2 Revisão de literatura



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Transcrição:

2 Revisão de literatura Este capítulo está dividido em várias seções, buscando abranger as principais características e peculiaridades desta modalidade de financiamento. Após a apresentação das definições de Project Finance encontradas na literatura, o capítulo segue apresentando as principais características desta modalidade, incluindo a formalização da operação, as fontes de recursos, as estruturas de garantia, os riscos do modelo, as diferenças entre Project Finance e Parceria Público Privada e, por último, as vantagens e desvantagens da modalidade vis à vis a estrutura de financiamento corporativo tradicional. 2.1. Definições de Project Finance Na literatura existente, embora haja alguns aspectos relativos ao tema divergentes entre os autores, é consenso entre eles que Project Finance é uma modalidade de financiamento de empresas cuja principal fonte de pagamento da dívida é o próprio fluxo de caixa do projeto. Para Finnerty (1999), Project Finance é definido como captação de recursos para financiar um projeto de investimento de capital economicamente separável, no qual os provedores de recursos vêem o fluxo de caixa vindo do projeto como fonte primária de recursos para atender ao serviço de seus empréstimos e fornecer o retorno sobre seu capital investido no projeto. Segundo Nevitt e Fabozzi (2000), Project Finance é o financiamento de uma determinada unidade econômica, no qual o credor se satisfaz em olhar inicialmente para o fluxo de caixa e para as receitas desta entidade como fonte de pagamento do empréstimo e para os ativos desta unidade econômica como os colaterais para o empréstimo.

17 Já Tinsley (2000) define Project Finance utilizando o conceito de opções: Project Finance é uma opção dada ao financiador, que pode ser exercida quando a entidade (projeto) demonstrar que é capaz de gerar fluxo de caixa de acordo com a previsão de longo-prazo de geração de caixa. Quando ocorre o exercício da opção, o balanço patrimonial da empresa patrocinadora deixa de estar disponível para o pagamento dos serviços da dívida. Os ativos, direitos e interesses do desenvolvimento (projeto) são normalmente estruturados em uma sociedade de propósito específico (SPE) e são legalmente segurados para os financiadores como colaterais. Na visão do autor, é possível que os credores financiem a SPE mesmo antes das condições para o exercício da opção serem satisfeitas (geração de caixa), possivelmente solicitando a apresentação de garantias adicionais. A definição para Project Finance de Malvessi e Bonomi (2008), é de uma dispendiosa estrutura financeiro-jurídica que permite o compartilhamento dos riscos do empreendimento. Para que isso ocorra, é necessário conhecer e definir todos os riscos e acomodar todos os participantes, com suas diferentes expectativas de retorno dentro do empreendimento. Segundo o International Project Finance Association IPFA (2010), Project Finance é o financiamento de projetos voltados à infraestrutura, indústria e serviços públicos baseados em uma estrutura financeira non recourse ou limited recourse, onde a dívida e o capital investidos no financiamento do projeto são pagos através do fluxo de caixa gerado pelo projeto. Na visão de Borges (2005), Project Finance é uma operação estruturada em que os empréstimos concedidos por credores não têm solidariedade de terceiros (ou têm solidariedade limitada), segregam os riscos através de sociedade de propósito específico (SPE), utilizam como base da análise seu fluxo de recebíveis e buscam garantias somente entre os ativos do projeto. Por último, a Standard & Poor s Corporation (2003) define Project Finance como um grupo de acordos e contratos firmados entre financiadores, patrocinadores e outras partes envolvidas (compradores, fornecedores, etc) que criam uma nova sociedade, de onde será emitida dívida, bem como as receitas do projeto, única fonte de recursos para pagamento do serviço da dívida.

18 A bibliografia utilizada na pesquisa, confere algumas características comuns aos modelos de Project Finance, são elas: Investimentos elevados exigindo forte alavancagem; Previsibilidade do fluxo de caixa do projeto; Investimento economicamente segregável; Classificação de risco dentro das margens aceitas pelos credores; Marco regulatório estável; Presença de sociedade de propósito específico - SPE; Compartilhamento de decisões por parte dos participantes do projeto; Projetos classificados em sua grande maioria como limited recourse com garantia de ativos do projeto; Utilização do instrumento de securitização; Alocação segregada de riscos entre os diversos participantes; Utilização de covenants; Acesso dos credores à excecução do projeto em caso de necessidade. 2.2. Formalização de um Project Finance O principal fundamento do Project Finance consiste na compreensão detalhada do fluxo de caixa do projeto e dos impactos dos diversos tipos de risco. Desse fundamento decorrem dois requisitos básicos para que um projeto possa ser financiado através desta modalidade: (i) que ele apresente um elevado nível de previsibilidade do fluxo de caixa, e, portanto, das receitas, custos e despesas e (ii) que permita um adequado uso de sistemas de identificação, mensuração e alocação ou negociação de riscos (CHAGAS, 2002). Como destaca Azeredo (1999), um dos principais desafios para a implementação desta modalidade de financiamento em mercados emergentes é a existência de um ambiente macroeconômico e legal estável, para que sejam aceitáveis os níveis de previsibilidade do fluxo de caixa do projeto. Desta forma, nem todos os projetos são adequados para esta modalidade de financiamento e, ainda que haja possibilidade, é necessário que sejam ponderadas as vantagens e as desvantagens de sua implementação (CHAGAS, 2002).

19 Finnerty (1999) ressalta que pelo fato da maioria dos projetos não apresentar histórico operacional no momento da estruturação do financiamento (greenfield), é necessário que os patrocinadores ou outras partes interessadas convençam os credores de sua viabilidade técnica e econômica. De fato, devido à dependência do serviço da dívida em relação ao fluxo de caixa futuro, é fundamental, para os possíveis credores, que o projeto apresente lucratividade adequada. Opinião também compartilhada por Chagas (2002), que afirma: Project Finance só funciona para projetos que possam estabelecer fortes relações contratuais entre as múltiplas partes e mantê-las a custos toleráveis, sendo que deve haver uma verdadeira comunidade de interesses. Nos financiamentos realizados por meio desta modalidade, são concedidas na fase pré-operacional ou fase de construção do projeto, empréstimos ponte pelos credores do projeto para que a SPE possa iniciar a execução do projeto. Na maioria destas operações, ao final do prazo do contrato está previsto o exercício do direito de take out da operação estruturada de longo prazo. Vale ressaltar que as operações de Project Finance são aplicáveis não só a um projeto novo (greenfield), mas também para ampliações de projetos já existentes (brownfield) e como estruturas de refinanciamento da dívida, como veremos mais à frente. 2.2.1. Estrutura do modelo A estrutura de Project Finance caracteriza-se pela constituição de uma SPE (Sociedade de Propósito Específico), entidade jurídica que detém os ativos e passivos do projeto, delimitando com precisão o objeto do empreendimento, isolando o risco e o retorno de outras atividades dos patrocinadores, fazendo com que investidores, financiadores e demais participantes tenham total transparência da operação, permitindo análise do retorno e do risco da operação e não da capacidade de pagamento do controlador. Por ter como objetivo a implantação do projeto, tem, portanto, tempo limitado de duração.

20 Borges (2005) define de forma interessante o desenho organizacional de um modelo padrão de Project Finance. No centro de complexas relações jurídicas, unindo diversos interessados no projeto, está a SPE. Como todos os seus contratos alocam alguma responsabilidade pelo cumprimento das metas do projeto aos participantes, que têm muitas vezes outros interesses entre si, a figura que representa um Project Finance é chamada de teia, embora seja mais um mecanismo de rodas dentadas, que só funciona se houver encaixe perfeito de todas as peças. As SPEs são constituídas normalmente sob a forma de sociedades anônimas (S.A) e, excepcionalmente, sob a forma de sociedade por quotas de responsabilidade limitada (Ltda). Nas S.As, cada acionista é responsável, em caso de insolvência da sociedade, pelo valor do capital social por ele subscrito e não integralizado. Apesar do maior custo de manutenção das S.As., opta-se, costumeiramente, por este tipo de sociedade por conta da facilidade de acesso ao mercado de capitais, que aumenta o leque de alternativas para captação de recursos (Malvessi e Bonomi, 2008). Figura 1 Estrutura de um Project Finance Fonte: Borges (2005).

21 Além da SPE, as principais partes envolvidas em um Project Finance são: Poder Concedente (Regulador), responsável por determinar as regras a serem cumpridas pelos componentes do Project Finance se realizado em empresas dos setores regulados como, por exemplo, energia, petróleo e gás, transportes, água e saneamento, tanto federais como estaduais; Investidores, também denominados Patrocinadores ou Sponsors, são os provedores de capital próprio (equity) à SPE; Construtores ou na linguagem do Project Finance, epicistas, são os empreiteiros da obra e responsáveis, em conjunto com empresas projetistas de engenharia e fornecedores de máquinas e equipamentos, por fechar com a SPE os contratos EPC (Engineering, Procurement and Construction Contracts); Credores, responsáveis por celebrar os contratos de financiamento com a SPE, geralmente sob a liderança do Banco Líder (Arranger), e negociar diretamente com os patrocinadores ou com os seus Assessores Financeiros (Financial Advisors) e Jurídicos (Legal Advisors). Assessores Financeiros (Financial Advisor), são conselheiros independentes que tem o papel de orientar os patrocinadores dos riscos envolvidos e das técnicas e fontes de financiamento disponíveis no mercado que poderiam mitigá-los. Geralmente representados por bancos comerciais, são responsáveis pelo memorando que descreve o projeto em etapas: 1) Desenvolvimento do modelo econômico-financeiro; 2) Assessoria, em conjunto como os demais consultores, na elaboração e negociação de contratos relativos à implantação do projeto, tais como o EPC, pacote de seguros, contratos de Operação e Manutenção (O&M), contratos de offtake (contratos de energia), acordos de acionistas, contratos de empréstimos, contratos de constituição de garantias e demais instrumentos relevantes ao financiamento; 3) Definição da estrutura de capital necessária ao projeto; 4) Negociação das condições de financiamento junto aos credores; 5) Assessoria ao projeto durante as fases de due diligence.

22 Banco Líder (Arranger), é a instituição responsável pela sindicalização do financiamento de longo prazo do projeto, incluindo a negociação dos termos e condições do financiamento com os demais participantes do sindicato. É um dos tomadores de risco do projeto e um dos bancos envolvidos no deal e que tem como compromisso estruturar o financiamento. É a parte responsável por distribuir o empréstimo para outros bancos, agências multilaterais, bancos de fomento, investidores, etc; Agente (Agent), depois de firmado o empréstimo, este agente tem o papel de coordenar os fluxos do projeto administrando as contas de entrada e de saída de capital. É a parte responsável pela administração do fluxo de caixa, realização de pagamentos e controle das receitas do projeto; Debenturistas (Bondholders) ou demais investidores de títulos de dívida emitidos pela SPE; Compradores (Off-takers) da produção do projeto, frequentemente por vias de contratos de compra e venda de longo prazo que podem ser de diversas modalidades, conforme será mencionado posteriormente; Fornecedores (Suplliers) de insumos básicos a serem consumidos pelos projetos, também geralmente regulados por contratos de compra e venda de longo prazo. Frequentemente, agências de crédito (ou de fomento) à exportação (ECA Export Credit Agencies) de um determinado país financiam os importadores de máquinas ou equipamentos a serem exportados pelo país em questão, atuando, neste caso, como financiadores do projeto. Operadores (Operators) do projeto, na sua fase operacional, são as empresas que estão à frente da operação propriamente dita, neste caso a SPE. Seguradoras, tem importante papel na prestação de seguros tradicionais e seguros garantia para os credores dos projetos, principalmente na fase pré-operacional. Assessores Jurídicos (Legal Advisors), são escritórios de advocacia que prestam assessoria aos patrocinadores, acionistas, debenturistas e demais credores na formalização de contratos e garantias.

23 Os projetos de infraestrutura podem espelhar diferentes finalidades e papéis entre os seus participantes, dependendo do tipo de estrutura contratual estabelecido no contrato de concessão firmado entre o operador e o poder concedente. Embora no Brasil, essa tipificação não apresente contrapartida específica para análises de Project Finance, vale destacá-las para facilitar o entendimento por parte do leitor, já que são frequentemente citadas na literatura. A tabela a seguir apresenta os tipos de contrato e um resumo de suas principais características: Tabela 1 Tipos de Contratos entre Poder Concedente e Concessionário 2.3. Fontes de recursos Os recursos utilizados nas operações de Project Finance podem ser genericamente classificados em três categorias: capital próprio, dívida subordinada, também conhecida como operação de mezanino, e dívida sênior. A classificação das fontes de recursos nestas três categorias está relacionada ao nível de preferência no recebimento dos pagamentos em caso de default do tomador, sendo a dívida sênior a primeira na escala de prioridades e o capital próprio o último. Serão apresentadas neste capítulo as principais fontes de financiamento utilizadas mundialmente nas operações de Project Finance. No decorrer do estudo serão descritas as fontes de recursos mais recorrentes no Brasil

24 2.3.1. Capital próprio Segundo Chagas (2002), os maiores provedores de capital na fase inicial do projeto são, na maioria dos casos, os patrocinadores, que demonstram desta forma o nível de comprometimento com o sucesso do projeto, posição normalmente exigida pelos credores para participarem do financiamento. Segundo Nevitt e Fabozzi (2000), em um empreendimento estruturado na modalidade de Project Finance, a relação dívida/capital próprio geralmente se situa entre 1 e 4. Este índice demonstra a maior capacidade de alavancagem financeira do modelo de Project Finance quando comparado ao modelo tradicional conhecido como Corporate Finance, já que o modelo não é limitado à capacidade global de pagamento das empresas patrocinadoras do projeto, mas sim à capacidade de pagamento da SPE, considerando a distribuição de riscos e o arranjo de garantias do projeto. Além dos patrocinadores, podem ser provedores de capital próprio, os compradores da produção do bem ou serviço do projeto, os fornecedores de matéria-prima ou recursos naturais, os construtores e os fornecedores de equipamentos para a etapa de construção. Outros possíveis investidores de capital próprio, não diretamente relacionados à construção e operação do projeto, interessados no retorno que o investimento possa gerar, através do pagamento de dividendos ou ganhos de capital são os investidores institucionais, como fundos de pensão e seguradoras que podem adquirir ações da SPE através da emissão privada ou oferta pública, e demais investidores pessoas físicas e jurídicas. 2.3.2. Dívida subordinada A dívida subordinada, também conhecida como operação de mezanino, por se situar entre o capital próprio e a dívida sênior, no caso de uma execução, é o instrumento usualmente utilizado pelos patrocinadores para cobrir eventuais custos excedentes, custos de atraso na conclusão ou também pode ser exigida pelos credores seniores, quando determinados índices financeiros relacionados ao projeto não forem alcançados. Geralmente, o montante e o momento em que o projeto deve receber recursos via dívida subordinada são acordados previamente, nos contratos de garantia e suporte dos patrocinadores.

25 2.3.3. Dívida sênior O instrumento de dívida sênior geralmente representa a maior parcela do capital de terceiros, e a maior parcela do capital total, em financiamentos estruturados através do Project Finance. As fontes de financiamento de dívida sênior mais comuns são: Investimentos públicos concedidos pelos bancos estatais e pelas agências de fomento; Empréstimos bancários (através de sindicatos ou isoladamente); Financiamentos de construtores, fornecedores e compradores; Leasing e lease back 1 para máquinas e equipamentos; Empréstimos concedidos pelas ECAs (Export Credit Agencies) diretamente ou através de repasses dos fabricantes de equipamentos, financiamentos condicionados à compra de certos produtos ou serviços (Suppliers Tied Credits); Seguradoras, que podem participar do financiamento de duas formas: (i) na mitigação dos riscos através da concessão de seguros e garantias, onde não há necessariamente desembolso de recursos e (ii) como investidores institucionais dependendo do perfil de compromisso ou do plano de investimento; Fundos Mútuos de Investimento, na forma de condomínios abertos administram recursos de poupança do público, destinados à aplicação em carteira diversificada de títulos e valores mobiliários; Fundos de Investimento em Infraestrutura, são investidores bastante recentes no mercado internacional, cujo crescimento iniciou-se na década de 80. Estes fundos podem apoiar projetos da área de infraestrutura ou empresas que atuam no setor de duas formas: (i) investimentos através de participações acionárias ou (ii) através de financiamentos. A maioria dos fundos atua através de participações acionárias, buscando altos retornos; 1 Operação de leasing pela qual uma empresa proprietária de bens móveis ou imóveis vende-os ou os dá em pagamento a outra que, ao adquirí-los, arrenda-os à vendedora, contra pagamento de aluguel. Findo o contrato, o arrendatário terá opção de readquirir o bem pelo valor residual predeterminado ou pelo valor de mercado na época.

26 Órgãos Multilaterais como IFC (International Finance Corporation), BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento), MIGA (Multilateral Investment Guarantee Agency), CAF (Cooperação Andima de Fomento) e IDB (Interamerican Development Bank) e as agências nacionais de desenvolvimento. Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FDICs). Por serem caracterizados como condomínios e, portanto, por não possuírem personalidade jurídica, os FDICs possuem tratamento tributário diferenciado. Além disso, o fato de suas cotas negociadas em mercado terem de ser necessariamente, classificadas por uma agência de rating, este tipo de investimento torna-se ainda mais atrativo aos investidores, na medida em que há mais elementos para avaliá-lo, sendo, portanto, uma alternativa interessante para captação de recursos. Mercado de Capitais a SPE sob a forma de uma sociedade anônima, pode fazer uma colocação privada de títulos ou via mercado de capitais através de valores mobiliários de negociação doméstica ou no exterior. 2.4. Medidas mitigadoras de risco Não é novidade que a estrutura de garantias em qualquer financiamento é assunto de expressiva importância. Todavia, nos projetos financiados através de Project Finance, essa variável se torna ainda mais relevante na mitigação de riscos, principalmente sobre a ótica do credor, pois o arranjo de garantias é necessário para isolar os credores de todos os riscos não-creditícios associados ao projeto, isto é, riscos não baseados na capacidade da SPE de cumprir com seus compromissos financeiros. Segundo Finnerty (1999), o suporte creditício de um Project Finance vem, em primeira instância, do próprio projeto. Tal capacidade de crédito frequentemente necessita ser complementada por um conjunto de garantias entre o projeto e seus patrocinadores ou outras partes com capacidade de obtenção de crédito. O benefício de tais arranjos é alocado aos credores do projeto, que como investidores do projeto, não desejam correr riscos de operação. Este arranjo determina que as entidades com capacidade de obtenção de crédito se comprometerão a adiantar recursos, se necessários forem, para assegurar a

27 conclusão do projeto, ou para complementação do fluxo de caixa do projeto após sua conclusão, até onde seja possível para que a entidade projeto honre os compromissos do serviço da dívida. A rigidez imposta pelo security package do Project Finance é um fator que limita a flexibilidade e a adaptabilidade de um empreendimento, o que explica o uso mais freqüente do modelo em empreendimentos relacionados à infraestrutura. Este é um setor onde o produto final tem demanda quase sempre garantida, a preços com baixa volatilidade, que resulta em fluxos de caixa bem previsíveis (Malvessi e Bonomi, 2008). As relações contratuais que serão acordadas entre as partes envolvidas são o núcleo principal desta modalidade de financiamento. É através dos contratos que os riscos serão alocados, substituindo desta forma as garantias usuais (carta de fiança, hipoteca, aval, carta de crédito, etc) pelas garantias de performance muito utilizadas nesse tipo de engenharia financeira (Faria, 2003). 2.4.1. Tipos de Project Finance De acordo com a estrutura de garantias, o project finance pode ser classificado como: (i) full recourse, (ii) non recourse e (iii) limited recourse. O modelo full recourse envolve um sistema tradicional de garantias, e os instrumentos de atenuação de riscos não são usualmente utilizados. Esse tipo de financiamento requer garantias reais, além do comprometimento pessoal dos controladores (Borges, 2002). A segunda opção, também conhecida como financiamento sem direito de regresso ao patrocinador ou non recourse, é a modalidade em que os credores concordam em contar unicamente com o fluxo de receita esperado do projeto para o pagamento de principal e juros, não exigindo, portanto, o direito de recorrer aos ativos do tomador em caso de não pagamento ou outro tipo de default. O terceiro e último modelo é um sistema intermediário entre o full recourse e o non recourse, em que há garantias adicionais dadas por algumas das partes envolvidas, como pelo patrocinador ou pelo governo anfitrião do projeto. Também é conhecido como financiamento com direito de regresso limitado e é atualmente a forma mais utilizada nos financiamentos que utilizam o Project Finance.

28 Na literatura, entretanto, encontramos autores que divergem sobre a existência de garantias complementares nos modelos de Project Finance. Nevitt e Fabozzi (2000), definem o modelo de Project Finance como um tipo de financiamento cujo serviço da dívida é garantido pelo fluxo de caixa e pelos ativos do projeto, não sendo necessário o complemento por outras garantias, ou seja, o financiamento é do tipo non recourse. Finnerty (1999), defende que o complemento de garantias, principalmente durante o período pré-operacional do projeto, é quase uma condição sine qua non para a implantação do modelo, defendendo o modelo limited recourse. Usando a definição de Project Finance de Tinsley (2000), Chagas (2002) e Monteiro Filha e Castro (1999) afirmam ser possível que na fase anterior à conclusão técnica e financeira do projeto, o financiamento se configure como do tipo limited recourse com a exigência de fiança ou aval dos sócios na fase de construção, que é o momento mais arriscado (e sem receita) do projeto 2 e, após a geração de caixa, o financiamento se torne do tipo non recourse. De acordo com Borges (2002) não existe Project Finance do tipo non recourse puro, pois os patrocinadores, interessados na viabilidade do projeto, sempre acabam oferecendo garantias complementares o que faz do projeto um limited recourse, pois utiliza um mix de garantias (incluindo garantias pessoais, financeiras e reais) substituindo a obrigatoriedade de concessão de fiança por parte dos controladores - maior problema nas negociações de empréstimos de longo prazo 3. 2 Essa garantia pode ter um prazo determinado, ser dada apenas em um empréstimo ponte que cubra o risco de construção ou ter uma previsão, em contrato de longo prazo, de migração para uma garantia calcada na receita do projeto 3 No Brasil, um fator que corrobora com essa afirmativa é o fato do não reconhecimento pelas leis brasileiras até 2005 da figura jurídica do step-in right, instrumento legal que transforma o credor automaticamente em acionista do empreendimento em caso de não pagamento do serviço da dívida, o que incentiva a busca por garantias complementares

29 2.4.2. Instrumentos de garantia utilizados Fase Pré-Operacional As garantias se diferenciam conforme a fase do projeto. Durante a fase de instalação do projeto a hipoteca de primeiro grau é a garantia complementar ao fluxo do projeto, contudo, ela deve ser utilizada com restrição, pois é uma garantia que, sob certas circunstâncias, está sujeita à grandes oscilações de valor e liquidez. Também é comum os acionistas da SPE oferecerem cobertura através da assinatura de um termo de responsabilidade (keep well agreement), emitindo comfort letters ou fianças bancárias. Fase Pós Operacional Após a conclusão do projeto, quando o serviço da dívida já pode ser amortizado pelo fluxo de caixa do projeto, os riscos pós-completion são usualmente assumidos mais pelos patrocinadores do que pelos credores. Com o início das operações, os projetos podem se utilizar de contratos de compra e venda para obrigar os compradores da produção ou dos serviços do projeto a dar suporte creditício ao projeto. Ao contrário, o instrumento utilizado no fornecimento de matéria-prima são os contratos tipo supply-or-pay, que obrigam os fornecedores dos insumos do projeto a garantir a operação. A tabela a seguir relaciona os contratos de compra e venda de mercadorias e serviços e seus respectivos impactos na mitigação de riscos de crédito. O simples uso dos contratos, porém, não minimiza completamente os riscos envolvidos neste tipo de transação financeira. É preciso que os contratos sejam compatíveis com a legislação local e internacional.

30 Tabela 2 Tipos de Contratos de Compra e Venda TIPO DE CONTRATO GRAU DE SUPORTE CREDITÍCIO OFERECIDO Take-if-Offered Take-or-Pay Hell-or-High-Water Throughout Agreement O contrato obriga o comprador da produção ou dos serviços do projeto a receber e pagar os serviços ou produção apenas se o projeto for capaz de entregá-los. O pagamento só é feito mediante a entrega. Nesse tipo de contrato o consumidor da produção ou dos serviços do projeto se compromete a pagar periodicamente por uma quantidade estipulada da produção ou serviços, independentemente do fato de recebê-los ou não. É semelhante ao Take-if-Offered, mas obriga o comprador da produção/serviços a pagar por tal produção ou serviços, mesmo sem recebê-los. É semelhante ao Take-or-Pay, exceto pelo fato de que não há qualquer saída, mesmo em circunstâncias adversas fora do controle do comprador, como, por exemplo, eventos de força maior. O comprador deverá pagar em qualquer advento, mesmo que nenhuma produção lhe seja entregue. O usuário das instalações do projeto se obriga a passar quantidades mínimas de matéria-prima e pagar uma remuneração suficiente para cobrir os gastos da SPE e pelo menos parte de suas obrigações relativas à dívida. Cost of service O contrato exige que cada cliente pague sua parte proporcional dos custos do projeto à medida que forem efetivamente incorridos, em troca de uma parcela da produção ou dos serviços disponíveis do projeto, conforme definido em contrato. Estes contratos geralmente requerem que os pagamentos sejam realizados mesmo se os produtos/serviços não sejam entregues/prestados. Opção mais completa do contrato Hell-or- High-Water, onde os credores também estariam protegidos do aumento das despesas operacionais, legislação tributária, entre outros fatores. Tolling Agreement A SPE cobra pedágio pelo processamento de matérias-primas, que geralmente pertencem e são entregues pelos patrocinadores do projeto. PPA (Power Purchase Este tipo de contrato assegura ao produtor garantia de venda da Agreement) energia gerada, sendo um importante instrumento na estruturação de um Project Finance para o setor elétrico. Fonte: Finnerty (1999), apud Faria (2003). Adaptado pela autora

31 Dependendo da estrutura do acordo de conclusão de um projeto e do(s) contrato(s) de compra e venda, poderá ser necessário prover suporte creditício complementar através de arranjos de garantia adicionais. Esses mecanismos podem ter a forma de um acordo de suporte financeiro, um acordo de insuficiência de caixa, um acordo de subscrição de capital, um clawback agreement 4 ou um fundo caução. Todos eles têm o mesmo propósito: garantir que uma ou mais partes com capacidade de obtenção de crédito forneça os recursos necessários para que o projeto atenda às suas obrigações de caixa. No Project Finance, além dos instrumentos já citados, um outro instrumento exigido pelos credores, é a cessão de direitos creditórios. Nele, é possível que os credores tenham controle sobre os recursos mesmo com o projeto em situações de dificuldade. Vale lembrar que nem sempre é possível hipotecar ou alienar determinado bem, principalmente na área de infraestrutura, como é o caso de concessões de serviços públicos, em que os bens pertencem ao governo e o concessionário tem apenas o direito ao uso do bem. O uso de garantias de recebíveis através da abertura de contas (escrow accounts) em um agente fiduciário (trustee) é mais compatível com a lógica do Project Finance, pois nele é possível reter receitas futuras do próprio projeto (Borges, 2005). Nesta estrutura, por sinal bastante presente, fixa-se um valor mínimo que sirva como garantia de pagamento do serviço da dívida, em caso de algum default. Os valores oriundos da cessão de direitos creditórios seriam creditados e retidos na conta reserva somente sendo transferidos à conta vinculada conforme os compromissos contratados pelo projeto. Este controle ficaria sob gestão de um banco contratado para ser o fiel depositário dos recursos (trustee da operação). 4 O clawback agreement representa um compromisso de os patrocinadores do projeto contribuírem com dinheiro num montante equivalente a quaisquer dividendos em dinheiro advindos da empresaprojeto ou quaisquer benefícios fiscais recebidos pelos patrocinadores do projeto devido a seus investimentos no mesmo.

32 2.4.3. Covenants Também é importante destacar o papel dos covenants na estruturação do Project Finance. Borges (1998) define covenant como um sistema de garantia indireta, próprio de financiamentos, representado por um conjunto de obrigações contratuais acessórias, positivas ou negativas, objetivando o pagamento da dívida. Na realidade, constituem obrigações de fazer ou não fazer, disciplinadas pelo Código Civil, as quais se prendem, basicamente, às três modalidades mais comuns de preocupações: i) limitação do grau de endividamento da empresa; ii) limitação ou impedimento para contrair novas obrigações (impedir a subordinação futura do direito do credor contratante) e iii) manutenção de capital de giro mínimo. Segundo Borges (1998), o sistema de covenants apresenta evidentes vantagens. Ele pode conviver com as garantias tradicionais por toda a vida do contrato ou por prazo determinado. Entretanto, o credor deve utilizá-lo, cada vez mais, como um instrumento que tenha o foco mais na boa administração que na integridade do patrimônio, gerando credibilidade para o cliente e uma sinalização clara para o mercado de que o empreendimento é confiável. 2.4.4. Seguros A operação de seguros é item fundamental na estruturação de um Project Finance. Devido aos altos valores envolvidos nos projetos e a importância da segregação e mitigação dos diversos riscos inerentes à operação e à atividade, os credores geralmente exigem que sejam contratados seguros para protegê-los de certos riscos. As grandes seguradoras, atentas a expansão do modelo para financiamento de grandes projetos se especializaram neste tipo de financiamento, criando diretorias específicas para acompanhar de perto os projetos e hoje enxergam este mercado como uma excelente fonte de receita. Para avaliar a participação deste instrumento no financiamento de projetos, convém classificá-los em duas categorias: seguros tradicionais e seguros garantia.

33 Seguros Tradicionais Um sinistro segurado por uma apólice tradicional trata de algum determinado evento, seja na fase de implantação, seja na fase de operação, que possa prejudicar ou impedir, completamente ou não, o objetivo do projeto. Certos eventos de força maior, como incêndios e terremotos podem ser garantidos por seguro. Os credores exigirão garantias de que os compromissos relativos ao projeto serão atendidos no evento de uma ocorrência de força maior. Se da ocorrência de um evento de força maior resultar o abandono do projeto, os credores geralmente exigirão a amortização da dívida em bases aceleradas. No caso de eventos cobertos por seguro, os credores exigirão que os acionistas transfiram-lhes seu direito de recebimento de indenizações de seguro como garantia parcial dos empréstimos ao projeto (Borges, 2005). Seguros Garantia Trata-se de contratos acessórios que têm por objeto mais uma obrigação de fazer do que uma obrigação de pagar, buscando obter satisfação do objeto contratual como previsto pelas partes. São oferecidas apólices de seguro garantia de obras, riscos de engenharia, responsabilidade civil de obras, e uma linha voltada para investidores, fornecedores e clientes envolvidos no projeto. São considerados produtos diferentes, pois o seguro garantia não substitui de fato os seguros tradicionais. O seguro garantia serve melhor à projetos que possuam garantias a serem constituídas durante a sua implementação, que não estão necessariamente vinculadas à pagamentos, mas sim ao atendimento de fases ou necessidades do projeto (Borges, 2005). Os principais seguros garantia encontrados em Project Finance de forma geral são a Bid Bond e a Performance Bond. O primeiro é uma garantia de fiel cumprimento dos serviços e é muito comum nas concorrências e leilões, fazendo parte dos ítens de qualificação dos proponentes. O segundo garante a obrigação de fazer dos contratos e pode tanto ser solicitado no leilão quanto na construção do projeto, sendo, portanto, emitido pela SPE e/ou pelos Epicistas.

34 No mercado brasileiro de Project Finance, contudo, encontramos um novo tipo de seguro garantia. O Completion Garantee ou Completion Bond garante aos credores, especialmente BNDES, BNB e BID, o risco de conclusão do projeto. A diferença entre este tipo de garantia para um Performance Bond é que ele cobre 100% do valor do projeto enquanto o Performance Bond cobre de 5 a 20%. Figura 2 Estrutura de Garantias de um Project Finance Fonte: Marsh. Adaptado pela autora.

35 2.5. Análise dos riscos Antes de iniciar um projeto os credores e os investidores devem se preocupar em analisar a viabilidade técnica do projeto, todos os riscos envolvidos e a capacidade em atender ao serviço da dívida. Para assegurar os riscos de construção do projeto e a viabilidade técnica do mesmo, frequentemente os patrocinadores contratam consultores externos de engenharia para auxiliar na elaboração do projeto e para fornecer uma opinião independente e especializada sobre a viabilidade tecnológica, como por exemplo: (i) se o projeto cumprirá o cronograma para construção das instalações; (ii) se as instalações atingiram o nível de capacidade estimado após a fase de instalação concluída e (iii) se as estimativas de custos de construção, em conjunto com os dispositivos adequados referentes ao aumento de custos, serão suficientes para terminar o projeto. Segundo Siffert Filho et al (2009), a identificação de todos os riscos inerentes à implantação do projeto, a mitigação e alocação dos mesmos entre as partes envolvidas na estruturação do financiamento é condição básica para a implantação de um Project Finance. O conceito de risco é bastante amplo, havendo várias definições para o termo. No contexto do Project Finance, Tinsley (2000) define sucintamente risco como qualquer fator que poderá afetar o fluxo de caixa esperado do projeto. Baseando-se na tipologia de riscos de Tinsley (2000), e encontrando os correspondentes riscos na tipologia de Finnerty (1999), seguem as definições de riscos, e os principais mecanismos de mitigação e alocação. Risco de Conclusão O risco de conclusão encerra um aspecto monetário e outro técnico. O aspecto monetário está relacionado, por exemplo, a alterações de mercado que influenciem os custos do projeto, gerando atrasos no cronograma, aumento dos custos e até mesmo redução da lucratividade do projeto por um preço menor do que o esperado para a venda da produção, refletindo na taxa de retorno esperada do projeto. Já o risco de conclusão quando relacionado ao aspecto técnico, pode ocorrer quando o projeto não se mostra viável apesar das garantias dos consultores apresentadas antes da liberação do financiamento.

36 Os credores podem evitar estes riscos de algumas formas, como: (i) exigindo o fornecimento de garantias contratuais; (ii) contratando o regime de empreitada com preço fixo (turn-key lump sum 5 ), segundo o qual o construtor é obrigado a entregar, por preço pré-acordado, o projeto funcionando sob determinadas especificações, tendo a responsabilidade de construção sobre todo o projeto; (iii) dando preferência a projetos com tecnologia já devidamente comprovada e (iv) contratando seguros. Risco Tecnológico O risco tecnológico existe quando a tecnologia, na escala proposta para o projeto, não apresentar desempenho de acordo com as especificações, ou se tornar prematuramente obsoleta. O credor pode reduzir a exposição do projeto a este risco, exigindo a prestação de garantias de performance e explicitando direitos e obrigações contratualmente. Risco de Fornecimento de Matéria-Prima É o risco relacionado à disponibilidade de insumos e matérias-primas para o projeto em quantidades, preço e qualidade conforme projeção realizada na fase pré-operacional do projeto. Nos projetos de recursos naturais, há o risco de que os recursos naturais, as matérias-primas ou outros fatores de produção sejam exauridos ou se tornem indisponíveis durante a vida do projeto. A fim de minimizar seus riscos, os credores de um projeto poderão exigir um parecer elaborado por consultoria independente e reconhecida no mercado para confirmar o nível das reservas minerais disponíveis para o projeto. Outras estruturas bastante comuns para mitigação deste risco são: (i) uso de contratos de fornecimento, que possam garantir uma quantidade mínima a ser fornecida e/ou um preço máximo de fornecimento, (ii) contratação de seguros contra a falta de insumos ou contra as oscilações de preços e (iii) uso de instrumentos do mercado financeiro, como hedge, contratos futuros, contratos a termo e opções. 5 Somente se houver todo o escopo do projeto definido, com poucas variações de mudança, é que se faz um contrato de preço fixo que transfere o risco para o executor (empreiteira).

37 Risco Econômico É o risco de que a demanda pelos produtos ou serviços do projeto não seja suficiente para gerar a receita necessária para cobrir os custos operacionais e o serviço da dívida do projeto, e ainda oferecer uma taxa de retorno justa aos investidores. Os credores podem reduzir a exposição a este risco através de alguns mecanismos disponíveis no mercado financeiro como hedge, swaps, contratos futuros e contratos a termo. Risco Financeiro Ocorre quando há descasamento entre os indicadores de correção dos ativos e passivos do projeto comprometendo a capacidade de pagamento do financiamento. O instrumento de proteção mais indicado é o hedge, como anteriormente citado para mitigação do risco econômico, porém, também é possível contar com uma estrutura de escrow account para cobertura do serviço da dívida, composta de: (i) conta centralizadora de receitas; (ii) conta reserva (não movimentável pela SPE) para recebimento do pagamento de n meses do serviço da dívida mais custos operacionais e (iii) conta movimento. Risco Cambial É o risco de descasamento de moedas entre os fluxos de receita e os fluxos de despesas de um projeto. Pode ocorrer, por exemplo, quando um projeto tem sua receita ou suas despesas em mais de uma moeda ou quando ambos são denominados em moedas diferentes. Este risco pode ser administrado com a utilização de instrumentos financeiros, como hedge, swaps, contratos futuros, contratos a termo e opções. Risco Político É o risco que envolve a possibilidade de autoridades políticas na jurisdição política do projeto interferirem no desenvolvimento pontual e/ou na viabilidade econômica do projeto, como por exemplo, impondo pesados tributos ou restrições legais onerosas uma vez iniciadas as operações do projeto, ou no caso extremo, ameaçando o projeto de expropriação.

38 Segundo Finnerty (1999), o risco político pode ser atenuado tomando-se recursos financeiros para o projeto junto a bancos locais ou a órgãos multilaterais de financiamento, como o Banco Mundial e o BID, pois certamente o país anfitrião do projeto não teria interesse em prejudicar o financiamento deste projeto e, principalmente, de muitas outras negociações em andamento ou em originação com estes órgãos. Outra forma de mitigação de risco político, principalmente risco-país, é a contratação de seguros. Várias agências multilaterais e órgãos de fomento à exportação oferecem cobertura contra risco político, entre elas a MIGA (Multilateral Investment Guarantee Agency) do Banco Mundial, que oferece cobertura para projetos em qualquer lugar do mundo, a CAF (Corporación Andina de Fomento), somente para a região Andina e a entidade governamental Norte Americana OPIC (Overseas Private Investment Corporation), que cobre o risco político de projetos realizados por empresas Norte Americanas fora do território dos EUA. Risco Legal O risco legal está relacionado a possíveis perdas que as partes envolvidas em um Project Finance podem ter caso o contrato não possa: (i) ser legalmente amparado pelo sistema jurídico do país anfitrião do projeto e/ou de domicílio dos principais agentes econômicos envolvidos e (ii) a documentação para formalização do contrato apresente inconsistências ou seja insuficiente. Já o risco de mudanças da legislação em vigor no país anfitrião do projeto ou no país de domicílio dos principais agentes econômicos envolvidos, principalmente os credores, pode ser enquadrado na categoria de risco político. Quanto aos riscos legais que se referem aos sistemas jurídicos, cabe ressaltar as diferenças expostas por Borges (2005) entre o ambiente cultural anglosaxônico, origem do Project Finance, onde vigora o Direito Consuetudinário (Common Law) e o Direito Positivo, de origem romano-germânica, base da legislação brasileira. Segundo o autor, a Common Law está estruturada com base na Jurisprudência e nos Costumes, sendo os contratos bastante complexos, as relações jurídicas exclusivamente de Direito Privado e as obrigações pressupõem a total igualdade entre as partes. Já na estrutura de Direito Positivo, base das leis brasileiras, o interesse público pode prevalecer sobre privado, e seus instrumentos

39 legais são menos efetivos e mais frágeis, exigindo maior cautela das partes envolvidas, especialmente dos credores 6. Assim, algumas ações podem ser tomadas a fim de mitigar os riscos legais do Projeto, como: (i) a utilização de covenants no contrato; (ii) a escolha de um fórum legal para os contratos de Project Finance, mitigando o conflito de jurisdição e (iii) a contratação de escritórios de advocacia especializados no assunto com experiência internacional para que analisem o ambiente jurídico previamente ao fechamento da estrutura. Risco Ambiental O risco ambiental ocorre quando os efeitos do projeto sobre o meio ambiente causarem atrasos, paralisações no desenvolvimento do projeto ou até mesmo recursos judiciais prevendo a realização de um novo projeto com a revitalização da área ou região impactada. Além disso, problemas socioambientais podem deteriorar as relações entre as partes, principalmente entre os patrocinadores e as autoridades governamentais. (Siffert Filho et al., 2009). Risco de Força Maior Segundo Finnerty (1999), esta categoria diz respeito ao risco de que algum determinado evento possa prejudicar ou impedir completamente a operação do projeto por um período de tempo prolongado após sua entrada em operação. Tal evento pode ser específico ao projeto, como uma falha técnica grave, uma greve ou um incêndio ou pode ser também um fenômeno da natureza, alheio ao projeto, como um terremoto ou uma enchente que danifique as instalações do projeto. Esses eventos de força maior podem ser garantidos por companhias seguradoras. Neste caso, os credores exigirão que os patrocinadores dêem seu direito de recebimento de indenizações de seguro como garantia parcial dos empréstimos e restaurem o projeto ou quitem o restante da dívida. 6 Borges (2005) também cita diferenças entre os sistemas jurídico brasileiro e anglo-saxão relativos à figura do trustee. O trustee é o agente do Trust, que é o contrato anglo-saxão em que os ativos são transferidos para a propriedade de um terceiro. O trustee não é instrumento aceito nas leis brasileiras por atentar contra os princípios da sucessão e de insolvência. No Brasil, a figura que administra interesse de terceiros, como por exemplo, a gestão do fluxo de caixa, não tem a propriedade dos bens, como no Direito Privado Anglo-Saxão, apenas atua como fiel depositário dos bens e direitos da figura que representa.

40 2.6. Project Finance e PPP Segundo Malvessi e Bonomi (2008), a Parceira Público Privada (PPP) é uma nova forma de concessão pública que vem a preencher um espaço entre a concessão pura e a privatização. Os autores definem a PPP como um instrumento que propicia a execução de obras, serviços e atividades de interesse público, quando o Estado não possui todos os recursos necessários para a implantação do projeto, devido à restrições de endividamento impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Nesse modelo, compete ao parceiro privado levantar recursos necessários aos investimentos iniciais no projeto, como a construção da infraestrutura exigida para a prestação dos serviços contratados e as despesas pré-operacionais em geral. Ao Estado, cabe pagar pelos referidos serviços conforme o desempenho do parceiro privado ao longo da vigência do contrato de PPP, medido em função do atendimento de indicadores previamente definidos e o cumprimento de contratos entre as partes. De acordo com os autores, a PPP deve proporcionar ao setor público alguma economia mensurável ou ganho identificado de eficiência, caso contrário, corre o risco de se tornar apenas uma forma de deslocar gastos presentes para uma necessidade de fluxo de desembolsos futuros. Se o Estado tiver condições de realizar diretamente os investimentos desejados em tempo hábil, não há porque se falar em PPP, a menos que o ganho esperado seja realizado através da incorporação de técnicas de gestão mais flexíveis, de algum insumo ou de tecnologia não disponíveis ou acessíveis ao Setor Público. De acordo com a Lei nº 11.079 de 30 de dezembro de 2004, também conhecida como Lei das PPPs, o investidor pode empregar recursos próprios na realização dos investimentos necessários ao projeto, constituindo a SPE com capital 100% próprio ou em sociedade com outros acionistas. O investidor também pode buscar financiamento externo junto à bancos, agências multilaterais ou de fomento à exportação, fundos de pensão, fundos de investimento e mercado de capitais.

41 Em razão da magnitude dos projetos implantados por meio de PPPs, o seu sucesso depende da participação efetiva dos financiadores, já que a maioria dos potenciais investidores em PPP não está disposta ou em condições de prestar garantias pessoais aos financiadores. Assim, considerando este aspecto, para facilitar a promoção das PPPs é fundamental que haja um ambiente legal e regulatório favorável a utilização do modelo de Project Finance, principalmente pelo fato deste ser um dos mecanismos para segregar os riscos entre as partes de uma PPP e atrair capital. Malvessi e Bonomi (2008) apresentam as principais diferenças entre os mecanismos de Project Finance e PPP: (i) o Project Finance é um modelo de financiamento voltado para a realização de um fluxo de caixa previsível ou estipulado, calcado fundamentalmente nos ativos do próprio projeto, na PPP, impera o interesse público e pode até não haver fluxo de caixa do projeto ou este ser pouco previsível ou até insuficiente para considerar-se sua implementação; (ii) no Project Finance, a ênfase dos riscos está no fluxo de caixa relativo a performance do projeto, na PPP está no risco político de manutenção do fluxo de caixa contratado e na manutenção do marco regulatório; (iii) no Project Finance o interesse público não é a essência do modelo, já na PPP exige a prevalência do interesse público sobre o individual e (iv) na PPP os entes privados, investidores do projeto, devem assumir total responsabilidade pela implantação e operação do projeto, independentemente de considerações de mercado, o que no Project Finance não ocorre, já que os credores exigem a presença de garantias complementares dos patrocinadores e investidores do projeto para garantir eventuais necessidades de caixa do projeto não projetadas. A maior semelhança entre o Project Finance e o modelo de PPP, segundo Malvessi e Bonomi (2008), é que não há transferência de ativos para o setor privado, como na privatização, mas uma busca de melhor gestão de ativos públicos, através de parceiros privados, com otimização dos desembolsos orçamentários.