Uma formação dos professores que vai além dos saberes a serem ensinados
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1 Uma formação dos professores que vai além dos saberes a serem ensinados Philippe Perrenoud Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação Universidade de Genebra 2012
2 Endereços Internet Laboratório Inovação-Formação-Educação LIFE 2
3 Primeira parte Os saberes para ensinar
4 Competências e conhecimentos Seria muito importante que a formação dos professores visasse o desenvolvimento de competências e que estas fossem identificadas e avaliadas, garantindo um nível adequado antes de colocar os alunos sob a responsabilidade de um professor principiante. Porém, seria um desastre se o ofício de ensinar fosse visto como uma atividade «prática», em que é necessário ter o domínio de «gestos». Naturalmente, nessa profissão há gestos e, até mesmo, rotinas. Mas há também, permanentemente, uma inteligência no trabalho, voltada à compreensão da complexidade das situações e à orientação da ação. Em suma, o exercício de uma competência de alto nível passa por um julgamento e por um raciocínio profissionais equivalentes àquilo que se denomina «raciocínio clínico» nas profissões da área médica. Como nessas profissões, o raciocínio se fundamenta em saberes, saberes provenientes da experiência, praticamente de ordem pessoal, saberes especializados que circulam no âmbito da categoria profissional e saberes oriundos da pesquisa relativa aos processos colocados em jogo. 4
5 Insistir em relação aos saberes para ensinar Para os pesquisadores da área de educação, para os professores dos cursos que formam educadores e para alguns profissionais do ensino, é evidente que, para ensinar, é necessário que haja o domínio de muitas «coisas» que vão além dos conteúdos. Mas nem todos aceitam plenamente essa evidência, tal como demonstra, em vários países, o debate atual sobre a formação. Muitos insistem naquela imagem do professor sábio, que se sente à vontade na sua disciplina. Isto é necessário, mas não é suficiente! É necessário também que seja elaborada a lista dos saberes para ensinar, aqueles que justificam uma formação de alto nível que vai além da disciplina a ser ensinada. 5
6 Um consenso impossível? Não é fácil identificar e dar nome aos saberes para ensinar. Qualquer tentativa neste sentido desencadeia críticas e controvérsias. Isso nada tem de surpreendente, pois o que está em jogo não é apenas a imagem da profissão, mas também a importância dos diferentes saberes na formação dos professores e, consequentemente, a imagem dos professores universitários e dos pesquisadores que detêm tais saberes. Pouco importa se não há um consenso total, o debate deve continuar. Esperar que tudo esteja esclarecido para avançar é dar margem às representações mais arcaicas dos saberes dos professores, isto é, às representações dos «antipedagogos». 6
7 Os saberes que estão em jogo vão além dos saberes a serem ensinados As ciências sociais e humanas, se forem ensinadas tal como são. Os saberes tecnológicos, os quais têm a tendência de se constituir como uma área autônoma. A didática das disciplinas ensinadas. A necessidade de possuir tal bagagem já é uma obviedade, exceto no ensino superior e em cursos similares. Os saberes relativos às dimensões transversais da profissão de professor. Tais saberes não constituem uma unanimidade e são tratados, às vezes, como «aquilo que sobra» ou um «complemento», sendo também comparados a uma formação comum estruturada de modo vago e impreciso. Quando existem, esses saberes são definidos e conceptualizados de diversas formas. 7
8 Um Yalta provisório Não abordarei os saberes disciplinares e nem os saberes tecnológicos. Não vou também me ater a uma abordagem isolada das ciências sociais e humanas. O meu enfoque abrangerá a diversidade dos saberes relacionados às dimensões transversais da profissão de professor, explicitando também as múltiplas facetas dos saberes provenientes da «didática das disciplinas». Os saberes transversais e os saberes didáticos não estão relacionados a realidades diferentes. São olhares cruzados voltados às mesmas realidades, alguns giram em torno de uma disciplina escolar, outros se referem a realidades que permeiam as disciplinas ou as dominam. Num currículo de formação, esses saberes podem ser trabalhados separadamente, mas também conjuntamente, em estágios, em módulos de integração, no trabalho atinente a projetos, em situações complexas e na apropriação das tecnologias da formação. Portanto, enunciá-los separadamente não é uma questão de conflito ou de ignorância mútua, e sim de complementaridade e de diálogo. 8
9 Segunda parte Os saberes referentes às dimensões transversais da profissão de professor
10 Áreas de saberes construídas Diferentemente das didáticas disciplinares, os saberes relativos às dimensões transversais, denominados «saberes transversais», não se referem a compartimentalizações instituídas no sistema de ensino. Trata-se de construções intelectuais que devem ser objeto de debates. A lista de dimensões transversais e a sua concepção são inseparáveis da visão daquilo que é, ou deveria ser, a profissão de professor. É importante perceber a pluralidade das dimensões transversais, as quais não podem ser reduzidas a categorias rotuladas como «pedagogia geral» ou «formação comum». Outro elemento em jogo: fazer de cada uma dessas dimensões uma área de saber, de pesquisa e de formação integral, tão coerente, dinâmica e respeitável quanto a didática de uma disciplina. 10
11 Uma lista possível 1 a parte Conhecimento dos processos de aprendizagem, dos obstáculos, das dificuldades e das razões de ser. Avaliação e regulação dos processos de aprendizagem e das aquisições. Relações intersubjetivas e conexão educativa. Relação com o saber, desejo de aprender, profissão de aluno e sentido do trabalho escolar. Estabelecimento de ensino, status, projeto, etc. Culturas, diversidades, alteridade. Desigualdades e tratamento das diferenças. Interações em sala de aula, dinâmicas de grupo. Organização do trabalho escolar, gestão da classe. 11
12 Uma lista possível 2 a parte Regras, desvios e sanções. Profissão de professor, status, identidade, autonomia, competências, cooperação, desenvolvimento. Relações entre as famílias e a escola. Início da escolaridade, primeiras aprendizagens. Ensino especializado e dimensões médico-pedagógicas. Seleção e orientação escolares. Infância e adolescência escolarizadas. Socialização, educação, cidadania. Sistema de ensino e políticas da educação. 12
13 Terceira parte Saberes didáticos
14 Uma lista possível 1 a parte 1. Conhecer os elementos culturais, políticos e sociais em jogo, o projeto educacional e a visão global das escolas em que está inserida a disciplina. 2. Conhecer os elementos culturais, políticos e sociais em jogo no âmbito da disciplina (legitimidade, seletividade, utilidade, usos profissionais e extraprofessionais, conexão com sistemas de valores). 3. Conhecer as fontes, a história e a epistemologia da disciplina fora da escola. 4. Conhecer os detalhes da relação com o saber na área da disciplina, mas também no que concerne aos alunos e aos pais, aos professores de outras disciplinas, às autoridades do sistema educacional e aos atores políticos e mediáticos. 14
15 Uma lista possível 2 a parte 5. Conhecer os usos e o lugar da disciplina nas práticas profissionais e sociais fora da escola. 6. Conhecimento e leitura crítica dos objetivos e dos programas da disciplina no âmbito do curso. 7. Conhecimento teórico e domínio prático da transposição didática na área da disciplina. 8. Conhecimento teórico e domínio prático do planejamento e da coordenação das progressões na área da disciplina. 9. Conhecimento e domínio das situações didáticas específicas em termos de desenvolvimento de novos conhecimentos ou de aprendizagem da sua mobilização. 15
16 Uma lista possível 3 a parte 10. Conhecimento teórico e domínio prático dos meios, dos métodos, das sequências e dos dispositivos de ensinoaprendizagem. 11. Conhecer as atitudes e competências dos pais nas suas tarefas de acompanhamento do trabalho de casa na disciplina. 12. Conhecimento teórico e domínio prático dos processos de aprendizagem, dos obstáculos, dos erros, dos bloqueios, das dificuldades de aprendizagem na área da disciplina. 13. Conhecimento teórico e domínio prático da organização do trabalho e da gestão da classe na área da disciplina. 16
17 Uma lista possível 4 a parte 14. Conhecimento teórico e domínio prático dos modos de diferenciação e de diversificação das situações e das intervenções didáticas. 15. Conhecimento teórico e domínio prático dos critérios das ferramentas de avaliação formativa e somativa das aquisições. 16. Conhecimento teórico e domínio prático dos usos e dos limites das tecnologias da formação e da aprendizagem na área da disciplina. 17. Domínio teórico e prático da relação conhecimentos/habilidades/atitudes/competências na área da disciplina. 18. Abertura e competências na área do trabalho interdisciplinar. 17
18 Conclusão Saberes visíveis a serviço de competências identificadas
19 A necessidade de uma cartografia Se não quisermos que os saberes para ensinar sejam reduzidos a algumas abordagens abstratas, é necessário listá-los, explicá-los e justificá-los no debate relativo à formação dos professores. Justificá-los consiste, principalmente, em colocar em evidência os problemas profissionais que podem abordados e resolvidos graças a esses saberes, incluindo as competências que os utilizam como recursos. É importante elaborar uma cartografia das áreas de saberes existentes, a qual seria uma ferramenta que fundamentaria o debate entre os professores responsáveis pela formação de educadores, a regulação do plano de formação e a verificação das relações entre competências visadas e conteúdos dos módulos de formação. Essa cartografia é indispensável para que os estudantes não se percam em meio a tanta complexidade e na pluralidade das situações, identificando e diferenciando as áreas de saberes necessárias para a compreensão das situações e para a coordenação da ação. 19
20 Trabalhar com a categoria profissional Nem todos os professores em atividade reconhecem a pertinência dos saberes relativos às dimensões transversais. Alguns deles não veem nenhum interesse nas ciências humanas. Alguns deles chegam, até mesmo, a recusar a didática da sua disciplina, ou a reduzem a alguns princípios metodológicos. Poderíamos sonhar com «Conferências de Consenso», nas quais seriam identificados os saberes para ensinar, tal como ocorre na negociação de um referencial da atividade profissional. Enquanto isso não ocorre, devemos, no mínimo, trabalhar com os educadores, com os sindicatos e com os movimentos pedagógicos que acreditam que há saberes para ensinar e que as ciências sociais e humanas podem dar a sua contribuição. Na conjuntura atual, há uma certa urgência na realização desse trabalho! 20
21 Endereços Internet Laboratório Inovação-Formação-Educação LIFE 21
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