Resumo A Aplicação das Abordagens de Gestão Lean e Ágil no Planejamento de Projetos Autoria: Ana Paula Barquet, Marcos Albuquerque Buson, Claudio Gargioni Schuch, Fernando Antônio Forcellini, Marcelo Gitirana A competição do mercado atual incita os responsáveis pelo planejamento de projeto a serem mais precisos com previsões e estimativas cada vez mais complexas envolvendo fatores qualitativos e sujeito a mudanças constantes. O intuito de antecipar essas informações é desenvolver o melhor produto, em menos tempo e com menos recursos financeiros e humanos. Usualmente, são utilizadas técnicas e ferramentas disponíveis e rotuladas como as melhores práticas que facilitam o andamento do projeto, porém seu uso em contextos isolados é fadado ao insucesso. A constante busca por novas abordagens de gestão é objeto de estudo desse artigo que propõe um paralelo entre a filosofia que teve origem no Sistema Toyota de Produção e o conteúdo apresentado pelo Manisfesto Ágil. O estudo propõe a incorporação da filosofia Lean e técnicas da abordagem Ágil no contexto do processo de desenvolvimento de produtos, como meio para a flexibilidade e adequação do projeto a interferências externas e conflitos internos. 1. Introdução A competitividade e o dinamismo do mercado e as rápidas mudanças de necessidades dos clientes criam um ambiente mais competitivo para as empresas, onde a necessidade de desenvolver novos produtos aumenta, ao passo que o ciclo de vida dos produtos diminui. Esses fatores são acentuados sob a influência de pressões mercadológicas, sociais, ambientais e ainda tecnológicas. O cenário, portanto, do planejamento do projeto de produto, que é aqui abordado, torna-se particularmente mais complexo e envolve maiores riscos financeiros para as organizações envolvidas no Processo de Desenvolvimento de Produtos (PDP). Para acompanhar estas mudanças, as empresas precisam se preparar e organizar-se para a competição do mercado. A rapidez, eficiência e eficácia com que as empresas respondem as necessidades do seu cliente, lançando novos produtos, são elementos decisórios a sobrevivência destas. Sobrinho e Toledo (2001) mostram uma correlação positiva entre o grau de orientação para o mercado e o desempenho da empresa. Um modelo de gestão para o PDP sistematizado e consolidado torna estável a cadeia de eventos para o lançamento de novos produtos, deixando-o menos suscetível a falhas e perdas de informação. O PDP possui várias fases, desde o planejamento de produtos, sua concepção, produção e acompanhamento no mercado. Uma fase decisiva para o sucesso de um produto é o planejamento do projeto. Neste sentido, é evidente a importância do estabelecimento de um planejamento preciso nas empresas. Ulrich e Eppinger (1995) consideram que o planejamento do projeto envolve o agendamento das atividades do projeto e determinam as necessidades de recursos. É a fase onde são previstas a alocação de recursos no prazo destinado ao projeto, sempre com o intuito de fazer o melhor, em menos tempo e com menos recursos financeiros e humanos. Considerando a complexidade e a dimensão das variáveis envolvidas no processo de planejamento, novas abordagens estão sendo estudadas e propostas para servir de subsídio a essas estimativas. A elaboração de ferramentas e técnicas de gestão mais flexíveis e orientadas aos interessados com o 1
projeto e produto como a abordagem Lean e Ágil são exemplos aqui discutidos. Suas melhores práticas de gestão aplicadas ao PDP, mais especificamente na fase de Planejamento do Projeto, serão o objeto de estudo desse trabalho. 2. Referencial Teórico Nesta seção encontra-se o referencial teórico abordando o Desenvolvimento Lean de Produtos, Planejamento do Projeto, Filosofia Enxuta, Gerenciamento Ágil. 2.1 Desenvolvimento Lean de Produtos O valor pode ser considerado como uma função não só do produto, mas como a experiência total obtida em relação a este produto, desde a aquisição até o descarte. Também, o valor para cada interessado está relacionado em como eles percebem o retorno financeiro, utilidade, benefício, ou recompensa em troca de sua respectiva contribuição para a empresa. O valor não é universal para todos os interessados e que, mesmo no contexto de um interessado específico, a percepção de valor evolui com o tempo, com as circunstâncias e com as prioridades. Assim, o valor para os diversos interessados não está contido somente nos produtos e resultados físicos do processo de desenvolvimento, ele envolve percepções muito mais sutis e o próprio relacionamento complexo das percepções de valor do conjunto de resultados e produtos, que podem se reforçar tanto positiva quanto negativamente. O fluxo de valor constitui-se não só do fluxo do produto físico, que é entregue ao cliente, mas também do fluxo de informações; o desperdício, neste contexto, é a execução de atividades humanas que absorvem recursos, mas não criam nenhum valor. WOMACK, JONES (2004) classificaram as atividades de um processo em três tipos: (1) atividades que agregam valor; (2) desperdício do tipo 1: atividades que não agregam valor, mas viabilizam a execução das que agregam e, portanto, não podem ser eliminadas, mas devem ser enxutas; e (3) desperdício do tipo 2: desperdício puro, o qual deve ser eliminado. Para facilitar seu reconhecimento e conseqüente eliminação, Taiichi Ohno (1997) categorizou os desperdícios na manufatura em sete tipos e, com base nesta tipologia, pode-se mapear ou estender esses desperdícios para o ambiente de desenvolvimento de produto. Esta adaptação é necessária, pois a manufatura tem como principal fluxo o de materiais, enquanto o desenvolvimento tem como base o fluxo de informações. A seguir são apresentados 10 tipos de desperdício no contexto do ambiente de desenvolvimento (sendo os sete primeiros, adaptações dos desperdícios na manufatura) propostos por Bauch, 2004: espera, transporte/ passagem de responsabilidade, movimento, processos desnecessários, estoque, super produção / processos não-sincronizados, defeitos, reinvenção, falta de disciplina no processo e recursos de tecnologia da informação limitados. Ward (2007) aponta que os desperdícios mais importantes no desenvolvimento de produto são aqueles relacionados com o conhecimento, uma vez que o conhecimento é o valor primário criado no desenvolvimento. Segundo o autor, são seis os desperdícios relacionados com o 2
conhecimento: barreiras na comunicação, ferramentas ineficientes/inadequadas, informações inúteis, espera, verificações e conhecimentos descartados. No desenvolvimento de produtos, a aplicação da filosofia enxuta tem três objetivos (MCMANUS, 2005): 1. Criar os produtos corretos: criar arquiteturas de produto, famílias e projetos que gerem valor para todos os interessados da empresa. 2. Obter uma integração efetiva entre o processo de desenvolvimento e a empresa: usar a engenharia enxuta para criar valor nas interfaces entre o processo de desenvolvimento e as diversas partes da empresa. 3. Usar processos de engenharia efetivos: eliminar os desperdícios e melhorar o tempo de ciclo e a qualidade na engenharia. 2.1.1 O Planejamento do Projeto Atualmente, grande parte da literatura em gestão de projetos salienta a importância do planejamento (SUSMAN, 1992). De acordo com o PMBOK (2004), o objetivo do planejamento é de definir e refinar os objetivos e planos de ação requeridos para atingir estes objetivos e completar o escopo que o projeto foi criado para atender. Apesar de amplamente conhecida e utilizada, a gestão de projetos conforme definida no PMBOK (2004), não é a adequada para alguns tipos de projetos, podendo apresentar baixo desempenho, como no caso do desenvolvimento de produtos complexos (PESSÔA, 2006). A motivação primária para o planejamento tradicional é o controle, e não a execução (LAUFER; TUCKER, 1987). Com isso, é dada maior importância às atividades em si do que a seus resultados (BONNAL; DE JONGHE e FERGUSON, 2006). O desenvolvimento de produtos deveria priorizar resultados, ao invés de tarefas (KENNEDY, 2003). 2.2 Filosofia Enxuta Lean Thinking A Filosofia (Pensamento ou Mentalidade) Enxuta é a diretriz norteadora do Toyota Production System (TPS). O TPS foi desenvolvido nos anos 50 por Eiji Toyoda, Shigeo Shingo e Taiichi Ohno na Toyota Motor Company, no Japão. O TPS, normalmente associado ao termo enxuto ou ao princípio Just-in-time (JIT), nasceu quando a indústria automobilística japonesa passava por uma grave crise. Naquele momento, ficou claro que a única forma de modificar este destino seria uma mudança drástica de eficiência e produtividade (SALZMAN, 2002). A Filosofia Enxuta foi apresentada ao resto do mundo em 1990, através dos resultados da pesquisa realizada pelo IMVP (International Motor Vehicle Program) do MIT, consolidada através do livro The Machine that Changed the World (WOMACK, JONES, ROSS, 1990). Womack & Jones (2004) definem a Filosofia Enxuta como: uma forma de especificar valor, alinhar na melhor seqüência as ações que criam valor, realizar essas atividades sem interrupção toda vez que alguém as solicita e realizá-las de forma cada vez mais eficaz. Em suma, o pensamento é enxuto porque é uma forma de 3
fazer cada vez mais com cada vez menos...e, ao mesmo tempo, aproximar-se cada vez mais de oferecer aos clientes exatamente o que eles desejam O chão-de-fábrica, com a aplicação da Manufatura Enxuta, foi onde primeiramente foi aplicada esta filosofia. As técnicas e ferramentas desenvolvidas por Eiji Toyoda, Shigeo Shingo e Taiichi Ohno (como Kanban, JIT e Jidoka) tiveram seu foco inicial nos processos de manufatura e fabricação, com o objetivo de fazer mais e mais com cada vez menos. Esta afirmação diz respeito tanto a utilização de menos esforço humano, menos equipamento, menos tempo e menos espaço necessário para produzir o que o cliente realmente quer (WOMACK; JONES, 2004). A Filosofia Enxuta vai além da garantia de um fluxo ótimo, buscando primeiramente a identificação e entrega do valor para o cliente (BALLÉ, 2004). Assim, ela gera valor e, ao mesmo tempo, diminui o desperdício, sendo que isto é conseguido através da aplicação dos cinco princípios enxutos (WOMACK; JONES, 2004): 1. Especificar Valor. Este princípio está relacionado ao fornecimento de valor ao cliente, que atenda à sua necessidade específica em termos de um produto e/ou serviço específico, em um momento e com um preço específico (WOMACK; JONES 2004). 2. Identificar o Fluxo de Valor. O fluxo de valor é o conjunto teórico de todas as atividades que agregam valor, que são necessárias para se levar um produto específico a passar pelo fluxo de projeto (processo de desenvolvimento) e pelo fluxo da informação e dos materiais na produção (ROTHER, SHOOK, 1999). 3. Garantir o Fluxo. Consiste em redefinir o relacionamento de trabalho entre departamentos e empresas, de modo que todos entendam e atendam às necessidades reais dos participantes em cada ponto ao longo do fluxo de valor (WOMACK, JONES, 2004). 4. Trabalhar com Produção Puxada: Significa que um processo inicial não deve produzir um bem ou serviço sem que o processo posterior (o cliente) o solicite (WOMACK, JONES, 2004). 5. Buscar a Perfeição: Este princípio é, na verdade, um lembrete de que não há fim na iniciativa de reduzir o esforço, o tempo, o espaço, o custo e os erros, ao mesmo tempo em que se busca desenvolver mais e mais produtos que o cliente realmente quer. O sucesso da abordagem enxuta, porém, não é limitado apenas à manufatura, mas pode ser expandido a outras partes da empresa que tenham um alto potencial de redução de custos e melhoria da qualidade (WOMACK; JONES, 2004). Uma dessas áreas é o desenvolvimento de produtos, cujas características peculiares de alto risco, incerteza e baixa repetitividade tornam a implementação dos princípios enxutos um desafio ainda maior do que na manufatura. 2.3 Gerenciamento Ágil Chin (2004), e Highsmith (2004) descrevem o gerenciamento de projetos tradicional (ou clássico) como sendo uma abordagem estruturada por processos, com ênfase no planejamento detalhado e com resistências às mudanças. As pessoas envolvidas no gerenciamento de projetos têm customizado os métodos da gestão tradicional para atender diferentes situações específicas (CHIN, 2004). Ainda segundo este autor, há situações em que os métodos tradicionais apresentam limitações significativas, que estas aumentam quanto maior for o esforço empregado na gestão. Por 4
exemplo, quando o grau de inovação é elevado, ao intensificar-se o tempo dedicado a planos e controles, gera-se um esforço em gestão desproporcional aos benefícios em desempenho do projeto. Este autor afirma que a abordagem ágil se mostra mais eficiente justamente nestes casos. A literatura tem sido unânime com relação ao enfoque do gerenciamento ágil de projetos. Trata-se de uma abordagem que busca a flexibilidade, simplicidade, iterações em períodos curtos de tempo e agregar valor ao produto de forma incremental (ANDERSON, et al., 1998; BOEHM, 2002; CHIN, 2004; COCKBURN, 2002; COHN e FORD, 2003; HIGHSMITH, 2004; AUGUSTINE e WOODCOCK, 2003). As metodologias ágeis são fundamentalmente orientadas a resultados: permitem adaptar o processo para absorver mudanças de requisitos, escopo e funcionalidades do produto (ANGIONI, et al., 2006). Benassi e Amaral (2007) destacam como umas das principais diferenças entre as técnicas ágeis e tradicionais, a definição do projeto (visão do produto ao invés de uma declaração de escopo) e o planejamento, que segundo Chin (2004), é menos intenso no início, e mais freqüente durante o projeto. Este diferencial é resultado da formação de equipes adaptativas (auto-organizadas e autodisciplinadas) que devem formar, através das práticas, uma visão em conjunto do produto a ser desenvolvido. O Agile Manifesto (2001) foi o documento que oficializou a iniciativa, e apresenta os seguintes valores da abordagem ágil: Indivíduos e suas interações são mais importantes que processos e ferramentas Produtos funcionando são mais importante que documentação detalhada Colaboração dos clientes é mais importante que negociação de contratos Responder a mudanças é mais importante que seguir um plano Agile Manifesto (2001): Ou seja, enquanto há valor nos itens da direita, nós damos mais valor aos itens da esquerda. Várias metodologias surgiram, seguindo esta abordagem, como Extreme Programming (XP), Scrum e Gerenciamento Ágil de Projetos (APM, sigla do inglês Agile Project Management), sendo que a última propõe práticas para modelos adaptativos (MAGALHÃES et al., 2005). Highsmith (2004) define APM como sendo um conjunto de valores, princípios, e práticas que auxiliam times de projeto a lidar com um ambiente desafiador. Assim como a filosofia enxuta, o APM foca na geração de valor ao cliente. Chin (2004) destaca que a aplicação de conceitos ágeis está relacionada ao tipo de projeto e organização envolvida, sendo que, para ambientes com baixo grau de incertezas e operacional (como um projeto de manufatura), é recomendável usar um modo de gerenciamento clássico. Como não são abordagens exclusivas, Chin (2004) também recomenda, que na medida em que o nível de inovação e incerteza aumenta no projeto, analisando os contextos interno e externo, e os aspectos culturais da empresa, é recomendável adotar um enfoque mais ágil ao projeto. Da mesma forma, Highsmith, (2004) sugere que os princípios e valores do APM são aplicáveis a projetos de qualquer tamanho, sendo necessárias algumas práticas extras se a equipe foi muito grande (mais de 50 participantes). 5
Highsmith (2004) também define os princípios que guiam o APM, divididos em duas categorias, conforme Tabela 1: Categoria Cliente/Produto Gerenciamento Princípio Entregar valor ao cliente Empregar entregas iterativas e baseadas em características Busca pela excelência técnica Encorajar a exploração Formar equipes auto-organizadas e autodisciplinadas Simplificar Tabela 1 Princípios do APM. Adaptado de HIGHSMITH, 2004 Com base nestes valores e observações, Benassi e Amaral (2007) apresentam como objetivos do Gerenciamento Ágil de Projetos: Inovação contínua; Adaptabilidade do produto; Tempos de entregas reduzidos (ciclos de entrega); Adaptabilidade do processo e das pessoas; e Resultados confiáveis. Benassi e Amaral (2007) afirmam que estes objetivos estão alinhados com o processo de desenvolvimento de produtos, por causa das seguintes características do PDP: ser gerenciado por projetos, e a busca segundo Rozenfeld et. al. (2006) pela qualidade do produto além de custo e desempenho técnico; antecipação à concorrência, lançando o produto o mais cedo possível; manufaturabilidade do produto; melhoria contínua das capacitações requeridas para o desenvolvimento, a cada projeto. Como muitos estudos em agilidade estão voltados ao desenvolvimento de software, Benassi e Amaral (2007) apontam alguns problemas que podem aparecer na adaptação de práticas ágeis para produtos físicos: falta de metodologias adequadas para descrição de interfaces do produto, falta de sistemas de informação capazes de fornecer dados com qualidade e no tempo certo, dificuldades em atingir a auto-organizacão e autodisciplinaridade em equipes compostas por vários integrantes, dificuldades em se saber qual é o nível mínimo de documentação em produtos complexos de forma que todos os envolvidos tenham em mente a mesma visão do produto ou ainda, problemas em favorecer a exploração no desenvolvimento de produtos físicos cuja característica é o aumento do custo de mudanças durante o projeto. Neste sentido, Smith (2007) aponta algumas características ágeis que são aplicáveis ao DP: Arquitetura modular de produtos, que facilita barrar áreas suscetíveis a mudanças e o paralelismo das atividades, criando conceitos antecipadamente; Novas formas de entender os clientes e especificar os requisitos do produto para acomodar mudanças durante o desenvolvimento; Especificações iniciais do projeto em alto nível, reduzindo a incerteza dos dados que são detalhados à medida que o projeto evolui, e a antecipação das tendências dos clientes; Aplicação da Engenharia Simultânea Baseada em Conjuntos (SBCE) para criar e manter opções, retardando as decisões e criando um maior número de conceitos alternativos ao produto; Técnicas contemporâneas de experimentação e testes, o que permite executar testes mais baratos e rápidos; Times auto-organizados usando técnicas ágeis, tais como o uso de reuniões curtas e diárias, e membros fluentes e capazes de adaptar metodologias de desenvolvimento; 6
Tomar decisões de forma a manter opções em aberto, no último momento possível, de forma a reduzir o custo das mudanças, usando árvores de decisão para antecipar decisões conectadas e criando consenso sustentável; Gerenciamento flexível de projetos, que envolve analisar os riscos de projeto de forma mais holística, alterar de ação corretiva para ação adaptativa quando a situação foge do plano, e ver a conclusão do projeto como a satisfação dos clientes ao invés da entrega da documentação. 2.3.1 Planejamento Ágil de Projetos: Ao contrário do Gerenciamento Clássico de Projetos, o APM prega um escopo flexível, que pode variar conforme as mudanças requisitadas pelos clientes durante as iterações do projeto. Desta forma, Udo & Koppensteiner (2003) apud Benassi e Campos (2007) e Highsmith (2004) sugerem que em cada ciclo iterativo seja feito um novo planejamento de escopo, prazo, custo e qualidade, visando a entrega de produtos ou resultados e possibilitando incrementos de funcionalidades conforme a necessidade do negócio. A definição do projeto no APM difere da definição clássica, pois na abordagem clássica, a definição do produto está dentro da declaração do escopo, enquanto que na abordagem ágil, a declaração do escopo está inclusa na definição do produto. Highsmith (2004) apresenta a estrutura de planejamento do projeto, definida como visão do produto, na figura 1: Figura 1 Práticas de Visão do Produto. Adaptado de Highsmith, 2004 A prática de visão tem como objetivo, criar uma visão clara do produto para todos os integrantes da equipe, através de práticas de definição sucinta do que o cliente deseja, envolvendo toda a equipe de projeto. A idéia é que todos os integrantes do projeto saibam a definição do produto de forma clara e objetiva. A prática da definição do escopo tem como objetivo, segundo Benassi e Amaral (2007), fazer saber a essência do projeto, através de informações pouco detalhadas, porém suficientes para o andamento do projeto, em termos de escopo, cronograma e recursos. 7
A prática comunidade define os stakeholders e a interação entre eles. Highsmith (2004) destaca a importância da presença do cliente no time de desenvolvimento, pois é o cliente que determina as funcionalidades do produto e a priorização delas no projeto. Chin (2004) também destaca a necessidade de buscar o comprometimento por parte dos integrantes do projeto, de forma que os integrantes estejam focados no desenvolvimento do produto da melhor forma possível. A prática de conduta é onde são definidas as atividades e os processos do projeto. Nesta etapa se aplica a metodologia de projeto da corporação, ou no caso sugerido por Rozenfeld et. al. (2006), a adaptação do modelo de referência para o projeto em questão. Chin (2004), propõe que a definição de atividades seja trocada pela definição de entregas de projeto, onde no início de cada entrega, é feito um planejamento de quais atividades são necessárias para completá-la. Seguindo as sugestões de Udo & Koppensteiner (2003) apud Benassi e Campos (2007) e Highsmith (2004), o detalhamento do escopo ocorre durante a execução do projeto, no início de cada ciclo de entregas. Nesta etapa, são definidas as atividades para realizar a entrega, os recursos necessários para esta entrega, a análise dos riscos do projeto, dente outras atividades de detalhamento do escopo para esta entrega. Este procedimento possibilita feedback rápido e resposta mais rápida às mudanças de projeto. Em se tratando de riscos, Smith & Pichler (2005) apontam ser possível estimar os principais riscos da iteração utilizando apenas a percepção dos integrantes da equipe, e com isto, definir o objetivo da iteração e como chegar a este objetivo. Desta forma, mesmo havendo algum esquecimento, as iterações curtas e o feedback freqüente possibilitam a re-priorização dos riscos no próximo ciclo, onde os integrantes do time de desenvolvimento ainda estão com as informações frescas na memória, de trabalhos recentes. Com estas práticas, os autores destacam ser possível gerenciar 80% dos riscos mais críticos com 20% do esforço, com relação a abordagens convencionais. 3. Ágil X Lean no PP 3.1 Semelhanças Uma semelhança está nos princípios de cada abordagem. Tanto a entrega de valor como a busca pela excelência técnica visam entregar um produto de qualidade diferenciada ao cliente. Logo, desenvolver por um fluxo de valor do produto é desenvolver tanto de forma lean, como ágil. A redução de desperdícios também combina com a simplicidade e dependendo da forma aplicada, também combina com a premissa de que o resultado vale mais que o processo. Um processo fluindo para entregar valor ao produto, com fluxo de informações eficiente, é ágil e lean. Uma abordagem mais ampla, dando continuidade a este esforço, incluiria a utilização do mapeamento de fluxo de valor nos processos de desenvolvimento do produto e inclusão, no estado futuro, de elementos do sistema Lean de desenvolvimento, como por exemplo, a engenharia simultânea com múltiplas alternativas (set-based concurrent engineering), liderança de projetistas de sistemas com espírito empreendedor, planejamento descentralizado com cadência e fluxo puxado, interações freqüentes entre as equipes de especialistas responsáveis em que o foco é na criação de um fluxo de valor lucrativo e conhecimento reutilizável que atenda às necessidades dos clientes (NISHIDA, 2007). 8
3.2 Diferenças No gerenciamento ágil, as mudanças são vistas de forma positiva e são absorvidas pela flexibilidade do projeto. Já de acordo com a filosofia Lean, os retrabalhos, ou as mudanças de especificações durante o projeto são geradores de desperdícios. Por esse ponto de vista, podemos dizer que a adaptabilidade a situações adversas e/ou a fatores externos podem ser mais bem contornadas em equipes de projetos fieis ao gerenciamento ágil, enquanto equipes Lean tendem a ser mais estáveis e controladas, seguindo o planejamento até o final, dificilmente influenciados por fatores externos. Na Figura 2 é apresentado um gráfico de relação de eficácia do planejamento e maturidade do PDP entre as abordagens Lean e Ágil. No ponto Delta ocorre a transição, onde a gestão Lean passa a ser mais eficaz que a gestão Ágil. Isso ocorre devido ao aumento de maturidade no PDP, que é atingido por meio da existência de um histórico de performances, como informações relacionadas a tipos de projetos, alocação de recursos humanos, expertise da equipe juntamente com os tempos de operação nas atividades, e desta forma são consolidadas as melhores práticas. Devido a maturidade alcançada com a abordagem Lean, seus resultados são alcançados a longo prazo. Já na abordagem Ágil, os resultados são mais imediatos e as atividades absorvem mudanças de projeto. Figura 2 Gráfico de relação de eficácia de planejamento e maturidade entre as abordagens Lean e Ágil De acordo com Nishida (2007), estas mudanças podem ser consideradas atividades que agregam valor, pois o esforço, em muitos casos, é para melhorar o desempenho do produto final. Entretanto, estas ações causam diversos tipos de desperdícios tanto para a empresa como para seus fornecedores. Exemplos destes desperdícios são: materiais que não são mais utilizados, componentes que se tornam obsoletos, substituição dos ferramentais para atender as novas especificações do produto, esperas pelas emissões de novos pedidos de itens, esperas pelas novas entregas, remontagens do novo componente ou produto e reinspeções. 9
4. Conclusões Ao aplicar as duas abordagens propostas no PDP, o grupo percebeu a importância do uso integrado de ambas as filosofias, bem como a necessidade de evolução e adaptação da equipes de desenvolvimento a diferentes contextos de projeto, almejando o sucesso do empreendimento. No que se refere à implementação de técnicas e ferramentas do desenvolvimento de produtos, espera-se que a empresa possa melhorar seu desempenho por meio da incorporação dos princípios da filosofia Lean e conceitos da abordagem Ágil. Resultando assim, na eliminação de desperdícios de recursos e agregação de valor em sua cadeia de desenvolvimento. Contudo, como pelo próprio conceito das ações de busca e mapeamento de valor, os resultados não são pragmáticos, pois exigem disciplina e são ações em conexão com o ciclo de vida dos produtos. No caso especifico das áreas de Lean e Ágil, alvos do estudo, buscou-se estabelecer uma relação de alinhar seus princípios ao planejamento de projeto com propósito da otimização de recursos. Essa experiência de inter-relação de culturas de gestão ressaltou algumas diferenças de visão que, ao invés de problemáticas foram enriquecedoras para o processo de desenvolvimento de produtos como um todo. Prevê-se, também, ao longo do tempo, uma constante análise da eficiência do sistema almejando seu aperfeiçoamento e adequação a diferentes realidades de mercado, buscando a evolução contínua e organizada da empresa. Conforme o PDP da empresa torna-se maduro, a implementação das abordagens Lean ou Ágil permite maior aptidão para desenvolver projetos, inclusive radicais, que visam a inovação. Porém, a filosofia Lean tende a ter melhores resultados a longo prazo, deixando a abordagem Ágil como uma etapa transitória, já que esta filosofia é menos focada nos processos, uma característica plausível para pequenos grupos e PDP imaturo. No entanto, conforme os processos tornam-se consolidados e as equipes de projeto mais numerosas e com maior domínio sobre o processo, a utilização de procedimentos empíricos passa a ser insuficiente e as práticas ágeis começam a se tornar ineficazes, sendo necessária uma maior organização do PDP. Referências AGILE MANIFESTO, Disponível em: http://agilemanifesto.org/, 2001. Acesso em 19 de junho de 2007. ANDERSON A. et al. Chrysler goes to extremes. Out., 1998. Disponível em <http://www.xprogramming.com/publications/dc9810cs.pdf > Acesso em: 16 junho 2007. ANGIONI, M., CARBONI, D., PINNA, S., SERRA, N., SORO, A. Integrating XP project management in development enviroments. Journal of Systems Architeture. Elsevier, n. 52, ago. 2006. p. 619-626. AUGUSTINE, S.; WOODCOCK, S. Agile project management: emergent order through visionary leadership. May, 2003. Disponível em: http://www.ccpace.com/ Resources/documents/AgileProjectManagement.pdf>. Acesso em: 26 junho 2007. 10
BALLÉ, M.. Jidoka, le deuxième pilier du lean. [S.l.]: [s.n.], 2004. (Lean Working Paper n 2, jun. 2004). Disponível em http://www.lean.enst.fr/wiki/pub/lean/lespublications/ jidoka.pdf>. 2006. BAUCH, C. Lean Product Development: Making waste transparent. 2004. Thesis (Doctorate) Massachusetts Institute of Technology, Cambridge. BENASSI, J. L. G.; AMARAL, D. C.. Gerenciamento ágil de projetos aplicado ao desenvolvimento de produto físico. Simpósio de Engenharia de Produção. 2007. BOEHM, B. Get ready for agile methods, with care. IEEE Computer Magazine, January 2002, [S.l], p. 64-69. CHIN, G. L. Agile Project Management: How to Succeed in the Face of Changing Project Requirements. Amacon, 2004. CHRISTOPHER, M. The Agile Supply Chain: Competing in Volatile Markets. Cranfield School of Management, UK, 2000. COCKBURN, A. Agile software development joins the would-be crowd. Disponível em: <http://www.agilealliance.org/system/article/file/782/file.pdf> Acesso em: 17 jun. 2007. COHN, M., FORD, D. Introducing an agile process to an organization. IEEE Computer Magazine, June 2003, [S.l.], p. 74-78. HIGHSMITH, J. Agile Project Management: Creating Inovative Products. Boston: Addison- Wesley, 2004. MAGALHÃES, A. L. C. C.; ROULLIER, A.C.; VASCONCELOS A. M. L. O Gerenciamento de Projetos de Software Desenvolvidos à Luz das Metodologias Ágeis: Uma Visão Comparativa. ProQualiti Qualidade na Produção de Software. v. 1. 2005. p 29-45. MCMANUS, H. Product Development Transition to Lean (PDTTL). Release Beta. Cambridge: MIT Lean Aerospace Initiative, 2005. NISHIDA, L. T. Reduzindo o lead time no desenvolvimento de produtos através da padronização. Lean Institute Brasil, 2007. NOBELIUS, D. Towards the sixth generation of R&D management. International Journal of Project Management. Elsevier. n. 22. out, 2004. p. 369-375. OHNO, T., O Sistema Toyota de Produção: além da produção em larga escala. Bookman: Porto Alegre, 1997. PESSÔA, M V. P. Proposta de um método para planejamento de desenvolvimento enxuto de produtos de engenharia. Tese de doutorado Curso de Engenharia Aeronáutica e Mecânica. São José dos Campos, 2006. 11
PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE. PMBOK : Um Guia do Conjunto de Conhecimentos em Gerenciamento de Projetos. Terceira edição, PMI, 2004. ROTHER, M.; SHOOK, J. Aprendendo a Enxergar. São Paulo: Lean Institute Brasil, 1999. ROZENFELD, H.; FORCELLINI, F. A.; AMARAL, D. C.; TOLEDO, J. C. de; SILVA, S. L. da; ALLIPRANDINI, D. H.; SCALICE, R. K.. Gestão de Desenvolvimento de Produtos: Uma referência para a melhoria do processo. São Paulo: 542p, Saraiva, 2006. SALZMAN, R. A. Manufacturing System Design: Flexible Manufacturing Systems and Value Stream Mapping. Thesis (S.M.) - Mechanical Engineering, Massachusetts Institute of Technology, Cambridge, MA, 2002. SOBRINHO, Z. A.; TOLEDO, G. L. Orientação de mercado no varejo: um estudo de caso no Magazine Luiza. In: XXV Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós- Graduação em Administração. Campinas, 2001. SMITH, P. G., Change Happens, Get Used to It! Project Management Innovations. v. 12. 2007. P 6-7. Disponível em: <www.newproductdynamics.com>. Acesso em 08/05/08. SMITH, P. G., PICHLER, Roman. Agile Risks/Agile Rewards. Software Development, vol 13, No 4, 2005. Disponível em: <www.newproductdynamics.com>. Acesso em 08/05/08. SUIKKI, R., TROMSTEDT, R., HAAPASALO, H. Project management competence development framework in turbulent business environment. Technovation. Elsevier, n. 26. 2006. p. 723 738. WARD, A. C. Lean Product and Process Development. Lean Enterprise Institute, Cambridge, 2007. WOMACK, J. P.; JONES, D. T. A mentalidade enxuta nas empresas. São Paulo: Editora Campus, 2004. WOMACK, J. P.; JONES, D. T.; ROSS, D. The Machine that Changed the World. New York: Rawson Associates, 1990. 12