1) Do ponto de vista filosófico, a ação de brincar é realizada para contrapor a racionalidade;



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Transcrição:

SOBRE O BRINCAR Crianças correndo em um pátio, brincando de roda, de amarelinha, carrinho, pulando corda... Crianças no parque, soltando pipas, andando de bicicleta, correndo com o cachorro, rolando na grama... Esses cenários remetem-nos às atividades infantis mais importantes: as brincadeiras. Acreditamos que pessoas que promovem e possibilitam o brincar, acreditando que essa ação gera crescimentos importantes durante o desenvolvimento afetivo, cognitivo e relacional das crianças, podem facilitar, e muito, esse processo. Assim, acreditamos que todas as oportunidades de brincar, de simbolizar as ações vividas, as desejadas ou aquelas que, aparentemente, não fazem sentido algum, apresentam influências importantes na vida das crianças. As crianças brincam por diversos motivos. Segundo Santos (2010), o brincar pode ter vários enfoques: filosófico, sociológico, psicológico, criativo, psicoterapêutico e pedagógico, entre outros. 1) Do ponto de vista filosófico, a ação de brincar é realizada para contrapor a racionalidade; 2) Do ponto de vista sociológico, o brincar possibilita a socialização das crianças, a sua inserção na sociedade; 3) Do ponto de vista psicológico, não existe nenhum mecanismo que tenha se revelado como mais importante do que os brinquedos para facilitar o desenvolvimento das crianças. (SANTOS, 2010, p. 113); 4) Do ponto de vista da criatividade, é no brincar que se pode ser criativo. [...] Brincando ou sendo criativo, o indivíduo descobre quem realmente é. (SANTOS, 2010, p. 113-114); 1 / 7

5) Do ponto de vista psicoterapêutico, o brincar é universal e tem a função de entender as crianças em seus processos de desenvolvimento pessoal e relacional; 6) Do ponto de vista pedagógico, o brincar pode ajudar no processo de aprendizagem. A partir da união desses pontos de vista é que será discorrido o tema, pois acreditamos que o brincar é único e engloba todos os pontos de vista, todas as áreas de conhecimento que o estudam. Brincar suscita vivências simbólicas importantes para o desenvolvimento cognitivo, afetivo, motor e social das crianças. Ao brincar, elas podem viver situações impossíveis para sua realidade, situações que possam integrar algo que aconteceu em sua vida real ou, ainda, aumentar o seu repertório de movimentos e ações. Quanto mais a criança brinca, mais ela pode complementar esse repertório. Com a mediação do adulto, pode haver situações de transposição de limites, o que também auxiliará no incremento de experiências. O "treino" de determinados movimentos isoladamente também pode fazer esse papel, mas não acreditamos que o faça de forma tão completa quanto a brincadeira. Brincando, os movimentos passam a ter sentido e significado para a criança; portanto, fazem parte do processo de ensinar/aprender e desenvolver-se. O BRINCAR E A ORGANIZAÇÃO DO MUNDO INTERNO Segundo Lapierre e Lapierre (2002), a simbolização permite à criança assumir a realidade no 2 / 7

próprio consciente. As brincadeiras, portanto, colocam em jogo a relação afetiva antes mesmo de ser racionalizada; assim, a criança pode compreender com mais propriedade sua própria realidade. A partir desse pensamento, Lapierre (2002, p. 30) concluem que: Nada pode se integrar realmente ao Ser sem antes passar pela sua organização tônico-emocional. Nos estudos de Anne e André Lapierre, brincar é levado a sério; você, professor ou professora da Educação Infantil, ao ler uma das mais importantes conclusões deste estudo, logo a seguir, imagine crianças brincando espontaneamente, sem uma programação, contando com a figura do adulto apenas para brincar. Nada planejado, nada programado. Quando brincam, as crianças, sem saber, sem compreender conscientemente, percorrem algumas fases do percurso (LAPIERRE; LAPIERRE, 2002). Expressamos, aqui, as quatro fases não como regra, mas como possibilidades para se compreender melhor o movimento infantil no processo brincante e a importância da brincadeira no desenvolvimento das crianças. A primeira fase compreende a inibição, na qual as crianças expostas a situações incomuns no seu cotidiano inibem-se, principalmente frente a um adulto, quando este brinca naturalmente com ela sem ditar regras ou impor as brincadeiras. Outro momento de inibição pode ocorrer quando a criança está frente a um grupo de crianças que não conhece e pode sentir-se mais acuada, num primeiro momento, dificultando sua inserção momentânea naquele grupo. A brincadeira com objetos intermediários pode promover a desinibição quando se brinca com um adulto; para que isso realmente aconteça, o adulto deve estar inteiramente disponível na brincadeira, com um olhar que ultrapasse o olhar racional, para que possa entrar sem intimidações no espaço simbólico da criança. Quanto à inibição dentro do grupo de crianças, muitas vezes, ela vai se dissolver naturalmente, proporcionando um convívio agradável. Em alguns momentos, porém, essa situação necessita do intermédio do adulto para que, efetivamente, ocorra a integração do grupo. Esse é um dos motivos que nos faz acreditar que o brincar promove as relações e a vida em sociedade. A segunda fase é a fase da agressividade que pode ocorrer para com o adulto, quando este está completamente disponível na relação simbólica com a criança. Ela não ataca por motivos 3 / 7

conscientes, mas sim pelo simples fato de o adulto ser adulto e ter autoridade. Em alguns momentos, a criança pode tentar justificar sua agressão. Se [a criança] justifica sua agressão, é através de produções imaginárias que exprimem a maneira como seu consciente sente o adulto: este é o lobo, o leão, o crocodilo; um ser ameaçador, devorador, que quer absorvê-la em seu desejo. [...] (aos 5 ou 6 anos) será a feiticeira, personagem maléfica com poder oculto; o fantasma, poderio oculto, ou o policial, símbolo da repressão social (LAPIERRE; LAPIERRE, 2002, p. 67). A brincadeira é um movimento cultural, no qual é expresso o cotidiano de quem brinca. A agressividade na brincadeira, se mantiver o nível simbólico, é plenamente saudável para o desenvolvimento das crianças. A brincadeira é, antes de tudo, uma confrontação com a cultura. Na brincadeira, a criança relaciona-se com conteúdos culturais que ela reproduz e transforma, dos quais ela se apropria, dando-lhes uma significação. A brincadeira é a entrada na cultura, numa cultura particular, tal como ela existe num dado momento, mas com todo seu peso histórico (BROUGÈRE, 2000, p. 76-77). O ato de brincar, naturalmente, promove relações que compreendem resolução de conflitos. Quando uma criança pede insistentemente que o adulto interceda por ela para resolver seus problemas, ela estará cada vez mais dependente do outro para fazer suas tarefas. O papel do adulto, portanto, durante as brincadeiras, além de divertir-se junto com as crianças, é promover a autonomia, para que elas possam ir encontrando sua identidade que, num primeiro momento, pode estar um pouco misturada com a do adulto. A procura sistemática da proteção do adulto mantém a dependência, e não permite que a criança afirme sua identidade. A criança que se beneficia constantemente da proteção do adulto se faz cada vez mais fraca para manipular este último em seu proveito e em detrimento dos outros (LAPIERRE; LAPIERRE, 2002, p. 70). Já a terceira fase diz respeito à domesticação. A criança, durante sua brincadeira, procura fazer com que o adulto a sirva de alguma forma, sendo seu cavalo, cachorro, até mesmo sendo morto e depois ressuscitando. Isso acontece devido à necessidade da criança em afirmar seu próprio poder, numa espécie de inversão de papéis (LAPIERRE; LAIERRE, 2002, p. 71), impondo ao adulto o seu desejo, o qual, fora da brincadeira, nem sempre é possível ser expresso. Essa fase também compreende um passo essencial para a busca da identidade. Ao inverter os papéis de dominação, sem suprimi-los, a criança mantém uma relação de dominação-dependência (LAPIERRE; LAPIERRE, 2002, p. 72). Essa relação é em seu proveito, mas não dura muito tempo, somente o tempo da brincadeira, mudando assim que esta acaba sem ser questionada. 4 / 7

Para ilustrar essa fase, contamos uma situação vivida por uma de nós, na brincadeira com uma criança. Adulto e criança não se conheciam antes do momento vivido. A primeira etapa foi de reconhecimento do local, dos brinquedos e das potencialidades do próprio corpo. Houve uma passagem rápida pela agressividade; na maior parte do tempo, porém, a brincadeira era de cuidar do adulto; naquela hora, ele era um bebê, e ela era o pai. Enquanto ajeitava a sala, dizia: O papai vai arrumar tudo e, depois, vai trabalhar, cuidando sempre o bebê com o olhar. Num determinado momento, o bebê começou a chorar, e ele, mais que depressa, providenciou umas sete mamadeiras para o bebê mamar. Essa aproximação de dominação durante a brincadeira promove, entre outras questões, um fortalecimento das relações afetivas fora dela. Por fim, a quarta fase, a de fusionalidade, é aquela na qual a criança exerce uma espécie de relaxamento ou reflexão profundos, juntamente com o adulto ou sozinha. Pelo fato do adulto não lhe impor seu desejo e não dominá-la na brincadeira, a criança não precisa mais realizar as questões citadas nas fases anteriores, permitindo-se uma relação mais autêntica e próxima ao adulto. Nesse momento, a busca das crianças é por calma, bem-estar, calor afetivo, segurança, entre outros. O BRINCAR ESTÁ DESAPARECENDO? Ora, se as crianças inibem-se num primeiro momento, agridem em outro, desejam dominar o adulto numa fase seguinte, e se isso pode ser superado apenas pela ação do adulto de não se impor na brincadeira, por que estamos retirando dos espaços de Educação Infantil a brincadeira espontânea? Por que professores e professoras dessa faixa etária muitas vezes não se permitem brincar junto com as crianças? Por que forçam crianças ainda tímidas a entrarem nas brincadeiras, sem esperar o tempo que necessitam para assimilar o novo contexto, os movimentos que ali acontecem e os jeitos de todos que fazem parte daquele espaço? Por que não conseguem ajudar crianças a transformarem sua agressividade em brincadeira? Certa vez, a mãe de uma criança de um ano e meio disse: Gostaria de uma escola que 5 / 7

levasse a educação a sério, sem muita brincadeira, sem muita fantasia... Outra mãe ainda disse: Não gostaria que contassem contos de fadas; as crianças assustam-se com o lobo, a bruxa, o gigante... Do que será que essas pessoas estão falando? De um mundo real, concreto, palpável, sem a imaginação? Sem a pitada de ludicidade? Sem a brincadeira? Brincar é atividade infantil; por meio dela, as crianças aprendem sobre o mundo do adulto, simbolizam os fenômenos que geram medo, imaginam e realizam desejos; acima de tudo, desenvolvem-se do ponto de vista cognitivo, afetivo, linguístico, motor, psicomotor e das relações. Ao desejarmos colocar a criança em contato com o mundo como se não houvesse o faz de conta ou em contato com o faz de conta como se não houvesse o mundo, estamos propondo uma divisão de um todo que é indivisível. Para sermos inteiros, precisamos simbolizar, e a criança, a partir dos dois anos mais ou menos, depois que explorou o mundo como ele é, precisa desenvolver a sua capacidade de fazer de conta para poder aprender a seguir elementos da cultura escrita, por exemplo. Brincar faz parte do nosso desenvolvimento como seres humanos. Quem se encontra no espaço da Educação Infantil precisa ter claro que brincar nada tem a ver com realizar atividades programadas; brincar não tem regras explícitas, mas elas vão se tornando implícitas no próprio ato de brincar. Por isso, educadores, pais, professores, observem as crianças brincando ou entrem na brincadeira sem querer impor regras. Se fizerem de forma diferente, não chamem essa atividade de brincar. Para ter uma ideia do que é brincar espontaneamente, acesse o site do CIAR Centro Internacional de Análise Relacional e busque conhecer a Psicomotricidade Relacional. Outra indicação é o livro Palmas prá que te Quero A Magia dos Jogos de Mãos (SPRÉA; SOUZA, 2010); além de brincadeiras com mãos, o livro também contém algumas letras e partituras de canções infantis. Descubra que pátio da escola é para correr, para pular, para realizar ações corporais de movimento. Se a criança não viver as experiências de cair, levantar, ralar o joelho, desviar de obstáculos, tropeçar, desequilibrar, ela não conseguirá criar defesas necessárias para viver de forma interdependente. 6 / 7

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BROUGÈRE, G. Brinquedo e cultura. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2000. LAPIERRE, A. Psicomotricidade relacional e análise corporal da relação. Curitiba: Ed. UFPR, 2002. LAPIERRE, A.; LAPIERRE, A. O adulto diante da criança de 0 a 3 anos: psicomotricidade relacional e formação da personalidade. Curitiba, Ed. da UFPR: CIAR, 2002. SANTOS, S. M. P. Brinquedo e infância: um guia para pais e educadores em creche. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2010. SPRÉA, N.; SOUZA, F. Palmas prá que te quero: a magia dos jogos de mãos. Curitiba: Parabolé Educação e Cultura, 2010. 7 / 7