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Transcrição:

Laringectomia parcial supracricoideia reconstrutiva com C.H.E.P. Experiência do serviço nos últimos 10 anos Supracricoid partial reconstructive laryngectomy with C.H.E.P. Department experience for the last 10 years Joana Filipe Helena Ribeiro André Amaral Rui Fino Hugo Estibeiro Pedro Montalvão Miguel Magalhães RESUMO Em casos seleccionados de neoplasias da região glótica ou supra-glótica é possível proceder a cirurgia conservadora da laringe com realização de laringectomia parcial supracricoideia (LPSC). Dependendo da extensão da ressecção cirúrgica poder-se-á realizar a reconstrução por meio de Cricohiodopexia (CHP) ou de Cricohioidoepiglotopexia (CHEP). A possibilidade de poder preservar a voz, sem necessidade de traqueostomia constitui uma das vantagens, em reconstruções bem sucedidas, contudo a dificuldade de deglutição e a aspiração são complicações possíveis e frequentes. Objectivo: avaliar os resultados do tratamento das neoplasias da laringe nos doentes submetidos a laringectomia parcial supracricoideia com reconstrução com CHEP (LPSC-CHEP). Material e Métodos: os autores realizam um estudo retrospectivo dos doentes submetidos a LPSC-CHEP nos últimos 10 anos (2000-2009) no IPO de Lisboa, avaliando os parâmetros pré e pós-operatórios de maior relevância, Joana Filipe Interna do Internato Complementar do Serviço de ORL II do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN) - Hospital Pulido Valente (HPV) Helena Ribeiro Interna do Internato Complementar do Serviço de ORL II do CHLN - HPV André Amaral Interno do Internato Complementar do Serviço de ORL do CHLC Hospital S. José Rui Fino Assistente Hospitalar Graduado do Serviço de ORL do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa Francisco Gentil Hugo Estibeiro Assistente Hospitalar Graduado do Serviço de ORL do IPO de Lisboa Pedro Montalvão Assistente Hospitalar Graduado do Serviço de ORL do IPO de Lisboa Miguel Magalhães Director do Serviço de ORL do IPO de Lisboa Correspondência: Joana Rita de Caldas Ferreira Filipe Valentim Serviço de Otorrinolaringologia II do Centro Hospitalar Lisboa Norte (Hospital Pulido Valente) Alameda das Linhas de Torres, 117; 1769-001 Lisboa Telf: 217548268; E-mail: jrcffv@gmail.com Trabalho apresentado no 57º Congresso Nacional de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial nomeadamente, sexo, idade, estadiamento tumoral, média de dias de internamento, média de dias para descanulação, média de dias para remoção da sonda nasogástrica (SNG), complicações imediatas e a longo prazo. Resultados: Neste período foram realizadas 33 LPSC-CHEP, tendo sido incluídas 31 LPSC-CHEP neste estudo. Todos os doentes eram do sexo masculino com idade média de 57,7 anos, 45,1% apresentando-se no estadio T1b. A média de internamento foi de 12,6 dias, tendo mais de 70% dos doentes sido descanulados até ao 19º dia (média de 29,7 dias). A SNG foi removida após uma média total de 48,9 dias. A longo prazo, a aspiração e a redundância da mucosa aritenoideia foram as complicações mais frequentes. A taxa global de sobrevida foi de 100% aos 12 meses de seguimento pós-operatório. Conclusão: Para casos seleccionados de cancro da laringe, a LPSC-CHEP é uma excelente opção de tratamento, permitindo a preservação da função. Palavras-chave: laringectomia parcial supra-cricoideia (LPSC), cricohioidoepiglotopexia (CHEP), preservação vocal, parâmetros pré e pós-operatórios. ABSTRACT For selected glottic and supraglottic cancers it is possible to perform conservation laryngeal surgery with supracricoid partial laryngectomy (SCLP). Depending on the extension of surgical resection achieved reconstruction can be done by cricohyoidopexy (CHP) or Cricohyoidoepiglottopexy (CHEP). The possibility of speech preservation without a permanent stoma is an advantage in successful reconstructions, however the problems with swallowing and aspiration are expected and frequent complications. Objective: To evaluate the results of laryngeal cancers on patients treated with SCLP-CHEP. Methods: Retrospective study of patients treated with SCLP- CHEP in the last 10 years (2000-2009) at IPO-Lx, with a revision of pre and postoperative parameters. ARTIGO DE REVISÃO REVIEW ARTICLE VOL 49. Nº4. DEZEMBRO 2011 267

Results: During this period 33 SCLP-CHEP were reported, although only 31 were included in this study. All patients were male, with a median age of 57,7 years, 45,1% presented a T1b state, average hospital stay of 12,6 days, and in more than 70% of the patients decannulation occurred up to the 19º day (median time being 29,7 days). The nasogastric tube was removed after a median of 48,9 days. The most common long-term complications were aspiration and edema of the arytenoid mucosa. The global survival rate was 100% at 12 months of post operative follow up. Conclusion: For selected laryngeal cancers, SCLP-CHEP demonstrates to be an excellent option for treatment, allowing function preservation. Keywords: supracricoid partial laryngectomy (SCLP), cricohyoidoepiglottopexy (CHEP), speech preservation, pre and postoperative parameters INTRODUÇÃO No tratamento de tumores da laringe, a laringectomia total surge como tratamento primário para tumores localmente avançados, contudo, constituindo por vezes uma opção terapêutica demasiado radical para determinados tumores laríngeos que poderiam beneficiar de uma cirurgia menos agressiva 1. Em alternativa à laringectomia total foi desenvolvido nos anos 50 1,2 a laringectomia parcial supracricoideia (LPSC), que surge como uma cirurgia conservadora destinada ao tratamento de tumores glóticos e supra-glóticos seleccionados, com a vantagem de preservação da voz e da deglutição, sem necessidade de um traqueostoma permanente. Este tipo de laringectomia parcial horizontal, obriga à reconstrução por meio de duas técnicas distintas: Cricohioidoepiglotopexia (CHEP) ou Cricohiodopexia (CHP), dependendo da extensão da ressecção cirúrgica tumoral. A excisão das cordas vocais (CV) verdadeiras e bandas ventriculares, ambos os espaços paraglóticos, a cartilagem tiroideia, a porção inferior da epiglote, com preservação de ambas ou apenas uma das cartilagens aritenóides, (figura 1 e 2) permite a reconstrução por intermédio de CHEP, na qual se sutura a cricoide ao osso hióide e à epiglote (figura 3). Quando é necessária uma excisão mais alargada incluindo as estruturas anteriormente referidas e, concomitantemente, a excisão da epiglote e espaço préepiglótico, ter-se-á de fazer reconstrução por intermédio de CHP (com sutura da cricóide directamente ao osso hióide). A unidade crico-aritenoideia desempenha um papel preponderante na fonação, deglutição e no risco de aspiração nestes doentes 1,2,3, pelo que sempre que possível se deverão preservar ambas as aritenóides. FIGURA 1 Laringectomia parcial supracricoideia com preservação de ambas as cartilagens aritenóides e epiglote FIGURA 2 Peça operatória incluindo: cartilagem tiroideia, CV verdadeiras e bandas ventriculares, ambos os espaços paraglóticos e porção inferior da epiglote FIGURA 3 Reconstrução com cricohiodoepiglotpexia (CHEP) A dificuldade de deglutição e a aspiração são complicações esperadas no pós-operatório imediato destes doentes 2, com eventual risco de atelectasia ou inclusivamente pneumonia. Como tal, torna-se imperatória a avaliação pré-operatória da reserva pulmonar e das comorbilidades sistémicas, com exclusão de patologia cardíaca, arterite, diabetes mellitus, refluxo gastro-esofágico ou artrite 268 REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA CÉRVICO-FACIAL

reumatóide 1. Doentes com doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) severa, diminuição do reflexo tússico ou diminuição da clearance pulmonar ciliar, como exemplo, apresentam um risco acrescido de complicações pulmonares com fortes contra-indicações para uma CHEP ou CHP. No caso concreto das LPSC, em reconstruções bem sucedidas com CHEP, o lúmen da neolaringe assume geralmente uma forma de T, com a epiglote numa posição anterior, havendo alteração da função esfincteriana da laringe 1, com diminuição da qualidade vocal (voz pulmonar, soprada) e maior risco de aspiração, principalmente no período pós-operatório imediato. A epiglote e as aritenóides remanescentes conjuntamente com a base da língua são, contudo, em geral, suficientes para obter uma fonação e uma deglutição satisfatórias, sem necessidade de traqueostomia. São consideradas indicações formais para realização de uma LPSC com reconstrução com CHEP3: 1) tumor glótico envolvendo uma CV, estendendo-se da comissura anterior à aritenóide, com hipomobilidade ou fixação da CV; 2) tumor glótico envolvendo ambas as CV com ou sem envolvimento da comissura anterior; 3) tumor limitado da comissura anterior; 4) tumor glótico desenvolvido numa laringite crónica difusa; 5) pequeno tumor ventricular. Constituem contra-indicações absolutas 3 : 1) presença de fixação das aritenóides; 2) extensão tumoral ao petíolo da epiglote; 3) extensão subglótica significativa; 4) invasão extensa da comissura anterior e/ou espaço préepiglótico; 5) mau estado geral. Apesar da idade não ser considerada uma contraindicação absoluta, doentes com idade superior a 70 anos, em especial com comorbilidades, nomeadamente, refluxo gastro-esofágico e insuficiência pulmonar crónica, constituem uma contra-indicação relativa, pelo que cada caso deverá ser avaliado individualmente 3. MATERIAL E MÉTODOS Os autores realizam um estudo retrospectivo, baseado na consulta de processos clínicos, dos doentes submetidos a laringectomia parcial supracricoideia com reconstrução com CHEP nos últimos 10 anos, no período entre 2000 e 2009. São avaliados vários parâmetros pré-operatórios (sexo, idade, factores de risco, cirurgia ou RT prévias, estadiamento TNM, indicação cirúrgica) e pós-operatórios (resultado anatomopatológico, grau de diferenciação histológica, complicações no pós operatório imediato, data da descanulação e desentubação nasogástrica, complicações tardias, nomeadamente, aspiração e dispneia por edema da mucosa aritenoideia). RESULTADOS E DISCUSSÃO No período decorrido entre 2000 e 2009, foram realizadas 33 laringectomias subtotais supracricoideias reconstruídas com Cricohioidoepiglotopexia. Para o corrente estudo foram excluídos dois doentes que apresentavam dados incompletos no processo, pelo que fica um número total de 31 doentes. Em termos epidemiológicos, todos os doentes eram do sexo masculino, sendo a idade média de 57,7 anos, com intervalo entre os 36 e os 76 anos (Gráfico 1). Cerca de 64,5% dos doentes tinha menos de 60 anos de idade e apenas 6,45% apresentava uma idade superior ou igual a 70 anos. GRÁFICO 1 Reconstrução com cricohiodoepiglotpexia (CHEP) Todos os doentes apresentavam o principal factor de risco para neoplasia laríngea: hábitos tabágicos (100% eram fumadores, sendo que 10 % não eram activos com cessação dos hábitos tabágicos há mais de 4 anos) e mais de 75% dos doentes apresentava hábitos etílicos, moderados a graves, concomitantes. O sintoma de apresentação universal foi a disfonia, por vezes associada a outros sintomas acompanhantes pouco específicos, nomeadamente, odinofagia, hemoptises e tosse. Alguns doentes (30%) foram encaminhados para o IPO já com biópsia realizada no hospital de origem e com o diagnóstico prévio de carcinoma. Sete doentes já haviam realizado cirurgia prévia com intuito curativo antes de serem submetidos a LPSC-CHEP (6 doentes - cirurgia a laser/1 doente laringectomia parcial tipo Tucker). Nenhum doente havia sido submetido a RT préoperatória. Todos os doentes realizaram TC préoperatória para estadiamento. Relativamente ao estadiamento, nenhum doente proposto para LPSC-CHEP apresentava metastização ganglionar (N 0 M x ). A maioria dos doentes (45,1%) apresentava tumor em ambas as CV (T1b); 35,5% apresentava diminuição da mobilidade da corda vocal ou extensão limitada à supraglote ou subglote (T2); 19,4% dos doentes propostos para a cirurgia apresentava ARTIGO DE REVISÃO REVIEW ARTICLE VOL 49. Nº4. DEZEMBRO 2011 269

TABELA 1 Classificação TNM para tumores glóticos T1 T2 T3 T4 Tumor limitado às cordas vocais (pode envolver as comissuras) com normal mobilidade T1a Tumor limitado a uma corda vocal podendo envolver a aritenóide ipsilateral T1b Tumor envolvendo as duas cordas vocais Tumor com extensão à supraglote e/ou subglote ou com mobilidade diminuída Tumor limitado à laringe com fixação cordal e/ou invasão do espaço paraglótico e/ou erosão limitada da cartilagem tiroideia Tumor com extensão através da cartilagem tiroideia e/ou invadindo tecidos extra-laríngeos (ex: traqueia, T4a tecidos moles do pescoço incluindo músculos profundos extrínsecos da língua, músculos pré-laríngeos, glândula tiróide ou esófago) T4b Tumor invadindo o espaço pré-vertebral, encarcerando a carótida ou invadindo o mediastino tumor em apenas uma corda vocal (em 66% dos casos, preferencialmente a CV esquerda), com envolvimento simultâneo da comissura anterior (T1a) (Tabela 1, Gráfico 2). A indicação foi frequentemente pré-operatória: 96% dos doentes tinha indicação pré-operatória para CHEP. Em 4% dos doentes estava proposta outra cirurgia tendo a decisão de realização de LPSC-CHEP sido intra-operatória. Houve remoção cirúrgica total ou parcial de uma aritenóide em 33% dos casos. GRÁFICO 2 Estadiamento TNM dos doentes O resultado anatomopatológico confirmou carcinoma pavimento celular (CPC) em 100 % dos doentes, na maioria dos casos, bem diferenciado (Gráfico 3). GRÁFICO 3 Grau de diferenciação histológica (CPC) Em três doentes (9,6%) obteve-se margem microscópica positiva pelo que realizaram radioterapia (RT) adjuvante. Destes, um veio a revelar recidiva metastática cervical inoperável aos 12 meses de pós-operatório, estando actualmente em cuidados paliativos. Um outro doente apresentava invasão peri-neural com indicação para realizar quimioterapia (QT) adjuvante que não foi concretizada pela presença de co-morbilidades importantes associadas (AVC no pós-operatório). Este doente veio a revelar, igualmente, doença metastática no osso e pulmão, 8 meses após cirurgia, sem evidência de recidiva local, estando também em cuidados paliativos. Não houve registo de angioinvasão tumoral ou invasão da cartilagem tiroideia ao exame histopatológico em nenhum doente. Dentro das complicações no período pós-operatório imediato registou-se: um doente com infecção da ferida operatória; dois doentes com necessidade de revisão da hemostase; um doente com deiscência da sutura e necrose, com necessidade de totalização da laringectomia ao 9º dia de pós-operatório. A média de internamento foi de 12,6 dias, com intervalo entre os 6 e os 25 dias. Em dois dos doentes que realizaram RT adjuvante manteve-se a sonda nasogástrica (SNG) e a traqueotomia durante os ciclos de tratamento, pelo que estes doentes não serão contabilizados na média de dias para descanulação e remoção da SNG. Deste modo, a média de dias para descanulação foi de 29,7 dias, com intervalo entre os 5 e os 274 dias (gráfico 4), sendo que mais de 70% foram descanulados até ao 19º dia. A descanulação foi precedida, em todos os casos, por substituição da cânula para uma cânula fenestrada entre o 3º e o 8º dias de pós-operatório e posterior nasofibroscopia ou laringoscopia para visualização da permeabilidade do lúmen laríngeo. A SNG foi removida após uma média total de 48,9 dias, com intervalo entre os 9 e os 183 dias (gráfico 5), revelando a dificuldade de deglutição que estes doentes apresentam no pós-operatório inicial, tendo sido a média de dias ligeiramente superior nos doentes com 270 REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA CÉRVICO-FACIAL

GRÁFICO 4 Representação do número de dias com traqueotomia no pós operatório À data do estudo, num follow up com intervalo entre os 13 e os 84 meses, cerca de 50% dos doentes não apresentava aspiração. Dos restantes 50%, a grande maioria apresentava aspiração ocasional, sendo que apenas 7% apresentava aspiração frequente (gráfico 7). GRÁFICO 7 Representação do número de doentes com aspiração GRÁFICO 5 Representação do número de dias com SNG no pós operatório ARTIGO DE REVISÃO REVIEW ARTICLE GRÁFICO 6 Comparação entre a média de dias para remoção de SNG nos doentes que removeram total ou parcialmente uma aritenóide e nos doentes com preservação de ambas as aritenóides remoção parcial ou total de uma das aritenóides (gráfico 6), sugerindo uma maior dificuldade de deglutição e um risco acrescido de aspiração nestes últimos. Todos os doentes foram referenciados para Terapia da Fala para treino de deglutição. As duas complicações major a longo prazo desta intervenção cirúrgica são o risco de aspiração (alimentar e salivar) e a dispneia alta por edema redundante da mucosa aritenoideia, podendo condicionar a colocação de uma gastrostomia definitiva, a totalização da laringectomia ou a realização de traqueostomia permanente, respectivamente. Estes últimos não careceram, contudo, de traqueostomia, alimentação por SNG, gastrostomia ou totalização da laringe até à data. De referir que os doentes que apresentavam aspiração grave frequente, apresentavam conservação de ambas as aritenoides, reforçando a ideia de que numa fase inical a remoção parcial ou total de uma aritenoide aumenta o risco de aspiração e dificuldade de deglutição no pós-operatório inicial (média de dias superior com a SNG), contudo não parece condicionar aspiração numa avaliação a longo prazo. A favor desta observação temos que dos 33% dos doentes com remoção total ou parcial de uma aritenoide, 16,5% apresentava aspiração ocasional a longo prazo e os restantes 16,5% não apresentava aspiração. Apesar de haver referência num estudo de Joo et al 1, que os doentes com idade igual ou superior a 60 anos apresentavam um risco mais elevado de complicações pulmonares, associado ao maior risco de aspiração, no presente estudo, a idade média dos doentes que apresentavam aspiração foi igual à idade média dos doentes que não apresentavam aspiração (57,78 e 57 anos, respectivamente), não havendo registo de complicações pulmonares. Apenas 23% dos doentes apresentava edema importante da mucosa aritenoideia (gráfico 8, figura 4), o que corresponde a 7 doentes. Um destes teve necessidade de traqueotomia de urgência, 8 dias após descanulação, tendo sido descanulado definitivamente 30 dias depois e outros dois doentes tiveram necessidade de vaporização a laser de CO 2, da mucosa aritenoideia redundante por dispneia (aos 14 e 33 meses de pós operatório), VOL 49. Nº4. DEZEMBRO 2011 271

FIGURA 4 Exemplo de mucosa aritenoideia redundante: a) durante a expiração; b,c) início da inspiração; d,e) obliteração total do lúmen traqueal durante a inspiração (mucosa redundante penetra totalmente na traqueia) GRÁFICO 8 Representação do número de doentes com mucosa aritenoideia redundante Referências Bibliográficas: (1) Lay S, Weinstein G. Conservation Laryngeal Surgey, Supracricoid Laryngectomy. Dec 2009 [e-medicine] http://emedicine.medscape. com/article/851248 (2) Nemr N, Carvalho MB, Köhle J, Leite G, et al.. Functional Study of the voice and swallowing following supracricoid laryngectomy. Rev. Bras. Otorrinolaringol. [online].2007; 73-n.2: 151-155 (3) Olias J, Mendonça F, Magalhães M, Montalvão P, et al.. Cirurgia parcial horizontal da laringe: laringectomia subtotal reconstrutiva. Cirurgia da Laringe, Atlas de Técnicas Cirúrgicas, Guia de Dissecção. Círculo Médico - 1ª Edição, 2004: 105-115 mantendo à data do estudo a traqueotomia (6,6%). Todos os doentes apresentam preservação de voz audível satisfatória, em geral, caracteristicamente soprada e de baixo débito. À data de conclusão do estudo, com um follow up médio de 41,9 meses, com intervalo entre os 13 e os 84 meses, 90% dos doentes permanecia sem recidiva. Registou-se recidiva metastática em dois doentes, anteriormente referidos (aos 8 e 12 meses após cirurgia), encaminhados para cuidados paliativos e registou-se um óbito, aos 26 meses de seguimento após a cirurgia por aparecimento de um 2º tumor primário pouco diferenciado no brônquio. De referir que este doente mantinha hábitos tabágicos após a cirurgia. Aos 12 meses de seguimento pós-operatório, a taxa de sobrevida global foi, deste modo, de 100 % e a taxa de sobrevida livre de doença de 93,3%. CONCLUSÃO Para tumores glóticos seleccionados a laringectomia parcial supracricoideia com reconstrução com CHEP é considerada uma alternativa eficaz à laringectomia total, permitindo a preservação da voz e da deglutição sem necessidade de traqueostoma, com taxas de controlo local comparáveis. 272 REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA CÉRVICO-FACIAL