O teste de apnéia no diagnóstico de morte encefálica. Breath-holding test on the brain death diagnosis



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Transcrição:

Seção Aprendendo O teste de apnéia no diagnóstico de morte encefálica Breath-holding test on the brain death diagnosis Almir Ferreira de Andrade 1, Wellingson Silva Paiva 2, Robson Luis Oliveira Amorim 3, Eberval Gadelha Figueiredo 4, Leonardo Borges de Barros e Silva 5, Manoel Jacobsen Teixeira 6 Andrade AF de, Paiva WS, Amorim RLO, Figueiredo EG, Barros e Silva LB de, Teixeira MJ. O teste de apnéia no diagnóstico de morte encefálica. Rev Med (São Paulo). 2007 jul.- set.;86(3):138-43. RESUMO: O teste de apnéia é um passo mandatório na determinação de morte encefálica, fazendo parte do exame dos reflexos de tronco cerebral e que não pode ser dissociado do exame neurológico no diagnóstico de morte encefálica. Neste artigo realizamos uma revisão crítica sobre o teste de apnéia, ressaltando os aspectos técnicos, éticos e suas complicações. DESCRITORES: Morte encefálica/diagnóstico. Apnéia/diagnóstico. Testes respiratórios. 1. Professor Livre docente e Coordenador da Equipe de Neurocirurgia de Emergência. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 2. Divisão de Neurocirurgia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 3. Divisão de Neurocirurgia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 4. Divisão de Neurocirurgia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 5. Coordenador da Organização de Procura de Órgãos, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 6. Professor Titular da Disciplina de Neurocirurgia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Endereço para correspondência: Wellingson Silva Paiva. Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 171. Ap. 511. CEP: 05403-010. São Paulo, SP, Brasil. e-mail: wellingsonpaiva@yahoo.com.br 138

INTRODUÇÃO Victor Horsley, em 1894 descreveu casos de hemorragia cerebral, tumores e traumatismos craniencefálicos em que houve morte devido à falência respiratória previamente à parada cárdio-circulatória. Em 1898, Dyce Duckworth descreveu que pacientes com hipertensão intracraniana sobreviviam por maiores períodos se ventilados 1. A significância da apnéia foi reconhecida e descrita por Mollaret e Goulon 2 em 1959, como parte do quadro clínico do coma depassé, que incluía hipotermia, hipotensão refratária, diabetes insipidus e acidose metabólica progressiva. Simpson, em 1960, em parecer médico-legal, referiu que existe vida enquanto a circulação sangüínea seja mantida nutrindo os centros do tronco cerebral 1. A apnéia é provavelmente um dos mais constantes, importantes e signifi cantes sinais clínicos para diagnóstico de morte encefálica 3. O teste de apnéia é um passo mandatório na determinação de morte encefálica, fazendo parte do exame dos refl exos de tronco cerebral e que não pode ser dissociado do exame neurológico no diagnóstico de morte encefálica, a despeito dos questionamentos acerca do grau de segurança para a sua realização 4. Razões práticas e éticas para realização do teste de apnéia 5 : O diagnóstico de morte encefálica (ME) pode e deve ser realizado em qualquer paciente que esteja em coma aperceptivo, arreativo e apnéico, independentemente de ser doador ou não; Quando um paciente for considerado em morte encefálica, o médico responsável, antes de suspender os meios artifi ciais de manutenções das funções vegetativas deve comunicar o fato à família, para que a mesma possa ter tempo de questionar o diagnóstico e até solicitar a outro profi ssional que confi rme o diagnóstico; Em potenciais doadores de órgãos, o médico comunica a coordenação de transplantes organização de procura de órgãos e tecidos (OPO), a fi m de obter autorização familiar para o processo de transplante de órgãos e tecidos; Obrigatoriedade ética, legal e social. Textos recentes apontam que em todo o mundo, apesar da aceitação do conceito de morte encefálica, não existe um consenso sobre como fazer essa avaliação. Somente alguns países apresentam legislação específi ca para a determinação de morte encefálica e poucos têm normas para a realização do teste de apnéia 6,7. FISIOPATOLOGIA DO CONTROLE DA RESPIRAÇÃO Os núcleos do trato solitário situados no bulbo têm como função primária o controle da respiração. Pelo menos 3 estímulos são reconhecidamente efi - cazes nesse controle: a tensão sangüínea de CO 2 agindo diretamente no centro respiratório; a composição química (ph) do sangue circulante atuando nos quimiorreceptores carotídeo e aórticos; a amplitude de distensão pulmonar (mecanorre-ceptores da caixa torácica). Os neurônios motores do nervo frênico (C4 e C5) e dos nervos intercostais (segmentos torácicos altos) e talvez os neurônios motores dos músculos acessórios da respiração estão sob controle de centros expiratório e inspiratório no bulbo, aproximadamente na altura das olivas inferiores. Estes centros pertencem à substância reticular e recebem aferências do centro pneumotáxico, situado próximo ao hipotálamo, e dos núcleos do trato solitário. Estes, por sua vez, estão sob influência dos quimiorreceptores através dos nervos glossofaríngeo (IX) e vago (X), e dos mecanorreceptores pulmonares através do nervo vago (X). Na expiração, notam-se impulsos de baixa freqüência caminhando pelo nervo vago, estimulando a porção inferior do núcleo do trato solitário e este, por sua vez, estimulando o centro inspiratório que comandará a contração diafragmática e da musculatura intercostal. Na inspiração, a distensão dos mecanorreceptores pulmonares gera impulsos de alta freqüência que estimula a porção superior do núcleo do trato solitário e o centro expiratório sob sua influência, gerando o relaxamento da musculatura inspiratória e, ocasionalmente a contração da musculatura expiratória. Os quimiorreceptores atuam modificando o limiar de ativação dos centros respiratórios, e asseguram a regulação fina da ventilação 8. São descritos padrões de respiração no paciente comatoso, baseados na hierarquia de controle neural crânio-caudal sobre os centros respiratórios. A hiperventilação neurogênica é vista nos acometimentos diencefálicos ou quadros metabólicos. A respiração de Cheyne-Stokes é observada nos quadros mesencefálicos, com herniação uncal ou acometimento bilateral dos hemisférios cerebrais. A lesão pontina, a hipóxia ou infartos vértebro-basilares apresentam-se com padrão respiratório apnêustico. Os centros respiratórios bulbares, quando lesados, geram respiração atáxica, enquanto níveis bulbares mais caudais e cervicais altos levam à apnéia 8,9. Bases fisiológicas do teste de apnéia 10,11 O teste de apnéia requer um protocolo específi co que assegure que PaCO 2 alcance um nível que 139

Andrade AF de et al. O teste de apnéia no diagnóstico de morte encefálica. produza o máximo de estímulo respiratório. O objetivo é estimular os centros respiratórios bulbares através de aumento de PaCO 2 a níveis iguais ou maiores que 55mmhg (o limiar de resposta ventilatória é variável, entre 45 e 72mmHg). É necessário que exista uma latência de 10 minutos depois de uma pré-oxigenação para a desconexão de respirador com controle de freqüência respiratória não hiperventilar. Observar se surgem movimentos respiratórios espontâneos. PROTOCOLO DE REALIZAÇÃO DO TESTE DE APNÉIA 5 No Brasil, o teste de apnéia faz parte do exame neurológico do paciente em coma aperceptivo e arreativo, em investigação de morte encefálica. Preconizam-se dois testes, em intervalos de tempo mínimo de 6 horas (para pacientes acima de 2 anos), 12 horas (pacientes entre 1 e 2 anos), 24 horas (pacientes entre 2 meses e 1 ano) e 48 horas (pacientes entre 7 dias e 2 meses de vida), juntamente com a pesquisa dos refl exos de integração no tronco cerebral. O paciente é submetido a ventilação mecânica com oxigênio a 100% durante 10 minutos (pré-oxigenação), ao fi nal dos quais realiza-se a análise dos gases arteriais. Desconecta-se o ventilador da cânula endotraqueal, introduzindo nesta cateter em posição acima da carina com fl uxo de 6L/min de oxigênio, e observa-se a presença de movimentos respiratórios torácicos ou abdominais. O teste é interrompido a qualquer momento se houver queda da saturação de oxigênio (por oximetria), instabilidade hemodinâmica ou movimentos respiratórios. Caso contrário, o período de observação estende-se por 10 minutos, ao fi nal dos quais faz-se nova análise gasométrica arterial e reconecta-se o ventilador. O teste é considerado positivo apnéia absoluta se o valor fi nal de PaCO 2 for igual ou superior a 55 mmhg, considerado suficiente para estimular os centros respiratórios. Protocolo atual do teste de apnéia no Brasil Ventilar o paciente com oxigênio puro (FiO2 a 100%) por 10 minutos sem hiperven-tilação (1ª gasometria, PaO 2 ³ = 209mmhg, PaCO 2 = 30 40 mmhg). Desconectar o ventilador do paciente depois destes parâmetros confi rmados pela 1ª gasometria instantânea. Instalar de imediato um catéter endotraqueal ou através da traqueosomia, superiormente à carina com fl uxo de seis litros por minuto de oxigênio puro. Observar a desconexão por 6 a 10 minutos (2ªgasometria). De imediato, reconectar o ventilador do paciente em caso de dessaturação ou hipotensão arterial, arritmia cardíaca. Se aparecerem movimentos respiratórios torácicos ou abdominais neste intervalo de tempo ou se a PaCO 2 não atinge níveis maiores ou iguais a 55mmhg, não se caracteriza apnéia. Reconectar o ventilador imediatamente depois do teste de apnéia. COMPLICAÇÕES DO TESTE DE APNÉIA A literatura mundial relata como complicações do teste de apnéia (TA) hipóxia sistêmica e arritmia cardíaca fatal em 26% dos testes, hipotensão arterial em 24% a 39% 12,13, acidose metabólica grave e hipocalemia 4,14. O TA é geralmente seguro se tomadas as devidas precauções, como a reversão da hipotermia e da hipotensão arterial sistêmica. Sabe-se que a hipotermia reduz a produção do CO 2 devido ao hipometabolismo e desvia a curva de dissociação da oxihemoglobina para a esquerda, diminuindo a sua oferta aos tecidos 6. Hipotensão arterial sistêmica é a causa mais comum de complicações do teste de apnéia e os pacientes deverão ser reconectados ao ventilador quando a pressão arterial sistólica for inferior a 70 mmhg. É freqüentemente vista nas situações de pré-oxigenação inadequada, em que a acidose (ph inferior a 7,2) reduz a contratilidade miocárdica 15. Preconiza-se, pois, pré-oxigenação que permita níveis gasométricos de PaO 2 de 209mmHg ou superiores. Sabe-se que a PaO 2 se reduz de 450 para 95mmHg em 9 minutos, estabilizando-se ao fi nal de 12 minutos em pacientes pré-oxigenados à 100%, e de 280 para menor de 30mmHg em 7 minutos após pré-oxigenação a 60%, confi rmando a necessidade fi siológica da apnéia oxigenada 4. Não se faz menção ao estudo do estado metabólico dos pacientes a serem submetidos ao teste. Pode-se observar diabetes insipidus em até 95% dos pacientes com lesão neurológica e coma, ocasionando hipernatremia 15. A mortalidade entre adultos com mais de 48 horas de concentrações plasmáticas de sódio superiores a 160 meq/l é de cerca de 60%. A hiponatremia aguda sintomática com sódio plasmático 140

menor que 120 meq/l pode ser letal e determinar lesão cerebral permanente 13. A literatura internacional considera como critério de exclusão para a realização das provas de morte encefálica a presença de distúrbios eletrolíticos 4. Do ponto de vista prático, entretanto, um grande número de potenciais doadores possui distúrbio dos níveis de sódio, que será considerado como critério excludente quando fi car correlacionada a sua evolução com a evolução neurológica. Podem ser realizadas as provas de morte encefálica, incluindo o teste de apnéia, em pacientes com distúrbios eletrolíticos, mas com diagnóstico de coma irreversível ou lesão neurológica incompatível com a vida como ferimento por projétil de arma de fogo transfi xante do tronco cerebral, acidente vascular cerebral hemorrágico maciço ou exame confi rmatório compatível com morte encefálica. Goundreau et al. 14 descreveram outros distúrbios eletrolíticos como responsáveis por decréscimo de 15% da pressão sistólica e alta probabilidade de arritmia cardíaca durante o teste: hipocalcemia (< 8 meq/l), hipercalcemia (>10,5 meq/l), hipercalemia (>6 meq/l), hipocalemia (<3 meq/l), hiponatremia (< 120 meq/l), acidose (ph < 7,3), alcalose (ph > 7,5) 14. Cerca de 42% dos potenciais doadores cardíacos apresentam disfunção miocárdica confirmada por ecocardiograma 17. Segmentos ST elevados ou reduzidos, ondas T invertidas, alargamentos de complexos QRS e intervalos QT prolongados são achados eletrocardiográfi cos freqüentes em pacientes com resposta hiperdinâmica a catástrofes neurológicas e o teste de apnéia deve ser considerado com muita cautela dado o seu potencial arritmogênico e depressor da função miocárdica. As mesmas considerações devem ser feitas para pacientes com edema pulmonar de origem neurogênica ou cardiogênica, ou com função pulmonar prejudicada por doença pré-existente. Os pacientes em investigação de morte encefálica estão sob assistência ventilatória e freqüentemente apresentam complicações pulmonares como aumento da produção de secreção, shunts pulmonares e distúrbios de membrana alveolar, que poderão ser evitados com adequada higiene traqueobrônquica, hidratação e estabilização hemodinâmica. Descritos também na literatura casos de pneumotórax hipertensivo durante o teste, atribuídos ao uso de cateter endotraqueal de grande calibre para fornecimento de oxigênio frente à cânula endotraqueal de pequeno calibre, principalmente em crianças 18. Complicações do teste de apnéia Hipotensão arterial sistêmica em 39%. Intolerância ao teste de apnéia: hipóxia sistêmica ou arritmia cardíaca letal ocorre em 26%. Acidose metabólica e hiperpotassemia. Se houver perfusão encefálica pode ocorrer tumefação cerebral difusa, hipertensão intracraniana ou herniação uncal e de amígdalas cerebelares. Todos esses fatos justifi cam a aplicação judiciosa do teste de apnéia em ambiente de terapia intensiva, com investigação clínica e laboratorial prévia detalhadas, dado o potencial de reversibilidade da condição neurológica, naqueles que o tiverem, e do risco de perda do potencial doador. Em 3,6% (14 casos) dos 388 pacientes em coma aperceptivo e arreativo, candidatos à realização do teste na Unidade de Investigação de Morte Encefálica do HCFMUSP, e que apresentavam dúvida quanto à presença de automatismos medulares, os estudos de perfusão cerebral com SPECT mostraram fl uxo cerebral, ressaltando uma necessidade de investigação prévia adequada (Figura 1). Figura 1. Proposta de investigação em paciente pré-teste de apnéia em que exista dúvida quanto ao coma aperceptivo e arreativo 141

Andrade AF de et al. O teste de apnéia no diagnóstico de morte encefálica. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROTOCOLO DO TESTE DE APNÉIA Plum e Posner 19 sugeriram o uso da gasometria durante o teste e estabeleceram que se a PaCO 2 estivesse na faixa da normalidade e o paciente estivesse respirando ar ambiente durante 10 minutos antes do teste, 1 a 2 minutos sem ventilação artifi cial seriam sufi cientes para produzir tensão de CO 2 para estimular o centro respiratório. Schafer 10 concluiu que a ausência de atividade respiratória espontânea em PaCO 2 de pelo menos 60 mmhg é necessária para o diagnóstico de apnéia absoluta; o período para obtenção de tal valor é variável e depende da condição de normocapnia ou hipocapnia prévia do paciente, sugerindo-se 10 minutos como sufi - cientes para exceder PaCO 2 de 60mmHg em pacientes normocapnéicos. Foram estimadas velocidades de acréscimo de PaCO 2 em pacientes apnéicos de 4,1 mmhg/min nos primeiros 4 minutos e 2,7mmHg/min nos 6 minutos subseqüentes. Diante disto, um paciente que iniciar o teste com PaCO2 de 30 mmhg necessitará de 8 minutos de apnéia para superar 55 mmhg; se iniciar com PaCO 2 de 35 mmhg, necessitará de 6 minutos, e se iniciar com PaCO 2 de 40mmHg necessitará de apenas 4 minutos de observação. 20 Se a PaCO 2 estiver anormalmente baixa previamente ao teste devido à hiperventilação mecânica, se o nível de PaCO 2 no qual a respiração é desencadeada (ponto de apnéia) e a velocidade de aumento da PaCO 2 diferirem entre os pacientes comatosos, alguns pacientes serão tidos como apnéicos sem que se tenha permitido alcançar o ponto apnéico no período de observação, principalmente nos testes de 1 a 4 minutos. Existe uma grande variabilidade de tempo de observação de apnéia na literatura, variando de 3 a 15 minutos 21. Isto é decorrente da variação individual da elevação do PaCO 2 para atingir o ponto de apnéia ideal ou das diferenças de valores iniciais de PaCO 2 (recomendada pela literatura na faixa da normalidade). Ropper et al. observaram que pacientes com grave lesão neurológica, porém com integridade bulbar, apresentavam pontos apnéicos entre 30 e 39 mmhg (média de 34 mmhg), bem menores que os descritos até o momento na literatura 10. Os autores acreditam que estas variações no protocolo do teste de apnéia não trazem benefícios ao paciente, gerando repetições desnecessárias do teste com os riscos inerentes ao mesmo e retardando o diagnóstico de morte encefálica, pois impõe-se intervalo mínimo de 6 horas para um novo teste. O atraso no diagnóstico tem implicações na perda do doador, dada a progressão neurológica e cárdiocirculatória, mesmo na vigência de proteção sistêmica adequada. Diante disso acreditamos a necessidade de implementação de um protocolo de proteção cerebral para diagnóstico e conduta do paciente com lesão cerebral, principalmente traumatismo cranioencefálico grave com 3 pontos na Escala de Coma de Glasgow à admissão, midríase paralítica bilateral, apnéico, com o objetivo de diagnosticar perfusão cerebral através de Dopller transcraniano ou tomografia computadorizada de cranioencefálica com contraste endovenoso, para orientar a conduta (Figura 2). Figura 2. Fluxograma do atendimento aos pacientes com 3 pontos na escala de coma de Glasgow por TCE, pressupondo o estudo da perfusão do fluxo sangüíneo cerebral com TC de crânio com contraste e posterior investigação de morte encefálica 142

Andrade AF de, Paiva WS, Amorim RLO, Figueiredo EG, Barros e Silva LB de, Teixeira MJ. Breath-holding test on the brain death diagnosis. Rev Med (São Paulo). 2007 jul.-set.;86(3):138-43. ABSTRACT: Apnea test is essential step for brain death diagnosis, this method associated with brain stem refl exes consist in neurologic exam for confi rmatory testing of brain death. In this paper the authors review the technique, medical ethics aspects and complications of apnea test. KEY WORDS: Brain death/diagnosis. Apnea/diagnosis. Breath tests. REFERÊNCIAS 1. Young JD. Brain stem death in the United Kingdom, history and current practice. In: Hayashi N, Takasu T. Brain resuscitation & brain death, up-to-date 1998. Tokyo: Bunsei Printing Co; 1998. p.35-44. 2. Mollaret P, Goulon M. The depassed coma (preliminary memoir). Rev Neurol (Paris). 1959;101:3-15. 3. Milhaud A, Riboulot M, Gayet H. Disconnecting tests and oxygen uptake in the diagnosis of total brain death Ann N Y Acad Sci. 1978;315:241-51. 4. Hung T. Outcome of deeply comatose patients on ventilator diagnosed as brainstem dead. In: Hayashi N, Takasu T. Brain resuscitation & brain death, up-to-date 1998. Tokyo: Bunsei Printing Co; 1998. p.45-56. 5. Diagnóstico de morte encefálica. Processo consulta nº 8563/00-CFM (42/02). Brasília, 20 mar. 2001. 6. Lang CJ, Heckmann JG. Apnea testing for the diagnosis of brain death. Acta Neurol Scand. 2005;112(6):358-69. 7. Wijdicks EF. The clinical criteria of brain death throughout the world: why has it come to this? Can J Anesth. 2006;53(6):540-3. 8. West JB. Controle da respiração. In: West JB, editor. Fisiologia respiratória. São Paulo: Manole; 2002. p.117-31. 9. Lorenzi Filho G, Dajani HR, Leung RS, Floras JS, Bradley TD. Entrainment of blood pressure and heart rate oscillations by periodic breathing. Am J Respir Crit Care Med. 1999;159:1147-54. 10. Ropper AH, Kennedy SK, Russel L. Apnea testing in the diagnosis of brain death: clinical and physiological observations. J Neurosurg. 1981;55:942-6. 11. Benzel EC, Gross CD, Hadden TA, Kesterson L, Landrieau MD. The apnea test for the determination of brain death. Acta Anesthesiol Belg. 1989;71:191-4. 12. Jeret JS. Complications during apnea testing in the determination of brain death: predisposing factors (correspondence). Neurology. 2001;56(9):1249. 13. Jeret JS, Jeffrey BL. Risk of hypotension during apnea testing. Arch Neurol. 1994;51:595-9. 14. Goudreau JLDO, Wijdicks EFM, Emery SFBA. Complications during apnea testing in the determination of brain death: predisposing factors. Neurology. 2000;55 (7):1045-8. 15. Wijdicks EFM, Atkinson JLD. Pathophysiologic responses to brain death. In: Widjdicks EFM. Brain death. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2001. p.29-43. 16. Santos BFC, Andrei AM, Rodrigues Jr M. Distúrbios na concentração plasmática de sódio. In: Knobel E. Condutas no paciente grave. 2a ed. São Paulo: Atheneu; 1998. v.1 p.447-57. 17. Wijdicks EFM. Clinical diagnosis and confi rmatory testing of brain death in adults. In: Widjdicks EFM. Brain death. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2001. p. 61-90. 18. Bar-Joseph G, Bar-Lavie Y, Zonis Z. Tension pneumothorax during apnea testing for the determination of brain death. Anesthesiology. 1998;89:1250-1. 19. Plum F, Posner JB. The diagnosis of stupor and coma. Contemp Neurol Ser. 1972;10:1-286. 20. Schafer JA. Caronna JJ. Duration of apnea needed to confi rm brain death. Neurology. 1978;28:661-6. 21. Benzel EC, Mashburn JP, Conrad S, Modling D. Apnea testing for the determination of brain death: a modifi ed protocol. J Neurosurg. 1992;76:1029-31. 143