Procuradoria Geral da República Nº 6252 RJMB / tvm RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 631.792 / PR RELATOR : Ministro CELSO DE MELLO RECORRENTE : Soni Alvicio Kunzel RECORRIDA : União RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADO QUE RETORNA À ATIVIDADE. LEI Nº 8.212/91, ART. 12, 4º, E LEI Nº 9.032/95. SEGURADO OBRIGATÓRIO. LEGITIMIDADE DA EXIGÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE NO CUSTEIO DA SEGURIDADE SOCIAL. 1. A incidência de contribuição previdenciária sobre a remuneração do trabalhador aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social que retorna à atividade está amparada no princípio da universalidade no custeio da Previdência Social (CF, art. 195), corolário do princípio basilar da solidariedade. Precedente do STF. 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.105, adotou o entendimento majoritário de que não há qualquer tipo de correspondência necessária entre a contribuição exigida dos aposentados pelo RGPS e o incremento dos respectivos proventos. 3. Parecer pelo desprovimento do recurso extraordinário. Trata-se de recurso extraordinário interposto por Soni Alvicio Kunzel com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementado: PRESCRIÇÃO. LC N 118/2005. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. APOSENTADO QUE CONTINUA TRABALHANDO. O disposto no artigo 3 da LC n 118/2005 se aplica tão somente às ações ajuizadas a partir de 09 de junho de 2005, já que não pode ser considerado interpretativo, mas, ao contrário, vai de Procuradoria Geral da República SAF Sul Quadra 04 Lote 03 CEP 70.050-900 Brasília/DF
encontro à construção jurisprudencial pacífica sobre o tema da prescrição havida até a publicação desse normativo. Tendo a ação sido ajuizada em 23 de abril de 2008, posteriormente à entrada em vigor da Lei Complementar n 118/2005. restam prescritas as parcelas anteriores a 23 de abril de 2003. O artigo 12, 4, da Lei n 8.212/91 estabelece que o aposentado que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade laboral é segurado obrigatório da Previdência Social. A previdência social rege-se, precipuamente, pelo princípio da universalidade onde todos os trabalhadores devem contribuir para o custeio da Previdência. A lei manteve a contraprestação entre contribuição e benefício. A Constituição remete à lei os casos em que a contribuição repercute nos benefícios, sendo que a regra foi instituída justamente pelo artigo 18 da Lei n 8.213/91. Este, por sua vez, se coaduna com o disposto no art. 12, 4, da Lei n 8.212/91. (fls. 164) O Tribunal a quo entendeu ser devida a incidência de contribuição previdenciária sobre remuneração de trabalhador já aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e que retorna à atividade ( 4º do art. 12 da Lei nº 8.212/91, incluído pela Lei nº 9.032/95), ao fundamento de que a contribuição está amparada pelo princípio da solidariedade no custeio da seguridade social. O recurso extraordinário de fls. 199/225 suscita, preliminarmente, a repercussão geral devido à transcendência da controvérsia, apta a atingir um número indeterminado de aposentados que retorna ao trabalho. Assevera a relevância jurídica da questão, por ofender o v. acórdão os princípios da retributividade e da isonomia. No mérito, alega ofensa aos arts. 5, caput; 194, parágrafo único; 195, 5 ; e 201, 4, da Constituição Federal, sustentando, em síntese, não haver relação jurídica tributária a justificar o desconto de contribuição previdenciária pelo segurado aposentado que retorna à atividade. Afirma que, reconhecido o direito à restituição das contribuições previdenciárias indevidamente descontadas, o prazo prescricional deve ser computado da homologação do lançamento e não do pagamento indevido. Recurso tempestivo. Contrarrazões às fls. 239/247. Juízo prévio de admissibilidade à fl. 250. 2
Em síntese, os fatos de interesse. A controvérsia debatida nos autos tem indubitável repercussão geral devido à transcendência da questão, capaz de atingir um número significativo de aposentados que retorna à atividade. Além disso, tem relevância jurídica por versar sobre a aplicação de princípios constitucionais previdenciários, tais como: o da solidariedade e o da universalidade. A Constituição Federal elegeu como sistema de financiamento da previdência social o regime de repartição simples, que consiste na contribuição para um fundo único, responsável pelo pagamentos de todos os beneficiários. Esse regime de repartição é vinculado à sistemática do benefício definido, que preestabelece, por meio de lei, o valor a ser pago ao beneficiário, independentemente das reservas existentes, possibilitando, assim, a concessão de benefícios não programados, tais como prestações previdenciárias decorrentes de invalidez ou doenças. Isso implica dizer que o sistema previdenciário no Brasil observa o princípio da solidariedade, com vistas à tutela da inteira coletividade, na medida em que as pequenas contribuições individuais geram recursos suficientes para a criação de um manto protetor sobre todos, viabilizando a concessão de prestações previdenciárias em decorrência de eventos preestabelecidos. 1 Assim, do mesmo modo que o princípio da solidariedade autoriza a aposentadoria por invalidez independentemente do tempo de contribuição, ele também justifica a cobrança das contribuições de aposentado que retorna à atividade, pois a prestação não tem por finalidade única capitalizar futura contraprestação de caráter individual, mas objetiva, na verdade, prover e garantir a solvabilidade de todo o sistema, do conjunto dos benefícios. É esse o ensinamento do professor Fábio Zambitte Ibrahim, sobre o princípio da solidariedade: 1 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 4 ed. Rio de Janeiro: Impetrus, 2004, p. 51. 3
É este o princípio que permite e justifica uma pessoa poder ser aposentada por invalidez em seu primeiro dia de trabalho, sem ter qualquer contribuição recolhida para o sistema. Também é a solidariedade que justifica a cobrança de contribuições pelo aposentado que volta a trabalhar. Este deverá adimplir seus recolhimentos mensais, como qualquer trabalhador, mesmo sabendo que não poderá obter nova aposentadoria. A razão é a solidariedade: a contribuição de um não é exclusiva deste, mas sim para a manutenção de toda rede protetiva. 2 Desse modo, uma vez que o trabalhador aposentado retorna à atividade, terá que contribuir em prol do financiamento de todo o sistema, posto que a prestação, como já visto, não tem por finalidade única a posterior percepção de benefício individual. Ademais, o art. 201, 11, da CF delega à lei ordinária a fixação das hipóteses em que os ganhos habituais dos empregados serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios. Nesse diapasão, os arts. 2º e 3º da Lei nº 9.032/95, que alteram as Leis 8.212/91 e 8.213/91, ao disciplinarem que o aposentado que retornar ao trabalho, além de ter que contribuir para o INSS, não fará jus à prestação alguma da previdência social em decorrência do exercício dessa atividade, não contraria o supracitado dispositivo constitucional, mas atende ao referido princípio da solidariedade, por já perceber o segurado benefício oriundo dessa mesma fonte. É preciso ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 3.105/DF, adotou o entendimento de que não há qualquer tipo de correspondência necessária entre a contribuição exigida dos aposentados pelo Regime Geral de Previdência Social e o incremento dos respectivos proventos. 3 2 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 4 ed. Rio de Janeiro: Impetrus, 2004, p. 52. 3 ADI 3.105/DF, Rel. p/ acórdão Ministro Cezar Peluso, DJ de 18.02.2005. 4
A Primeira Turma do Supremo Tribunal, aplicando o entendimento adotado pela maioria na ADI 3.105, assim decidiu em precedente idêntico ao dos presentes autos: EMENTA: Contribuição previdenciária: aposentado que retorna à atividade: CF, art. 201, 4º; L. 8.212/91 art. 12: aplicação à espécie, mutatis mutandis, da decisão plenária da ADIn 3.105, red. p/ acórdão Peluso, DJ de 18.2.05. A contribuição previdenciária do aposentado que retorna à atividade está amparada no princípio da universalidade do custeio da Previdência Social (CF, art. 195); o art. 201, 4º, da Constituição Federal 'remete à lei os casos em que a contribuição repercute nos benefícios'. (RE 437.6401/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 02.03.2007). Na oportunidade, anotou o eminente relator, Ministro Sepúlveda Pertence, ao rejeitar a arguição de inconstitucionalidade da exigência de contribuição previdenciária do trabalhador-aposentado pelo RGPS, a seguinte consideração: Tenho, assim, que improcede a argüição de inconstitucionalidade, com mais razão no que toca, como na espécie, ao segurado submetido ao regime previdenciário geral, em relação ao qual o princípio da universalidade da contribuição, corolário daquele, basilar, da solidariedade, vem do texto original da Lei Fundamental. Ante o exposto, opina o Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso extraordinário. Brasília, 22 de novembro de 2011. Rodrigo Janot Monteiro de Barros Subprocurador-Geral da República 5