CORREÇÃO DO PÉ TORTO CONGÊNITO INVETERADO E RECIDIVADO PELO MÉTODO DE ILIZAROV Correção do pé torto congênito inveterado e recidivado pelo método de Ilizarov * RICARDO CARDENUTO FERREIRA 1, KELLY CRISTINA STEFANI 1, FERNANDO FERREIRA FONSECA FILHO 2, ROBERTO ATTÍLIO LIMA SANTIN 3 RESUMO Dezesseis pacientes portadores de pé torto congênito inveterado, todos apresentando deformidades graves e rígidas dos pés, foram submetidos à correção progressiva através da técnica de distração-osteogênese baseada nos princípios de Ilizarov. Oito pacientes eram do sexo feminino e oito do masculino. A média de idade no momento da cirurgia foi 20 anos (variando de 10 a 30 anos). Foram operados no total 20 pés (quatro eram bilaterais), sendo que sete destes apresentavam exuberante tecido cicatricial proveniente da recidiva após cirurgia(s) prévia(s). Empregou-se uma dissecção limitada das partes moles utilizando pequenas incisões cirúrgicas para a tenotomia do tendão calcanear e fasciotomia plantar. A osteotomia do mediopé foi associada em seis pés e osteotomia da perna para alongamento do membro foi realizada em um paciente. Foi feita correção gradual das deformidades através de distração lenta e progressiva das partes moles contraturadas e das estruturas osteoarticulares. O tempo médio de permanência do aparelho foi de quatro meses, seguido pelo uso de bota gessada por um mês adicional. O tempo médio de seguimento foi de 25 meses (variando de 6 a 44 meses). Todos os pacientes foram clinicamente reavaliados, obtendose, como resultado, 16 pés com aparência satisfatória, plantígrados, rígidos e indolores (12 pacientes). Graus variáveis de adução e varo residual foram observados em quase todos os pacientes, porém sem repercussões clínicas. Quatro pacientes (quatro pés) apresentaram eqüino residual e ar- * Trabalho realizado no Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de São Paulo. Recebido em 14/9/99. Aprovado para publicação em 5/11/99. 1. Médico Assistente do Grupo de Cirurgia do Pé. 2. Professor Doutor Chefe do Grupo de Cirurgia do Pé. 3. Professor Doutor Consultor do Grupo de Cirurgia do Pé. Endereço para correspondência: Av. Jacutinga, 231, apto. 82 Moema 04530-015 São Paulo, SP. Tel. 11-5052-8039, fax: 11-257-2686. trose sintomática do retropé. Foi necessária a realização de artrodese do retropé, envolvendo as articulações do tornozelo e subtalar, em três desses pacientes. As complicações mais freqüentes durante o transcorrer do tratamento foram: infecção superficial no trajeto dos fios, sofrimento de pequenas áreas da pele durante o período de correção da deformidade e contratura em flexão dos dedos. Unitermos Pé torto congênito; método de Ilizarov; correção cirúrgica; fixação externa ABSTRACT Progressive correction of neglected congenital clubfoot by Ilizarov s technique Sixteen consecutive patients with severe deformities and rigidity related to neglected clubfoot were submitted to progressive correction of their deformities by Ilizarov s distraction-osteogenesis technique. Eight patients were female and eight were male. Mean age at the time of surgery was 20 years (ranging from 10 to 30 years). Twenty feet were operated (including four bilateral cases) and seven of these presented large scar tissue from previous surgery. Dissection was limited to soft tissue using only small incisions for the tenotomy of the calcaneal tendon and for the plantar fascia release. Associated tarsal osteotomy was performed on six feet and osteotomy on one leg was also carried out for simultaneous limb lengthening. Gradual correction was achieved by slow and progressive distraction of the soft tissue, bone and joint structures. The device was kept in place for a mean period of four months and after removal a short leg walking cast was used for an additional month. The mean follow-up period was 25 months (ranging from 6 to 44 months). Upon clinical reevaluation, 16 feet (12 patients) showed satisfactory aesthetic results; these patients were asymptomatic, presenting plantigrade and rigid feet. Variable degrees of residual adduction and varus deformities were observed on almost all patients with no clini- Rev Bras Ortop _ Vol. 34, N os 9/10 Set/Out, 1999 505
R.C. FERREIRA, K.C. STEFANI, F.F. FONSECA Fº & R.A.L. SANTIN cal symptoms. Residual equinus and symptomatic arthritis of the hindfoot were observed on four patients (four feet). Three of these patients were submitted to hindfoot arthrodesis. The most common complications during treatment were superficial pin tract infection, mild skin suffering during the period of correction of the deformity and clawing of the toes. Key words Congenital clubfoot; Ilizarov s technique; surgical correction; external fixation INTRODUÇÃO O pé torto congênito inveterado ainda é uma deformidade relativamente comum em nosso meio e constitui um dos reflexos dos problemas socioeconômicos na saúde da população dos países em desenvolvimento. Os métodos convencionais de tratamento cirúrgico dessa grave deformidade envolvem osteotomias corretivas, artrodese tríplice modelante ou talectomia. Essas cirurgias são tecnicamente difíceis devido ao fato de a deformidade do pé torto congênito ser multidirecional. Os riscos em potencial na execução desses procedimentos são: necrose da pele, lesão vasculonervosa, infecção e possibilidade de amputação decorrentes das complicações associadas. A rigidez articular e a presença de tecido cicatricial decorrente de cirurgias prévias com correção insuficiente aumentam os riscos de complicações e dificultam sobremaneira a correção das deformidades. A coluna medial do pé encontra-se encurtada e o feixe vasculonervoso apresenta-se tenso e constitui um dos fatores que limitam a correção da deformidade em eqüinocavo e aduto do pé torto inveterado. A tentativa de correção do pé torto congênito inveterado utilizando os métodos cirúrgicos tradicionais apresenta como desvantagem a necessidade da ressecção de grande quantidade de osso, culminando com acentuado encurtamento do pé. O risco em potencial para os tecidos moles e para o feixe vasculonervoso está sempre presente. Além disso, a correção final obtida muitas vezes é insuficiente. Recentemente, a utilização do método de distração-osteogênese no tratamento do pé torto congênito inveterado vem sendo mostrada em várias publicações e os resultados têm sido bastante promissores. Diversos autores (1-8) relatam ter obtido sucesso na correção do pé torto congênito inveterado e/ou recidivado empregando distração lenta e progressiva para correção gradual das deformidades com o fixador externo de Ilizarov. Os adeptos desse método relatam que ele é mais seguro do que os métodos tradicionais, além de propiciar resultados mais previsíveis e satisfatórios. O objetivo deste trabalho é apresentar os resultados preliminares obtidos com a técnica de distração-osteogênese empregando o método de Ilizarov no tratamento do pé torto congênito inveterado e recidivado. CASUÍSTICA E MÉTODOS No período compreendido entre maio de 1995 e agosto de 1998 foram tratados, no Grupo de Cirurgia do Pé do Departamento de Ortopedia da Santa Casa de São Paulo, 16 pacientes, todos portadores de pé torto congênito inveterado e/ou recidivado. Quatro pacientes apresentavam deformidade bilateral, totalizando 20 pés operados. Oito pacientes eram do sexo feminino e oito do masculino. A idade dos pacientes no momento da cirurgia variou de 10 a 30 anos, com média de 20 anos. As deformidades predominantes no momento da cirurgia eram o eqüinovaro e o eqüinocavo. Todos os pés apresentavam rigidez articular e encurtamento. Sete pés (35%) já haviam sido previamente operados e apresentavam recidiva da deformidade, além de extensas cicatrizes. A técnica empregada na correção das deformidades envolveu a utilização do fixador externo circular modular de Ilizarov para distração gradual e progressiva dos tecidos moles (cápsulas articulares, ligamentos, tendões e pele). Osteotomia dos ossos do tarso foi associada em seis pés, enquanto osteotomia dos ossos da perna para alongamento do membro inferior foi realizada em um paciente. Utilizamos mínima dissecção e empregamos limitada via de acesso cirúrgico. Duas incisões, uma plantar e outra póstero-medial medindo aproximadamente 5cm, foram utilizadas para fasciotomia plantar e alongamento do tendão calcanear, respectivamente. Nos casos em que foi realizada a osteotomia do tarso empregamos uma pequena incisão cirúrgica longitudinal no dorso do pé medindo aproximadamente 6cm. No caso em que foi realizada osteotomia nos ossos da perna utilizamos duas pequenas incisões longitudinais, uma anterior sobre o terço médio da tíbia e outra lateral sobre o terço médio da fíbula, ambas medindo aproximadamente 4cm. Para a osteotomia utilizamos serra oscilante. Empregamos uma montagem padrão do aparelho de Ilizarov. Na perna foram utilizados dois anéis paralelos entre si e fixados perpendicularmente ao eixo da tíbia com quatro fios de 1,8mm de diâmetro dispostos de forma cruzada, dois em cada anel. O calcâneo foi fixado com dois fios olivados cruzados, também com 1,8mm de diâmetro, presos a um semi-anel posicionado paralelamente ao eixo longitudinal deste osso. Para a fixação do antepé utilizamos dois fios olivados com 506 Rev Bras Ortop _ Vol. 34, N os 9/10 Set/Out, 1999
CORREÇÃO DO PÉ TORTO CONGÊNITO INVETERADO E RECIDIVADO PELO MÉTODO DE ILIZAROV Fig. 1 Vista lateral da montagem padronizada do fixador externo de Ilizarov adaptado em modelo plástico dos ossos do pé. A montagem consiste de dois anéis paralelos fixados perpendicularmente à tíbia distal, um semianel fixado ao calcâneo e posicionado paralelo ao solo e dois semi-anéis paralelos fixados aos ossos metatarsais. Hastes rosqueadas e dobradiças são utilizadas para conexão entre as montagens da perna, do retropé e do antepé. Fig. 2 Vista de perfil da perna e do pé mostrando a montagem padronizada do fixador externo de Ilizarov no pós-operatório imediato, antes do início da correção Fig. 4 Radiografia oblíqua do pé durante o período de distensão articular com o fixador externo de Ilizarov. Notar que o espaço entre as articulações no mediopé encontra-se alargado. Fig. 3 Vista lateral dos pés mostrando a deambulação durante o tratamento com o fixador externo de Ilizarov. Notar que ambos os pés estão plantígrados e o paciente utiliza um par de sandálias especiais para o apoio. 1,8mm de diâmetro fixados aos ossos metatarsais. Os fios do antepé foram dispostos paralelamente entre si e presos cada um num semi-anel. Os dois semi-anéis do antepé foram posicionados em paralelo e dispostos perpendicularmente ao eixo do antepé. Os anéis e semi-anéis foram conectados entre si por intermédio de hastes rosqueadas e dobradiças estrategicamente posicionadas para possibilitar eixos de movimentação independentes entre o antepé, o mediopé e o retropé. As variações na montagem foram mínimas. Acoplamos mais dois anéis proximais no caso em que foi realizada osteotomia nos ossos da perna. Cada anel foi fixado à tíbia por meio de dois fios de 1,8mm de diâmetro, cruzados entre si, e um pino rosqueado com 6,5mm de diâmetro. A correção das deformidades foi gradual e progressiva. A perfusão circulatória e o estado neurológico foram monitorizados e serviram de guia durante todo o processo. Os pacientes permaneceram internados e realizaram um programa de fisioterapia durante o processo da correção das deformidades, com o objetivo de prevenir o aparecimento de deformidade em garra dos dedos, preservar a mobilidade do joelho e iniciar a marcha precocemente. A velocidade da correção baseou-se na capacidade de o paciente suportar a distração promovida pelo aparelho e na monitorização clínica do estado Rev Bras Ortop _ Vol. 34, N os 9/10 Set/Out, 1999 507
R.C. FERREIRA, K.C. STEFANI, F.F. FONSECA Fº & R.A.L. SANTIN Fig. 5 Paciente F.M.D., sexo feminino, 29 anos, apresentando pé torto congênito inveterado bilateral. Vista frontal mostrando os pés antes do tratamento e após um ano e três meses da correção do pé direito com o fixador externo de Ilizarov. circulatório, neurológico e nas condições locais da pele. Procuramos realizar a correção progressiva por meio de dois ou três ajustes diários no aparelho. O período necessário para a correção da deformidade variou de oito a 12 semanas. O tempo total da manutenção do fixador externo variou de 12 a 16 semanas. Após a remoção do aparelho os pacientes foram imobilizados com bota gessada durante quatro semanas e encorajados a caminhar com carga total sobre o membro operado. RESULTADOS O tempo médio de seguimento dos pacientes foi de 25 meses, com variação de seis a 44 meses. Para avaliação preliminar dos resultados utilizamos os seguintes critérios: presença ou não de dor no pé ou tornozelo, capacidade de deambulação com o pé plantígrado, capacidade de usar calçado convencional e satisfação pessoal do paciente com o aspecto final do pé. Foram considerados resultados satisfatórios os pacientes que não tinham dor, eram capazes de deambular com o pé em posição plantígrada usando calçado convencional e que estavam satisfeitos com o aspecto do pé. Quando um ou mais Fig. 6 Radiografia do pé direito da paciente F.M.D. na projeção de perfil com carga. Na vista superior observa-se a radiografia do pé direito um ano e três meses após a correção da deformidade com o fixador externo de Ilizarov. Na vista inferior observa-se a radiografia do mesmo pé antes da correção. Nenhuma osteotomia foi empregada. 508 Rev Bras Ortop _ Vol. 34, N os 9/10 Set/Out, 1999
CORREÇÃO DO PÉ TORTO CONGÊNITO INVETERADO E RECIDIVADO PELO MÉTODO DE ILIZAROV Fig. 7 Paciente A.N.L., sexo feminino, 30 anos, apresentando pé torto congênito inveterado bilateral. Vista frontal e posterior mostrando os pés antes do tratamento e após um ano e seis meses da correção dos pés com o fixador externo de Ilizarov. desses critérios não foram obtidos, o resultado foi considerado insatisfatório. Obtivemos resultados satisfatórios em 16 pés (80%) e insatisfatórios em quatro (20%). Como complicações precoces observamos: infecção no trajeto dos fios, deformidade em garra dos dedos e sofrimento circulatório limitado da pele na face póstero-medial do pé. Em algum momento do tratamento todos os pacientes desenvolveram infecções limitadas na pele adjacente ao trajeto dos fios. Cuidados locais e antibioticoterapia sistêmica por curto período foram suficientes para a cura do processo infeccioso. A correção da deformidade em garra dos dedos foi feita por meio de fisioterapia assistida, uso de pequenas órteses confeccionadas com couro e elástico e, em alguns casos, com tenotomia percutânea dos tendões flexores e fixação temporária das articulações metatarsofalangianas e interfalangianas dos dedos com fios de Kirschner. O sofrimento circulatório da pele medial foi tratado com a redução na velocidade da correção e cuidados locais. Como complicações tardias obtivemos desenvolvimento de artrite degenerativa do retropé e recidiva parcial da deformidade. A artrite ocorreu em quatro pacientes (quatro pés), todos considerados como tendo obtido resultado insatisfatório do tratamento. Em três desses pacientes (três pés) realizamos uma artrodese do retropé devido à dor incapacitante, enquanto o outro paciente optou pelo uso de órtese para perna e pé. Rev Bras Ortop _ Vol. 34, N os 9/10 Set/Out, 1999 509
R.C. FERREIRA, K.C. STEFANI, F.F. FONSECA Fº & R.A.L. SANTIN Fig. 8 Vista medial do pé mostrando a ocorrência de necrose parcial da pele durante a correção do pé torto congênito inveterado com o fixador externo de Ilizarov As artrodeses consolidaram sem maiores complicações ou encurtamento significativo devido à mínima quantidade de osso ressecado. A deformidade que recidivou com maior freqüência foi a adução do antepé. Eqüino residual esteve presente em cinco pacientes, tendo significado clínico nos quatro casos cujo resultado foi considerado insatisfatório. Supinação foi observada em dois e cavismo em um pé. DISCUSSÃO O tratamento do pé torto congênito inveterado e/ou recidivado constitui um desafio, mesmo para os cirurgiões mais experientes. A presença de deformidades tridimensionais e a grave rigidez articular com retração das partes moles limitam a utilização dos métodos de correção tradicionais que empregam osteotomias, artrodese tríplice modelante ou talectomia. A principal dificuldade relaciona-se à correção abrupta de todas as deformidades sem causar problemas vasculonervosos e cutâneos num pé cujo feixe se encontra encurtado e a pele pouco elástica. Esse fato faz com que qualquer tentativa de correção aguda dessas deformidades se torne procedimento de alto risco. Outra importante limitação na utilização das osteotomias ou artrodeses convencionais no tratamento do pé torto congênito inveterado ou recidivado está ligada ao fato de esses procedimentos apresentarem alto grau de complexidade técnica. Além disso, é necessária a ressecção de cunhas ósseas para corrigir as deformidades e isto encurta ainda mais o tamanho do pé, que já tem dimensões reduzidas pela própria deformidade. A distração progressiva realizada com o fixador externo de Ilizarov permite a correção simultânea de todos os componentes da deformidade do pé torto. O método é seguro, pois emprega uma técnica minimamente invasiva, com pouca ou nenhuma dissecção óssea. Durante o processo de correção ocorre alongamento gradual dos vasos sanguíneos, dos nervos, dos músculos, do tecido conectivo e da pele, reduzindo os riscos de lesão vasculonervosa, de necrose da pele e de infecção secundária. Isso é particularmente importante no tratamento dos pés tortos recidivados e que sofreram múltiplas cirurgias prévias, pois a grande maioria deles apresenta várias cicatrizes e a qualidade da pele remanescente é de viabilidade duvidosa, especialmente diante da possibilidade de novas intervenções cirúrgicas que venham a exigir grande dissecção. Outra vantagem associada ao método de Ilizarov envolve a possibilidade de preservar o máximo possível do comprimento do pé, evitando dessa forma o encurtamento final observado com o tratamento convencional. Existe ainda a possibilidade de alongar um pé significativamente curto ou mesmo promover a equalização de comprimento dos membros inferiores estendendo-se a montagem do aparelho mais proximalmente na perna e realizando osteotomias para alongamento progressivo. 510 Rev Bras Ortop _ Vol. 34, N os 9/10 Set/Out, 1999
CORREÇÃO DO PÉ TORTO CONGÊNITO INVETERADO E RECIDIVADO PELO MÉTODO DE ILIZAROV Em nossa casuística utilizamos uma montagem padronizada do aparelho de Ilizarov para a correção das deformidades do pé torto. A montagem básica foi feita com dois anéis paralelos fixados perpendicularmente na tíbia distal, um semi-anel fixado ao longo do eixo do calcâneo e dois outros semi-anéis paralelos fixados perpendicularmente aos ossos metatarsais. Mínimas modificações foram adaptadas de acordo com as necessidades de cada caso. Acreditamos que a padronização da montagem simplifica o método e permite melhor controle durante a correção das deformidades. Dessa forma, o mesmo sistema de correção pode ser reproduzido no tratamento de pacientes com deformidades semelhantes, além de contribuir para a unificação e sistematização do tratamento e facilitar o aprendizado do método pelos cirurgiões em treinamento. As desvantagens associadas a esse método estão ligadas à complexidade e aparatosidade do fixador externo, à maior dificuldade de aceitação do aparelho pelo paciente e à necessidade de supervisão constante da correção pelo próprio médico. Na realidade, a correção das deformidades não é feita durante ou imediatamente após o ato cirúrgico, mas ao longo do período de acompanhamento pós-operatório. Segundo Paley (8), o método de Ilizarov emprega uma técnica quadridimensional, pois o tempo constitui-se numa das variáveis que pode ser controlada durante o tratamento. As complicações imediatas mais freqüentemente observadas em nossa casuística foram a dor, especialmente aquela causada pela infecção cutânea no trajeto dos fios transósseos, a necrose parcial superficial da pele na face medial do pé e tornozelo e a contratura em garra dos dedos ocorrida durante o desenrolar da correção das deformidades. Essas complicações foram de pequena magnitude e não impediram que o tratamento pudesse ser completado. Os cuidados locais com a pele, o uso de analgésicos potentes e de antibióticos, além do emprego de órteses para os dedos, permitiram que esses problemas fossem contornados com relativo conforto para os pacientes, sem que houvesse interferência direta com os resultados. Em nossa experiência acreditamos que, para o bom andamento do tratamento, é imperativo que o paciente seja previamente informado em detalhes sobre o tipo de procedimentos a que será submetido e permaneça internado durante a fase de correção. Isso permite supervisão cuidadosa e previne o desenvolvimento de complicações graves, além de favorecer a realização de fisioterapia assistida. A internação prolongada pode encarecer o tratamento, mas, ao mesmo tempo, torna os resultados mais previsíveis e evita gastos adicionais com procedimentos ou cirurgias complementares. A longo prazo, as maiores complicações foram a recidiva parcial da adução do antepé. Devido à pequena magnitude da adução, nenhum paciente apresentou queixa relacionada. A deformidade em eqüino recidivou em cinco pacientes (cinco pés). Quatro destes pacientes desenvolveram queixas dolorosas devido à presença de artrose e em três foi realizada uma artrodese localizada no retropé (articulações do tornozelo e subtalar), com mínima ressecção óssea. A realização dessas artrodeses foi tecnicamente facilitada devido ao fato de as deformidades presentes serem pequenas. Isso minimizou a dissecção das partes moles e evitou encurtamento adicional do pé, além de possibilitar maior segurança e previsibilidade ao cirurgião durante a operação. O objetivo do tratamento do pé torto congênito inveterado ou recidivado consiste em obter um pé plantígrado e indolor. Isso foi obtido em nossa série em 80% dos casos (16 dos 20 pés operados). O grau de satisfação pessoal dos pacientes foi elevado. Os resultados considerados insatisfatórios puderam ser tratados com órtese ou com cirurgias convencionais (artrodese subtalar e do tornozelo) realizadas em situação favorável e com menos riscos tanto para o paciente quanto para o cirurgião. Invariavelmente, todos os pés encontravam-se rígidos e gravemente deformados previamente à cirurgia e após a correção permaneceram rígidos, porém plantígrados e assintomáticos, em sua grande maioria. As complicações imediatas foram facilmente controladas, enquanto as tardias, como a recidiva parcial da deformidade e o desenvolvimento de artrose no retropé, puderam ser tratadas de forma mais segura e adequada. CONCLUSÃO Apesar do tempo de seguimento relativamente curto dos pacientes operados em nossa série, os resultados vêm sendo animadores, tanto para o médico quanto para o paciente. O método de Ilizarov vem-se mostrando eficiente na correção das deformidades complexas associadas ao pé torto congênito inveterado e/ou recidivado. Por esse motivo, acreditamos que ele deva merecer destaque e passar a fazer parte integrante do arsenal terapêutico do ortopedista familiarizado com o método de Ilizarov e com experiência em cirurgia do pé e tornozelo. REFERÊNCIAS 1. Grant A.D., Atar D., Lehman W.B.: The Ilizarov technique in correction of complex foot deformities: a preliminary report. Foot Ankle 11: 1-5, 1990. Rev Bras Ortop _ Vol. 34, N os 9/10 Set/Out, 1999 511
R.C. FERREIRA, K.C. STEFANI, F.F. FONSECA Fº & R.A.L. SANTIN 2. Grant A.D., Atar D., Lehman W.B.: The Ilizarov technique in correction of complex foot deformities. Clin Orthop 280: 94-103, 1992. 3. Grill F., Franke J.: The Ilizarov distractor for the correction of relapsed or neglected clubfoot. J Bone Joint Surg [Br] 69: 593-597, 1987. 4. Huerta F.: Correction of the neglected clubfoot by the Ilizarov method. Clin Orthop 301: 89-93, 1994. 5. Ilizarov G.A.: Transosseous osteosynthesis. Berlin, Heidelberg, New York, Springer, 1992. 6. Oganesian O.V., Istomina I.S.: Talipes equinocavovarus deformities corrected with the aid of a hinged-distraction apparatus. Clin Orthop 266: 43-51, 1991. 7. Oganesian O.V., Istomina I.S., Kuzmin V.I.: Treatment of equinocavovarus deformity in adults with the use of a hinged distraction apparatus. J Bone Joint Surg [Am] 78: 546-556, 1996. 8. Paley D.: The correction of complex foot deformities using Ilizarov s distraction osteotomies. Clin Orthop 293: 97-111, 1993. 512 Rev Bras Ortop _ Vol. 34, N os 9/10 Set/Out, 1999