DISFAGIA NEUROGÊNICA INFANTIL DYSPHAGIA NEUROLOGICAL IN CHILDREN

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Transcrição:

DISFAGIA NEUROGÊNICA INFANTIL DYSPHAGIA NEUROLOGICAL IN CHILDREN Rosyane Rios* RESUMO Este estudo teve como objetivo enfocar a necessidade da intervenção fonoaudiológica em crianças com problemas neurológicos que apresentam disfagia. A pesquisa procura, através da revisão bibliográfica, descrever as formas de reabilitação e suas técnicas. Pelo fato de a disfagia ser um processo complexo que envolve várias áreas médicas e terapêuticas, torna-se importante o trabalho multidisciplinar. Este trabalho auxilia muitas vezes no direcionamento da reabilitação fonoaudiológica, podendo assim aumentar a qualidade do atendimento terapêutico. Descritores: Disfagia, Reabilitação, trabalho multidisciplinar, distúrbios da deglutição. ABSTRACT This study had as the objective to focus the importance and necessity of a phonological intervention among neurological children that present dysphagia. By a bibliographical review, the research tries to describe the rehabilitation methods and their techniques. A multi-disciplinary work is very important since dysphagia is a complex process which involves many medical and therapeutic areas. This work often facilitates the administration of the phonological rehabilitation, improving the quality of the therapeutic assistance. Keywords: Swallowing disorders multidisciplinary team. Rehabilitation Dysphagia * Fonoaudióloga clínica com Especialização em Motricidade Oral Hospitalar pelo CEFAC. Orientadora: Profa. Dra. Mirian Goldenberg. 84

DISFAGIA NEUROGÊNICA INFANTIL INTRODUÇÃO A fonoaudiologia é uma ciência com área de atuação ampla. Dentro das diversas áreas de atuação fonoaudiológica, aquela que particularmente interessa neste trabalho é a disfagia em crianças neurológicas. Observa-se uma grande preocupação, tanto por parte dos autores, que pesquisam o tema, como por parte dos familiares, quanto à dificuldade em deglutir que as crianças neurológicas apresentam e suas possíveis conseqüências. O trabalho fonoaudiológico visa propiciar, a esta criança, meios para transpor as dificuldades alimentares de forma menos agressiva, evitando o uso de sondas (quando possível), e os processos infecciosos, como as pneumonias aspirativas. A prática fonoaudiológica específica em disfagia tem evoluído muito de alguns anos para cá, e a realização deste trabalho necessita de profissionais cada vez mais qualificados. É importante a terapia fonoaudiológica no processo de reabilitação para que a criança neurológica tenha uma melhor qualidade de vida. DISCUSSÃO TEÓRICA A disfagia (dificuldade em deglutir) pode trazer sérias conseqüências para a saúde da criança, caso esta aspire alimento ou até mesmo saliva para a via aérea respiratória. Inicialmente será abordado o processo de deglutição normal e mais adiante será enfocada a disfagia neurogênica infantil. FURKIM E MARTINEZ (1998) afirmam que a deglutição é um processo complexo, que depende de uma série de interações neuromusculares coordenadas entre o sistema nervoso central (SNC) e os componentes musculares que envolvem o ato de deglutir. MANRIQUE (1998) ressalta que o processo da deglutição envolve as estruturas da cavidade oral, faringe, laringe e esôfago. FISIOLOGIA DA DEGLUTIÇÃO O conhecimento da fisiologia da deglutição é de fundamental importância para a compreensão das inter-relações multifatoriais envolvidas nas disfagias neurogênicas. As fases da deglutição atuam de forma seqüenciada e têm suas especificidades, que devem ser conhecidas para se entender em qual fase o processo disfágico é mais predominante. LOGEMANN (1983) afirma que o ato da deglutição pode ser dividido em 4 fases: 1ª Fase Preparatória: quando o alimento é manipulado na boca ou ainda mastigado, quando necessário. 2ª Fase Oral (fase voluntária da deglutição): quando a língua impulsiona o alimento para trás até o disparo do reflexo da deglutição. 3ª Fase Faríngea: do disparo do reflexo da deglutição carregando o bolo através da faringe. 4ª Fase Esofágica: quando a peristalse esofágica carrega o bolo através do esôfago cervical e torácico até o estômago. Será visto a seguir que a disfagia ocorre quando uma ou mais fases da deglutição estiverem comprometidas. DISFAGIA O atendimento terapêutico das disfagias é uma prática relativamente recente. Para FURKIM E MARTINEZ (1998), a disfagia é uma desordem da deglutição que pode acometer uma ou mais fases da deglutição (fase preparatória, fase oral, fase faríngea e/ou fase esofágica). MARCHESAN (1995) destaca que a disfagia não é uma doença, mas sim um sintoma de uma patologia de base. BUCHHOLZ (1994) denomina disfagia neurogênica como uma desordem da deglutição em pacientes com comprometimento neurológico. Neste trabalho, o enfoque recairá sobre a disfagia neurogênica infantil. Por isso será abordada a paralisia cerebral, onde o número de crianças que apresentam disfagia é grande e bem significativo. PARALISIA CEREBRAL É muito comum crianças com paralisia cerebral (PC) apresentarem dificuldade para se alimentar principalmente por seus comprometimentos motores. TABITH (1995) refere que o Little Club de Oxford, desde 1958, define paralisia cerebral como sendo seqüela de uma agressão encefálica, que se caracteriza por um transtorno persistente, mas não invariável, do tônus, postura e por fim do movimento. Aparece na primeira infância e não só é diretamente secundária a essa lesão não evolutiva do cérebro, como também devida à influência que esta lesão exerce sobre a maturação neurológica. 85

CLASSIFICAÇÃO DA PC A classificação é baseada nos efeitos funcionais, ou seja, onde se localiza a lesão cerebral. TABITH (1995) menciona 7 tipos de envolvimento neuromuscular: espasticidade; atetose; ataxia; tremor; rigidez; atonia; misto. TABITH (1995) afirma ainda que os 3 primeiros são mais comuns, sendo encontrados com maior freqüência na prática diária. Por isso aqui serão abordados somente estes 3 envolvimentos neuromusculares: Espástico: comprometimento do sistema piramidal. Caracteriza-se por espasticidade, hiper-reflexia e aumento do tônus muscular. Na alimentação encontra-se: perda de líquido e alimento pela falta de vedamento labial e de controle de língua; protrusão exacerbada de língua; lábios retraídos; formação e controle do bolo diminuído; aumento no trânsito oral; dificuldade em lidar com texturas muito finas ou muito grossas; fechamento velofaríngeo inadequado; anormalidades estruturais (exemplo: palato ogival); inabilidade entre respiração/sucção; controle de mandíbula pobre; peristalse faríngea diminuída; posicionamento compensatório durante a deglutição; sialorréia; infecção respiratória devida à aspiração. Atetóide: comprometimento do sistema extrapiramidal. Caracteriza-se pela presença de movimentos involuntários patológicos (atetose) e variação do tônus muscular. Na alimentação encontram-se: perda de líquido e alimento devida à falta de controle de língua; retração do lábio inferior; coordenação prejudicada no movimento de língua e lábio; incoordenação respiração/sucção; sialorréia; dificuldade na manipulação do bolo. Atáxico: comprometimento do cerebelo e vias cerebelares. Caracteriza-se por transtornos do equilíbrio, hipotonia muscular e falta de coordenação em atividades musculares voluntárias. Na alimentação encontram-se: incoordenação da deglutição e respiração; sialorréia; pode apresentar qualquer combinação dos padrões de alimentação do atetóide ou do espástico. Os sinais de disfagia mais comuns encontrados em crianças portadoras de PC são: alteração da musculatura oral; comportamentos reflexos inapropriados; inabilidade em segurar o bolo pela incoordenação do lábio, dificultando assim o vedamento. Pode ocorrer escape de líquido ou alimento da cavidade oral; alteração da tonicidade e coordenação da língua dificultando a realização do movimento ondulatório do bolo da região anterior para a região posterior; alteração da sensibilidade intra-oral, podendo permitir que o alimento caia nos sulcos laterais. CLASSIFICAÇÃO DA DISFAGIA Na avaliação fonoaudiológica do paciente disfágico é importante que seja classificada a disfagia, pois assim a reabilitação terá um planejamento mais direcionado. No REHABILITATION INSTITUTE OF CHICAGO (1994) foi padronizada uma escala funcional de níveis de disfagia onde encontra-se a seguinte classificação: Disfagia severa (não funcional) alimentação total por métodos alternativos; ingestão por via oral (VO) proibida ; testes com alimento somente por especialistas. Disfagia moderadamente severa alimentação predominantemente não oral; supervisão constante; sucesso inconsistente com alimento por VO; alimento VO supervisionado pelo fonoaudiólogo e em pequena quantidade. Disfagia moderada métodos alternativos de alimentação; requer total supervisão; envolvimento maior da família e enfermagem com supervisão fonoaudiológica; introdução de novos itens na dieta pelo fonoaudiólogo. 86

DISFAGIA NEUROGÊNICA INFANTIL Disfagia moderadamente leve maior segurança com definição de determinadas consistências; ainda pode ter dificuldade com líquidos finos e sólidos; alimento deve ser oferecido pela enfermagem sob supervisão. Disfagia leve recebe dieta comum com algumas restrições; pode ainda fazer uso de técnicas ou procedimentos facilitatórios; já não precisa de supervisão constante. Disfagia mínima recebe dieta comum sem restrições; não necessita de supervisão; episódios ocasionais de tosse com líquidos ou sólidos. Deglutição normal alimentação independente; competência e segurança total na deglutição. NUTRIÇÃO EM DISFAGIA Os profissionais que atuam com a criança disfágica devem estar atentos aos sinais de deficiência nutricional. São eles: irritabilidade, diminuição da capacidade de atenção, mudanças no hábito alimentar, fome, sede e piora na função da deglutição. Para STANICH (1998), estado nutricional (EN) é o grau pelo qual a necessidade fisiológica de nutrientes do indivíduo está sendo atendida através do alimento que está sendo ingerido. A avaliação nutricional é uma medida preventiva para evitar deterioração do EN. É a nutricionista quem realiza essa avaliação. A dieta adequada é aquela composta por diversos nutrientes que o organismo necessita para os processos vitais, crescimento e desenvolvimento. Quando o EN não está adequado, são utilizadas dietas enriquecidas ou suplementos nutricionais. Segundo MACEDO (1999), alguns pacientes disfágicos apresentam refluxo gastroesofágico (RGE); às vezes esse refluxo é até a causa da disfagia. Nesse caso, o acompanhamento nutricional é indispensável por poder prevenir situações que agravariam em EN limítrofe. TANAKA (1999) escreve que esses pacientes devem evitar: sucos cítricos (laranja, abacaxi, tomate e morango); alimentos gordurosos; chocolates, café, álcool; evitar grandes volumes alimentares; não dormir logo após as refeições; dormir com a cabeceira da cama elevada. Caso o indivíduo apresente grau severo de disfagia com risco de aspiração, faz-se necessária a introdução da sonda. Para indicar a colocação da sonda, deve-se levar em conta o tempo que será necessária para a criança ficar sondada. FURKIM E MARTINEZ (1998) ressaltam que alguns médicos indicam gastrostomia caso seja necessário mais de 1 mês com sonda; outros médicos acham que só após o terceiro mês da sonda nasoentérica é que se deve fazer gastrostomia. Hoje em dia a gastrostomia é realizada por via endoscópica percutânea, dispensando o procedimento cirúrgico. Pode-se concluir que a parte nutricional tem grande influência na vida das crianças disfágicas, sendo que o trabalho multidisciplinar torna-se cada vez mais necessário, visando sempre à melhora de sua saúde. MEDICAMENTOS NA DISFAGIA Hoje em dia existem muitas drogas que levam à disfagia. Para a criança com alteração neurológica, o medicamento mais usado são os benzodiazepínicos (usados como anticonvulsivante). Essa droga pode interferir na deglutição, levando a um quadro de disfagia. Segundo CAMPBELL (1997), os benzodiazepínicos podem causar efeitos na força, mobilidade e coordenação da musculatura oral e facial. Podem ainda causar xerostomia (boca seca), pois deprimem o desempenho da deglutição em virtude da atividade excessiva das sinapses mediadas pelos receptores GABA. É importante ressaltar que a deglutição pode tornar-se seriamente comprometida pela falta de saliva, pois a mesma ajuda na formação do bolo alimentar. Para DANTAS (1999), muitas drogas, além de reduzirem o volume de saliva, também aumentam a sua viscosidade, outro mecanismo que dificulta a deglutição. CAMPBELL (1997) acredita que existem muitos antibióticos que promovem o RGE, aumentando o risco de aspiração do conteúdo estomacal. A aspiração do RGE é uma das causas que levam à broncopneumonia em pacientes vulneráveis. 87

O conhecimento extensivo das drogas e seus efeitos na disfagia é de grande importância, pois estas interferem diretamente no apetite, nutrição e hidratação do paciente. AVALIAÇÃO DA DISFAGIA O objetivo fonoaudiológico na avaliação da disfagia é obter o máximo de informações para determinar as condutas necessárias para aquele paciente e elaborar sua reabilitação. A avaliação da disfagia deve ser minuciosa para que o terapeuta saiba o que está ocorrendo no processo da deglutição da criança. Será descrita a seguir, a avaliação fonoaudiológica da disfagia, com base nos relatos de FURKIM E MARTINEZ (1998). Avaliação funcional Durante a avaliação funcional, o paciente é observado em uma refeição, onde será realizada a ausculta cervical da deglutição com bolo. São testadas 3 consistências: sólida, pastosa e líquida. Aqui será observada a presença ou não de sinais clínicos de aspiração, controle do bolo na cavidade oral e mobilidade da laringe. Estado nutricional doenças pulmonares; medicações que afetam a deglutição; observar mudanças de apetite, boca seca, dor na garganta, regurgitação, pois são indicativos de disfagia. Estado respiratório existem sintomas respiratórios que estão ligados diretamente à disfagia. Ex.: tosse crônica, respiração encurtada, asma. História de aspiração pneumonias aspirativas são indicativas de disfagia. Métodos de alimentação verificar quantidade ingerida por VO; verificar se utiliza sonda nasogástrica (SNG), gastrostomia ou jejunostomia; se a via for parcial, deve-se colocar a porcentagem de via oral, consistência, volume e utensílios; importante saber o tempo que o indivíduo leva durante a alimentação. Posicionamento observar em qual posição o paciente se alimenta; posicioná-lo da melhor maneira possível durante a avaliação: inclinado, cadeira ou cadeira de roda. Engasgos questionar a mãe sobre quando e como os engasgos ocorrem e com que freqüência. Observar o funcionamento motor oral, faríngeo e laríngeo observar a postura de repouso (tônus, simetria, movimentos involuntários ou não); tônus em ação; sialorréia presente ou ausente. Tosse se houver tosse, anotar, pois a presença desta fornece informações sobre o fechamento laríngeo e proteção da VA ou até mesmo resíduos em recessos faríngeos (seios piriformes e valécula). Reflexo de Gag (vômito) comparar o reflexo dos 2 lados. A ausência ou diminuição do reflexo pode indicar disfunção de nervo craniano e conseqüente desproteção da VA. Deglutição utilizar a técnica dos 4 dedos para verificar o tempo de trânsito orofaríngeo e elevação de laringe. Posiciona-se o indicador na mandíbula, o dedo médio no osso hióideo, o anular e o mínimo nas cartilagens tireóide e cricóide. O primeiro movimento lingual é sentido pelos 2 primeiros dedos, no início da propulsão posterior do bolo. Quando o reflexo inicia, a laringe eleva-se e o osso hióideo sobe e desce marcando o fim da fase oral. Isso ocorre em 1 segundo. Se ultrapassar 1 segundo, não está normal. Resposta a estimulação observar respostas a toques em lábios e língua, retração, protrusão, reflexos orais e deglutição. Indicação de possíveis aspirações atenção reduzida; resposta a estimulação reduzida; ausência da deglutição voluntária; ausência de tosse (caso a aspiração seja silenciosa); excesso de secreção; diminuição da força dos movimentos orais, faríngeos e laríngeos. Finalizada a avaliação, inicia-se o processo de reabilitação da deglutição. REABILITAÇÃO NA DISFAGIA A conduta de reabilitação na criança disfágica portadora de PC será a de melhorar o controle funcional nas fases preparatória, oral e/ou faríngea. 88

DISFAGIA NEUROGÊNICA INFANTIL FURKIM E MARTINEZ (1998) descrevem que, para estabelecer qual será a reabilitação utilizada, é necessário saber o tipo de controle nutricional que aquela criança precisa, além de decidir se a terapia será direta (com introdução de alimento) ou indireta (sem alimento). O objetivo é restabelecer alimentação VO e ao mesmo tempo manter uma nutrição adequada. TERAPIA DIRETA A terapia direta indica introdução do alimento VO, pois o paciente não tem alto risco para aspirar. Se o paciente estiver aspirando mais de 10% do bolo que está na sua cavidade oral, a terapia será indireta para que não haja risco de aspiração. Para FURKIM E MARTINEZ (1998), a reintrodução da alimentação por VO deve ser sempre orientada por um fonoaudiólogo. No período que o paciente estiver em terapia direta, deve-se fazer um trabalho com o médico, tomando sempre cuidado para que o paciente não aspire. TERAPIA INDIRETA Nessa terapia não é utilizado alimento, pois o paciente tem um alto risco para aspirar. Os exercícios descritos a seguir foram baseados nos escritos de FURKIM e MARTINEZ (1998), LIMONGI (1995) e LOGEMANN (1983). Exercícios de Controle Motor Oral lateralização da língua durante a mastigação; elevação da língua em direção ao palato duro; modelar a língua em volta do bolo para segurá-lo de uma forma coesa; movimentação ântero-posterior da língua no início da fase oral. Exercícios de Resistência empurrar a espátula; empurrar o dedo do terapeuta para aumentar a força e extensão do movimento. Inibição dos Reflexos Patológicos inibir os reflexos de: procura, mordida e vômito. Exercícios Para Controlar o Bolo deve ser oferecido ao paciente algo que ele possa controlar dentro da boca (ex.: garrote 2 cm). Estimulação do Reflexo da Deglutição Um espelho laríngeo, de aproximadamente meia polegada de diâmetro e cabo longo, é utilizado porque permite ao terapeuta manipular a cabeça do espelho dentro da boca do paciente e tocar seus pilares para desencadear o reflexo da deglutição. Para melhor estimulação, o espelho é embebido no gelo, pois a temperatura fria favorece o desencadeamento do reflexo da deglutição. O exercício é feito com toques leves de 5 a 10 vezes. É pouco provável que, durante o exercício, ocorra o disparo do reflexo. O objetivo é aumentar a sensibilidade do reflexo. A família pode ser orientada para realizar esse exercíciode4a5vezes por dia, com duração de 5a10minutos. Técnicas Posturais O posicionamento para que a criança seja alimentada é de fundamental importância. Nas crianças com comportamentos motores severos, a posição adequada fará com que os reflexos sejam inibidos, facilitando assim o funcionamento motor oral, orofaríngeo, respiratório e sensorimotor. A melhor postura para alimentar uma criança é: pescoço alongado sem flexão da cabeça; ombros abaixados e simétricos; alongamento simétrico de tronco; posição simétrica e estável da pélvis; estabilidade de quadril; pés simétricos e apoiados. Porém algumas crianças assumem posturas incorretas para compensar algumas dificuldades. Essa postura necessita ser corrigida de maneira gradativa e cuidadosa através de algumas adaptações. Para a adequação da postura, o fisioterapeuta poderá orientar a família, que desta forma auxiliará o trabalho fonoaudiológico. Algumas manobras com rotação de cabeça podem ser utilizadas para facilitar a deglutição e evitar que o alimento se direcione para a VA e seja broncoaspirado. CONSIDERAÇÕES FINAIS A prática fonoaudiológica em disfagia tem sido muito estudada há alguns anos, pois é uma área que se apresenta em evolução. Inicialmente, a disfagia era tratada apenas por médicos. Hoje, pode-se contar com uma equipe multidisciplinar (médicos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, enfermeiros e nutricionistas). 89

Para a realização do diagnóstico da disfagia, qualquer profissional de áreas afins, envolvido no caso, pode solicitar exames específicos, como o videodeglutograma ou nasolaringofibroscopia, que auxiliam no fechamento do diagnóstico. Um fator importante em pacientes disfágicos é o estado nutricional, pois a presença de disfagia torna a ingestão alimentar mais difícil. Muitas vezes a alimentação VO não supre as necessidades nutricionais do indivíduo, sendo necessário fazer suporte nutricional por vias alternativas. Dependendo do grau de disfagia, faz-se necessária a introdução da sonda. Para essa indicação é fundamental a equipe atuar junto, podendo discutir e tomar uma atitude visando sempre ao paciente. Para a indicação é importante saber o tempo que a criança ficará sondada, pois esse dado corroborará a opção pelo tipo de sonda nasoentérica, por gastrostomia ou jejunostomia. Os pacientes que apresentam aspirações desenvolvem processos inflamatórios nos brônquios. Uma manifestação comum decorrente da aspiração é a broncopneumonia que, quando ocorre repetidas vezes, pode trazer prejuízos à saúde dessa criança, com conseqüências severas. Este trabalho mostra o papel fundamental do fonoaudiólogo junto a seus pacientes, visto que este profissional pode propiciar a essa criança uma reabilitação das funções prejudicadas. Na criança com sonda, o objetivo será fazer a retirada da mesma o mais rápido possível. Este estudo foi desenvolvido em razão de interesse pessoal e profissional, além de ter sido observada uma preocupação por parte dos familiares, com relação à dificuldade em deglutir que as crianças neurológicas apresentam. Nesta pesquisa foram enfocadas a avaliação e as técnicas terapêuticas que visam à qualidade de vida da criança, com o objetivo de evitar aspirações e, conseqüentemente, diminuir o risco das doenças infecciosas, como a broncopneumonia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUCHHOLZ, D. W. Dysphagia associated with neurological disorders. Acta oto - rhino - laryng., 48: 143-55, 1994. CAMPBELL, I. T. Drogas, Disfagia e Nutrição. In: Revista de Atualização Científica. São Paulo, 1997. p. 41-56. DANTAS, R. O. Disfagia induzida por drogas. In: CARNEIRO, I.; MACEDO, E.: GOMES, G. & PISSANI, J. C. Disfagia Abordagem Multidisciplinar. 2. ed. São Paulo, Frôntis Editorial, 1999. p. 71-74. FURKIM, A. M. & MARTINEZ, S. O. Fonoaudiologia disfagia: conceito, manifestações, avaliação e terapia. In: Collectanea Symposium Disfagia Orofaríngea Neurogênica. São Paulo, Frôntis Editorial, 1998. p. 17-21. LIMONGI, S. C. O. Paralisia Cerebral. In: TABITH, A. Foniatria. São Paulo, Cortez, 1995. p. 77-117. LOGEMANN, J., ed. Evaluation and treatment of swallowing disorders. Texas, USA, 1983. MACEDO, E. D. Conceitos e fisiologias aplicada da deglutição. In: Disfagia Abordagem Multidisciplinar. 2. ed. São Paulo, Frôntis Editorial, 1999. p. 3-8. MANRIQUE, D. Disfagia orofaríngea neurogênica. In: Collectanea Symposium Disfagia Orofaríngea Neurogênica. São Paulo, Frôntis Editorial, 1998. p. 9-11. MARCHESAN, I. Q. Disfagia. In: Tópicos em Fonoaudiologia. São Paulo, Lovise. 1995, p. 161-66. REHABILITATION INSTITUTE OF CHICAGO. Clinical management of dysphagia in adults and children. 2. ed., Chicago, Aspen Publishers, 1994. STANICH, P. Nutrição em disfagia. In: Collectanea Symposium Disfagia Orofaríngea Neurogênica. São Paulo, Frôntis Editorial, 1998. p. 1-7. TABITH, A., ed. Foniatria. São Paulo, Cortez, 1995. 207 p. TANAKA, S. C. Nutrição e disfagia. In: CARNEIRO, I.; MACEDO, E.: GOMES, G. & PISSANI, J. C. - Disfagia Abordagem Multidisciplinar. 2. ed. São Paulo, Frôntis Editorial, 1999. p. 165-72. Endereço: R. Serimbura, 60 ap. 1001-D V. Romana Vila Ema 12243-360 S. José dos Campos SP Tels.: (12) 322-0380 90