DO DEFICIENTE FÍSICO NA SOCIEDADE



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Arq Neuropsiquiatr 2000;58(4):1092-1099 ESPORTE COMO FATOR DE INTEGRAÇÃO DO DEFICIENTE FÍSICO NA SOCIEDADE RITA HELENA DUARTE DIAS LABRONICI*, MÁRCIA CRISTINA BAUER CUNHA**, ACARY DE SOUZA BULLE OLIVEIRA***, ALBERTO ALAIN GABBAI**** RESUMO O objetivo deste estudo consiste em avaliar o esporte como método de reabilitação e analisar os aspectos físicos, psicológicos e sociais dos portadores de limitação física, especialmente com enfermidades crônicas e que já não se encontram em programa de reabilitação. Foram avaliados 30 deficientes físicos, de causas diversas, sendo 15 iniciados ao basquetebol e outros 15 à natação, de acordo com a preferência específica de cada atleta. Foram utilizadas a escala social (Rivermead), a classificação funcional do esporte, a aplicação das escalas funcionais (Barthel e Rivermead) e o teste do perfil psicológico (POMS). Essas escalas e o perfil psicológico foram aplicados antes da prática do esporte e dois anos depois. O sexo masculino predominou nos dois grupos e a idade variou entre 17 e 59 anos. Não notamos alterações nas avaliações fisioterápias, nas escalas de Barthel e Rivermead. No teste psicológico os dois grupos apresentaram um alto vigor e baixa depressão. Nos aspectos sociais houve importante mudança principalmente nos seus relacionamentos com uma ou mais pessoas e nas atividades da vida diária (social, lazer e doméstica). Este estudo mostra que o esporte pode trazer para o portador de limitação física uma melhor integração social e adaptação a sua condição física. PALAVRAS-CHAVES: reabilitação, esporte, limitação física. Sport as integration factor of the physically handicapped in our society ABSTRACT - The objective of this study was to make use of sports as a rehabilitation method, as well as to assess the physical, psychological, and social aspects of those present some physical handicap, particulary those who have some kind of chronic disease and are no longer taking part in any rehabilitation program. Thirty handcapped people were evaluated: fifteen started with basketball and fifteen with swimming, according either to the specific preference of each one of them or to the degree and kind of physical impairment. They were submmited to the following evaluations: clinical examination, physiotherapy assessment, social interview and use of the Rivermead Social Scale, functional classification of the sport, use of the Barthel and Rivermead Functional Scales, and the psychological profile test (POMS). After two years, no relevant change in the moving evolution of the athletes were reported. Concerning the POMS psychological test, both basketball and swimming groups presented with high vigor and low depression levels. Considering the social aspects, both groups presented substantial improvement, specially regarding their relationship to one person or more people and also in the everyday activities (be it social, leisure, or domestic), thus leading them to better social integration. This essay shows that sport can bring people who are physically impaired a better social integration and physical conditions. KEY WORDS: rehabilitation, sport, physically handicapped. A participação em diferentes atividades, tem recebido atenção crescente, oferecendo aos portadores de deficiência física a oportunidade, de experimentarem sensações e movimentos, que frequentemente são impossibilitados pelas barreiras físicas, ambientais e sociais. Dentre estas atividades destaca-se o esporte, muitas vezes já indicado desde a fase inicial do processo de reabilitação 1-3. O desenvolvimento do esporte para pessoas portadoras de deficiências físicas tem sua origem com a *Fisioterapeuta, Mestre em Neurociências, Escola Paulista de Medicina (EPM) Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); **Fisioterapeuta, Mestre em Neurociências, EPM UNIFESP; ***Doutor em Neurologia, Chefe do Setor de Doenças Neuromusculares da EPM UNIFESP; ****Professor Titular da Disciplina de Neurologia da EPM UNIFESP. Aceite: 11-julho-2000. Dra. Rita Helena Duarte Dias Labronici - Disciplina de Neurologia, EPM UNIFESP - Rua Botucatu 740 04023-900 São Paulo SP Brasil.

Arq Neuropsiquiatr 2000;58(4) 1093 reabilitação dos veteranos da II Guerra Mundial, particularmente na Inglaterra e nos Estados Unidos 4. O esporte adaptado no Brasil se iniciou em 1957 com o basquetebol em cadeira de rodas, começando a aparecer clubes especializados em esportes para portadores de limitação física 5. O espírito competitivo existente nestes portadores de limitação física é geralmente alto, tanto pela própria vontade de vencer quanto de mostrar-se capaz. Por este motivo é que em alguns centros de reabilitação se tem esse enfoque esportivo. Entretanto, o acesso a esses centros nem sempre é fácil devido especialmente às condições econômicas e sociais desfavoráveis e também pela formação médica incompleta e pelo preconceito. Não raras vezes, particularmente para aqueles pacientes crônicos, em que não se espera mais uma melhora na deficiência motora, escutamos a famosa frase: Não há mais nada para se fazer, sendo assim O senhor será desligado da sua terapia. Procurando tratar exatamente desta situação, a proposta deste estudo é analisar os possíveis aspectos benéficos proporcionados pelo esporte para os pacientes crônicos portadores de deficiência motora e que já não se encontravam mais em programas de reabilitação. MÉTODO Foram observados e avaliados 30 portadores de deficiência física (Tabela 1), que não estavam envolvidos em qualquer outro programa de reabilitação, sendo um grupo heterogêneo, quanto: diagnóstico, tempo de lesão e performance física. A escolha do esporte adotado, basquetebol em cadeira de rodas ou natação, dependia de uma decisão médica, considerando-se a causa e o grau de comprometimento da função da deficiência física, associada à preferência específica de cada paciente. A idade variou nos praticantes de basquetebol de 17 a 37 anos de idade, e nos praticantes de natação, de 17 a 59; o sexo masculino foi predominante tanto no basquetebol (100%) quanto na natação (66,7%). Os treinos de natação foram realizados 4 vezes por semana, durante 2 horas por treino, e os atletas participaram de 11 competições oficiais; os treinos de basquetebol foram realizados 3 vezes por semana, durante 2 horas de treino, e os atletas participaram de 8 campeonatos. Foram utilizadas as seguintes avaliações: avaliação clínica e de exames laboratoriais; avaliação fisioterapêutica (amplitude de movimentos nos membros afetados, movimentação ativa residual nos membros afetados, avaliação da força muscular, uso de órteses ou próteses e tempo de reabilitação prévia e tipo); entrevista e aplicação da escala dos aspectos sociais de Rivermead; classificação funcional do esporte; aplicação das escalas funcionais (Índice de Barthel e Índice de Mobilidade de Rivermead); aplicação do teste de perfil psicológico (POMS) 6. RESULTADOS 1. Avaliações clínicas e laboratoriais. Dentre as complicações clínicas observadas durante o período de acompanhamento, destacamos a presença de infecções urinárias em 4 atletas e lesões ósteo-músculo-esqueléticas relacionadas com o esporte como tendinite em 3 atletas e bursite em 3 outros. Síndrome do túnel do carpo desenvolveu-se em 2 atletas e foi explicada pela necessidade de movimentação ativa de cadeira de rodas. Essas alterações foram devidamente tratadas, permitindo retorno à atividade esportiva, praticamente sem prejuízo para a continuidade do treinamento. 2. Avaliação fisiotérápica. Em nossos atletas não encontramos modificação na amplitude de movimentos ou na sua movimentação ativa em membros lesados, nem alteração de força muscular. 3. Avaliação social. Foi feita uma entrevista e aplicação de escala social de Rivermead. Nenhum dos nossos atletas era analfabeto, 8 deles (26,2%) tinham o 1º grau incompleto, 5 (15,8%) terminaram o 1º grau, 4 (13,8%) não concluíram o 2º grau, 9 (30%) concluíram o 2º grau e 4 deles (13,8%) com curso superior. A distribuição dos atetlas por composição familiar e atividade profissional (Tabela 2) mostra que especialmente antes da realização do esporte, era baixo o número de casamentos e grande o grau de isolamento destes atletas; onze moravam ou viviam sozinhos. Após a introdução da atividade esportiva, verificou-se que a maioria dos atletas estava assegurada pela previdência (INSS) ou tinha uma atividade profissional. Somente dois atletas continuaram na categoria dos inativos (Tabelas 3 e 4). 4. Avaliações funcionais. Foram representadas pelas escalas funcionais de Barthel e Rivermead, em que não encontramos mudanças. 5. Perfil psicológico. É apresentado através do teste de POMS ( profile of mood states ) nas Figuras 1 e 2.

1094 Arq Neuropsiquiatr 2000;58(4) Tabela 1. Distribuição dos atletas quanto a idade, sexo, diagnóstico e ambulação. Caso Idade Sexo Diagnóstico C/A (anos) 1B 21 M Poliomielite A 2B 24 M Poliomielite A 3B 17 M Amputação pé D A 4B 22 M Poliomielite C 5B 23 M Poliomielite C 6B 36 M Lesão medular C 7B 20 M Poliomielite C 8B 37 M Poliomielite C 9B 20 M Poliomielite A 10B 24 M Poliomielite A 11B 36 M Lesão medular C 12B 20 M Poliomielite A 13B 21 M Poliomielite A 14B 20 M Lesão medular C 15B 22 M Poliomielite C 1N 23 F Amputação MIE A 2N 26 M Lesão Medular C 3N 24 M Poliomielite A 4N 30 M AME-Tipo III A 5N 29 M Poliomielite A 6N 36 M Encefalopatia crônica A 7N 29 M Lesão plexo braquial A 8N 34 F Miastenia A 9N 34 M Sequela osteo-art. MIE A 10N 40 F Poliomielite C 11N 39 F Poliomielite A 12N 21 F Luxação quadril A 13N 22 M Síndrome Poland A 14N 59 M Mielopatia viral C 15N 17 M AME-tipo III A C, em cadeira de rodas (cadeirante); A, andante; B, basquete; N, natação; M, masculino; F, feminino; D, direito; MIE, membro inferior esquerdo; AME,Tipo III, atrofia muscular espinhal Tipo III (Kugelberg - Welander); art, aticular.

Arq Neuropsiquiatr 2000;58(4) 1095 A curva do tipo iceberg (Fig.1) mosta que os atletas de basquetebol, em sua maioria, têm grande vigor e baixo índice de depressão. Notou-se uma diminuição no vigor e aumento na depressão, após 2 anos, pois em algum momento 3 atletas tiveram problemas emocionais afetando assim os resultados. Na natação (Fig.2) a curva do tipo iceberg continuou com grande vigor e baixa depressão, caracterizando assim índices de performance esportiva. Tabela 2. Distribuição dos atletas quanto sua composição familiar e suas atividades profissionais, antes e depois do esporte. Basquete Natação Composição Familiar A D A D Solteiro 14 14 13 13 Casado 1 1 2 1 Divorciado 0 0 0 0 Filhos 2 3 1 2 Acompanhante 0 0 0 1 Moradia/Família 8 8 11 13 Moradia/Sozinho 7 7 4 2 Profissional A D A D Exerce profissão 7 9 12 13 Sub-Emprego 0 2 0 1 Ativo 13 13 15 15 Inativo 2 2 0 0 Aposentado 0 4 1 1 A, antes do esporte; D, depois do esporte. Tabela 3. Avaliação social: escala de Rivermead nos atletas do basquete, dois anos após o início do esporte. Sem Discreta Importante Piora Mudança Melhora Melhora Melhora Conversar com uma pessoa 0(0%) 5(33,3%) 0(0%) 3(20%) 7(46,6%) Conversar com duas ou mais pessoas 0(0%) 2(13,3%) 2(13,3%) 4(26,6%) 7(46,6%) Atividades sociais 0(0%) 2(13,3%) 1(6,6%) 5(33,3%) 7(46,6%) Atividades domésticas 0(0%) 1(6,6%) 1(6,6%) 9(60%) 4(26,6%) Atividades de lazer 0(0%) 3(20%) 0(0%) 5(33,3%) 7(46,6%) Performance no trabalho 0(0%) 4(26,6%) 2(13,3%) 8(53,3%) 1(6,6%) Performance no estudo 0(0%) 14(93,3%) 0(0%) 0(0%) 1(6,6%) Relacionamento com os amigos 0(0%) 0(0%) 2(13,3%) 4(26,6%) 9(60%) Relacionamento com companheiro(a) 0(0%) 2(13,3%) 1(6,6%) 9(60%) 3(20%) Resoluções de problemas familiares 0(0%) 6(40%) 2(13,3%) 2(13,3%) 5(33,3%)

1096 Arq Neuropsiquiatr 2000;58(4) Fig 1. Perfil psicológico POMS: valores médios dos 15 atletas de basquetebol: 1ª e 2ª avaliação do basquetebol.

Arq Neuropsiquiatr 2000;58(4) 1097 Fig 2. Perfil psicológico POMS: valores médios, dos 15 atletas de natação: 1ª e 2ª avaliação de natação

1098 Arq Neuropsiquiatr 2000;58(4) Tabela 4. Avaliação social: escala de Rivermead nos atletas da natação, dois anos após o início do esporte. Sem Discreta Importante Piora Mudança Melhora Melhora Melhora Conversar com uma pessoa 0(0%) 3(20%) 0(0%) 11(73,3%) 1(6,6%) Conversar com uma ou mais pessoas 0(0%) 3(20%) 0(0%) 9(60%) 3(20%) Atividades sociais 0(0%) 0(0%) 0(0%) 12(80%) 3(20%) Atividades domésticas 0(0%) 1(6%) 0(0%) 11(73,3%) 3(20%) Atividades de lazer 0(0%) 0(0%) 0(0%) 14(93,3%) 1(6,6%) Performance no trabalho 0(0%) 4(26,6%) 1(6,6%) 9(60%) 1(6.6%) Performance no estudo 0(0%) 13(86,6%) 1(6,6%) 1(6,6%) 0(0%) Relacionamento com os amigos 0(0%) 0(0%) 0(0%) 14(93,3%) 1(6,6%) Relacionamento com o companheiro(a) 0(0%) 1(6,6%) 0(0%) 14(93,3%) 0(0%) Resoluções de problemas familiares 0(0%) 4(26,6%) 0(0%) 9(60%) 2(13,3%) DISCUSSÃO Neste estudo, procuramos utilizar o esporte para tentar reintegrar à sociedade indivíduos marginalizados pela sua limitação física. Para a análise dos possíveis benefícios do esporte dividimos a discussão em três aspectos: físicos, psíquicos e sociais. 1. Aspectos físicos - Em nossos atletas, não houve mudança na função motora. A análise das atividades funcionais, feita através da escala de Barthel, não mostrou qualquer melhora nos praticantes de basquetebol ou da natação, dado este, já esperado, pois se tratava de indivíduos com vários anos de lesão, já totalmente adaptados às suas limitações 3. Este mesmo fato foi observado quando também se realizou análise funcional através da escala de Rivermead 1. 2. Aspectos psíquicos - Para uma avaliação psicológica foi escolhido o teste de perfil psicológico dos estados de humor - POMS, utilizado rotineiramente para avaliação de pacientes psiquiátricos, mas que também permite uma avaliação de indivíduos na área clínica e esportiva 6. Assim como na literatura 7-11, na primeira avaliação notamos nos dois grupos um alto vigor e baixa depressão, sendo que o vigor foi francamente maior no basquetebol. Já na segunda avaliação, no grupo do basquetebol tivemos três atletas com problemas emocionais e que tiveram um maior índice de depressão. Por outro lado, no grupo de nadadores notamos aumento de vigor. Caracteristicamente, todos os atletas apresentaram no POMS um perfil iceberg, que representa um tipo de curva nos resultados (Figs.1 e 2), que está relacionado com altos índices de performance esportiva. O alto vigor não foi correlacionado nem com o tempo de limitação física e nem com o tipo de limitação. Pareceu-nos uma característica inerente de cada indivíduo, fazendo-o procurar alternativas que o permitiam ultrapassar barreiras até então intransponíveis. 3. Aspectos sociais - Nos dois anos de vivência com esses indivíduos portadores de limitação física, as mudanças mensuráveis que pudemos observar foram nos aspectos sociais, mostrados pela escala de Rivermead 2. Tanto no basquetebol como na natação ocorreram importantes mudanças. Grupo do basquetebol: 59,9% tiveram melhora no trabalho, 66,6% tiveram melhora na conversa com uma pessoa, nas atividades domésticas e relacionamento com amigos, 73,2% tiveram melhora na conversa com mais pessoas e 80% tiveram melhora para atividades sociais, de lazer e relacionamento com companheiro. Grupo da natação: 66,6% tiveram melhora no trabalho, 73,3% tiveram melhora com habilidade com problemas familiares; 79,9% tiveram melhora na conversa com uma pessoa, 80% tiveram melhora na conversa com mais pessoas, 93,3% tiveram melhora nas

Arq Neuropsiquiatr 2000;58(4) 1099 atividades domésticas e no relacionamento com companheiro e 100% tiveram melhora nas atividades sociais, de lazer e relacionamento com amigos. As mudanças vivenciadas por estes grupos acordou, dentro de cada deficiente físico envolvido no programa esportivo, um sentimento e vontade de melhorar o seu mundo, provando para si mesmo e para a sociedade que são capazes de terem soluções para suas maiores dificuldades ou barreiras. Eles passaram a cobrar, especialmente de si mesmos, soluções para as suas maiores dificuldades. Assim, a integração que o esporte trouxe para esses portadores de limitação física foi de muita importância para eles próprios e para as pessoas que se relacionavam com eles, permitindo-lhes melhor identidade na sociedade. Steinberg e Bittar consideram que o esporte deveria ser sempre, parte da reabilitação de um indivíduo, lembrando que todos indivíduos apresentam um grau de potencial residual que deve ser estimulado em busca de uma vida mais saudável e digna 12. O esporte como atividade física, para deficientes físicos tem vários fatores que levamos em conta: integração social; atividade não passiva e sim mais ativa; independência nas atividades propostas; competitividade; grupos de atividades; atividades individuais; concentração e coordenação; regras. Não tivemos abandono durante o período de investigação. Este dado é diferente de outras formas de terapia, em que há desistências, mesmo em serviços bem aparelhados e adaptados. Consideramos que a possibilidade de participar competitivamente em campeonatos de alto nível e o aumento de atividades sociais, proporcionam uma aderência completa ao plano proposto. REFERÊNCIAS 1. Collen FM, Wade DT, Robb GF, Bradshan CM. The Rivermead Mobility Index: a further development. Rivermead Motor Assesment International Durability Studies 1991;13:50-54. 2. Crawford S, Wenden FJ, Wade DT. The Rivermead head injury follow up questionaire: a study of a new rating scale and other measure to evoluate outcome after head injury. J Neurol Neurosurg Psyquiatry 1996;60:510-514. 3. Mahoney FI Barthel DW. Functional evaluation: the Barthel index. Reabilitation Section Baltimore City Medical Society.1965;14:61-65. 4. Mattos E. Esportes adaptados para portadores de deficiências físicas: implicações e aplicações. Anais III Simpósio Paulista de Educação Física Adaptada. São Paulo, 1990. 5. Mattos E. Pessoa portadora de deficiência física e as atividades físicas, esportivas, recreativas e de lazer. In Pedrinelli VJ. Educação física e desporto para pessoas portadoras de deficiência. São Paulo. SEDES/MEC-SESI, 1994;78-79 6. Brandão, R. Equipe nacional de voleibol masculina: um perfil sócio-psicológico à luz da teoria ecológica do desenvolvimento humano. Tese de Mestrado - Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria RS, 1996. 7. French R Henschen K Horvat M. The psysichological characteristics of female wheelchair basketball players. Reston: VA American of Health, Physical Education, Recreation and Dance 1985. 8. Hovart M French R Henschen K. A comparison of the psycological characteristics of male and female able-bodied and wheelchair athletes. Paraplegia 1986;24:115-122 9. Jacobs DP, Roswal GM, Horuat MA, Gordman DR. A comparison betweenthe psychological profiles of wheelchair athletes, wheelchair nonathletes and able-bodied athletes. In Doll-Tepper G, Dahms C Doll, B Selzam HV. Adapted physical activity: an interdisciplinary approach. New York: Springer-Verlag;1989:75-79 10. Henschen K, Hovart M, Roswal G. Psychological profiles of the United States wheeelchair basketball team. Int J Sport Psychol 1992;23:128-137. 11. Fung L, Frank HF. Psycological determinants between wheelchair sport finalists and non-finalists. International J Sport Psychol 1995;26:568-579. 12. Steinberg LL, Bittar A. Esportes e o portador de deficiência. In Departamento de Ortopedia e Traumatologia. Manual de medicina física e reabilitação. São Paulo. EPM 1993:181-185.