Revista Processus de Estudos de Gestão, Jurídicos e Financeiros Ano IV Número 10 ABR/JUN ISSN: Leonardo Gomes de Aquino

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DIREITOS REAIS SOBRE COISAS ALHEIAS: DIREITO DE SUPERFÍCIE 1 Resumo: Este texto procura apontar as evidencia do instituto da superfície, perpassando pela abrangência do termo direita real sobre coisa alheia, demonstrando que o direito de superfície existe duas propriedades paralelas. O direito de superfície poderá ser constituído, por atos inter vivos ou causa mortis, observadas as regras gerais de constituição do direito, como a necessidade de escritura pública e o registro no cartório imobiliário. Palavras-chave: Superfície. Testamento. Escritura pública. Extinção. Abstract: This paper seeks to point out the highlights of the institute's surface, passing by the scope of the term real right about something unrelated, demonstrating that the right surface there are two parallel properties. The right surface may be constituted by acts inter vivos or causa mortis, considering the general rules of eligibility, such as the need for deed and record in office real estate. Keywords: surface. Testament. Deed. Extinction. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Não há dúvida de que a propriedade é direito real mais amplo, pela possibilidade de usar, gozar e dispor da coisa. No entanto, outros direitos adquiriram o status de direito real, assim chamados obrigações com eficácia real, tais como: a servidão, o usufruto e o direito do compromissório comprador de imóvel, com registro imobiliário. São direitos sobre coisas alheias, os previstos no art. 1.225 CC, bem como em leis especiais. O direito real consiste no poder jurídico, direto e imediato, do titular sobre a coisa, com exclusividade e contra todos. Tem como elementos essenciais o sujeito ativo, a coisa e a relação ou poder do sujeito ativo sobre a coisa, chamado domínio. O domínio 1 Advogado. Mestre em Direito. Professor Universitário. Contato com o autor: (lgomesa@ig.com.br). [15]

é o direito real mais completo e confere ao seu titular os poderes de usar, gozar e dispor de seus bens, assim como de reavê-los do poder de quem injustamente os possua. Quando todas essas prerrogativas se acham reunidas em uma só pessoa, diz-se que é titular da propriedade plena; entretanto, quando algum ou alguns dos poderes inerentes ao domínio se destacarem e se incorporarem ao patrimônio de outra pessoa, teremos a propriedade limitada, por exemplo, no usufruto, o direito de usar e gozar ficam com o usufrutuário, permanecendo com o nu-proprietário somente o de dispor e reivindicar a coisa; em razão desse desmembramento, o usufrutuário, passa a ter um direito real sobre coisa alheia, sendo oponível erga omnes. Assim, o direito real sobre coisa alheia é o de receber, por meio de norma jurídica, permissão do seu proprietário para usá-la ou tê-la como se fosse sua, em determinadas circunstâncias ou sob condição, de acordo com a lei e com o que foi estabelecido, em contrato válido. Dessa forma, a ideia desse texto é proporcionar uma leitura acerca do instituto da superfície. 1) CONSIDERAÇÕES INICIAIS O CC 2002 extinguiu a enfiteuse do Direito Privado 2 e introduziu o direito de superfície oneroso ou gratuito, tendo como objeto tanto terreno urbano como rural, e o objetivo das construções poderá ter a amplitude que advier da necessidade do homem, já em relação às plantações ser perenes e não temporárias. As construções no subsolo só podem ir à profundidade inerente à concessão (art. 1.369 a 1.377, CC). Em relação às pessoas jurídicas, de direito público interno, devem-se observar de lei especial quando se tratar de direito de superfície (art. 1.377, CC). 2) CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA O CC dispõe que o proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.369). 2 Enfiteuse no Direito Público da União permanece pelo Decreto-Lei nº 9.760/46. [16]

Tomando por empréstimo o conceito de alguns juristas, temos que a superfície consiste no direito real de construir, assentar qualquer obra, ou plantar em solo de outrem. Nos dizeres de José de Oliveira Ascensão 3, superfície pode ser simplesmente definida como o direito real de ter coisa própria incorporada em terreno alheio" e complementa é o direito real de ter uma construção ou plantação em terreno alheio. Ricardo Pereira Lira 4, por sua vez, dá-nos um conceito mais abrangente. Segundo ele, o conceito é o seguinte: é o direito real autônomo, temporário ou perpétuo, de fazer ou manter construção ou plantação sobre ou sob terreno alheio; é a propriedade separada do solo dessa construção ou plantação, bem como é a propriedade decorrente da aquisição feita ao dono do solo de construção ou plantação já nele existente. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 5 demonstram que o o direito de superfície consiste na faculdade que o proprietário possui de conceder a um terceiro, tido como superficiário, a propriedade das construções e plantações que este sobre ou sob o solo alheio (solo, subsolo ou espaço aéreo de terreno), por tempo determinado ou sem prazo, desde que promova a escritura pública no registro imobiliário. Washington de Barros Monteiro afirma que o direito de superfície é o direito de uma pessoa de ter a propriedade de edificações ou plantações feitas em terreno alheio, com pleno consentimento do proprietário deste terreno. 6 O Estatuto da Cidade prevê nos arts. 21 a 24, o direito de superfície, mas o art. 2º, parágrafo 1º, da Lei de Introdução do CC, dispõe que a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Assim, leciono a prerrogativa que estes art.s não se encontram tacitamente revogados, uma vez que trata 3 ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito civil reais. 5ªed., Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 525. 4 LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p.14. 5 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2009, p. 415. 6 RT, 541:301. [17]

a matéria de forma diferente do CC. Preleciona de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 7 : a lei nº 10.257/01 é especial e a sua finalidade e essência são distintas do modelo que agora é apresentado pelo CC. O Estatuto da Cidade regula a disciplina urbanística e deseja promoverem a função social da cidade, tornando-a sustentável e dotada de considerações dignas de vida. Já no CC o direito de superfície é um instrumento destinado a atender interesses e necessidades privadas. O Enunciado nº 93, da 1ª Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho de Justiça Federal, dispôs que as normas previstas no CC, regulando o direito de superfície, não revogam as normas relativas a direito de superfície constantes do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), por ser instrumento de política de desenvolvimento urbano. É certo que tanto o Estatuto da Cidade como o CC é omisso quanto à natureza jurídica do direito de superfície, assim, discute-se se o direito de superfície constituiria em um direito real sobre coisa alheia ou se haveria um verdadeiro domínio sobre a res superficiária (direito de propriedade)? Observando as características deste direito, podemos afirmar que existem duas propriedades paralelas, a do superficiário e a do proprietário. Ricardo Cesar Pereira Lira 8 coloca que o direito de superfície possui três momentos possíveis na relação superficiária: a) o direito real de construir ou plantar em solo alheio; b) a propriedade separada da superficiária, efeito da concreção do direito real de construir ou de plantar em solo alheio; c) a propriedade separada superficiária, efeito da alienação que o dominus soli faz a outrem de construção já existente, efeito da alienação separada que o dominus soli faz a duas pessoas transferindo a uma o solo, à outra a construção já existente. 7 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2009, p. 402. 8 LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de direito urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 56. [18]

O direito de superfície é um direito complexo que apresenta distintas facetas, conforme se tenha em mira um ou outro sujeito da relação superficiária: analisada sob o ângulo do proprietário ou fundieiro, a que superfície tem natureza jurídica de um direito de propriedade, incidente sobre o solo (subsolo e espaço aéreo), tendo ele o direito de exercer todos os poderes inerentes ao domínio 9, e analisada sob o ângulo do superficiário, a superfície pode assumir dupla configuração: sendo mera concessão ad aedificandum ou ad plantandum, é direito real sobre coisa alheia, e será verdadeiro domínio (direito de propriedade), com todos os poderes que lhe são inerentes, em relação às plantações ou construções preexistentes ou resultantes do exercício da referida concessão. 10 Na opinião de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 11 o direito de superfície tem uma natureza dupla, pois a sua formação resulta de uma concessão do titular da propriedade para fins de futura edificação (sobre ou sub o solo) ou plantação, que, quando caracterizada pelo superficiário (concessionário), converterá o direito inicialmente incorpóreo, em um bem materialmente autônomo à propriedade do solo concedente. Analisando o ordenamento brasileiro, o direito de superfície trata-se de uma concessão temporária, sendo que o contrato fixa o tempo de duração do exercício do uso do terreno. Surgiria, então, uma propriedade resolúvel 12. Com o termo do contrato extinguir-se-ia o direito de superfície, e o proprietário teria novamente plenos poderes sobre o prédio. O superficiário assume a posse direta da coisa tendo o direito de plantar e edificar, não sendo este perpétuo. Haverá direito de preferência e pagamento se a concessão for onerosa (art. 1.373, CC). 9 Esta posição foi adotada pelo CC de 2002. 10 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituição de Direito civil. v. IV, 19ª ed. São Paulo: Saraiva. 2005, p. 98. 11 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2009, p. 405. 12 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2009, p. 403. [19]

alheio. 13 O direito de superfície é um direito real de uso e gozo e fruição sobre direito 3) CONSTITUIÇÃO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE O direito de superfície poderá ser constituído, por atos inter vivos ou causa mortis, observadas as regras gerais de constituição do direito, como a necessidade de escritura pública e o registro no cartório imobiliário. Pode ser a título gratuito ou oneroso, que poderá ser feito parceladamente ou de uma única vez. Admite-se a constituição do direito de superfície por cisão, em que o proprietário aliena apenas a acessão, preservando o domínio do solo. 14 A superfície pode ser constituída por testamento ou contrato. O contrato é o modo mais comum, mas para ter eficácia deve ser elaborada uma escritura pública que deverá ser levada ao registro público de imóveis competente. Poderá ser também realizada por meio de um testamento que só produzirá efeito após a sua abertura, devendo, no entanto existir a delimitação o objeto, modo de utilização, extensão da superfície, além é claro de outras cláusulas, como se a superfiei é onerosa ou gratuita. Há autores que vislumbram a aquisição do direito de superfície por usucapião. No entanto, é uma situação que é possível, desde que uma pessoa atue como superficiária, em face do proprietário, que suporta esta situação, o direito poderá ser adquirido. Mas estes que advogam esta posição se esquecem de que é de difícil concepção uma posse somente circunscrita à construção ou plantação, sem considerá-la abrangente ao solo. Seria mais fácil o usucapiente tornar possuidor do direito de propriedade, desde que tenha os requisitos previstos em lei para a concepção da usucapião. 15 13 Paulo Nader afirma que o direito de superfície não possui natureza de direito real sobre coisa alheia, sob o argumento de que o superficiário não possui direito sobre o solo, mas de construir ou plantar. NADER, Paulo. Curso de Direito civil. direito das coisas. v. 4. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 358. Já Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald afirmam que o direito de superfície é ao mesmo tempo um direito real sobre coisa alheia e uma verdadeira propriedade. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2009, p. 403. 14 Enunciado nº 250, da 3ª Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho Federal de Justiça. 15 LIRA, Ricardo. O Moderno Direito de Superfície (Ensaio de uma teoria Geral). Revista de Direito da Procuradoria Geral do Rio de Janeiro, vol.35, ano 1979, p.15 apud CASTRO, Mônica. Direito de superfície na Lei 10.257/2001 (uma primeira leitura). Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2244>. [Acesso em: 16 jun. 2013.] [20]

Marco Aurélio Bezerra de Melo afirma que a superfície poderá ocorrer também por forca de uma decisão administrativa, como uma concessão de uso na forma do DL. 271/67 e Medida Provisória n. 2.220/01. 16 De acordo com o CC o prazo para a concessão deve ser determinado mesmo que durem 60 anos. 4) DIREITOS E DEVERES DO PROPRIETÁRIO E DO SUPERFICIÁRIO Após a constituição do direito de superfície, o superficiário terá o direito de construir ou plantar no imóvel, e conservar a coisa superficiária, tendo sua posse direta, ficando o proprietário com a posse indireta e o dever de não lhe turbar ou esbulhar. Diante da divergência da existência de dois direitos reais distintos, é cabível a instituição de outros direitos reais de uso, gozo e garantia sobre um e outro separadamente. O Enunciado nº 249, da 3ª Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho Federal de Justiça, prevê que a propriedade superficiária pode ser autonomamente objeto de direitos de gozo e de garantia, cujo prazo não exceda a duração da concessão da superfície, não se lhe aplicando o CC. Cabe ao superficiário o pagamento do canon no caso de concessão onerosa que poderá ser feita de uma única vez ou parceladamente ao proprietário, bem como o pagamento dos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel, pois se trata de uma obrigação proptem rem (art. 1.371, CC). A justificativa do art. 1.371, CC, reside na circunstância de que o superficiário tem consigo o direito de utilizar o terreno para a construção ou plantio, dele retirando vantagens de caráter econômico, ao passo que o fundieiro (proprietário) do terreno fica pelo lapso temporal acordado privado de certos atributos do domínio. Não há qualquer pagamento se houver a transferência do direito de superfície, podendo ser tanto por ato inter vivos ou causa mortis. Isso significa que não pode ocorrer estipulação na escritura pública qualquer tipo de pagamento ao proprietário no caso de transferência do direito de superfície. Assim, a transferência do direito de superfície pode ser tanto gratuita como onerosa (art. 1.372, parágrafo 1º, CC). Entretanto, havendo a alienação dos direitos tanto do superficiário como do fundeiro (proprietário), este tem o direito de preferência, em igualdade de condições 16 MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Direito das coisas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 290. [21]

(art. 1.373, CC). Aplicando na opinião de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 17 o art. 504, do CC e na opinião de Pablo Stolze Gacliano 18, deve ser aplicado na omissão legislativa o art. 513, do CC. Comentando esta questão, Sílvio de Salvo Venosa 19 anota que o Código não disciplina no capítulo específico a forma pela qual deve ser dada a preferência. O proprietário ou o superficiário deve tomar conhecimento da proposta respectiva para poder exercer sua preferência tanto por tanto. A preempção é regulada no presente Código, nos arts. 513 ss. O art. 517 se refere ao prazo de 60 dias para imóveis, para o exercício da prelação, após a notificação. Quando não for concedido esse direito de preferência, responderá aquele que deixou de concedê-la por perdas e danos, respondendo também, solidariamente o adquirente, se tiver agido de má-fé (art. 518). Não existe a possibilidade de o preterido na preempção deixar o preço e haver para si a coisa, como autoriza a lei de inquilinato. Não existe na lei nada que autorize a conclusão que o direito de preferência na superfície seja de natureza real. Nesse diapasão o Enunciado nº 509 da V Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho Federal de Justiça dispõe que: Ao superficiário que não foi previamente notificado pelo proprietário para exercer o direito de preferência previsto no art. 1.373 do CC é assegurado o direito de, no prazo de seis meses, contado do registro da alienação, adjudicar para si o bem mediante depósito do preço. Cumpre-se observar que outros direitos e deveres podem ser convencionados pelas partes no respectivo título constitutivo, desde que respeitados os princípios gerais dedutíveis da natureza do instituto. Assim, sugere o Enunciado nº 94, da 1ª Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho Federal de Justiça: as partes têm plena liberdade para deliberar, no contrato respectivo, sobre o rateio dos encargos e tributos que incidirão sobre a área objeto da 17 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2009, p. 407. 18 GACLIANO, Pablo Stolze. Código Civil. comentado art.s 1.369 a 1.418. v. XIII. Coordenador Álvaro Villaça Azevedo. São Paulo: Atlas, 2004, p. 39-42. 19 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. v. IV. São Paulo: Atlas, 2013, p. 456. [22]

concessão do direito de superfície. Complementando esta ideia o Conselho Federal de Justiça, na 4ª Jornada de Direito Civil prescreveu referente ao art. 1.369 que os direitos e obrigações vinculados ao terreno e, bem assim, aqueles vinculados à construção ou à plantação formam patrimônios distintos e autônomos, respondendo cada um dos seus titulares exclusivamente por suas próprias dívidas e obrigações, ressalvadas as fiscais decorrentes do imóvel. 5) EXTINÇÃO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE a) O vencimento do prazo convencionado no contrato, lembrando que o art. 1.369, CC não admite a estipulação do prazo indeterminado; b) O perecimento das construções ou plantações existentes no imóvel induz à extinção, se de tal monta que reste inviabilizada a reconstrução ou a renovação das plantações; c) A confusão, que significa reunir, na mesma pessoa, as qualidades de fundeiro e superficiário; d) A renúncia, devendo ser expressa; e) O abandono, revelado na conduta ostentada pelo titular de direito, mesa que nem sempre de modo expresso, indicativa da vontade de não mais manter a relação de proveito da superfície. f) A desapropriação, cabendo neste caso indenização tanto ao proprietário (fundeiro) como ao superficiário (art. 1.376, CC). O Enunciado nº 322 da 4ª Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho Federal de Justiça, dispõe que o momento da desapropriação e as condições da concessão superficiária serão considerados para fins da divisão do montante indenizatório (art. 1.376), constituindo-se litisconsórcio passivo necessário simples entre proprietário e superficiário. g) O não cumprimento das cláusulas contratuais (art. 1.374, CC), tais como a recusa ao pagamento do tributo e danos causados no imóvel 20, podendo ter que responder por perdas e danos ao fundieiro. 20 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2009, p. 411. [23]

i) Caso o superficiário der destinação diversa daquela que foi concedida, antes do advento do termo (art. 1.374, CC), devendo neste caso, o fundieiro poderá ter o reconhecimento da extinção do direito por meio de ação declaratória em caso de o superficiário se negar a entregar o bem, bem como ter ajuizado contra si uma ação possessória. 21 Conclusões O direito de superfície é um direito real sobre coisa alheia, em que o titular da propriedade autoriza, mediante a escritura pública registrada no cartório competente pelo imóvel, outrem a usar como se dono fosse as construções e plantações que estejam sobre ou sob o solo alheio (solo, subsolo ou espaço aéreo de terreno), por tempo determinado ou sem prazo. REFERÊNCIAS ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito civil reais. 5ªed., Coimbra: Coimbra Editora, 2000. BRASILIA. Enunciados, da 1ª Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho Federal de Justiça.. Enunciados, da 3ª Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho Federal de Justiça.. Enunciados, da 4ª Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho Federal de Justiça.. Enunciados, da 5ª Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho Federal de Justiça. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2009. GACLIANO, Pablo Stolze. Código Civil. comentado art.s 1.369 a 1.418. v. XIII. Coordenador Álvaro Villaça Azevedo. São Paulo: Atlas, 2004. 21 GACLIANO, Pablo Stolze. Código Civil. comentado art.s 1.369 a 1.418. v. XIII. Coordenador Álvaro Villaça Azevedo. São Paulo: Atlas, 2004, p. 45. [24]

LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Direito das coisas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. NADER, Paulo. Curso de Direito civil. direito das coisas. v. 4. Rio de Janeiro: Forense, 2012. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituição de Direito civil. v. IV, 19ª ed. São Paulo: Saraiva. 2005. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. v. IV. São Paulo: Atlas, 2013. [25]