Projecto Delfos: Escola de Matemática Para Jovens 1 TEORIA DOS NÚMEROS



Documentos relacionados
Polos Olímpicos de Treinamento. Aula 1. Curso de Teoria dos Números - Nível 3. Divisibilidade 1. Carlos Gustavo Moreira e Samuel Barbosa Feitosa

Algoritmo da Divisão AULA

Gabarito de Matemática do 6º ano do E.F.

Congruências Lineares

a) 2 b) 3 c) 4 d) 5 e) 6

é uma proposição verdadeira. tal que: 2 n N k, Φ(n) = Φ(n + 1) é uma proposição verdadeira. com n N k, tal que:

Matemática Régis Cortes MÚLTIPLOS E DIVISORES

AV1 - MA (1,0) (a) Determine o maior número natural que divide todos os produtos de três números naturais consecutivos.

Parte 3. Domínios principais

Definição. Diremos que um número inteiro d é um divisor de outro inteiro a, se a é múltiplo de d; ou seja, se a = d c, para algum inteiro c.

(1, 6) é também uma solução da equação, pois = 15, isto é, 15 = 15. ( 23,

Divisibilidade Básica

Lista de Exercícios Critérios de Divisibilidade

FABIANO KLEIN CRITÉRIOS NÃO CLÁSSICOS DE DIVISIBILIDADE

Lista de Exercícios 5: Soluções Teoria dos Conjuntos

Teorema Fundamental da Aritmética

MATEMÁTICA ENSINO FUNDAMENTAL

Introdução à Teoria dos Números - Notas 4 Máximo Divisor Comum e Algoritmo de Euclides

1 Teoria de conjuntos e lógica

Roteiro da aula. MA091 Matemática básica. Conjuntos. Subconjunto. Aula 12 Conjuntos. Intervalos. Inequações. Francisco A. M. Gomes.

Bases Matemáticas. Daniel Miranda de maio de sala Bloco B página: daniel.miranda

Para satisfazer mais necessidades, criou-se a necessidade de números racionais, que são aqueles que podem ser escritos na forma m n

=...= 1,0 = 1,00 = 1,000...

Matrizes e Sistemas Lineares. Professor: Juliano de Bem Francisco. Departamento de Matemática Universidade Federal de Santa Catarina.

Determinantes. Matemática Prof. Mauricio José

Elementos de Matemática Finita

Elementos de Matemática Finita

Arte e Matemática. Série Matemática na Escola

Resolução: P(i) = 2. (i) 4 (i) 3 3(i) 2 + (i) + 5 = 2 + i i + 5 = i. Resolução: Resolução:

ALGA - Eng.Civil - ISE / Matrizes 1. Matrizes

Números Inteiros AULA. 3.1 Introdução

Inversão de Matrizes

(b) Excetuando o caso trivial em que a = b = c = 0, mostre que vale a igualdade se, e somente se, existe m R tal que x = ma, y = mb e z = mc.

Roteiro da segunda aula presencial - ME

Sobre Desenvolvimentos em Séries de Potências, Séries de Taylor e Fórmula de Taylor

CORPOS FINITOS E SEUS GRUPOS MULTIPLICATIVOS

a = bq + r e 0 r < b.

SOLUÇÕES N item a) O maior dos quatro retângulos tem lados de medida 30 4 = 26 cm e 20 7 = 13 cm. Logo, sua área é 26 x 13= 338 cm 2.

Números escritos em notação científica

Decomposição em Fracções Simples

Somando os termos de uma progressão aritmética

Matrizes. matriz de 2 linhas e 2 colunas. matriz de 3 linhas e 3 colunas. matriz de 3 linhas e 1 coluna. matriz de 1 linha e 4 colunas.

INDUÇÃO MATEMÁTICA. Primeiro Princípio de Indução Matemática

ESCOLA SUPERIOR DE TECNOLOGIA DE VISEU

XXXII Olimpíada Brasileira de Matemática. GABARITO Segunda Fase

Apontamentos de matemática 5.º ano - Múltiplos e divisores

Relações. Antonio Alfredo Ferreira Loureiro. UFMG/ICEx/DCC MD Relações 1

Uma Aplicação da Congruência na Determinação de Critérios de Divisibilidade

Sucessões. Definição: Sucessão de números reais é qualquer aplicação do conjunto dos naturais, N, no conjunto dos reais, R. ou Ÿu n.

é um grupo abeliano.

Matemática Fascículo 05 Manoel Benedito Rodrigues

Conjuntos Finitos e Infinitos

Prática. Exercícios didáticos ( I)

SÍMBOLOS MATEMÁTICOS. adição Lê-se como "mais" Ex: 2+3 = 5, significa que se somarmos 2 e 3 o resultado é 5.

Procurando Xenakis. Série Matemática na Escola

XXXII Olimpíada Brasileira de Matemática GABARITO Segunda Fase

números decimais Inicialmente, as frações são apresentadas como partes de um todo. Por exemplo, teremos 2 de um bolo se dividirmos esse bolo

Actividade de enriquecimento. Algoritmo da raiz quadrada

12 26, 62, 34, , , 65

Introdução à Teoria dos Números Notas de Aulas 3 Prof Carlos Alberto S Soares

Progressão aritmética ( PA )

NÚMEROS INTEIROS. Álgebra Abstrata - Verão 2012

Universidade de Lisboa Faculdade de Ciências Departamento de Matemática

Matemática para a Economia I - 1 a lista de exercícios Prof. - Juliana Coelho

EXERCÍCIOS PREPARATÓRIOS PARA AS DISCIPLINAS INTRODUTÓRIAS DA MATEMÁTICA

Exercícios de Aprofundamento Mat Polinômios e Matrizes

Algoritmo de Euclides Estendido, Relação de Bézout e Equações Diofantinas. O Algortimo de Euclides Estendido. Tópicos Adicionais

FRAÇÃO Definição e Operações

ÁLGEBRA. Aula 1 _ Função Polinomial do 2º Grau Professor Luciano Nóbrega. Maria Auxiliadora

4.1 Cálculo do mdc: algoritmo de Euclides parte 1

MATEMÁTICA POLINÔMIOS

1 CLASSIFICAÇÃO 2 SOMA DOS ÂNGULOS INTERNOS. Matemática 2 Pedro Paulo

PUC-Rio Desafio em Matemática 23 de outubro de 2010

AULA DO CPOG. Progressão Aritmética

números decimais Inicialmente, as frações são apresentadas como partes de um todo. Por exemplo, teremos 2 de um bolo se dividirmos esse bolo

MA14 - Unidade 1 Divisibilidade Semana de 08/08 a 14/08

PREPARATÓRIO PROFMAT/ AULA 3

BANCO DE EXERCÍCIOS - 24 HORAS

Álgebra Linear AL. Luiza Amalia Pinto Cantão. Depto. de Engenharia Ambiental Universidade Estadual Paulista UNESP

Unidade III- Determinantes

PLANO DE ENSINO DA DISCIPLINA

Introdução à Teoria dos Números Notas de Aulas 3 Prof Carlos Alberto S Soares

Um pouco da História dos Logaritmos

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

1234, 1243, 1324, 1342, 1423, 1432, 2134, 2143, 2314, 2341, 2413, 2431,

Sendo o polinômio P(x), de grau quatro e divisível por Q(x) = x 3, o resto de sua divisão por D(x) = x 5 é

Ciclo com Contador : instrução for. for de variável := expressão to. expressão do instrução

Lista de Exercícios MMC e MDC

Algoritmo da raiz quadrada

TIPO DE PROVA: A. Questão 1. Questão 3. Questão 2. Questão 4. alternativa A. alternativa E. alternativa E

FRAÇÃO. Número de partes pintadas 3 e números de partes em foi dividida a figura 5

Matemática para Ciência de Computadores

Canguru Matemático sem Fronteiras 2014

Os eixo x e y dividem a circunferência em quatro partes congruentes chamadas quadrantes, numeradas de 1 a 4 conforme figura abaixo:

Apostila de Matemática 16 Polinômios

PERMUTAÇÃO, ARRANJO E COMBINAÇÃO Monitora Juliana

Expressões de sequencias

ALGORITMO DE EUCLIDES

Cálculo do MDC e MMC

Capítulo Bissetrizes de duas retas concorrentes. Proposição 1

Transcrição:

Projecto Delfos: Escola de Matemática Para Jovens 1 A Teoria dos Números tem como objecto de estudo o conjunto Z dos números inteiros (a letra Z vem da palavra alemã Zahl que significa número). 1. DIVISIBILIDADE A divisibilidade é o conceito principal da teoria dos números. Dela dependem, por exemplo, os conceitos de número par e número primo. Dizemos que a divide b (e escrevemos a b) se existir um número inteiro m tal que b = am. Nota histórica: Para sermos rigorosos deveríamos escrever b = a m (notação de William Oughtred (1575-1660)), ou b = a m (notação de Thomas Harriot (1560-1621)). No entanto, tornou-se usual escrever o produto omitindo o operador. Na Grécia Antiga esta omissão significava adição e ainda hoje escreve-se por vezes 1 1 para denotar um e meio. 2 A divisibilidade tem a propriedade básica da transitividade, como vamos ver agora. Suponhamos que a b e b c. Queremos mostrar que a c. Como a b, existe um número inteiro m tal que b = am. Do mesmo modo, existe um número inteiro n tal que c = bn. Então temos c = (am)n = a(mn), e, uma vez que mn é um número inteiro, concluimos que a c. Em seguida, são indicadas outras propriedades da divisibilidade, cuja prova sugerimos como exercício. Exercício. Prove que, para quaisquer inteiros a, b e c: 1. 1 a; 2. a a; 3. a ( a); 4. a b a c a (b + c); 5. a b a bc. Se o número a não divide b, podemos ainda efectuar a divisão de b por a, mas obtemos agora um resto. O teorema seguinte garante-nos que essa divisão é sempre possível e que o quociente e o resto obtidos são únicos.

Projecto Delfos: Escola de Matemática Para Jovens 2 Teorema. (Algoritmo da divisão inteira) Sejam a e b dois inteiros positivos. Então existem dois únicos inteiros q e r (chamados o quociente e o resto) tais que 0 r < a e b = aq + r. Prova. Esta é uma prova de existência e unicidade, que aparece com bastante frequência nos mais diversos ramos da matemática. Existência: Claramente existem vários pares de inteiros (q, r) que verificam a igualdade b = aq + r. A dificuldade está em encontrar um destes pares em que o resto r está entre 0 e a 1. Uma vez que queremos que seja r = b aq, consideremos todos os inteiros não negativos da forma b ak, k Z. Nesta colecção (infinita) de números não negativos, existe um que é mais pequeno que todos os outros (esta propriedade dos subconjuntos dos inteiros não negativos é chamada o Princípio da Boa Ordenação). Esse número é o resto r = b aq que procurávamos. Para o ver, basta mostrar que r < a. De facto, se fosse b aq > a, então teríamos b aq > b a(q + 1) = (b aq) a 0 e portanto b aq não seria o menor inteiro positivo da forma b ak. Unicidade: Suponhamos que existem dois pares de inteiros (q, r) e (q, r ) que verificam as condições exigidas. Podemos admitir que 0 r r < a. Então b = aq + r = aq + r, pelo que a(q q ) = r r. Como 0 r r < a e r r é múltiplo de a, temos r r = 0, ou seja, r = r. Facilmente se conclui agora que também q = q. A prova pode ser adaptada para o caso em que a ou b são negativos. Neste caso o resto r pertence ao conjunto {0, 1,..., a 1}. Exercício. Prove que, para qualquer inteiros n: 1. 2 n 2 n; 2. 6 n 3 n; 3. 30 n 5 n; 4. Se n é ímpar, então 8 n 2 1; 5. Se n é ímpar e não é múltiplo de 3, então 6 n 2 1.

Projecto Delfos: Escola de Matemática Para Jovens 3 2. MÁXIMO DIVISOR COMUM Dados dois números positivos a e b, o máximo divisor comum é, como o nome indica, o maior número inteiro que divide simultaneamente a e b. Este número representa-se por mdc(a, b), ou mais simplesmente, por (a, b). Todos os pares de números inteiros têm pelo menos um divisor comum positivo, que é o número 1. Pode acontecer que este seja, de facto, o único divisor comum positivo de a e b; neste caso, dizemos que a e b são primos entre si. Euclides (300 a.c.) desenvolveu um algoritmo para encontrar o máximo divisor comum de dois números naturais a e b. Segue-se uma descrição deste algoritmo. Passo 1: Suponhamos que b > a e efectuemos a divisão inteira de b por a. Obtemos um quociente q 1 e um resto r 1 tal que 0 r 1 < a: b = aq 1 + r 1 Passo 2: Efectua-se a divisão inteira de a por r 1, obtendo-se um quociente q 2 e um resto r 2 tal que 0 r 2 < r 1 : a = r 1 q 2 + r 2 Passo 3: Efectua-se a divisão inteira de r 1 por r 2, obtendo-se um quociente q 3 e um resto r 3 tal que 0 r 3 < r 2 : r 1 = r 2 q 3 + r 3. Passo n: Efectua-se a divisão inteira de r n 2 por r n 1, obtendo-se um quociente q n e um resto r n tal que 0 r n < r n 1 : r n 2 = r n 1 q n + r n Passo n + 1: Efectua-se a divisão inteira de r n 1 por r n, obtendo-se um quociente q n+1 e um resto r n+1 = 0: r n 1 = r n q n+1 O máximo divisor comum de a e b é r n. Exemplificando para a = 14, b = 24, temos 24 = 14 1 + 10 14 = 10 1 + 4 10 = 4 2 + 2 4 = 2 2 O último resto não nulo é 2, logo mdc(14, 24) = 2. Porque razão funciona este método? Notemos d = mdc(a, b). No primeiro passo, obtemos um resto r 1 = b aq 1 que é múltiplo de d, uma vez que a e b são múltiplos de d. No segundo passo, obtemos um resto r 2 = a r 1 q 2 que é múltiplo

Projecto Delfos: Escola de Matemática Para Jovens 4 de d, uma vez que a e r 1 são múltiplos de d. Continuando este processo, concluimos que os restos que aparecem em cada um dos passos são múltiplos de d. Em particular tem-se d r n. Por outro lado, como r n+1 = 0 conclui-se do passo n + 1 que r n r n 1. Em seguida, vemos através do passo n que r n r n 2, e assim sucessivamente, até chegar à conclusão que r n a e finalmente que r n b. Assim, r n é um divisor comum de a e b, pelo que r n d. Por fim, concluimos dos dois parágrafos anteriores que r n = d. Exercício. Justifique que o algoritmo de Euclides termina num número finito de passos, isto é, que ao fim de um certo número de passos, chegamos a um resto nulo. Exercício. Usando o algoritmo de Euclides, determine: 1. mdc(120, 80) 2. mdc(13377, 10569) 3. mdc(n, n + 1) 4. mdc(n, n + 2) Exercício. 1. Usando o algoritmo de Euclides, determine mdc(144, 89). 2. Os números 144 e 89 são dois números de Fibonacci consecutivos. Prove por indução que dois números de Fibonacci consecutivos são sempre primos entre si. O algoritmo de Euclides permite-nos mostrar algumas propriedades importantes do máximo divisor comum, cuja prova é deixada como exercício. Exercício. Prove que, para quaisquer inteiros positivos a, b e c: 1. mdc(ca, cb) = c mdc(a, b); ( a 2. c a c b mdc c, b ) mdc(a, b) = ; (portanto o máximo divisor comum de a e b é c c múltiplo de todos os divisores comuns de a e b) 3. Se d = mdc(a, b), então existem inteiros x e y tais que d = ax + by; 4. Se c = ax + by, então mdc(a, b) c; 5. Se 1 = ax + by, então mdc(a, b) = 1. Exercício. Determine, caso existam, todos os inteiros positivos tais que: i. x + y = 100 e mdc(x, y) = 3; ii. x + y = 100 e mdc(x, y) = 5.

Projecto Delfos: Escola de Matemática Para Jovens 5 3. Um número diz-se primo se tiver exactamente dois divisores positivos. O matemático grego Eratóstenes (276-194 a.c.) desenvolveu um método simples para encontrar todos os números primos entre os primeiros n inteiros positivos. Este método, descrito a seguir, para o caso n = 50, é conhecido por Crivo de Eratóstenes. Escrevem-se todos os números inteiros de 2 até 50; 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 Eliminam-se (riscam-se) todos os múltiplos de 2, maiores que 2. 2 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 41 43 45 47 49 Eliminam-se todos os múltiplos de 3, maiores que 3. 2 3 5 7 11 13 17 19 23 25 29 31 35 37 41 43 47 49 O número que se segue ao 3 na lista é o 5. Eliminam-se todos os múltiplos de 5, maiores que 5. 2 3 5 7 11 13 17 19 23 29 31 37 41 43 47 49

Projecto Delfos: Escola de Matemática Para Jovens 6 Finalmente eliminam-se os múltiplos de 7, maiores que 7. 2 3 5 7 11 13 17 19 23 29 31 37 41 43 47 O processo terminou porque o número seguinte ao quadrado, 11 2, é maior do que 50. Os números que restam são todos os números primos inferiores ou iguais a 50. A lista dos números primos positivos começa da seguinte forma: [1,50] 2 3 5 7 11 13 17 19 23 29 31 37 41 43 47 [51,100] 53 59 61 67 71 73 79 83 89 97 [101,150] 101 103 107 109 113 127 131 137 139 149 [151,200] 151 157 163 167 173 179 181 191 193 197 199 [201,250] 211 223 227 229 233 239 241 [251,300] 251 257 263 269 271 277 281 283 293 [301,350] 307 311 313 317 331 337 347 349 [351,400] 353 359 367 373 379 383 389 397 [401,450] 401 409 419 421 431 433 439 443 449 [451,500] 457 461 463 467 479 487 491 499 [501,550] 503 509 521 523 541 547 [551,600] 557 563 569 571 577 587 593 599 [601,650] 601 607 613 617 619 631 641 643 647 [651,700] 653 659 661 673 677 683 691 [701,750] 701 709 719 727 733 739 743 [751,800] 751 757 761 769 773 787 797 [801,850] 809 811 821 823 827 829 839 [851,900] 853 857 859 863 877 881 883 887 [901,950] 907 911 919 929 937 941 947 [951,1000] 953 967 971 977 983 991 997. [9951,10000] 9949 9967 9973 Algo que se pode observar desde já é que os números primos parecem ir rareando à medida que se avança no conjunto dos números naturais. É por isso razoável a seguinte questão:

Projecto Delfos: Escola de Matemática Para Jovens 7 Será que a partir de uma dada altura os números primos se extinguem? Veremos em breve que a resposta a esta questão é negativa. Exercício. Prove que, se p é um número primo, então, para quaisquer inteiros a e b, p ab p a p b. 4. FACTORIZAÇÃO EM Teorema. (Teorema Fundamental da Aritmética) Qualquer número inteiro superior a 1 pode ser factorizado em números primos positivos. Além disso, esta factorização é única, a menos de permutação dos factores. Prova. Estamos novamente na presença de uma demonstração de existência e unicidade (neste caso da factorização em números primos positivos). Existência: Vamos usar o método de indução. O número 2 é primo, logo a sua factorização em números primos é trivial (2 = 2). Suponhamos que todos os números desde 2 até n 1 possuem uma factorização em números primos positivos e consideremos o número n. Se n é primo, a sua factorização é trivial. Se não o for, então possui um divisor positivo a diferente de 1 e de n. Assim, existe um inteiro b tal que n = ab. Mas a e b são inteiros entre 2 e n 1, logo, por hipótese de indução, possuem factorizações em números primos positivos: a = p 1... p k b = q 1... q l Conclui-se por isso que n possui a factorização m = p 1... p k q 1... q l. Unicidade: Utilizemos novamente o método de indução. É claro que o número 2 só pode ser factorizado de uma única forma, uma vez que é um número primo. Admitamos que todos os números desde 2 até n 1 possuem uma única factorização em números primos positivos. Suponhamos que o número n possui duas factorizações em números primos positivos, isto é, n = p 1... p k = q 1... q l. Então p 1 q 1... q l e portanto p 1 q 1 p 1 q 2... p 1 q l. Suponhamos, sem perda de generalidade, que p 1 q 1. Como p 1 > 1 então, por definição de número primo, tem-se p 1 = q 1. Assim, o número inteiro

Projecto Delfos: Escola de Matemática Para Jovens 8 n p 1 tem duas factorizações em números primos positivos, e por hipótese de indução, esta é única. Logo, após permutação dos números primos de uma das factorizações, concluimos que k = l e que p 2 = q 2, p 3 = q 3,..., p k = q k. A factorização de um número em primos fornece-nos outro método para calcular o máximo divisor comum de a e b. Para tal, basta observar que os factores primos de qualquer divisor de a formam um subconjunto dos factores primos de a, passando-se o mesmo em relação a b. Assim, o máximo divisor comum de a e b é o produto dos factores primos comuns a a e b. Voltando ao exemplo atrás apresentado, temos 24 = 2 2 2 3 e 14 = 2 7, pelo que mdc(14, 24) = 2. Teorema. Existe uma infinidade de números primos. Prova. Suponhamos que existe apenas um número finito de números primos e designemo-los por p 1 < p 2 <... < p k. Notemos N = p 1... p k + 1. Então p 1,..., p k não dividem N e portanto na factorização de N em números primos têm de aparecer factores superiores a p k, o que contradiz a hipótese que p 1,..., p k era a lista de todos os primos. Observação. Nesta prova não se mostrou que somando 1 aos primeiros k primos se obtém um novo número primo. De facto, 2 + 1, 2 3 + 1, 2 3 5 + 1, 2 3 5 7 + 1, 2 3 5 7 11 + 1 são todos primos, mas 2 3 5 7 11 13 + 1 = 30031 = 509 59 não o é. Ao observar a lista dos primeiros números primos encontramos vários pares de números primos que diferem por apenas duas unidades. Por exemplo, temos os pares (5, 7), (311, 313) e (599, 601). É conjecturado que existe uma infinidade de pares deste tipo, mas não é conhecida nenhuma prova. Exercício. Na mesma lista encontramos um triplo de números primos (3, 5, 7) da forma (n, n + 2, n + 4). Mostra que este é o único triplo de primos desta forma.