Segue o texto do Dr. Mário Sérgio Vasconcelos para o I Encontro Temático de Marília. Seguir o padrão dos textos anteriores.



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Transcrição:

Aprender a Fazer Produções Educacionais Curitiba, maio de 2007-05-23 Segue o texto do Dr. Mário Sérgio Vasconcelos para o I Encontro Temático de Marília. Seguir o padrão dos textos anteriores. Professor Autônomo, Aluno Autônomo Mário Sérgio Vasconcelos * Explorar o tema da autonomia do professor e do aluno no contexto escolar não é uma tarefa simples, pois envolve fatores políticos, econômicos, culturais e psicológicos, bem como questões relacionadas às relações de poder que ocorrem no âmbito das instituições educacionais. Na perspectiva do papel do professor, por exemplo, a autonomia necessariamente está associada a uma discussão mais detalhada sobre a natureza da escola (publica ou privada), às regras institucionais e à autoridade docente. Tratando-se do papel do aluno, a questão envolve, no mínimo, assuntos como a valorização (ou não) do conhecimento, a tomada de consciência sobre as regras que compõem o contexto escolar e o respeito pelas figuras de autoridade. Dado o caráter polêmico e abrangente dessas questões, dirigirei esse ensaio defendendo a idéia de que, atualmente, as relações que conduzem à autonomia e ao pensamento crítico no âmbito da instituição escolar estão diretamente ligadas à proposta de uma escola formadora que possa investir na construção de valores e ultrapasse a esfera de uma escola apenas instrucional. Três argumentos sustentam essa proposta: o primeiro está relacionado ao papel que se exige da escola na contemporaneidade; o segundo a necessidade atual de se compreender a escola como espaço constituinte de desenvolvimento humano; o terceiro está no fato de que a autonomia do professor e do aluno são fatores indissociáveis e podem se fortalecer com projetos pedagógicos que releva o conhecimento como valor. Vejamos as implicações desses argumentos. A escola na contemporaneidade Quando em 1968, o artista plástico Andy Warhol pronunciou a frase a fama dura apenas quinze minutos, anunciava um tempo de transformações que muitos não visualizavam. Hoje, porém, é fácil perceber que a sociedade contemporânea passa por um momento onde as mudanças são muitas e muito rápidas. No campo da ciência pesquisadores passaram a buscar novos paradigmas para fazer a leitura da complexidade do real. No plano tecnológico, a cada dia surgem novidades que influenciam nosso ritmo de vida e alteram as relações entre as pessoas. Na esfera ideológica instaurou-se uma crise sem precedentes e um sentimento de incerteza rege as políticas regionais e mundiais. No âmbito das instâncias tradicionais, a família sofreu transformações irreversíveis, principalmente com a inserção da mulher no mercado de trabalho; com isso, cada vez mais, diferentes 1

instituições educacionais foram e são criadas para atender e/ou cuidar das crianças. Enfim, estamos no terceiro milênio, globalizados e numa sociedade de mercado que freneticamente prega a modernização, independente do fato de tal modernização trazer ilusões, sofrimento ou felicidade para milhares de pessoas. Na realidade, atualmente as mudanças são tantas que podemos dizer que hoje vivemos não uma época de mudanças, mas uma mudança de época. Tal contexto faz com que muitas pessoas sintam-se inseguras quanto ao futuro não sabendo em quem e em que acreditar. No âmbito escolar, a dúvida e a insegurança também compõem seu cotidiano, pois a escola é uma instituição criada pela sociedade e, consequentemente, é influenciada pelas mudanças sociais. Por isso, mesmo que lentamente, se modifica com as mudanças históricas, políticas, econômicas e tecnológicas. Desse modo, é preciso pensá-la em seu tempo, no contexto histórico no qual ela está inserida. No conjunto das instituições contemporâneas, uma constatação merece destaque: entre as instituições tradicionais, muitas estão em franco declínio ou desprestigiadas, porém a escola continua sendo extremamente valorizada no imaginário social. Ela resiste aos ventos dos novos tempos, mais do que até mesmo a família. É vista como imprescindível para o atendimento de demandas sociais, para a transmissão formal dos saberes científico e cultural, para a formação intelectual e desenvolvimento da autonomia dos alunos. Continua sendo percebida como elemento chave de formação do indivíduo para o futuro da sociedade. Por isso, a situação da criança fora da escola é tida como mais grave do que a criança fora da família. Afinal, hoje, por figura de lei, lugar de criança é na escola. Tal constatação traz várias conseqüências para a escola. Como nunca, ela está sendo solicitada a absorver as mais diferentes funções em substituição a outras instituições que também passam por mudanças. Por isso está sendo expandida para acolher as crianças mais novas e recai sobre ela a responsabilidade de formação integral dos alunos, ou seja, é encarregada de zelar pelo desenvolvimento da criança e do adolescente no plano cognitivo, emocional, afetivo, social e tantos outros tidos como necessários para a formação do sujeito desse tempo. Sem dúvida, esse é um fardo novo e pesado. Porém, é real e não pode ser desprezado. Escola e desenvolvimento humano É inevitável conceber a escola como representante de seu tempo. Dado sua posição de destaque na atualidade, como a escola poderá dar conta de tantos afazeres? Nesse contexto, como agir para não sucumbir seu projeto de formar sujeitos autônomos, críticos e competentes para o exercício da cidadania? Sabemos que o desenvolvimento cognitivo, emocional e afetivo do ser humano não é apenas uma tarefa da família, mas de todas as instituições envolvidas no processo interativo de socialização pelo qual passa o ser humano. Hoje, mais do que nunca, isso inclui a escola e os outros agentes institucionais que a compõem. Mas quais princípios psicológicos devem ser destacados pela escola enquanto instituição constituinte do indivíduo em socialização? Há anos a ciência do desenvolvimento mostrou que o ser humano é ativo no processo de construção do conhecimento (PIAGET, 1964; WALLON, 1989, VYGOTSKY, 1989). Portanto, para se ir ao encontro das necessidades e interesses do ser humano 2

devemos promover projetos que favorecem a atividade do sujeito (aluno e/ou professor) em busca do conhecimento. Trabalhar numa vertente ativa pressupõe, no mínimo, uma visão interacionista de sujeito. É através da interação entre sujeito e objeto que ocorre o processo de construção de novidades. Nossas observações indicam que essa perspectiva, ainda muito distante de nossas escolas, não admite o aluno como um sujeito pronto, acabado. Na realidade também não permite que o educador seja visto como um sujeito pronto, em definitivo, completo para sua função. O sujeito educador ativo é um educador em processo, em formação. Desse modo, se quisermos que os educadores sejam adultos seguros de suas convicções e não indivíduos conformistas e passivos deve-se criar um contexto que leve em consideração o processo ativo de sua ação e formação como objetivo pedagógico. Do mesmo modo, para que os alunos possam ser ativos há que haver condições para que se desenvolvam enquanto construtores de conhecimentos. Somente assim se pode contribuir, no âmbito do ensino e da aprendizagem, para a formação de indivíduos reflexivos e autônomos, conscientes da complexidade do mundo em que vivemos. Autonomia e conhecimento enquanto valor Sempre que ouvimos falar em autonomia na escola, quase sempre a discussão está voltada para o objetivo de proporcionar condições para favorecer o desenvolvimento da autonomia no aluno. Mas será possível, no contexto escolar, favorecer a autonomia do aluno sem autonomia do professor? Penso que estas duas questões são indissociáveis e, por isso, devem ser discutidas conjuntamente. Não há dúvida que a autonomia do professor depende vários fatores: formação, salário, condições gerais de trabalho, reconhecimento social, etc. Porém outros dois fatores são fundamentais para o exercício da autonomia: a legitimidade outorgada ao professor para o exercício da autoridade e o espaço que o projeto pedagógico da escola garante para o exercício da cidadania. O fato de, cada vez mais, a sociedade atribuir mais responsabilidades para a escola, não significa, em conseqüência, que se delega maior autoridade aos professores. Atualmente a maioria das escolas protagoniza a formação de um indivíduo crítico, que possa exercer sua cidadania e estar atento à complexidade do mundo contemporâneo, mas muitas vezes se esquecem de tematizar a autonomia do próprio professor, fato que implica, necessariamente numa reorientação de valores. Na verdade, a escola, inevitavelmente, lida com valores: os alunos têm valores internalizados, professores têm valores, a instituição escolar pressupõe valores. A reflexão sobre se a escola deve ou não trabalhar com valores é redundante. A questão é: quais valores deve enfatizar? Como trabalhá-los para que possam proporcionar a autonomia moral na esfera institucional? Sabemos que a moral vem do respeito que atribuímos às regras e esse respeito começa no respeito que temos pelas pessoas que nos impõem tais regras. Quando somos crianças temos pelos adultos um respeito unilateral: o adulto impõe ao pequeno o que este deve fazer. Há uma relação de coação. Mas, com o desenvolvimento do indivíduo, configura-se a possibilidade de respeito mútuo. Entre jovens e adultos, por exemplo, há maior chance de poder de ação de um sobre o outro e as pessoas podem agir de forma cooperativa. A cooperação 3

(cooperar com) contribui para a descentração do ser humano. A descentração permite ao sujeito perceber o outro, levar o outro em consideração, emergir o respeito mútuo. Assim, do ponto de vista moral, a cooperação pode conduzir a uma ética de solidariedade e de reciprocidade nas relações, resultando no surgimento de uma autonomia progressiva de consciência, que tenderá a prevalecer sobre o indivíduo que era apenas voltado para ele mesmo. Nessa perspectiva, a autonomia pode ser compreendida como resultante de um processo de socialização que leva o indivíduo a sair de seu mundo centralizado para cooperar com os outros e submeter-se, ou não, conscientemente às regras institucionais e sociais. Isso se torna possível a partir do tipo de relações estabelecidas pelo sujeito com os outros. As relações de cooperação, de reciprocidade e de respeito mútuo são potenciais fontes da autonomia. Na escola tal princípio não se refere apenas relação professor/aluno, mas também à relação instituição/regras/professor, pois toda moral consiste num sistema de regras e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras. Ser autônomo moralmente significa poder analisar criticamente a existência e/ou obrigatoriedade das normas e o significado de suas ações. Isso implica que, para que um cidadão possa torna-se crítico, há necessidade de tematizar as situações institucionais, o próprio conhecimento enquanto valor, o papel da escola, a autonomia do professor, a autonomia do aluno, o exercício da cidadania. Para atuar valorizando a tematização e a autonomia no âmbito escolar, as ações educacionais devem ser efetivadas levando em consideração: a interação como princípio o reconhecimento do sujeito ativo o conhecimento como construção a qualidade das relações interpessoais a cooperação enquanto princípio socializador a independência e interdependência das autonomias o significado dos conteúdos escolares a gestão escolar, o conhecimento e a autoridade do professor os valores da comunidade escolar a cultura e inserção da escola São princípios dessa natureza que estamos interessados em debater com os colegas educadores. Talvez, com estas reflexões, possamos contribuir para a construção de uma educação transformadora e de valor. Afinal, o principal objetivo da educação é criar pessoas com espírito crítico, capazes de fazer coisas novas, e não repetir simplesmente o que as outras gerações fizeram, muitas vezes promovendo grandes injustiças sociais. Referências Bibliográficas JUSTO, J. S. e outros. Indisciplina e Disciplina: ética, moral e ação do professor. Porto Alegre: Mediação, 2005. PIAGET, J.P. Para onde vai a educação? Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. PIAGET, J. O juízo moral na criança. Petrópolis: Vozes, 1994. 4

VASCONCELOS, M. S. (org.) Criatividade: psicologia, educação e conhecimento do novo. São Paulo: Moderna, 2001. VERÍSSIMO, L F. e outros. O desafio ético. Rio de Janeiro: Garamond, 2000. VYGOTSKY, L. S. A formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989. Currículo: * Pós-doutor em Processos Cognitivos pela Universidade de Barcelona; Doutor em Psicologia Escolar (USP), Mestre em Psicologia Social pela PUC/SP e professor Livre-docente em Psicologia do Desenvolvimento na UNESP. 5