causar prejuízo ao réu, já que importa no estabelecimento da imprescritibilidade do crime enquanto não tomar o réu conhecimento formal da acusação 2. Tanto o STF quanto o STJ manifestam-se no sentido que sendo uma norma mista ou híbrida (tiver conteúdo processual e material), deve-se examinar o seu conteúdo material. Assim, sendo uma norma material mais gravosa, a norma mista não retroagirá como um todo. Veja-se: 1. RECURSO. Extraordinário. Pedido. Inconstitucionalidade do art. 411 do Código de Processo Penal. Dispositivo revogado pela Lei n 11.689/2008. Perda superveniente do interesse recursal. Recurso prejudicado. O pedido da recorrente está prejudicado ante a revogação do art. 411, do Código de Processo Penal, pela Lei n 11.689/2008, que introduziu, no art. 415, novas regras para a absolvição sumária nos processos da competência do Tribunal do Júri. 2. AÇÃO PENAL. Tribunal do Júri. Absolvição sumária imprópria. Revogação do art. 411, do Código de Processo Penal, pela Lei n 11.689/2008. Retroatividade da lei mais benéfica. Concessão de habeas corpus de ofício. As novas regras, mais benignas, aplicam-se retroativamente. Ordem concedida para que o juízo de 1º grau examine, à luz da nova redação, se estão presentes os requisitos para a absolvição sumária, oportunizada prévia manifestação da defesa. RE 602561/SP - SÃO PAULO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. CEZAR PELUSO. Julgamento: 27/10/2009 Órgão Julgador: Segunda Turma EMENTA: Lesões corporais: decadência, à falta de representação do ofendido, da ação penal condicionada, conforme o art. 88 da L. 9.099, aplicável ao processo penal militar, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal: superveniência da L. 9.839/99, que dispôs em contrário, mas não se aplica ao caso, no qual, afora a ultra-atividade da lei anterior mais favorável, à lei posterior jamais se poderia emprestar retroatividade máxima, de modo a desconstituir decadência já consumada, antes da sua vigência. HC 80866 / SP - SÃO PAULO. HABEAS CORPUS. Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. Julgamento: 12/06/2001 Órgão Julgador: Primeira Turma 2 AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. Método. p. 42 e 43.

PENAL. HABEAS CORPUS. DELITO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. ROL AMPLIADO PELA LEI 10.259/2001. SENTENÇA PROFERIDA APÓS SUA EDIÇÃO. NORMAS DE NATUREZA PENAL OU MISTA QUE BENEFICIAM OS PACIENTES. RETROATIVIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. A Lei 10.259/2001, por seu art. 2º, parágrafo único, ampliou o rol dos delitos de menor potencial ofensivo, elevando o teto da pena máxima abstratamente cominada ao delito para 2 (dois) anos, sendo omisso em relação a possíveis exceções, estendendo mais ainda o conceito de infração de menor potencial ofensivo. 2. No caso dos autos, os réus foram condenados pela prática do delito capitulado no art. 256, parágrafo único, c/c 258, segunda parte, ambos do Código Penal, os quais prevêem a pena máxima de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção, subsumindo-se, portanto, ao conceito de menor potencial ofensivo nos termos postos pela Lei 10.259/2001. 3. Tratando-se de lei penal mais benéfica, de natureza jurídica de direito material ou mista, que possibilita aos pacientes a oportunidade de se beneficiarem dos institutos despenalizadores previstos na Lei 9.099/95, aplica-se aos fatos praticados anteriormente à sua entrada em vigor, consoante determina os arts. 5º, inciso XL, da Constituição Federal e 2º, parágrafo único, do Código Penal. 4. Ordem concedida para anular a sentença condenatória e determinar que seja verificada a incidência das regras pertinentes às infrações penais de menor potencial ofensivo, notadamente quanto ao disposto no art. 76 da Lei 9.099/95. HC 55064/SP. HABEAS CORPUS 2006/0037120-4. Relator(a) Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA (1128) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA. Data do Julgamento 09/05/2006. Data da Publicação/Fonte DJ 29/05/2006 p. 283 REVFOR vol. 387 p. 437. Pois bem, feitas estas ressalvas, passemos à questão de fundo. No caso narrado, em particular, o problema cingir-se-á quanto à aplicabilidade da majorante prevista no art. 9º da Lei 8.072/90. Definida a sua incidência, ou não, solvida estará a celeuma. O dissídio jurisprudencial e doutrinário atinente à questão sempre foi, e ainda é, evidente. Em linhas gerais, os que defendiam 3 o afastamento da causa de aumento de pena, alicerçavam-se em dois pilares, a saber: (i) considerar a presunção de violência prevista no art. 224 do Código Penal para configurar o estupro ou atentado violento ao pudor e depois utilizar o elemento complementar constitutivo do tipo para incidir como causa de aumento de pena configuraria bis in idem; e, 3 GOMES, Luiz Flávio. Presunção de Violência nos Crimes Sexuais. RT. p. 148/149; PRUDENTE, Neemias Moretti. Considerações Críticas Acerca das Disposições Gerais relativas aos Crimes de Estupro e Atentado Violento ao Pudor. Revista IOB. 52 Out-Nov/2008. p. 91; CUNHA. Rogério Sanchez. Direito Penal Parte Especial. RT. 3ª ed. p. 256.

(ii) a forma como disposta e redigida a reprimenda legal, utilizando a partícula e, ao contrário da forma tradicionalmente empregada no meio jurídico por seu operadores (combinado com), seria meio mais rebuscado de expressar a mesma coisa, também haja vista que as demais hipóteses que resultam no aumento de pena estão consubstanciadas em casos de lesões graves ou mortes, o que reforçaria tal entendimento. O segundo argumento é facilmente refutado, pois interpretando-se teleologicamente a norma insculpida (punir mais severamente os indivíduos que infligirem a lei nas hipóteses de vítimas elencadas no art. 224 do CP) nota-se que o objetivo foi punir tanto na forma simples do crime, quanto na qualificada (art. 223), respeitando o limite de 30 anos. Entretanto, a primeira tese suscitada ganhou força, sedimentando-se no Superior Tribunal de Justiça, que passou a torná-la incidente somente quando perpetrado com violência real, em aparente desarmonia com o Pretório Excelso. Dito de outra forma, reconhecia-se a majorante quando fosse utilizada a violência ou grave ameaça para perfectibilizar o tipo penal de estupro ou grave ameaça e a presunção de violência para exasperar a pena. Neste sentido: PENAL. RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. AUMENTO PREVISTO NO ART. 9º DA LEI Nº 8.072/90. VIOLÊNCIA REAL E GRAVE AMEAÇA. INCIDÊNCIA. SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 12.015/2009. I - Esta Corte firmou orientação de que a majorante inserta no art. 9º da Lei nº 8.072/90, nos casos de presunção de violência, consistiria em afronta ao princípio ne bis in idem. Entretanto, tratando-se de hipótese de violência real ou grave ameaça perpetrada contra criança, seria aplicável a referida causa de aumento. (Precedentes). II - Com a superveniência da Lei nº 12.015/2009 restou revogada a majorante prevista no art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, não sendo mais admissível a sua aplicação para fatos posteriores à sua edição. Não obstante, remanesce a maior reprovabilidade da conduta, pois a matéria passou a ser regulada no art. 217-A do CP, que trata do estupro de vulnerável, no qual a reprimenda prevista revela-se mais rigorosa do que a do crime de estupro (art. 213 do CP). III - Tratando-se de fato anterior, cometido contra menor de 14 anos e com emprego de violência ou grave ameaça, deve retroagir o novo comando normativo (art. 217-A) por se mostrar mais benéfico ao acusado, ex vi do art. 2º, parágrafo único, do CP. Recurso parcialmente provido.

(REsp 1102005/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 29/09/2009, DJe 19/10/2009) RECURSO ESPECIAL. PENAL. ESTUPRO SIMPLES COM VIOLÊNCIA PRESUMIDA. CRIME HEDIONDO. FIXAÇÃO DE REGIME INTEGRALMENTE FECHADO. IMPOSSIBILIDADE. MAJORANTE PREVISTA NO ART. 9º DA LEI 8.072/90. NÃO INCIDÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE LESÃO CORPORAL GRAVE OU MORTE. PRINCÍPIO DO NE BIS IN IDEM. 1 - O crime de estupro, ainda que praticado em sua forma simples ou com violência presumida, caracteriza-se como crime hediondo. 2 - Diante da declaração da inconstitucionalidade do 1º do art. 2º, com a redação dada pela Lei n. 8.072/90, perfeitamente possível, aos condenados por crimes hediondos ou equiparados, a fixação de quaisquer dos regimes prisionais legalmente previstos, devendo a nova redação conferida ao citado dispositivo legal pela Lei 11.464/07 atingir somente os casos posteriores à sua entrada em vigor. 3 - Incabível a incidência da majorante prevista no art. 9º da Lei 8.072/90 aos crimes de estupro ou atentado violento ao pudor se não sobrevier o resultado lesão corporal de natureza grave ou morte, sob pena de ofensa ao princípio do ne bis in idem, uma vez que a presunção de violência apresenta-se como elemento constitutivo do tipo penal, 4 - Recurso parcialmente provido apenas para reconhecer a hediondez do delito tipificado no caput do art. 213 do Código Penal. (REsp 1006522/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 16/06/2009, DJe 03/08/2009) A tese é atraente, sobretudo razoável. Tanto o é que a doutrina, em grande parte, curvou-se ao argumento. Todavia, em sintonia com o Supremo Tribunal Federal, Nucci bem sustentou que: Preceitua o art. 9º da Lei 8.072/90 haver um aumento de metade da pena para quem cometer determinados crimes hediondos contra as pessoas enumeradas no art. 224 do Código Penal. O art. 224 serviu apenas de referência para o legislador indicar quando a reprovação ao ato deve severamente considerada, agravando-se a pena. Assim, quem estuprava menos de 14 anos tem a pena aumentada da metade. Surgiu, então, o posicionamento daqueles que viram nessa disposição do art. 9º um bis in idem, quando houvesse a hipótese do art. 224, ou seja, se a idade da vítima fosse levada em conta para tipificar o crime de estupro (violência presumida), não poderia novamente ser levada em consideração para aumentar a pena. Em nosso entendimento, houve somente a utilização de um mecanismo remissivo para tratar de causa de aumento de pena. O fato de a pessoa não poder consentir validamente, permitindo a tipificação do delito de estupro ou atentado violento ao pudor, não elimina outra conseqüência distinta, que é o crime sexual ter-se consumado contra vítima menor de 14 anos. Assim, cremos perfeitamente possível a

consideração da idade tanto para tipificar o delito sexual violento (arts. 213 e 214, CP), como para aumentar a pena 4. E neste compasso: EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DE DEFENSOR DATIVO PARA APRESENTAÇÃO DE CONTRARRAZÕES. ART. 370, 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. ESTUPRO. CRIME HEDIONDO. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. APLICAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 9º DA LEI 8.072/1990. ORDEM DENEGADA. I - A intimação do defensor dativo para apresentação de contrarrazões ao recurso especial ocorreu em data anterior à publicação da Lei 9.271/1996, o que, pela aplicação do princípio do tempus regit actum, exclui a obrigatoriedade da intimação pessoal do defensor dativo. II - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o crime de estupro, tanto na sua forma simples como na qualificada é crime hediondo. Precedentes. III - Não há bis in idem no fato de a idade da vítima ser levada em conta para tipificar o crime de estupro pela violência presumida nos termos do art. 224 do Código Penal e também como causa de aumento de pena consoante dispõe o art. 9º da Lei 8.072/1990. IV - Inexistindo nulidade ou ilegalidade flagrante a ser sanada, não se pode admitir o habeas corpus como sucedâneo de revisão criminal, ante a verificação do trânsito em julgado do acórdão que tornou definitiva a condenação. V - Ordem denegada. (HC 97788, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 25/05/2010, DJe-116 DIVULG 24-06-2010 PUBLIC 25-06-2010 EMENT VOL-02407-02 PP- 00403) EMENTA: HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. VÍTIMA MENOR DE QUATORZE ANOS. ACRÉSCIMO DA PENA EM FACE DA INCIDÊNCIA DO ART. 9º DA LEI Nº 8.072/90. ALEGADA OCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM. REDUÇÃO CONCERNENTE À SEMI-IMPUTABILIDADE DO PACIENTE. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. Ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal consideram a não-ocorrência de bis in idem no reconhecimento da causa de aumento do art. 9º da Lei nº 8.072/90, em face de ser a vítima menor de quatorze anos, nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor tipificado pela violência presumida (art. 224, alínea a, do Código Penal). Ausência de fundamentação na sentença condenatória quanto ao fator de redução da pena resultante do art. 26 do Código Penal, em face da semi-imputabilidade do paciente. Habeas corpus deferido em parte. 4 NUCCI, Guilherme Souza. Leis Penais e Processuais Penais. RT. 2ª ed. p.612.

(HC 76004, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 19/05/1998, DJ 21-08-1998 PP-00002 EMENT VOL-01919-01 PP-00050). Portanto, considerando que, além de pôr fim ao impasse, a nova pena corporal culminada ao delito abstratamente é mais benéfica, pois antes com a incidência da causa de aumento de pena ficaria entre 09 e 15 anos, e agora, entre 08 e 15 anos. Logo, sobreveio alteração legislativa (novatio legis in mellius), modificando norma de direito material mais favorável ao réu, esta deve ser imediatamente aplicada. Já em relação à causa de aumento de pena para os casos de ser o crime praticado por ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela, não há qualquer impropriedade na culminação da majorante para o caso em comento. Primus porque o texto legal foi incrementado com as alterações trazidas com a Lei 11.106/2005 (antes dos fatos portanto), não havendo que se falar novatio legis in pejus; a duas, tendo em vista que, além de tio da vítima, naquele momento, exercia autoridade sobre ela, ficando responsável, ainda que temporariamente, sobre seus atos, e tendo obrigação de cuidado, proteção e vigilância. Se já é repugnante o ato praticado por pessoa estranha ao seu convívio, quem dirá por aquele de quem se espera leito protetivo. Neste norte, a lição de Rogério Sanches Cunha: A segunda causa de aumento diz respeito ao parentesco entre a vítima e o agente, bem como a outras relação pessoais existente entre eles. Justifica-se o agravamento da pena em razão da maior reprovação moral da conduta, em que o agente abusa das relações familiares, de intimidade ou de confiança quem mantém com a vítima. A existência dessa causa de aumento afasta a possibilidade de aplicação das agravantes genérias previstas no art. 61, II, e, f e g, do CP, sob pena de se incorrer em claro bis in idem 5. Em igual diapasão, calham as lições de Mirabete: O fato configura uma maior ofensa à dignidade sexual da vítima e acarreta maior alarma social, sendo um abusa de relação doméstica ou de situações de intimidade ou confiança. Com a inclusão do cônjuge, e do companheiro, no inciso II do art. 226, tornou-se evidente a possibilidade de configuração do crime de estupro quando praticado pelo 5 CUNHA, Rogério Sanches. Rogério Sanches Cunha. Direito Penal Parte Especial. RT. 3ªed. p. 266.

marido da vítima, questão que era objeto de controvérsia na doutrina e na jurisprudência (item 22.1.4). Abrange a lei, também, qualquer pessoa que, pelos títulos mencionados no dispositivo ou quaisquer outros, tem autoridade, de direito ou de fato, sobre a vítima. Já se reconheceu a qualificadora, no caso do agente amásio da mãe da vítima, do sogro com relação à nora etc 6. Quanto à natureza da ação, direito processual, configurando-se condição de procedibilidade, em face do conteúdo misto que reveste sua classificação e que importaria em afetação material (extinção da punibilidade art. 107 do CP), antes ação privada ou condicionada à representação e agora pública incondicionada, sugerimos que sejam observadas as disposições da lei anterior, ou seja, junte-se atestado de pobreza e a representação, evitando-se, assim, futura arguição de nulidade e decadência do direito de representação. Por fim, quanto à descrição dos fatos, não haverá maiores problemas. Podes descrever da seguinte forma: Em data não suficientemente esclarecida nos autos, porém entre março de 2009 e janeiro de 2010, o acusado XXXXXXXXX, na qualidade de tio e responsável da vítima XXXXXXXXXXXXX, de forma continuada (ver quantos fatos foram perpetrados) praticou ato libidinoso consistente em XXXXXXXXXX, contra menor de 14 anos à época dos fatos. Ao agir, o acusado... (descrever os fatos). 6 MIRABETE, Julio Fabbrini e FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. Atlas. Vol II. 27ª ed. p. 427.