Pessoal auxiliar em odontologia: a trajetória regulamentar da profissão de técnico em saúde bucal (1975-2008)

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Transcrição:

202 Pessoal auxiliar em odontologia: a trajetória regulamentar da profissão de técnico em saúde bucal (1975-2008) Auxiliary personnel in dentistry: the regulatory pathway of the dental hygienist professionals (1975-2008) Juliana Pereira da Silva Faquim 1 Leonardo Carnut 2 Resumo Os Técnicos em Saúde Bucal são profissionais habilitados que atuam sob a orientação e supervisão do Cirurgião-Dentista e executam tarefas auxiliares no atendimento odontológico, atuando na promoção, prevenção e controle das doenças bucais. O exercício da ocupação do técnico em saúde bucal foi inicialmente normatizado pelo Ministério da Educação e pelo Conselho Federal de Educação, por meio do Parecer nº 460/75 (CFE,1975) sob os princípios da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 5.692/71. Alguns anos depois a ocupação foi reconhecida pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO, 2005) através da Decisão 26/84 de 1984. Apesar de todo percurso da história da profissão, somente em dezembro de 2008, a Lei nº 11.889 (BRASIL, 2008) foi finalmente sancionada pelo Governo Federal e passou então a regulamentar a profissão e definir suas competências. Dessa forma, o objetivo do presente artigo, é através de uma revisão da literatura, desenhar uma linha da trajetória histórica com os momentos que foram primordiais na regulamentação da profissão do técnico em saúde bucal de 1975 a 2008. Descritores: técnico em saúde bucal. regulamentação da profissão. legislação odontológica Keywords: dental hygienist. regulatory profession. dental legislation Abstract The Dental Hygienists are skilled professionals who work under the guidance and supervision of the Dentist and perform tasks in dental assistants, working on promotion, prevention and control of oral diseases. The exercise of the occupation of technical oral health was first regulated by the Ministry of Education and the Federal Council of Education, through the Opinion No. 460/75 (CFE, 1975) under the principles of the Law of Guidelines and Bases of National Education (LDB ) No 5.692/71. Some years after the occupation was recognized by the Federal Council of Dentistry (CFO, 2005) by Decision 26/84, 1984. Despite all the history of the profession route, only in December 2008, Law No. 11,889 (BRAZIL, 2008) was finally sanctioned by the Federal Government and then began to regulate the profession and define their powers. Thus, the purpose of this article, is through a literature review, draw a line from the historical with key moments that were crucial in the regulation of the profession of dental health technician from 1975 to 2008. 1 Cirurgiã-Dentista. Docente da Escola Técnica em Saúde Bucal da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Doutoranda em Saúde Pública (Serviços de Saúde Pública) pela Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (FSP-USP) 2 Cirurgião-Dentista. Mestre em Odontologia (Saúde Coletiva) pela Faculdade de Odontologia de Pernamabuco, Universidade de Pernambuco (FOP-UPE), Doutorando em Saúde Pública (Serviços de Saúde Pública) pela Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (FSP-USP) Para correspondência: Juliana Faquim email: jufaquim@usp.br Data da Submissão: 12/10/2012 Data do Aceite: 12/11/2012 www.jmphc.com J Manag Prim Health Care 2012; 3(2):202-207.

203 Introdução Um breve relato sobre a educação profissional no Brasil A formação profissional no Brasil teve suas origens em decisões circunstanciais especialmente de caráter assistencialista. A primeira notícia de um esforço governamental em direção à profissionalização data de 1809, quando um Decreto do Príncipe Regente, futuro D. João VI, criou o Colégio das Fábricas. Posteriormente, em 1816, criou-se a Escola de Belas Artes, com o propósito de articular o ensino das ciências e do desenho para os ofícios mecânicos. Já do século XIX, inicialmente nos anos '40, foram construídas dez Casas de Educandos e Artífices para diminuir a criminalidade nas capitais das províncias. Findando o XIX, em 1854, um Decreto Imperial criava os Asilos da Infância dos Meninos Desvalidos, que tinha como objetivo ensinar as primeiras letras e encaminhar às oficinas públicas e particulares. Na segunda metade do século XIX e no início do século XX o ensino profissional continuou mantendo o traço assistencialista, porém iniciavase uma preocupação de organização da formação profissional para preparar operários para o exercício profissional. Em 1906, o ensino profissional passou a ser atribuição do Ministério de Agricultura, Indústria e Comércio, consolidando-se uma política de incentivo ao desenvolvimento do ensino industrial, comercial e agrícola. partir desse momento começaram a ser criadas escolas comerciais públicas, escolas-oficinas, e nesta direção uma comissão especial denominada Serviços de Remodelagem do Ensino Profissional Técnico, foi criada. Concomitantemente, editavam-se leis e decretos que davam suporte a esse início da educação profissional, como por exemplo: Leis Orgânicas da Educação Nacional (1942), que além de definir as leis dos ensinos Secundário, Comercial, Primário, Agrícola e Profissional, criou ainda o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC). Outras ainda podem ser citadas como a Lei 1076/50 de 1950 que permitia que concluintes de cursos profissionais pudessem dar continuidade aos estudos acadêmicos nos níveis superiores, a Lei 4024/61 de 1961 que era a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional equiparando o ensino profissional ao ensino acadêmico, a Lei 5692/71 que reformulou a Lei 4024/61 no tocante ao ensino de primeiro e segundo graus introduzindo de maneira generalizada o ensino profissional no segundo grau, a Lei 7044/82 que tornou facultativa a profissionalização do ensino de segundo grau, a Lei 9394/96 de 20 de Dezembro de 1996, e por fim a então vigente Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que estabelece os níveis de educação (Básico e Superior) e a Modalidade Educação Profissional. Em 4 de Dezembro de 1999 a Resolução da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação CEB número 4 institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico incluindo todas as áreas profissionais. Dentre essas áreas, a área da saúde é aquela cujos profissionais técnicos (ao todo 28 categoriais distintas, sem incluir àquelas relativas ao eixo de produção alimentícia) são responsáveis por desenvolver as ações integradas de proteção e prevenção, educação, recuperação e reabilitação referentes às necessidades individuais e coletivas, visando a promoção da saúde. Em face desta amplitude, neste artigo, focaremos então naqueles profissionais que atuam na área da saúde bucal, em especial, enfatizando a trajetória regulamentar do técnico em saúde bucal enquanto profissão. Pessoal auxiliar em Odontologia: A regulamentação da profissão do Técnico em Saúde Bucal A introdução de pessoal auxiliar em serviços públicos odontológicos no Brasil não é recente e vem sendo experimentada desde o início dos anos de 1950 com a experiência da Fundação Serviços Especiais de Saúde Pública. De acordo com o Conselho Federal de Odontologia (CFO) Resolução CFO 185/93 os profissionais auxiliares da área Odontológica são: Técnico em Prótese Dentária, Técnico em Higiene Dental (Técnico em Saúde Bucal, atual denominação), Auxiliar de Consultório Dentário (Auxiliar de Saúde Bucal, atual denominação) e Auxiliar de Prótese Dentária. Dentre esses profissionais, o Técnico em Saúde Bucal (TSB) é um profissional habilitado que, sob a orientação e supervisão do Cirurgião- Dentista (CD), executa tarefas auxiliares no atendimento odontológico, atuando na promoção, prevenção e controle das doenças bucais. Sua

204 formação o credencia a compor equipes de saúde em nível local, colaborar com o CD em pesquisas, em seu atendimento no consultório, clínica e em ações de saúde coletiva 8 sendo a ele vedado o exercício da profissão de forma autônoma, estando suas atividades subordinadas à supervisão do CD. O exercício deste profissional está regulado e regulamentado nacionalmente amparado no Código de Ética Odontológica (CFO, 2003), na Resolução CFO nº 185/93, alterada pela Resolução nº 209/97, pela Resolução CFO-63/2005 e Consolidação de Normas para Procedimentos nos Conselhos de Odontologia 5. O exercício da profissão do TSB foi inicialmente regulamentado pelo Ministério da Educação e pelo Conselho Federal de Educação, por meio do Parecer nº 460/75 (CFE,1975) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 5.692/71, depois sofreu interferências do Conselho Federal de Odontologia (CFO, 2000) através da Decisão 26/84 de 1984. Por último, em dezembro de 2008, a profissão foi regulamentada pelo Governo Federal por meio da Lei nº 11.889 4. Às expensas das iniciativas de legalização ao longo dos anos e na busca de otimizar a relação entre as partes da equipe odontológica, muito foi se estudando sobre as competências do Técnico em Saúde Bucal. Na história da saúde bucal há pelo menos duas razões históricas para a incorporação e expansão do pessoal auxiliar nos serviços de saúde: a possibilidade de que os profissionais, cada vez mais especializados, sejam liberados das funções mais simples mas não menos importantes do trabalho odontológico, e a necessidade de expansão dos serviços de odontologia a um custo menor, buscando a racionalização do processo de trabalho 11. Para Narvai 6,7, a não-utilização de pessoal auxiliar significa uma ostentação que não deve ser permitida por nenhuma sociedade, pois é um erro empregar um profissional com elevado padrão científico para executar ações que não requeiram tal padrão. Quando isso ocorre, existe o encarecimento da ação odontológica, tornando-se proibitiva para grande parcela da população e também o desinteresse por parte dos Cirurgiões- Dentistas, que sentem aproveitar mal seu tempo de trabalho, quando poderiam otimizá-lo. Dessa forma, o Técnico em Saúde Bucal presta serviços de saúde à população desenvolvendo atividades e tarefas consideradas de menor complexidade e necessitam de supervisão, direta ou indireta, do cirurgiãodentista. Algumas dessas tarefas exigem habilidade e domínio de técnicas, que demandam capacidade de observação, juízo e decisão, envolvendo questões de responsabilidade com o ser humano e com a população e, sobretudo, ética profissional 9. Os processos de "treinamento" desses profissionais vêm ocorrendo, no Brasil, desde a década de 50, desenvolvidos pela Fundação Serviços de Saúde Pública (FSESP), pioneira em nosso país com a utilização de auxiliares nos trabalhos preventivos, bem como na formação em serviço desse pessoal 9. A primeira regulamentação sobre a formação do técnico em higiene dental aconteceu, concretamente, em 1975, com o Parecer n.º460/75 do Conselho Federal de Educação (CFE), em função de uma necessidade de expansão à assistência odontológica para a população (CFE, 1975). Esse movimento foi um desdobramento das políticas propostas para a Educação, através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) n.º 5.692/71, em que a ênfase na "educação para o trabalho" era o eixo norteador. Consta nesse Parecer, um conjunto de diretrizes que cria, disciplina e regula o funcionamento de cursos destinados à formação do técnico em higiene dental e do atendente de consultório dentário, no Brasil. Posteriormente, o Conselho Federal de Odontologia 5 considerou as diretrizes do Parecer n.º460/75 do Conselho Federal de Educação e regulamentou, através da Decisão n.º26 de 1984, o exercício dessas profissões odontológicas. Sendo assim, o curso de técnico em higiene dental deveria seguir a essas regulamentações do Conselho Federal de Educação e do Conselho Federal de Odontologia para ser aprovado e autorizado pelos Conselhos Estaduais de Educação e ter seu diploma reconhecido em todo território nacional. Ao longo dos anos algumas modificações foram feitas à Decisão n.º 26/84 adequando, cada vez mais, as atribuições do técnico em higiene dental aos interesses do Conselho Federal de Odontologia. Para o técnico em higiene dental, a exigência do diploma para se inscrever nos Conselhos teve início em dezembro de 1987, até então bastava uma carta do cirurgião-dentista comprovando a experiência na função de, no mínimo, um ano. A partir de 1996, com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação n.º 9.394/96 do MEC, têm-se mudanças significativas para o ensino

205 profissionalizante, agora nomeado como Educação Profissional. Na sequência, com o Decreto 2.208/97, o MEC cria critérios e traça diretrizes específicas para cada modalidade, em que ficam estabelecidos 3 níveis da educação profissional: o básico, o técnico e o tecnológico. A formação técnica é o complemento da Educação geral e traz como objetivo a articulação da educação com o mundo do trabalho 1. Em 2004, o Ministério da Saúde realizou um levantamento que mostrou que o Brasil tinha cerca de 30 milhões de desdentados; que três em cada grupo de quatro idosos de 65 aos 74 anos são desdentados; e que 13% dos adolescentes nunca foram ao dentista. Os números da pesquisa confirmaram ainda a forte relação entre pobreza e a falta de cuidados com a boca - os piores números estão nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. No intuito de recuperar o interesse do governo pela saúde bucal foi lançado um conjunto de ações do Projeto do Governo Lula para a saúde bucal, cujo eixo determinante da Política Nacional de Saúde Bucal é a ideia da inclusão social: o Brasil Sorridente. O Brasil Sorridente previu investimentos para a prevenção, na distribuição de kits de higiene bucal, expansão na fluoretação das águas de abastecimentos públicos e a busca do acesso universal à assistência odontológica com ações voltadas para todas as faixas etárias. Nesse sentido, diante da necessidade de se ampliar as equipes que trabalham com a saúde bucal, o Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde SGTES e da Coordenação Nacional de Saúde Bucal - CNSB, apresentou para os trabalhadores do setor, especialmente aqueles que atuam na saúde bucal, o perfil de competências profissionais do Técnico em Higiene Dental e do Auxiliar de Consultório Dentário 2. A elaboração desse Perfil envolveu várias etapas de trabalho e foi definido a partir de uma metodologia acordada com o Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS), Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS), Conselho Federal de Odontologia (CFO), Associação Brasileira de Odontologia Nacional (ABO Nacional), Associação Brasileira de Ensino Odontológico (ABENO), Federação Interestadual dos Odontologistas (FIO), Federação Nacional dos Odontologistas (FNO) e Associação Nacional de Auxiliares e Técnicos de Odontologia (ANATO). Tendo em vista a relevância e complexidade do assunto, a proposta de perfil foi submetida à consulta pública, permanecendo no site do Ministério da Saúde -www.saude.gov.br/, seção profissional de saúde, no período de 18 de junho a 25 de julho de 2003. O Perfil foi homologado em 21 de outubro de 2003 e é resultado do consenso entre as entidades supracitadas e todos os atores sociais envolvidos com o trabalho do Técnico em Higiene Dental e do Auxiliar de Consultório Dentário. A elaboração desse perfil considerou três pressupostos fundamentais 10 : a coerência com os princípios gerais contidos no arcabouço jurídico-legal que rege o Sistema de Saúde no Brasil e que orientam a prática profissional de todos os trabalhadores da saúde: a integralidade da atenção, a humanização do cuidado, a ética e o trabalho em equipe; a necessidade de contemplar todos os aspectos relacionados à prática do Técnico em Higiene Dental (THD) e do Auxiliar de Consultório Dentário (ACD), considerando suas especificidades em relação aos locais de produção dos serviços; às formas de inserção, organização e regulação do trabalho; e ao atendimento das demandas dos indivíduos, famílias e coletividade; a observância às Leis, Decretos, Resoluções e Pareceres que regulam a formação e o trabalho do THD e do ACD. A definição operacional das competências do THD expressa o saber (conhecimento), o saber-ser (atitudes e valores) e o saber-fazer (habilidades). Dentre todas as competências do THD, destacamos a competência específica para a realização das ações de atendimento clínicoodontológico voltadas para o restabelecimento da saúde, conforto, estética e função mastigatória do indivíduo. Na trajetória dessa profissão, ainda que reconhecida informalmente, somente em 2008 é que foi sancionada a lei 11.889/2008 3,4 que regulamenta o exercício das profissões de Técnico em Saúde Bucal (TSB) e de Auxiliar em Saúde Bucal (ASB) e estabelece que fiquem resguardados os direitos dos profissionais inscritos até essa data, como técnico em higiene dental, que passam a ser denominados então técnicos em saúde bucal. De acordo com essa lei, compete ao TSB, sempre sob supervisão com a presença física de um cirurgião-dentista, na proporção máxima de 1 (um) CD para 5 (cinco) TSBs, as seguintes atividades:

206 I - participar do treinamento e capacitação de Auxiliar em Saúde Bucal e de agentes multiplicadores das ações de promoção à saúde; II - participar das ações educativas atuando na promoção da saúde e na prevenção das doenças bucais; III - participar na realização de levantamentos Figura. Linha da trajetória histórica: momentos primordiais na regulamentação da profissão do TSB no contexto da formação profissional no Brasil e estudos epidemiológicos, exceto na categoria de examinador; IV - ensinar técnicas de higiene bucal e realizar a prevenção das doenças bucais por meio da aplicação tópica do flúor, conforme orientação do cirurgião-dentista; V - fazer a remoção do biofilme, de acordo com a indicação técnica definida pelo cirurgião-dentista; VI - supervisionar, sob delegação do cirurgião-dentista, o trabalho dos auxiliares de saúde bucal; VII - realizar fotografias e tomadas de uso odontológicos exclusivamente em consultórios ou clínicas odontológicas; VIII - inserir e distribuir no preparo cavitário materiais odontológicos na restauração dentária direta, vedado o uso de materiais e instrumentos não indicados pelo cirurgiãodentista; IX - proceder à limpeza e à anti-sepsia do campo operatório, antes e após atos cirúrgicos, inclusive em ambientes hospitalares; X - remover suturas; XI - aplicar medidas de biossegurança no armazenamento, manuseio e descarte de produtos e resíduos odontológicos; XII - realizar isolamento do campo operatório;

207 XIII - exercer todas as competências no âmbito hospitalar, bem como instrumentar o cirurgião-dentista em ambientes clínicos e hospitalares. Por outro lado, é vedado ao Técnico em Saúde Bucal: exercer a atividade de forma autônoma; prestar assistência direta ou indireta ao paciente, sem a indispensável supervisão do cirurgião-dentista; realizar, na cavidade bucal do paciente, procedimentos não discriminados nessa lei e fazer propaganda de seus serviços, exceto em revistas, jornais e folhetos especializados da área odontológica. Considerações Finais Apesar da introdução de pessoal auxiliar na odontologia no Brasil não ser recente e pelos relatos históricos vem sendo experimentada desde o início dos anos de 1950, somente em 2008 houve finalmente a regulamentação do exercício da profissão do TSB e ASB através da Lei 11.889/2008. Essa Lei consolidou uma história de lutas e conquistas e representa na história da Odontologia um grande avanço quando finalmente regulamenta as profissões odontológicas auxiliares. Além disso, o que pôde ser percebido é uma congruência na construção dessa linha da trajetória histórica entre os momentos primordiais na regulamentação da profissão do TSB e ASB e os marcos da formação profissional no Brasil. E se hoje no cenário da literatura científica, muitos têm se debruçado na discussão do âmbito das competências e atribuições dos profissionais auxiliares, é válido ressaltar que isso só está sendo possível porque foi travada uma história de dedicação e empenho para que ao longo da história da formação profissional no Brasil, a regulamentação do exercício da profissão dos auxiliares na Odontologia tenha se solidificado. 2008: Os Vetos da Lei 11.889/2008. 4. Brasil. Lei 11.889 de 24 de dezembro de 2008: Regulamenta o exercício das profissões de Técnico em Saúde Bucal - TSB e de Auxiliar em Saúde Bucal - ASB. 5. Conselho Federal de Odontologia. Resolução CFO- 85/2009: Altera as redações do inciso II, do artigo 121 e dos Capítulos IV e V da Consolidação das Normas para Procedimentos nos Conselhos de Odontologia. 6. Narvai PC. Recursos humanos para promoção de saúde bucal. In: Kriger L. Promoção de Saúde Bucal. São Paulo, Artes Médicas; 1997, p.448-63. 7. Narvai PC. Recursos humanos para promoção de saúde bucal: Um Olhar no início do século XXI. In: Araújo ME. organizadora. Odontologia em Saúde Coletiva: manual do aluno. São Paulo, 2003. (Apostila do Curso de Odontologia Social da Faculdade de Odontologia da USP), p.68-93. 8. Projeto Pedagógico, Curso Técnico em Saúde Bucal da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal de Uberlândia, 2010. 9. Pezzato LM. O processo de formação do técnico em higiene dental e do atendente de consultório dentário no Brasil: uma história silenciada [Dissertação de Mestrado] Campinas. Faculdade de Educação da UNICAMP; 2001. 10. Sá EMO et al. As atribuições do técnico de saúde bucal: sistematização de práticas. Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 8 n. 3, p. 463-484, nov.2010/fev.2011. 11. Tomazevic JM. Componente educativo na formação e prática do pessoal auxiliar odontológico [Dissertação de Mestrado] São Paulo: Faculdade de Odontologia da USP; 2005. Referências 1. Brasil. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9.394/96 e Decreto 2.208/1997. Cadernos de Educação. 2ªed. Brasília-DF, março 1997. nº3, a. II. 2. Brasil. Perfil de Competências Profissionais do Técnico em Higiene Dental e do Auxiliar de Consultório Dentário. Ministério da Saúde. Brasília Ministério da Saúde, 2004. 3. Brasil. Mensagem nº 1.043, de 24 de dezembro de