O capital enquanto relação social

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Transcrição:

1 O capital enquanto relação social Pablo Bielschowsky (UCB, UFF) Resumo O artigo busca recuperar o debate sobre o capital enquanto relação social. A primeira parte do texto argumenta que a teoria do fetichismo de Marx é a base de sua teoria do valor, para mostrar que o valor é uma relação social entre pessoas que se realiza por meio de coisas. Em seguida, apresenta o capital como uma relação social mais complexa que se realiza e se expressa por meio do capital dinheiro, do capital produtivo e do capital mercadoria. A segunda parte do artigo resgata o debate sobre a relação entre a teoria do valor e a teoria do fetichismo no pensamento marxista, destacando as contribuições de Rubin e Rosdoslky. Palavras-Chave: Marx, valor, fetichismo.

2 1 Introdução A teoria do fetichismo de Marx mostra que o valor e o capital são relações sociais entre pessoas. Uma vez que as relações sociais são o resultado da ação das pessoas, estas relações sociais podem ser modificadas. Ao deslocar o objeto da teoria do valor e do capital para as relações sociais, Marx evidencia o caráter historicamente transitório do capital, superando a naturalização da sociedade burguesa que caracteriza a filosofia política liberal e a economia política clássica. O presente artigo busca mostrar que O capital de Marx é um estudo das relações sociais na sociedade capitalista. Busca também recuperar o debate sobre a teoria do fetichismo no pensamento marxista. A segunda seção argumenta que a teoria do fetichismo é a base da teoria do valor de Marx, que o valor é uma relação social entre pessoas que se realiza por meio de coisas e atribui uma forma social as coisas. Em seguida, discute o capital enquanto relação social entre pessoas que se realiza e se expressa por meio do capital dinheiro, do capital produtivo e do capital mercadoria. A terceira seção resgata as contribuições de Rubin e Rosdolsky para o debate sobre o fetichismo das mercadorias, destacando a relação entre a teoria do valor e a teoria do fetichismo em ambos os autores.

3 2 O Capital de Karl Marx Na seção 1,1 de O Capital, Marx (1867) parte da aparência da mercadoria como valor de uso e valor de troca. Uma vez que a troca é um processo real que iguala o produto como riqueza abstrata, Marx concluiu que a mercadoria é valor de uso e valor (riqueza abstrata), e que o trabalho que produz mercadorias é trabalho concreto e trabalho humano abstrato (trabalho que produz riqueza abstrata) 1. Assim, parte da forma-valor que aparece na troca e chega ao trabalho humano abstrato como conteúdo do valor. Mas, porque o trabalho se expressa na forma valor? A seção 1.2 mostra que o trabalho humano abstrato deve ser representado pelo valor das mercadorias. A seção 1.3 mostra que o valor deve se expressar na forma valor, expondo o desenvolvimento desta expressão desde a forma simples até a forma dinheiro. A partir da troca como processo de igualação, concluímos que o trabalho que produz mercadoria é diretamente trabalho concreto-especifico e trabalho social-abstrato. Entretanto, o trabalho é trabalho concreto. Os diferentes trabalhos só são reduzidos realmente a trabalho que cria riqueza abstrata quando a troca iguala os produtos como riqueza social abstrata. Segue que o caráter social abstrato do trabalho deve ser representado no valor das mercadorias. Deste modo, a mercadoria é valor de uso e valor. No entanto, a mercadoria é valor de uso, não pode expressar em si mesma seu valor. O valor da mercadoria só existe na expressão de valor com outra mercadoria que funciona como equivalente (passa a representar a riqueza social abstrata). Segue que a 1 Segundo Marx (1867, p. 166), a mercadoria aparece como valor de uso e valor de troca. Enquanto valor de uso a mercadoria é um objeto útil produzido pelo trabalho concreto. Enquanto valor de troca, a mercadoria aparece como uma relação quantitativa, a proporção na qual os valores de uso de uma espécie se trocam. O valor de troca aparece como algo casual determinado isoladamente no ato de troca. Ademais, ao trocar-se por vários valores-de-uso, a mercadoria possui múltiplos valores de troca em vez de um único, parece que as proporções 20 varas de linho = 1 casaco e 20 varas de linho = 2 onças de ouro são casuais. No entanto, a troca entre os equivalentes, 1 casaco = 2 onças de ouro, revela que o valor de troca é algo inerente à mercadoria. Esta contradição revela que primeiro: os valores de troca vigentes da mesma mercadoria expressam algo igual. Segundo, porém: o valor de troca só pode ser o modo de expressão, a forma de manifestação de um conteúdo dele distinguível Deste modo, o valor de troca expressa o valor como conteúdo comum das mercadorias. Mas, o que significa o valor como conteúdo comum que se expressa na forma do valor (valor de troca)? Para os vulgares este algo comum era a utilidade. Marx responde que a troca é um processo social de igualação, abstração dos valores de uso, que transforma o produto em riqueza social abstrata. Deste modo, os vulgares ignoram a troca enquanto realidade social. Os clássicos, Smith e Ricardo, argumentavam que o mesmo trabalho, em seu aspecto quantitativo cria valor de troca, e em seu aspecto qualitativo cria valor de uso. Mas qual tipo de trabalho cria valor? Qual a especificidade do trabalho que produz riqueza abstrata? Uma vez que o valor de troca transforma o produto em riqueza abstrata, segue que o trabalho que produz riqueza abstrata é trabalho social abstrato, trabalho cuja particularidade concreta se adapta à finalidade de produzir riqueza abstrata. A magnitude do valor é determinada pela quantidade de trabalho humano abstrato necessário à produção da mercadoria.

4 mercadoria aparece como valor de uso e forma simples relativa do valor. Na forma simples o valor da mercadoria se expressa em um equivalente que é diretamente intercambiável apenas por esta mercadoria particular, a riqueza abstrata continua ligada ao valor de uso da mercadoria. O mesmo ocorre quando a mercadoria expressa seu valor em várias outras mercadorias na forma relativa de valor desdobrada. O valor da mercadoria só adquire uma expressão independente de seu valor de uso quando todas as mercadorias expressam seu valor em uma mesma mercadoria, imprimindo a esta mercadoria a função de equivalente geral, expressão única da riqueza social abstrata. Quando todas as mercadorias expressam seu valor no ouro, a expressão do valor é o preço e o equivalente geral é dinheiro. No capítulo três, Marx analisa as funções do dinheiro que constituem a circulação de mercadorias M-D-M 2. A teoria do valor mostrou que trabalho humano abstrato deve ser representado pelo valor, e que o valor deve se expressar na forma-valor. A teoria do fetichismo da mercadoria mostra que o valor é uma relação social. Na teoria do valor de Marx, o trabalho humano abstrato só existe na forma valor. Isto significa que a relação social entre os produtores assume a forma de uma relação social entre coisas e atribui uma forma social às coisas. Mas porque as pessoas se relacionam por meio de coisas? A forma mercadoria é o resultado da divisão social do trabalho entre produtores privados. Em uma sociedade mercantil, a produção social é fragmentada entre produtoresproprietários privados, e unificada no complexo de trabalhos privados que constitui o trabalho social total. Assim, o trabalho é imediatamente trabalho privado e social (intercambiável). No entanto, o trabalho é privado, só vem a ser social na troca. Os produtores privados só se relacionam por meio da troca de coisas. A troca, ao relacionar o produtor com seu negociador, relaciona o produtor com todos os produtores da sociedade. Estas relações entre pessoas por meio de coisas implicam no processo de: 2 Uma vez que as mercadorias medem seus valores em quantidades de mercadoria dinheiro, a formaequivalente geral resulta necessariamente na função de medida do valor do dinheiro. Uma vez que o preço da mercadoria é realizado pelo meio de circulação, a função de medida do valor resulta na sua função de meio de circulação, de intermediário na circulação de mercadorias M-D-M. O movimento do meio de circulação resulta em sua paralisação na mão de particulares sob a forma de tesouro, portanto, as funções de medida de valor e meio de circulação resultam necessariamente na função de tesouro, que unifica as três funções básicas do dinheiro. Por ter a função de unificar as funções da moeda, o entesouramento abre a possibilidade formal das crises.

5 Reificação das relações de produção: as relações sociais na sociedade enquanto totalidade atribui uma forma social às coisas através da qual se realizam. As relações sociais entre pessoas se realizam como relações sociais entre coisas. Personificação das coisas como forma social: as coisas com forma social organizam a produção social e determinam as relações que cada pessoa isolada enquanto proprietária privada estabelece. A forma social das coisas se impõe sobre o individuo estabelecendo relações materiais entre pessoas. Após mostrar que trabalho privado só vem a ser social na troca, Marx mostra que a teoria do fetichismo é a base de sua teoria do valor, que o valor é uma relação social entre pessoas. Na teoria do valor, o trabalho que produz mercadoria é trabalho concreto que deve satisfazer necessidades sociais e trabalho humano abstrato imediatamente intercambiável. A teoria do fetichismo mostra que o caráter concreto do trabalho está ligado a seu caráter privado, enquanto o caráter social do trabalho é ser trabalho humano abstrato. Em uma sociedade mercantil, o trabalho é social-abstrato e privado-concreto. No entanto, o trabalho é privado, só vem a ser social na troca. E a troca é um processo real de igualação do produto que transforma o trabalho concreto em trabalho humano abstrato. Segue que o trabalho privado só torna-se trabalho social através da transformação do trabalho concreto em trabalho humano abstrato na troca do produto. O trabalho privado-concreto só vem a ser social-abstrato na troca. Isto significa que o caráter social dos trabalhos privados, é sua igualdade como trabalho humano abstrato, e assume a forma valor dos produtos; em outras palavras, o valor é uma relação social entre pessoas que se realiza por meio de coisas e atribui uma forma social às coisas. Até aqui, nosso estudo do capital se limitou a circulação de mercadorias. Vimos que a contradição entre o caráter privado-concreto e social-abstrato do trabalho deve ser representada na contradição entre o valor de uso e o valor da mercadoria, que deve se expressar na contradição entre o valor de uso e o valor de troca, que se exterioriza necessariamente na contradição entre a mercadoria e o dinheiro, na circulação de mercadorias M-D-M. No entanto, a circulação de mercadorias só se torna dominante quando baseada na produção capitalista, o que só ocorre quando a força de trabalho se torna mercadoria. Marx começa o estudo do capital pela forma em que o capital aparece. A riqueza que é capital se diferencia da riqueza que é mercadoria antes de tudo pela forma de

6 circulação do capital D-M-D` e da mercadoria M-D-M. Esta diferença na forma de circulação revela que o capital é valor que se valoriza. Segue que o capital se distingue de todas as formas de riqueza baseadas em relações sociais diretas porque é valor, e se distingue da mercadoria porque é valor que se valoriza. Mas como o capital se valoriza? Para produzir mais-valia o capitalista deve comprar uma mercadoria cujo valor-uso é criar valor, cujo consumo na esfera da produção valoriza o capital, esta mercadoria é a força de trabalho. Assim, Marx parte da forma do capital, D-M-D`, e chega ao conteúdo, à relação social em que o trabalho objetivado se apropria de trabalho vivo na esfera da produção. Mas porque o conteúdo reveste esta forma? Responder a esta pergunta significa mostrar que o capital é uma relação social entre pessoas que se realiza e se expressa por meio das formas sociais das coisas: capital-dinheiro, capital-produtivo, capital-mercadoria. A primeira forma do capital é o capital-dinheiro, seu conteúdo é estabelecer a relação social entre o capitalista e o trabalhador na esfera da produção. Na sociedade capitalista, em que as pessoas se relacionam apenas na circulação de mercadorias, o trabalho e os meios de produção são propriedade privada de classes diferentes, obrigando o trabalhador a vender sua força de trabalho pelo seu valor. Os elementos de produção só se combinam quando o capitalista compra a força de trabalho e os meios de produção na esfera da circulação e depois consome a força de trabalho para criar mais-valia na esfera da produção. Deste modo, relação social mais complexa entre trabalhadores e capitalistas na produção de mais-valia só se estabelece por meio da troca de equivalentes entre a mercadoria força de trabalho e o dinheiro na esfera da circulação. Neste processo, o dinheiro que vincula o capitalista e o trabalhador assume a função de capital dinheiro. A segunda forma assumida pelo capital é de capital-produtivo, seu conteúdo é a relação social em que o trabalhador assalariado produz mais-valia para o capitalista na esfera da produção. O processo de produção capitalista é unidade do processo de trabalho e processo de produzir mais-valia. Em uma sociedade capitalista, processo de trabalho só ocorre como combinação de elementos de produção que pertencem ao capitalista, seu produto também pertence ao capitalista. Mas como o capital produz mais-valia? O tempo de trabalho vivo que a força de trabalho realiza para o capitalista é superior ao tempo de trabalho socialmente necessário à reprodução da força de trabalho, segue que a força de trabalho produz um valor maior que o seu valor, o que cria a mais-valia (m). Os elementos de produção desempenham funções distintas na relação social em que o trabalhador produz mais-valia para o capitalista, e por isso assumem formas sociais distintas. Os meios de

7 produção são condição para esta relação social, mas não produzem valor, assumindo a forma de capital constante. A força de trabalho produz mais-valia para o capitalista, assumindo a forma de capital-variável. A taxa de mais valia (m/v) mede a apropriação de trabalho vivo que produz valor pelo trabalho objetivado como valor-capital, a contribuição do trabalho vivo para a ampliação do trabalho objetivado 3. A terceira forma assumida pelo capital é a de capital-mercadoria. Seu conteúdo é a realizar o capital acrescido da mais-valia produzida pela relação entre o capitalista e o trabalhador na esfera da produção, permitindo ao capital reiniciar o ciclo. Na transformação do dinheiro em capital, admitimos como condições externas ao capital que o proprietário de dinheiro encontra o trabalhador separado dos meios de produção. A reprodução simples do capital revela que o processo de produção reproduz a separação entre a força de trabalho e os meios de produção, e que o trabalhador assalariado reproduz o capital variável. A reprodução ampliada mostra que o trabalhador assalariado produz o capital, que o capital é trabalho não pago objetivado. Deste modo, o capital respeita a troca de equivalentes ao comprar força de trabalho na esfera da circulação, mas esta troca é apenas a forma aparente de uma relação mais complexa em que o capital (trabalho não pago objetivado) obtém mais valia (trabalho não pago vivo) na esfera da produção 4. Vimos que o capital enquanto relação social existe por meio das formas capitaldinheiro, capital-produtivo e capital-mercadoria no ciclo do capital dinheiro. O ciclo do 3 A taxa de mais-valia pode aumentar através do aumento da jornada de trabalho (mais-valia absoluta), ou de um aumento da produtividade do trabalho na produção dos meios de subsistência que reduza o valor da força de trabalho (mais-valia relativa). Os processos técnico-materiais de produção, manual e mecanizado, condicionam a produção de mais-valia. Se a produção é realizada por produtores privados, a cooperação em geral: só pode ocorrer quando os trabalhadores são empregados por um capitalista, e assume três formas especificas. (a) Cooperação simples, quando o capitalista imprime uma articulação entre as operações dos diferentes trabalhadores. (b) Manufatura, quando o capitalista, através divisão do trabalho, modifica as operações desempenhadas pelos trabalhadores. A base manual da manufatura limita a produção de mais valia relativa e resulta no crescimento da demanda por trabalho proporcional a acumulação de capital social. No entanto, ao difundir a produção de mercadorias e especializar os instrumentos, a manufatura cria as condições para a (c) grande indústria, quando a introdução de máquinas permite a produção de mais-valia relativa através dos processos conexos de desqualificação generalizada do trabalhador e emprego da ciência na organização e combinação dos processos de trabalho. Este processo de transferência do conhecimento do trabalho para o capital ocorre três fases: a substituição do homem ferramenta pela máquina ferramenta, a substituição da força motriz por sistemas mecânicos, e produção de máquinas por máquinas. 4 O processo técnico-material de produção mecanizado condiciona a acumulação de capital. Na grande indústria, a acumulação de capital (complementada pela centralização e acelerada pelo crédito) ao concentrar os meios de produção sociais, torna-se o principal meio para se ampliar a escala (cooperação), o que permite a aplicação da máquina como instrumento de produção que só pode ser utilizado coletivamente, resultando no aumento da produtividade do trabalho, que amplia a mais-valia, acelerando a acumulação do capital. O aumento da produtividade do trabalho se reflete no aumento da composição orgânica do capital, resultando no aumento da demanda por trabalho em proporção cada vez menor do aumento do capital, o que amplia o exército industrial de reserva, fazendo com que a oferta de mão de obra deixe de limitar o progresso da acumulação. Os limites à valorização do capital passam a ser dados pelo próprio capital.

8 capital dinheiro mostra que o capital só passa a forma seguinte se cumpre a função da forma atual, portanto, o tempo de circulação afeta a valorização do capital. A repetição do ciclo do capital dinheiro D-M(FT,MP)...P...M`-D`, revela outras duas formas do ciclo: o ciclo do capital produtivo, P...M`-D`.D-M(MP,FT)...P, e o ciclo do capital mercadoria, M`- D-M(MP,FT)...P...M`. O ciclo do capital produtivo mostra que o capital só existe na repetição incessante do ciclo. O ciclo do capital mercadoria revela que o capital enquanto relação social só existe como totalidade dos capitais individuais na reprodução do capital social global. O estudo do ciclo em sua repetição incessante revela que no tempo de circulação o capital não produz mais-valia, mas a igualdade da taxa de lucro exige a redistribuição da mais-valia para compensar o tempo de circulação. O estudo da reprodução do capital social global através dos esquemas de reprodução não busca mostrar que o equilíbrio tende a ocorrer. Mostra apenas que o equilíbrio, apesar de excepcional, é possível. O tempo de circulação revelou que a mais-valia aparece sob a forma de lucro referido ao capital. Mas porque a mais-valia aparece na forma de lucro? Para a sociedade, o custo da mercadoria é seu valor (c+v+m). Para o capitalista o custo é o preço de custo (c+v), que apaga a diferença entre o capital variável e o capital constante, apresentando o lucro como referido ao capital. Ademais, o tempo de circulação, que é uma subtração do tempo de produção aparece também como fonte do lucro. Deste modo, todas as partes do capital aparecem como fonte do lucro. Mas como se determina a taxa de lucro? A taxa de lucro é determinada pela taxa de mais-valia e pela composição orgânica do capital 5. Se as mercadorias são vendidas por seu valor, as diferenças na composição orgânica do capital resultam na desigualdade das taxas de lucro. No entanto, os capitais têm taxa de lucro igual. Mas como as taxas de lucro se igualam? O preço de custo serve de base para a concorrência entre os capitalistas. Na concorrência, a transformação da taxa de mais-valia em taxa de lucro resulta na transformação da mais-valia em lucro. Em outras palavras, a concorrência iguala as taxas de lucro em uma taxa de lucro médio que serve de base para o 5 A equação da taxa de lucro revela que:

9 preço de produção, a soma do preço de custo com o lucro que corresponde à taxa média de lucro 6. A igualação da taxa de lucro redistribui a mais-valia na circulação. 3 Valor e Fetichismo no marxismo Durante o período da segunda internacional, o problema das relações sociais foi colocado por Kautsky e Bogdanov, mas ambos consideravam o fetichismo apenas uma falsa aparência 7. No debate com Bohn-Bawerk (1896) sobre a teoria do valor, Hilferding (1904) também chega ao problema das relações sociais. Bohn-Bawerk critica a teoria do valor de Marx por excluir o valor de uso como causa do valor. E afirma que existe uma contradição entre a teoria do valor do livro um e a teoria dos preços de produção do livro três. Hilferding responde a critica à teoria do valor afirmando que a abstração do valor de uso é uma abstração real em uma sociedade mercantil, onde o trabalho é realizado por produtores privados para atender as necessidades sociais. Nesta sociedade fragmentada, as relações sociais entre os produtores privados se realiza por meio da troca dos produtos. Quando o trabalho privado se transforma em trabalho social na troca, o produto do trabalho 6 Admitindo por simplificação que a taxa de mais valia é de 100% nos cinco ramos e que o capital constante entra inteiro no produto anual, e abstraindo a diferença no tempo de rotação. A partir da composição orgânica em cada ramo obtemos a composição média 78c+22v. Uma vez que a taxa de Mais-valia é de 100%, segue que a taxa de lucro médio é de 22%, o que resulta na formação do preço de produção. Através do processo de redução da taxa de lucro em cada ramo à taxa média os desvios dos preços com relação ao valor se anulam e na totalidade dos ramos a soma dos preços de produção é igual à soma dos valores. Capitais Taxa de Mais Valor Taxa de Lucro Preço de Desvio mais valia valia lucro médio produção I 80c+20v 100% 20 120 20% 22 122 2 II 70c+30v 100% 30 130 30% 22 122-8 III 60c+40v 100% 40 140 40% 22 122-18 IV 85c+15v 100% 15 115 15% 22 122 7 V 95c+5v 100% 5 105 5% 22 122 17 390c+110v 110 610 22% 110 610 0 7 Kautsky (1886) começa sua obra tratando do fetichismo. No entanto, concebe o fetichismo apenas como uma aparência enganosa, não como realização das relações de produção. Por isso, não compreende que O Capital começa com a mercadoria porque o ponto de partida para analise do capital é o capital em geral enquanto relação social, que supõe o valor como relação social mais simples. Ao tratar do valor, Kautsky abandona a analise das relações de produção, e se limita a abstração, por isso, concebe o trabalho humano abstrato em termos fisiológicos, enfatizando seu caráter quantitativo. Em seguida, apresenta a evolução da forma-valor de forma ingênua como uma evolução histórica, não percebe que se trata do devir do conteúdo (trabalho humano abstrato) na forma (dinheiro). Kautsky descreve corretamente a sucessão das formas do capital. No entanto, concebe o conteúdo do capital como exploração do trabalhador, e não como uma relação social. E erra ao afirmar que o direito de propriedade baseado no próprio trabalho existiu no passado. Bogdanov (1937) também discutia o fetichismo. No entanto, ao identificar o método de Marx com os processos de indução e dedução positivistas, apresenta sucessão das categorias de O Capital como uma sucessão histórica. Por isso, considera o fetichismo como uma falsa aparência, uma ideologia de classe.

10 torna-se valor e a sociedade atribui a cada produtor a sua cota parte de trabalho socialmente necessário. Para mostrar que não existe contradição entre os livros um e três, Hilferding apresenta transformação dos valores em preços. Partindo da lei do valor chega à igualdade entre a mais-valia social total e o lucro social total, e calcula a taxa de lucro média, e assim chega aos desvios dos preços de produção em relação aos valores. Esta análise erra ao passar diretamente da mais-valia para o lucro. A interpretação embrionária da teoria do fetichismo de Hilferding teve dois desdobramentos. Nos países capitalistas, esta interpretação foi divulgada por Sweezy (1973) 8. Na Europa Oriental, Rubin leva a teoria do fetichismo a um novo patamar com o livro "teoria marxista do valor de 1928. A análise de Rubin terá forte influencia no livro de Rosdolsky, A gênese e a estrutura de O Capital de Karl Marx de 1968. Segundo Rosdolsky (1968), nos economistas vulgares, a fórmula trinitária (lucro, renda da terra e salário) significa que os fatores são a fonte do valor, o que Marx rejeita. Nos economistas clássicos, a fórmula trinitária revela que após a separação entre o trabalhador e os meios de produção, o valor criado pelo trabalho se divide em três partes. Segundo Marx, Ricardo está correto quando abstrai da aparência na concorrência para captar as leis do capital. No entanto, Ricardo comete dois erros. (i) analisa apenas a magnitude relativa do valor, seu aspecto quantitativo. Mas não se pergunta qual tipo de trabalho produz valor, não analisa o conteúdo do valor, seu aspecto qualitativo. Esta insuficiência na abstração, que não chega até o conteúdo, também o impede de mostrar o devir do conteúdo na forma. Ricardo não explica porque o trabalho enquanto conteúdo do valor se expressa na forma valor e porque a forma-simples do valor se desenvolve até a forma-dinheiro. Este erro revela o limite de classe e a falta de dialética de Ricardo. (ii) suprime as categorias mediadoras, deduzindo os fenômenos diretamente das leis gerais. Quando analisa do valor, passa direto para o lucro sem mediações para mostrar que este não contradiz o valor. Contrapondo-se a Ricardo, Marx parte da contradição entre a taxa de lucro na concorrência e a lei do valor, e busca explica-la através de categorias mediadoras 8 Sweezy destaca a relação entre a forma valor e a produção privada, e interpreta a análise do valor da forma até o conteúdo. Mas não apresenta do devir do conteúdo na forma. Parte da teoria do fetichismo, e passa pela analise do valor, apenas para chegar o equilíbrio como relação social oculta pelo valor de troca. Sweezy caracteriza o capitalismo pela relação entre proprietários e não proprietários na troca, e pela forma de maisvalia assumida pela exploração. Depois analisa a reprodução enfatizando a lei geral da acumulação. Deste modo, o autor trata das principais questões envolvidas na produção do capital, a transformação do dinheiro em capital, a produção da mais valia, e a acumulação. Mas a relação entre estas questões não fica clara porque Sweezy não apresenta o devir do conteúdo do capital através de suas formas.

11 valor, mais-valia, lucro e taxa geral de lucro. Deste modo, o método de Marx possui uma dupla tarefa. a) Através da abstração, deve chegar às relações que caracterizam o modo de produção capitalista, ao capital enquanto relação social. Na concorrência, onde as leis do capital adquirem forma concreta, tudo aparece invertido. Marx abstrai da concorrência para começar seu estudo do capital pelo o capital em geral nos processos de produção e circulação, pelo valor que gera mais-valia enquanto determinação que é comum a todo capital e não é comum as demais formas de riqueza. No entanto, a valorização do valor supõe o valor, a circulação do capital supõe a circulação de mercadorias. Por isso, Marx começa seu estudo do capital em geral abstraindo o capital para estudar a circulação de mercadorias. b) Através do devir do capital, deve expor como as relações essenciais se apresentam na concorrência. A partir do valor e do dinheiro, Marx mostra que o capital é valor que se apropria de mais-valia criada na produção baseada no trabalho assalariado, apresentando o devir do capital através do dinheiro que se converte em capital, do consumo da força de trabalho cria mais-valia, e da mais-valia que permite a reprodução do capital e das relações capitalistas. A reprodução mostra que o processo de produção é completado pela circulação. Na análise do tempo de circulação, a mais-valia assume a forma de lucro, remetendo para o estudo da pluralidade dos capitais na concorrência. Deste modo, no livro um, Marx expõe o devir do capital em geral, no livro dois trata da reprodução social do capital em geral, passando para a pluralidade de capitais no livro três. Após discutir o método de O Capital, Rosdolsky expõe o devir do valor. Na abstração importa apenas o conteúdo do valor e sua medida imanente (o algo comum que se revela na proporção de troca). O trabalho vivo é imediatamente trabalho humano abstrato e trabalho particular-concreto. No entanto, o trabalho é trabalho concreto. Esta contradição entre o caráter social-abstrato e privado-concreto do trabalho se exterioriza necessariamente na mercadoria que é valor imediatamente intercambiável e é um valor de uso particular que deve se provar como valor de uso social para ser intercambiável. No entanto, na troca real a mercadoria é valor de uso. Esta contradição só pode ser superada quando o valor da mercadoria se expressa em outra mercadoria e sua forma social é separada de sua forma material. Deste modo, a contradição entre o valor de uso e o valor da mercadoria se exterioriza na contradição entre o valor de uso e o valor de troca da

12 mercadoria. A mercadoria aparece então como um valor de uso particular que deve provarse como social e como valor-de-troca (riqueza geral na forma social de intercambialidade imediata). Na forma simples do valor, o caráter geral da riqueza continua ligado ao valor de uso da mercadoria. Esta contradição só pode ser superada quando a expressão exterior do valor dá lugar à exteriorização do valor da mercadoria, quando a existência material do valor de troca é separada da mercadoria e se materializa fora da mercadoria na formadinheiro. Após expor a gênese do valor, Rosdolsky mostra que esta teoria do valor esta baseada na teoria do fetichismo, que a contradição entre o caráter abstrato e concreto do trabalho reflete a contradição entre o caráter social e privado deste trabalho. Na abstração, o trabalho vivo concreto é imediatamente social, o caráter social do trabalho é sua igualdade como trabalho humano abstrato. No entanto, em uma sociedade de produtores privados de mercadorias, o trabalho não é imediatamente social (não há regulação prévia), os produtores só se relacionam por meio da relação de troca entre os produtos. Segue que: (a) os trabalhos só se relacionam enquanto trabalhos igualados no valor de troca, as relações de produção entre pessoas são reificada (b) O caráter social do trabalho aparece como uma relação entre os produtos do trabalho, como uma relação social entre coisas. A contradição entre o caráter privado e social do trabalho se repõe na mercadoria, que é valor de uso particular e valor troca imediatamente intercambiável. Entretanto, na troca real, o valor de troca deve se expressar em um equivalente geral. Segue que: (a) todas as mercadorias expressam seu valor no mesmo equivalente que assim se torna o equivalente geral, (b) o valor de troca de cada mercadoria adquire uma existência externa no meio de troca e parece que o ouro por sua natureza material é a expressão do valor. Quando o trabalho social assume a forma dinheiro, a contradição entre o caráter social e privado do trabalho se repõe como contradição entre o dinheiro e a mercadoria, que abre a possibilidade da mercadoria não ser vendida (crise parcial), e do dinheiro ser entesourado (crise geral) 9. 9 Rosdolsky analisa então as funções do dinheiro A função do dinheiro de medida de valor no qual as mercadorias expressam seu preço decorre do processo de formação do dinheiro. Na circulação o dinheiro funciona como meio de troca. Uma vez que as mercadorias entram na circulação com preço definido, o processo de formação dos preços é condição para a circulação e determina a quantidade de ouro em circulação. A circulação M-D-M abre a possibilidade de vender e não comprar, atribuindo ao dinheiro função de tesouro. Quando os polos M-D e D-M se separam, a relação credor-devedor substitui vendedorcomprador, e o dinheiro adquire a função de meio pagamento. Nas trocas internacionais, o dinheiro convertese em moeda mundial.