A ILUSÃO DA MAMONA- análise da inserção da agricultura familiar no cultivo de espécies para a produção do Biodiesel em municípios da Região Tocantina-MA Rafael de Moraes Barra NERA/GERUR/UFMA JuscinaldoGoes Almeida NERA/GERUR/UFMA Maria da Glória Rocha Ferreira NERA/GERUR/UFMA Carlos dos Santos Batista NERA/GERUR/UFMA rafaelmbarra@gmail.com; juscinaldogoes@hotmail.com; mgloriaferreira@yahoo.com.br;carllosantoz@gmail.com 1 INTRODUÇÃO A partir da década de 1970, o debate em torno da utilização dos combustíveis fósseis, sobretudo o petróleo, entrou em cena tendo como aspectos principais o caráter finito desta fonte de energia e os danos ambientais provocados pela sua utilização. Assim, surge a busca por fontes energéticas alternativas, aparecendo expressões como energias limpas ou energias renováveis consideradas menos nocivas ao ambiente. Nesse contexto, a busca por fontes de energias alternativas, consideradas menos nocivas ao ambiente, vigora entre os principais assuntos discutidos na pauta dos países ditos desenvolvidos e também dos emergentes (SANTOS, 2012). No Brasil, o incentivo à produção de energias alternativas, por parte do Estado, se iniciou com a criação do Programa Nacional do Álcool (PROALCOOL) nadécada de 1970, cujo objetivo foi intensificar a produção de álcool combustível (denominado atualmente de etanol, biocombustível número um na política brasileira de incentivo a fontes alternativas ao petróleo); de aumentar a produção de safras agroenergéticas e a capacidade industrial de transformação visando à obtenção de álcool (principalmente a partir da cana de açúcar) para possível substituição da gasolina (SANTOS, 2012; ELIAS, 2011). Neste contexto, os chamados biocombustíveis 1 vão se constituir no Brasil, em importantes fontes renováveis de energia em substituição às provenientes principalmente do petróleo. Atualmente, os dois principais biocombustíveis líquidos 1 Conforme a ANP (2013), biocombustíveis são derivados de biomassa renovável que podem substituir, parcial ou totalmente, combustíveis derivados de petróleo e gás natural em motores à combustão ou em outro tipo de geração de energia.
utilizados no Paíssão o etanol, proveniente da cana de açúcar e, em escala crescente, o biodiesel 2, que é produzido a partir de óleos vegetais ou de gorduras animais e adicionado ao diesel de petróleo em proporções variáveis 3. Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP, 2013), cerca de 45% da energia e 18% dos combustíveis consumidos no País já são renováveis. Precursor mundial no uso de biocombustíveis, o Brasil alcançou uma posição almejada por muitos países que buscam fontes renováveis de energia como alternativas estratégicas ao petróleo. Nessa conjuntura de fortalecimento da produção de biocombustíveis, o Estado vai desempenhar um papel preponderante, pois a materialização de políticas públicas para o referido setor vem proporcionando, ao longo dos anos, um processo de territorialização desta nova matriz energética como mercadoria no sistema produtivo e no mercado nacional (SANTOS, 2012). É nesse contexto que o Governo Federal vai lançar o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel - PNBP (BERNARDES, 2011; PIRES DO RIO, 2011; SANTOS, 2012). Criado no ano de 2004, objetiva implementar de forma sustentável, tanto técnica, como econômica, a produção e uso do biodiesel com enfoque na inclusão social e no desenvolvimento regional, via geração de emprego e renda 4. As principais diretrizes do referido programa são 5 : - Implantar um programa sustentável, promovendo inclusão social; - Garantir preços competitivos, qualidade e suprimento; - Produzir o biodiesel a partir de diferentes fontes oleaginosas fortalecendo as potencialidades regionais para a produção de matéria prima. 2 Conforme Oliveira (2011), o biodiesel é um tipo de agrocombustível com características biodegradáveis que resulta de fontes renováveis através de diversos processos industriais, tais como o craqueamento, a esterificação ou a transesterificação. No Brasil, há as seguintes espécies vegetais que podem ser utilizadas, a saber: soja, girassol, amendoim, mamona, dendê (palma), babaçu, pinhão manso e nabo forrageiro (OLIVEIRA, 2011). 3 Disponível em: www.anp.gov.br. 4 http/www.http://comunidades.mda.gov.br/portal/saf/programas/biodiesel/2286217 5 Mesma fonte citada anteriormente.
Conforme Oliveira (2011), embora o PNPB tenha ainda poucos anos de existência, os primeiros resultados já são visíveis. O Brasil tem atualmente 54 usinas em operação comercial, das quais 13 estão com suas atividades paralisadas, 15 em construção e 16 em estudo. É de 5,4 bilhões de litros a capacidade instalada da indústria, o que representa um volume bem superior aos 2,2 bilhões de litros exigidos pela mistura de 5% de biodiesel ao diesel comercializado no mercado interno brasileiro. O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) visa também a inserção da agricultura familiar na produção de biocombustíveis. Para tanto, o Governo Federal criou o programa Selo Combustível Social 6 a ser concedido às empresas que operam com a compra da matéria-prima da agricultura familiar (OLIVEIRA, 2011). Nessa perspectiva, a agricultura familiar passa por dois dilemas, um pela sua importância para a produção de alimentos para a população brasileira, e o segundo pelo papel que ela passa a exercer na produção de biocombustíveis. Oliveira (2011) ressalta ainda que os agricultores familiares podem também participar como sócios ou quotistas de empresas que operem como extratoras de óleo ou produzam diretamente biodiesel, ou via associações ou cooperativas de produtores. Os agricultores familiares também têm acesso a linhas de crédito do PRONAF, e podem obter acesso à assistência técnica fornecida pelas empresas que possuem o Selo Combustível Social. 2 OBJETIVOS Nessa conjuntura descrita acima, o presente trabalho analisa a implantação do PNPB no Maranhão, com ênfase em três municípios da denominada Região Tocantina, sudoeste do estado, a saber, Amarante do Maranhão, Buritirana e Davinopólis. Busca-se entender como se deu a inserção dos agricultores familiares dos referidos municípios na 6 O Selo Combustível Social é um componente de identificação criado a partir do Decreto nº 5.297, de 6 de dezembro de 2004. O Selo confere ao seu possuidor o caráter de promotor de inclusão social dos agricultores familiares enquadrados no PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). A concessão do direito de uso do Selo Combustível Social permite ao produtor de biodiesel ter acesso as alíquotas de PIS/PASEP e Confins com coeficientes de redução diferenciados para o biodiesel, que varia de acordo com a matéria prima adquirida e região da aquisição, incentivos comerciais e de financiamento. Disponível em: http/www.http://comunidades.mda.gov.br/portal/saf/programas/biodiesel/2286217
cadeia de produção do biodiesel, bem como a verdadeira eficácia deste programa.ressalta-se que este é fruto de pesquisa mais ampla 7 que ora os autores vem desenvolvendo sobre a temática proposta em mais cinco municípios das regiões sul e sudoeste do Maranhão. As informações previamente levantadas davam conta da existência, no Maranhão, de duas unidades industriais de processamento de espécies vegetais, sobretudo a mamona (Ricinus communis L.), para a produção de biodiesel, sendo elas: Brasil Ecodiesel e Bio-Orgânicos do Maranhão (BIOMA). A Brasil Ecodiesel se localiza em São Luís, nas proximidades do Porto do Itaqui e às margens da Ferrovia Carajás. Com uma capacidade de produção de 640.000 m³ de biodiesel por ano, iniciada no ano de 2007, tem na soja sua principal matéria prima, que é suprida pela fabricação de óleo da ABC INCO, instalada no município de Porto Franco. Esta empresa já é responsável por quase 4% do suprimento nacional de biodiesel 8. Já a empresa Bio-Orgânicos do Maranhão (BIOMA), conforme levantamentos realizados, a partir do ano de 2006 vêm investindo na produção de biodiesel no município de Porto Franco, sul do Maranhão. Cerca de 50% do biodiesel produzido é proveniente da mamona e o restante da soja, o babaçu e o sebo animal. Na primeira fase de execução do projeto, além do plantio próprio, a BIOMA procurou envolver 1,5 mil trabalhadores e produtores rurais em Porto Franco e mais sete municípios interessados no plantio de mamona. Os outros municípios maranhenses que foram previamente identificados pela empresa são: Montes Altos, Amarante do Maranhão, São João do Paraíso, João Lisboa, Buritirana, Darvinópolis e Senador La Rocque 9. 3 METODOLOGIA 7 Projeto de pesquisa intitulado A inserção da agricultura familiar nas estratégias de produção do biodiesel no Sul e Sudoeste do Maranhãosob a coordenação da Profa. Dra. Maria da Glória Rocha Ferreira financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Maranhão (FAPEMA). 8 Disponível em: http://www.imirante.globo.com/oestadoma/noticias/2009/11/26/pagina165733.asp. 9 Disponível em: http://www.biodieselbr.com/noticias/biodiesel/r1-usina-biodiesel-sul-maranhao-terrar40-milhoes-17-08-06.htm.
Na elaboração do presente trabalho realizou-se o levantamento das informações dentro de uma abordagem qualitativa, lançando mão também de dados quantitativos de forma equânime, pois em muitas situações, estas perspectivas são enfocadas como aparentemente opostas e até mesmo excludentes (MARTINELLI, 1999). De acordo ainda com Triviños (1987), na pesquisa qualitativa, de maneira geral segue-se a mesma rota ao se realizar uma investigação, há a escolha de um assunto ou problema, uma coleta e análise de informações. Foi realizado ainda trabalho de campo nos municípios de Amarante do Maranhão, Buritirana e Davinopólis no período de 20 a 26 de janeiro de 2014 e em órgãos de pesquisa cientifica a exemplo da Embrapa, momento em que foram realizadas entrevistas gravadas com líderes sindicais, representantes das secretarias municipais e estadual de agricultura, técnicos, agências de financiamento como Banco do Brasil e do Nordeste e agricultores familiares dos locais pesquisados. 4 RESULTADOS Os levantamentos preliminares, sobretudo com base nas informações prestadas pelos entrevistados indicam que nos municípios apontados, o PNPB ficou somente na ideia inicial. Entre os anos de 2005 e 2006 foi feita a apresentação do programa aos agricultores familiares por meio de órgãos como as Secretarias Municipal e Estadual de Agricultura, Banco do Brasil, Banco do Nordeste através de financiamento via Pronaf e das empresas Brasil Ecodiesel e Bioma. A proposta feita aos agricultores familiares, segundo os informantes, consistia no cultivo da mamona, sendo estes responsáveis apenas pela disponibilização da área e cultivo da espécie. A parte da assistência técnica, preparo do solo e fornecimento das sementes ficaria a cargo das citadas empresas, sendo estas também, responsáveis pela aquisição da produção. A mamona produzida nos referidos municípios seria transportada para o município de Porto Franco onde, segundo as fontes levantadas, a empresa Bioma iria instalar uma unidade industrial para esmagamento da espécie com vistas à transformação em biodiesel. Os entrevistados relataram que após a fase de apresentação do programa, os agricultores não foram mais
procurados por nenhum técnico acerca da efetivação do cultivo da mamona, haja vista que ninguém chegou a desenvolver qualquer tipo de plantio, causando-lhes dúvidas sobre o porquê do não prossegmento da atividade. 5 REFERÊNCIAS Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Biocombustíveis. Disponível em: www.anp.gov.br. Acessado em: março de 2013. BERNARDES, Júlia A.; ARACRI, Luís Angelo dos S. (orgs.). Novas Fronteiras do Biodiesel na Amazônia: limites e desafios da incorporação da pequena produção agrícola. Rio de Janeiro: Arquimedes, 2011. BERNARDES, Júlia A. Políticas Públicas, Selo Combustível Social e Território Usado. In: BERNARDES, Júlia A.; ARACRI, Luís Angelo dos S. (orgs.). Novas Fronteiras do Biodiesel na Amazônia: limites e desafios da incorporação da pequena produção agrícola. Rio de Janeiro: Arquimedes, 2011. ELIAS, Denise. Prefácio. In: BERNARDES, Júlia A.; ARACRI, Luís Angelo dos S. (orgs.). Novas Fronteiras do Biodiesel na Amazônia: limites e desafios da incorporação da pequena produção agrícola. Rio de Janeiro: Arquimedes, 2011. HAGUETTE, Teresa Maria F. Metodologias Qualitativas na Sociologia. 4ª ed. Petrópoles, RJ: Vozes, 1995.
MARTINELLI, Maria Lúcia (org.). Pesquisa Qualitativa: um instigante desafio. São Paulo: Veras Editora, 1999. OLIVEIRA, Ariovaldo U. de. Os agrocombustíveis e os dilemas da agricultura camponesa e familiar. In: BERNARDES, Júlia A.; ARACRI, Luís Angelo dos S. (orgs.). Novas Fronteiras do Biodiesel na Amazônia: limites e desafios da incorporação da pequena produção agrícola. Rio de Janeiro: Arquimedes, 2011. PIRES DO RIO, Gisela A. Escalas de Política Energética: o programa nacional do biodiesel. In: BERNARDES, Júlia A.; ARACRI, Luís Angelo dos S. (orgs.). Novas Fronteiras do Biodiesel na Amazônia: limites e desafios da incorporação da pequena produção agrícola. Rio de Janeiro: Arquimedes, 2011. SANTOS, José Antonio L. dos. Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel: sujeição da renda da terra camponesa ao capital no território de Identidade de Irecê BA. Tese (Doutorado em Geografia Humana). FFLCH. Universidade de São Paulo. 2012. TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo S. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em Educação. São Paulo: Editora Atlas, 1987.